segunda-feira, 17 de março de 2008

LÉVY, Bernard-Henri - PAIXÕES DEMAIS


Erro do presidente francês Nicolas Sarkozy está em desprezar o "corpo sagrado" do poder

BERNARD-HENRI LÉVY

Há um livro que diz tudo. Um livro antigo, quase um clássico, mas que, estranhamente, poucos se lembram de citar. Publicado em 1957, chama-se "Os Dois Corpos do Rei" [editado no Brasil pela Companhia das Letras]. Seu autor foi um historiador judeu alemão, medievalista que emigrou para os EUA no fim dos anos 1930: Ernst Kantorowicz (1895-1963).
E, se eu tivesse apenas um conselho a dar a Nicolas Sarkozy [presidente da França] e aos que, a seu redor, cuidam de sua imagem -e, principalmente, da imagem que ele passa de sua função-, seria que deixassem tudo de lado e se debruçassem sobre esse grande livro, essa obra-prima de história da Idade Média e, ao mesmo tempo, de ciência política contemporânea.
Qual é exatamente a tese de Kantorowicz? Resumindo a grosso modo, ela consiste em dizer que um soberano, qualquer que seja, não tem um corpo, mas dois. Ou, mais exatamente, que um homem, no instante preciso em que alcança o poder supremo, vê seu próprio corpo, seu ser, literalmente cindir-se em dois. De um lado, um corpo comum, que Kantorowicz chama de profano, que se parece com todos os corpos, que tem os mesmos desejos que eles, os mesmos arrebatamentos, as mesmas paixões. Do outro, um corpo sagrado, desligado das manobras dos outros corpos, tão impassível quanto o outro é apaixonado, tão mudo quanto o outro é loquaz e caprichoso -um corpo que, se não é místico, pelo menos é misterioso, imaterial, invisível, do qual se diz que tem por membros seus súditos ou que é do mesmo estofo que a instituição maior que encarna.
E o que essa teoria conclui -ou, melhor, o que ela sugere- é que a questão do poder, de seu exercício, de seu prestígio, é sempre uma questão de dosagem: entre o corpo vulgar e o corpo etéreo, entre o corpo perecível e o corpo sublime que se confunde com o Estado e garante sua perpetuidade, as proporções podem variar, mas deve haver uma proporção, coexistência, e proporção é um princípio inegociável.
Muita carne
Visto assim, o caso Sarkozy é simples. Excesso de corpo profano, insuficiência de corpo sagrado. Um corpo profano que ocupa todo o espaço, que engole o corpo sagrado. Excesso de carne, poder-se-ia dizer, excesso daquela primeira carne, a das paixões comuns, do prazer banal -e um eclipse inédito, jamais visto em qualquer regime, desse outro corpo que não goza, que não é submetido à paixão e que, por isso mesmo, impõe distância e respeito. Eu observo o presidente e, ao contrário de seus adversários, com uma dose de simpatia. Mas o problema não é sua "vida privada" -François Mitterrand [1916-96] teve uma que ele expôs, no final, de modo pelo menos igualmente ostentatório. Não é a "grosseria" de suas palavras -o "F..., imbecil!" que gritou no Salão da Agricultura para um homem que o insultou é realmente mais chocante do que a explosão de Jacques Chirac [presidente de 1995 a 2007] contra a segurança israelense em 1996, quando visitou o Muro das Lamentações, em Jerusalém? Não é tampouco que seja presente demais, em excessivo contato com a política do dia-a-dia -afinal, não foi por isso e pela energia supostamente correlata que o eleitorado o escolheu? Não. O verdadeiro problema, o que a opinião pública sente de modo confuso e não lhe perdoa, é ter dispensado o outro corpo, o sagrado, aquele que Kantorowicz, Dante (1265-1321) e Shakespeare (1564-1616), em "Ricardo 2º", pensam e encenam, assim como os doutrinários modernos do príncipe e de sua graça. O problema, o verdadeiro, o que mina sua popularidade e que amanhã impedirá sua ação é que esse homem normalmente tão atento às famosas "raízes cristãs" da França se torne de repente completamente cego para essa parte da herança cristã que é, nesse caso, o limite insuperável para uma laicidade plena e inteira. Podíamos sentir esse outro corpo em Chirac, Mitterrand, De Gaulle, Clinton e até no pobre George W. Bush; apesar das eventuais vulgaridades, adivinhava-se a aura, a presença difusa; em seu jovem sucessor não sentimos mais nada, e é isso que é trágico. Mas talvez a coisa obedeça, em seu espírito, a uma estratégia clara e consciente. Talvez ele pense em impor, assim, uma nova figura do soberano que, mais uma vez, romperia com os hábitos. E, ao fazê-lo, talvez ele até acredite ganhar vantagem em relação aos comentaristas que despreza e que estão atolados no passado. Se for esse o caso, ele se engana. Pois há passado e passado. Há um passado do qual fazemos tábula rasa e outro com o qual não se brinca. A teoria de Kantorowicz não é uma hipótese, mas um teorema -e, por definição, os teoremas não têm exceções.
A íntegra deste texto saiu no "Le Point". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1603200810.htm

segunda-feira, 10 de março de 2008

FRASES SOLTAS...

1) "Os seres humanos me assombram" (ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros. RJ, Intrínseca, 2007, p. 478 (frase q encerra o livro).

2) "Porque cremos que a visão se faz em nós pelo fora e, simultaneamente, se faz de nós para fora, olhar é, ao mesmo tempo, sair de si e trazer o mundo para dentro de si". (CHAUI, Marilena. Janela da alma, espelho do mundo. in O Olhar, Adauto Novaes... (et al.) São Paulo, Cia de Letras, 1988, p. 33)

3) "Todo mundo fala de ética e reclama de ética, mas os comportamentos individuais são sempre pautados pelos interesses próprios e o interesse próprio não é ético e nem político no sentido de que também não é comum. A ética e a política são sempre coisas que nascem da comunidade por trás dele, suas ações não têm medida..." (SILVA, Franklin Leopoldo e. Entre a singularidade e a homogeinização. in Revista Filosofia - Ciência e Vida, Escala, SP,n. 17, 2007, p.11)

BOFF, Leonardo: O PROCESSO DA VIDA E O ABORTO


Há tempos foram-se feitas duas perguntas. Recolho as respostas. 1. Como o senhor define a concepção de "vida"?
Resposta: O tema "vida" é objeto de muitos estudos, especialmente a partir da nova biologia, da teoria do caos e das ciências da complexidade. Superou-se a visão darwiniana que estudava a vida somente a partir dos organismos vivos e da biosfera. Hoje trata-se de inserir na discussão da vida todos os seus pressupostos cósmicos, físico-químicos, a consideração quântica dos campos e redes de energia sem os quais não se entende a vida. Como diz Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo: "Tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida. Por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria danificado o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir" (Ediouro 2005, p. 121).
A tendência atual da pesquisa é ver a vida como uma expressão de todo o processo evolutivo. Ao alcançar certo grau de complexidade e estando longe do equilíbrio (certo nível de desarranjo de uma ordem dada), emerge a vida como auto-organização da matéria. Sempre que isso ocorre, em qualquer parte do universo, a vida eclode como um imperativo cósmico. É a tese entral de Christian de Duve, prêmio Nobel de biologia, em seu famoso livro Poeira vital (1977, Campus). A vida humana é entendida como subcapítulo do capítulo da vida. Para entender a vida deve-se, pois, observar todo o processo evolutivo com as pré-condições que possibilitaram outrora e ainda hoje possibilitam a emergência da vida. Isso não define a vida. Apenas tenta explicar como surgiu. Ela mesma é uma emergência misteriosa até para os próprios cientistas.
2. Quando se fala sobre o início da vida, a Igreja Católica afirma que ela começa no momento da concepção, em que óvulo e espermatozóide se encontram. Assim sendo, mulheres que optam por realizar um aborto são acusadas de terem cometido um atentado contra uma vida em potencial. Como avaliar a definição de vida entre um embrião ou feto e uma mulher?
Resposta: Se inserirmos a vida no processo global da evolução, não nos podemos contentar com essa visão assumida oficialmente pela Igreja nos dias atuais. Na Idade Média não era assim, pois para Tomás de Aquino a humanização começava apenas após 40 dias da concepção. A Igreja, para efeito de sua ética interna, pode estabelecer um momento da concepção da vida humana. Mas ela deve estar consciente de que está entrando num campo no qual não tem competência específica, o campo da ciência. Se entendermos a vida como um processo cósmico que culmina na fecundação do óvulo, então devemos cuidar de todos os processos necessários para a emergência da vida, como a infra-estrutura ambiental e social. Tudo o que concorre para o surgimento da vida deve ser objeto do cuidado por parte de todos. Todos os seres, especialmente os vivos, são interdependentes. Não dá para pensar a vida humana fora do contexto maior da vida em geral, da biosfera e das condições ecológicas que sustentam o processo inteiro. Tais conhecimentos mal são evocados no debate atual.
Ademais devemos entender a vida humana processualmente. Ela nunca está pronta. Lentamente vai desenrolando o código genético que conhece várias fases, até que o ser concebido ganhe relativa autonomia. Mesmo depois de nascidos, nós não estamos ainda prontos, pois não temos nenhum órgão especializado que assegure nossa sobrevivência. Precisamos do cuidado dos outros, do trabalho sobre a natureza para garantir nossa sobrevivência. Estamos sempre em gênese. Todo esse processo é humano. Mas ele pode ser interrompido numa das fases. Isso quer dizer, ocorre a interrupção de um processo que tendia à plenitude humana mas que não foi alcançada. Nesse quadro pode ser situado o aborto. Devemos proteger o mais possível o processo, mas devemos também entender que ele pode ser interrompido por razões aleatórias ou pela determinação humana. Esta não é isenta de responsabilidade ética. Mas ela deve atender ao caráter processual da constituição da vida até alcançar a autonomia. Não é uma agressão ao ser humano propriamente dito, mas ao processo que tendia constituir um ser humano. - Leonardo Boff - Teólogo.

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/ - Acesso 10/03/2008

ECONOMIA DE ROBIN HOOD

A burrice incansável...

Ubiratan Iorio E C O N O M I S TA

A patologia da mentira latino-americana inocula na cabeça de inocentes, desde a mais tenra infância, que, se João é pobre, é porque Pedro é rico... Se considerarmos dois outros falsos dogmas do socialismo-marxismo, o da crença na existência de um estado natural de abundância e o de que a economia é sempre um bolo de dimensões fixas, não causam espanto algumas tentativas de experimentações da economia de Robin Hood, de tirar dos ricos para dar aos pobres, de que o Imposto sobre Grandes Fortunas (ISGF) ­ parvoíce agora ressuscitada por alguns sindicatos no bojo da "reforma tributária" do companheiro Mantega ­ é mais um triste exemplo, ao lado de outras aberrações, como as propostas de mais alíquotas para o imposto de renda da pessoa física e de abolição da demissão por justa causa.
Alguns políticos e sindicalistas sempre souberam chacoalhar as árvores para apanhar no chão os frutos, mas nunca desconfiaram que, antes, é preciso plantá-las... Suas proposições ostentam o viés demagógico e o interesse político e eleitoral de aparecer na mídia. Como as tolices são abundantes e o espaço é escasso, comento hoje apenas uma delas. A implantação do ISGF, também chamado em alguns países de "Imposto de Solidariedade sobre Grandes Fortunas" (solidariedade compulsória não é solidariedade, mas extorsão, diga-se de passagem), só causaria efeitos devastadores sobre a economia: fuga de capitais; desestímulo à poupança e aos investimentos e, portanto, ao crescimento econômico; imobilização dos fluxos de capitais internacionais; punições ao trabalho e ao desejo legítimo de progredir na vida; empobrecimento generalizado; forte exortação à lavagem de dinheiro; e conclamação à sonegação.
Em todos os países onde foi aplicado, o ISGF mostrou altíssimo custo de arrecadação e baixíssima produtividade fiscal: Itália, Irlanda e Japão o abandonaram; em Espanha e França os resultados foram também decepcionantes; na Índia, economia emergente, foi outro fracasso. E a explicação é simples e natural: tributar pesadamente, tirando dos mais capazes e motivados para dar aos menos capazes ou menos dispostos, em geral redunda em punir os primeiros, sem capacitar nem corrigir os segundos. A solução, óbvia, é mandar Robin Hood às favas e prover os menos preparados de boa educação e saúde, sob leis que estimulem o trabalho, o emprego, o esforço e a parcimônia.
Ademais, esse imposto embute outro enorme defeito: a riqueza ou patrimônio é um estoque e, como qualquer estoque, é formado por fluxos ­ no caso, os dos rendimentos do trabalho e do capital ­ e, portanto, ao taxar o estoque, ocorre dupla tributação, pois os fluxos já foram tributados diretamente pelo Imposto de Renda sobre rendimentos do trabalho e do capital. Só mesmo a doença da cegueira ideológica, o atributo da burrice e o vício da preguiça o apóiam...
E isso não é tudo, porque há ainda sérios problemas operacionais: o que é uma "grande fortuna"? É um simples valor monetário? Uma fração dos grandes contribuintes do Imposto de Renda? Qual o sujeito passivo do imposto, apenas as pessoas físicas ou, também, as jurídicas? Que patrimônio deve ser tributado, o líquido ou o bruto? As alíquotas devem ser proporcionais ou progressivas? Será universal ou apresentará exceções? E o que dizer com respeito aos preceitos constitucionais que proíbem confiscos e garantem direitos de propriedade e de herança? Incidirá sobre toda a "riqueza" ou somente sobre bens que denotarem "suntuosidade"? Neste último caso, o que seriam bens "suntuosos"? Garrafas de Romanée-Conti? Saca-rolhas de R$ 900?
A idéia do ISGF nasceu em 1989, por proposta do então senador Fernando Henrique Cardoso, que estabelecia pagamento de 0,3% a 1% para fortunas acima, em moeda atual, de R$ 100 mil. Agora, uma deputada do PSOL pretende ampliar as alíquotas para faixas que iriam de 1% a 5%, que incidiriam sobre fortunas a partir de R$ 1 milhão. É a ignorância econômica explicitada em números. Em um momento em que o país carece de uma verdadeira reforma que reduza o astronômico número de tributos, diminua e simplifique alíquotas e promova o federalismo fiscal, é, francamente, de causar indignação ver nédios representantes do povo, dos trabalhadores e da burocracia incrustada em Brasília brincando de Robin Hood e declamando que pagar impostos seria "cidadania". Porque cidadania é exatamente o contrário: é controlar os gastos do governo e respeitar os contribuintes.
É lamentável que a burrice seja incansável e que campeie em nossas plagas...

http://ee.jornaldobrasil.com.br/reader/ 10/03/2008

sexta-feira, 7 de março de 2008

MOSER: Embriões congelados: por trás dos bastidores


Todos nos alegramos com os avanços das ciências e das tecnologias. Entre essas, com razão, vêm merecendo destaque a biogenética e as biotecnologias. Pela biogenética vão, cada vez mais, sendo desvelados os mistérios da natureza e da vida. Pelas biotecnologias cresce o biopoder, ou seja, a capacidade de interferir sobre os mecanismos mais secretos da vida. Com isso temos razões para sonhar com uma “casa” onde, apesar de todas as contradições inerentes à condição humana, todos tenham a satisfação de viver muito e com melhor qualidade de vida.
Uma vez sinalizado o que se passa no palco, cabe agora localizar alguns personagens que atuam por trás das cortinas dando origem a estranhos ruídos. A comparação do “palco” e dos “bastidores” não é fortuita. Para evidenciar os muitos interesses que estão em jogo, convém não esquecer que nestas últimas décadas questões relacionadas com a biogenética e biotecnologia passaram a ocupar lugar significativo não só na mídia, como também nos meandros da economia e da política. Ao lado do compreensível sensacionalismo com o qual são enunciadas eventuais descobertas ou simples possibilidades remotas de que um dia se chegue a algum resultado mais concreto, é preciso armar-se de alguma malícia para encontrar os atores ocultos e seus reais interesses.
Antes de mais nada, quando tratamos de biogenética e biotecnologia sempre carregamos conosco concepção antropológica. Quem parte do pressuposto de que o ser humano é química, e somente química, nunca passará do plano biológico. Entretanto, para quem visualiza o ser humano na multiplicidade de dimensões e na complexidade dos fatores que sobre ele atuam, nada mais simplório do que apostar todas as cartas numa única dimensão. Por isso mesmo, quando se trata de qualificar alguém como saudável ou não, as divergências são inevitáveis. As divergências serão maiores ainda quando se raciocina em termos de felicidade ou infelicidade. Na pressuposição biologista os bem-dotados são todos muito felizes, enquanto os portadores de alguma deficiência, ou alguma limitação, serão sempre desgraçados.
Ademais há evidente desejo por parte de alguns setores da sociedade em exagerar quando se trata de doenças de cunho genético, como também há evidente empenho por ocultar outros fatores que se encontram na origem de um bem maior número de sofrimentos. Há ainda pouco tempo parecia que todos os problemas da humanidade se resumiam nos “incontáveis” casos de anencefalia. Agora amplia-se um pouco o leque de preocupações desde que nestas não apareçam fatores econômicos, sociais, psíquicos, afetivos, morais. Para alguns, saúde pública é sinônimo de liberação de embriões para experiências e descriminalização do aborto, sem adjetivos. Pela lógica desse raciocínio, daqui a pouco a saúde pública vai exigir também a eutanásia.
Mas há ainda outro personagem que ficam sufocados por trás das cortinas do palco. Ele denomina-se sentido da vida. Ele é impedido de aparecer, pois com ele se encontram uma concepção de sexualidade, uma concepção de amor, uma concepção de matrimônio, uma concepção de dignidade e naturalmente uma concepção de reprodução humana. Claro que ninguém vai questionar a busca de melhoria das espécies vegetais e animais por meio de técnicas cada vez mais sofisticadas.
Entretanto, a não ser que queiramos assumir os princípios da eugenia, não há como silenciar diante dos pressupostos mecanicistas e materialistas que a denominada reprodução assistida carrega consigo. No caso já não estamos diante de um apoio que a tecnologia pode e deve oferecer aos seres humanos, mas estamos diante de uma substituição pura e simples do que mais caracteriza o humano, que são gestos concretos de amor. E isso se denomina de manipulação, no sentido mais forte da palavra, pois a vida nascente não é mais tratada como vida, mas como “material biológico”.
E, ao ser considerada material biológico, passa a ser tratada como simples mercadoria, com o conhecido cortejo de toda sorte de malefícios que a acompanham. A casuística que se levanta em torno dos presumíveis 30 mil embriões congelados, só no Brasil, bem como a compaixão pelos que sofrem não passam de cortina de fumaça. E essa cortina visa impedir que sejam levantadas questões mais sérias e incômodas para todos — sobretudo para os donos do poder e do biopoder. (Frei Antônio Moser - especialista em bioética - Jornal Correio Braziliense, 05/03/2008 - http://www2.correioweb.com.br/cbonline/opiniao/pri_opi_59.htm)

NAVEGAR É PRECISO...

"Nem CAetano nem Pessoa. A frase é bem mais antiga.

"Navegar é preciso, viver não é preciso." Os versos de Os Argonautas, de Caetano Veloso, são uma homenagem a Fernando Pessoa e seu poema "Navegar é preciso", de 1914. A frase, porém, não é do poeta português. Ele se inspirou em Roma.

Pessoa cita "navegadores antigos" marujos sob comando de Pompeu, general que viveu numa época de instabilidade, com guerras e ataques piratas. Por volta de 70 a.C., Pompeu foi enviando à Sicília para escoltar uma frota com provisões para Roma, que passava fome diante de uma rebelião de escravos liderada por Espártaco. Com os navios prontos para partir, o comandante da frota anteviu uma tempestade e sugeriu a Pompeu que adiassem a partida. Segundo o historiador romano Plutarco, foi nessa hora que o general disse: "Navigare necesse, vivere non necesse".

Ao chegar a Roma, Pompeu foi eleito cônsul com o apoio das camadas mais populares, que o viam como herói. Depois, comporia o primeiro triunvirato, governando Roma com Crasso e Júlio César. (Celso Miranda - Dito e Feito - Revista Aventuras na História, ed. 56, março 2008, p.19)