domingo, 13 de dezembro de 2009

Amor de velhice

Rubem Alves*

Remexendo a esmo meus baús de ideias encontrei essa frase que me comoveu: “Um homem velho amando é como uma flor que floresce no Inverno.” Não havia indicação de quem era o autor. Também não tinha importância. Que importância tem o autor? Vale para as palavras aquilo que Ângelus Silésius disse sobre a rosa: “A rosa não tem porquês. Ela floresce porque floresce.

Mas não há como negar o fato de que flor florescendo no inverno e velho namorando na velhice são fatos estranhos, incomuns, vão contra a natureza, causam espanto. Os filhos vendo as florescências do amor no rosto do velho pai ou da velha mãe tratam de tirar a tesoura de podar da caixa de ferramentas porque velho amando é ridículo.

Já escrevi um livro que conta estórias de velhos apaixonados: T.S. Eliot, Florentino Ariza e Fermina Dazza, Hiroshi Okumura o jardineiro japonês apaixonado pela alemãzinha “Fräulein”... É preciso reconhecer que um velho e uma velha namorando de mãos dadas é uma cena comovente. Mas um velho e uma velha trocando beijos e abraços num jardim causa uma reação de espanto...

A Cristina Mattoso me contou essa singela e dolorida estória que desejo compartilhar com vocês:

Eles moravam numa pequena cidade do interior do estado do Rio. Ele era muito querido por todos apesar da sua juventude, pouco mais de trinta anos de idade.

Ela era professora e tinha quase vinte anos quando se apaixonou por ele.

Ele era simpático, bonitão, estudioso e tímido. Ela era bela, delicada, discreta. Na década de 30 as mulheres deviam saber esperar. Se a mulher desse o primeiro passo na direção do homem ela seria mal falada.

Passaram-se dez anos sem que se tornassem amigos. Só se viam de longe e só trocavam as palavras essenciais. Ele não se casou. E nem ela.

Um dia, repentinamente, ela precisou partir para São Paulo. Sua irmã mais velha havia falecido e deixado três filhos ainda pequenos para criar.

Seu cunhado era um homem atraente, de olhos profundos e poucas palavras. Desnorteado, não sabia o que fazer da vida. Cuidado vai cuidado vem, ela se afeiçoou pelas crianças e por aquele homem endurecido, que sorria pouco e lindo. Aconteceu o inevitável. Ele perguntou se ela queria casar-se com ele... Ela contou a verdade: que sentia um amor sem futuro por um outro homem mas que se ele a aceitasse mesmo assim, ela se casaria com ele.

Ele aceitou. Casaram-se, tiveram outros filhos e viveram relativamente bem.

Depois de muitos anos e alguns netos, um dia ela recebeu um telefonema surpreendente. Era a irmã do então jovem médico que a estava avisando que ele tinha se mudado para S Paulo. Velho e doente queria vê-la. Com as mãos tremulas anotou o endereço e com o coração agitado procurou seu marido e contou o que estava acontecendo.

Para sua surpresa o marido imediatamente se levantou, vestiu o paletó e disse: Vamos !

Seguiram para o hospital. O marido a deixou na porta do quarto avisando-a que a esperava no saguão.

Tiveram então, os dois, a primeira longa conversa de suas vidas. Ele confessou que a havia amado a vida inteira e que só a proximidade da morte lhe havia dado a coragem de se aproximar.

Não se sabe o que se passou nem o que sentiram quando se viram velhos e amados um pelo outro. Certamente seguraram-se as mãos eternamente...

*Rubem Alves é escritor, teólogo e educador
FONTE: Correio Popular online, 13/12/2009

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