segunda-feira, 30 de abril de 2012

A crise europeia. Tragédia... Entrevista com Costa Lapavitsas

Ele já havia alertado sobre isso em diversas oportunidades: a Grécia deve calotear sua dívida e sair do euro. E uma vez mais, o grego Costas Lapavitsas repetiu-o de maneira enfática para o caderno Cash: se os gregos “aceitam ser um recanto da Europa para fazer férias, então podem permanecer na União. Caso não aceitarem isso, devem sair do euro”. Destacado economista marxista, o professor da Universidade de Londres foi um dos convidados para participar, em Buenos Aires, do Congresso de Economistas Heterodoxos, organizado pela Universidade Nacional de Quilmes.

A entrevista é de Natalia Aruguete e está publicada no jornal argentino Página/12, 15-04-2012. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.
Qual é a principal causa da crise europeia?
A causa mais profunda é a estrutura do sistema monetário europeu, que produz diferenças entre os países centrais e periféricos. Concretamente, gera dívida nos países periféricos para com os centrais. Mas a forma que este tipo de problema vem tomando é diferente em cada país periférico.

Por exemplo?
No caso da Grécia, o problema é a dívida pública. Na Irlanda, a dívida dos bancos. Em Portugal, os créditos privados e as hipotecas. Um aspecto muito importante é que a crise europeia, que nasceu como crise da periferia, agora está se movendo para os países centrais europeus, e ali também a dívida aparece no centro da crise. Agora a dívida é importante, mas é o epifenômeno, por trás há outro fenômeno.

Qual?
Estão se desenvolvendo duas tendências chaves. A primeira é a persistência do déficit de acumulação, os países maduros (centrais) têm problemas de dinamismo de seu capitalismo e não encontram novas áreas, o que se torna um problema para a capitalização: sua taxa de juros não cai, mas também não cresce. Isso evidencia sua impossibilidade de poder continuar. Há um estancamento salarial na Alemanha e nos Estados Unidos. A segunda tendência é a financeirização. Como o capital perde dinamismo produtivo, a financeirização vai ganhando espaço e começa a intervir em setores em que antes não intervinha. A combinação atual é produção baixa e dívida alta. É uma briga de bolhas.

Qual é a diferença entre a crise bancária e a crise da dívida? Angela Merkel faz esta distinção e atribui responsabilidades diversas em relação a cada uma.
A dívida é importante em todas as categorias: doméstico, empresas do Estado e bancos. A questão da dívida entrou em todos os espaços e vai permanecer por muitos anos. Mas a dívida é o resultado, não a causa de tudo o que estamos falando. A dívida bancária está relacionada, mas é diferente. É um aspecto particular e muito perigoso da crise capitalista.

Por quê?
Porque os bancos são o sistema nervoso do capitalismo atual. Na crise financeira de 2007, os Estados intervieram rapidamente e tomaram a responsabilidade para si para evitar o colapso bancário. Se tivesse havido uma crise bancária, teria sido outra crise. Quando se fala de crise financeira, pensa-se em falta de liquidez. Mas a crise financeira é uma coisa muito ampla. Em uma crise bancária, que é algo muito específico, os bancos estão no centro. Neste caso é diferente porque os bancos foram salvos. O problema é que os bancos têm dívidas de má qualidade. Isto se torna um problema de solvência. As crises financeiras são crise de liquidez; nas crises bancárias, ao contrário, não se paga, há uma quebra. Isso faz a diferença. Nos últimos quatro ou cinco anos, os Estados estiveram muito atentos para que a crise financeira não se tornasse um colapso bancário.

Como descreveria a dinâmica dos Estados para enfrentar a crise?
O Estado é a alma do capitalismo e do neoliberalismo. O neoliberalismo sem o Estado não tem possibilidade de existir. Portanto, o Estado previu que não fora uma crise do alcance da de 1930. Esta dinâmica tomou três formas. A primeira forma de intervir foi baixar a taxa de juros. Isto implica em subsidiar os bancos que tomam os créditos muito baratos do Estado, com taxa quase zero, e depois o emprestam. A segunda forma foi, diretamente, capitalizar os bancos com dinheiro público. Quando os bancos vão mal, têm o setor público para capitalizá-los. Isso é muito barato! A terceira foi dar-lhes liquidez para que tivessem a janela aberta e tirar dinheiro a qualquer momento. O Estado faz o controle, o monopólio da emissão monetária. Também controla os ingressos fiscais. Ambos os mecanismos dão o poder para intervir e subsidiar os bancos.

Como avalia este comportamento do Estado?
O Estado intervém como classe: utiliza recursos sociais para subsidiar o setor financeiro. Nem todos os Estados podem operar da mesma maneira e essa diferença deve-se ter em conta. Os países periféricos tentaram fazer o mesmo, utilizar os mesmos mecanismos, mas eles também são fracos, e seus próprios problemas os impediram de participar desta crise. Quando o setor financeiro funciona mal, o Estado o salva e, ao mesmo tempo, o setor financeiro prejudica o Estado, o fragiliza porque coloca sobre ele um peso enorme. É uma questão contraditória: o Estado salva e, ao mesmo tempo, se afunda.

Vê alguma relação entre esta atitude dos Estados e o crescente poder do setor financeiro e sua influência no sistema político?
No imediato, este setor tem grande incidência na ação política em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Grécia, Portugal e Irlanda. É difícil comparar, mas tem influência em todos os lados. Há interesses cruzados, dependências, esse tipo de vínculo faz com que possam ter poder. De fato, o setor que produz problemas também oferece ministros. Contudo, não é verdade o que muitos dizem, que eles manipulam tudo. Devemos desmistificar essa ideia.

Como se produz, então?
Na realidade há uma relação complexa, de alta interrelação, entre o setor industrial, o comercial e o financeiro. Mas não é a mesma relação que no começo do século XX, quando os bancos muito poderosos compravam tudo. Hoje, outras entidades vão aos bancos, tomam dinheiro, fazem lucros também com o dinheiro financeiro. Há uma alta relação porque há interesses complementares. Muitos na Europa estavam esperando que houvesse um conflito entre o setor comercial e financeiro, mas nada disso aconteceu.

Que problemas a tentativa de manter o euro está causando?
É muito chamativo o comportamento dos países centrais europeus em relação ao euro: sabem que mantê-lo é perigoso, mas, no entanto, não fizeram nada para mudar este desequilíbrio entre países periféricos e centrais. Não houve mudanças em relação ao desequilíbrio, que se aprofunda ainda mais com a austeridade e o ajuste.

Como vê o caso da Alemanha neste contexto?
O caso da Alemanha é muito particular porque há um encontro de interesses entre grandes bancos e exportadores, que são a coluna vertebral do euro. Para eles, o dinamismo não está no mercado interno. O mercado doméstico alemão não melhorou a situação dos empregados e não tem dinamismo. Então, muitos bancos e exportadores podem unir forças, já que são muito influentes, e tomar a posição da Alemanha para o resto do mundo. A Alemanha cuida muito zelosamente destas relações. Uma questão importante é a austeridade, que faz parte desta lógica e também vai para dentro. E ao mesmo tempo a transladam para fora, dizendo que: “vocês têm que fazer o que nós fizemos: manter os salários baixos”. Acontece que quando se cria uma comunidade econômica deste tipo, fazer o que a Alemanha está fazendo é insustentável porque está quebrando o resto da Europa.

Acredita que é possível que os governos fortes da Europa escutem vozes alternativas?
O que fizeram foi todo o contrário: afirmar a austeridade, a queda dos salários, a crise na periferia e supor que isto vai se resolver. Por isso creio que a capacidade de mudar é muito limitada.

No cenário que descreve, que análise faz da permuta da dívida na Grécia?
O mais importante que aconteceu na Europa nos últimos meses é que Mario Draghi (presidente do Banco Central Europeu) proporcionou liquidez aos bancos da ordem de um bilhão de euros. E ao mesmo tempo foi feito um acordo sobre o que fazer com a dívida grega em relação aos credores privados. Este acordo representa algum tipo de perda aos credores da dívida, mas uma pequena parcela dessa dívida foi tomada pelos bancos internacionais enquanto que a maior parte foi tomada pelos bancos gregos. O Estado se endividou outra vez para dar crédito aos bancos, de maneira que os setores privados foram retirados da crise com este “salvamento”. E, além disso, o total da dívida grega não vai cair muito, talvez uns 10%.

Mas foi apresentado como uma diminuição muito importante.
O que aconteceu com esta situação é o seguinte: os bancos internacionais não estão muito envolvidos, ao contrário dos bancos gregos, que obtêm dinheiro do Estado para não fecharem. Se alguém fizer um cálculo geral, a diminuição da dívida é muito pequena, menos de 10%. Então, essa dívida, que há dois anos era quase toda privada, converteram-na em uma dívida fundamentalmente pública. Do ponto de vista dos bancos dá essa sensação (de que foi uma diminuição importante). Mas essa é a perspectiva dos bancos porque, na realidade, a dívida grega agora passou a ser uma dívida entre Estados.

Em que sentido?
Os fundos que foram proporcionados para salvar a Grécia vieram do Fundo Monetário Internacional e de alguns países, de maneira que agora é uma questão entre governos e não dos privados com a Grécia. O custo é mais austeridade e mais liberalização. A economia grega já está em depressão e isto vai aprofundar a depressão. Portanto, as condições da quebra serão piores para a Grécia porque terão menos capacidade para enfrentar a dívida.

Acredita que neste cenário a Grécia deve continuar a pertencer à União Europeia?
Os gregos têm sua opção: se eles aceitarem um salário de 300 euros por mês, pensões de 150 euros, um desemprego de 20%, falta de trabalho para os jovens, quer dizer, converter-se em uma esquina insignificante, pequena, lateral e parada, ser um recanto da Europa para fazer férias, então podem permanecer na União. Caso não aceitarem isso, se quiserem um futuro melhor, devem sair do euro.
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Fonte: IHU on line, 30/04/2012
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