sábado, 31 de agosto de 2013

Lya Luft revê sua trajetória e o impacto da infância e da família em seus livros

 Lya Luft revê sua trajetória e o impacto da infância e da família em seus livros Fernando Gomes/Agencia RBS

O lado avesso me fascina', diz a escritora sobre a escolha dos temas de seus livros

Ao longo de uma carreira que já soma cinco décadas, foram várias as reinvenções de Lya Luft. De poeta e autora de crônicas que ela mesma considera ingênuas hoje, passou a romancista conceituada com a publicação de As Parceiras, em 1980, seguida de uma produção romanesca intensa e prolífica. Depois de uma série de dificuldades pessoais que a afastaram por um tempo da escrita, ela novamente se reinventou no alvorecer do século 21, desta vez como ensaísta best-seller após a publicação de Perdas & Ganhos. E finalmente deixou aflorar um lado mais brincalhão e menos trágico em histórias voltadas para crianças – escritas para suas netas. Em sua casa, em Porto Alegre, Lya falou ao Cultura nesta que é a quinta entrevista da série Obra Completa, que vem publicando mensalmente entrevistas críticas com grandes autores do Estado.

Cultura – A carreira da senhora começa com a publicação de um livro de poesia. Quando passa a se dedicar à prosa, publica um livro de crônicas e, só mais tarde, dedica-se ao romance, forma predominante em sua carreira. A senhora está testando seu fôlego narrativo?Lya Luft – Sempre quis escrever histórias. Era muito meninota, em Santa Cruz do Sul, e traduzia os livros infantis que lia em alemão. Sempre inventei histórias, mas nunca achei que seria escritora. Queria entender o mundo e achava que as respostas estavam nos livros. Então, eu lia feito louca. Fiz uma faculdade, fiz outra, aprendi que as respostas não estão em lugar nenhum. Depois, uma amiga me disse “Escuta, tem um concurso do IEL, manda tuas poesias”. Mandei, ganhei o prêmio, e o livro demorou a ser editado, saiu só em 1964. Comecei a trabalhar como tradutora quando a Editora Globo ainda fazia aquelas grandes coisas. Continuei trabalhando com isso, chamada por outras editoras, e fazendo poesia. E aí me deram uma coluna no Correio do Povo, que se chamava Poliedro, acho. Lendo essas crônicas muito mais tarde, achei tudo muito besta, muito cor-de-rosa, “ai, minha família”, “a lua”, coisa muito leve. E continuei a fazer poesia. Depois, o Leopoldo Boeck, da Sulina, fez uma coleção chamada Poetas Hoje, tinha livro do Carlos Nejar, Itálico Marcon. Aí, juntei uns poemas e saiu o Flauta Doce.

Cultura – E em que momento a senhora chega à prosa de ficção?Lya – A Lygia Fagundes Telles, sobre cujo romance As Meninas fiz mestrado de Literatura Brasileira, ficou minha amiga. Acho que As Meninas é um dos grandes romances brasileiros esquecidos, aquela linguagem dela... E um dia ela me disse: “Lya, você devia escrever prosa”. Aí, resolvi escrever o que achei que era uma novelinha, um pequeno romance que chamei O Túnel, um título bem besta e que era algo muito no estilo da prosa poética. Mostrei para um escritor que eu admirava muito, ele leu e disse: “Olha, Lya, está muito bonito, tu escreves muito bem, mas isto aqui não é ficção, não acontece nada”. Botei fora. Uma pena, hoje eu gostaria de dar uma olhada. Eu devia ter uns 27 anos. Aí, resolvi escrever contos, porque achava que tinha pouco fôlego. Sou prolixa para falar, mas lacônica para escrever. Já estava traduzindo para a Nova Fronteira, então mandei para o Pedro Paulo Sena Madureira, que era o grande editor naquela época. E ele, depois de uns dias, telefonou-me e disse: “Lya Luft, seus contos são todos publicáveis, eu posso publicar”. Aí eu disse: “Mas não quero ser ‘publicável’, se é só isso, não publique”. E ele me respondeu: “Mas você é romancista, todos os contos são romances abortados. Sente e escreva um romance”.

Cultura – E de onde vinha a impressão de que sua prosa tinha fôlego curto?Lya – Eu era muito tímida intelectualmente. Casei-me com o Celso Pedro Luft – eu tinha 24 anos, e ele, 42 e já era uma sumidade. E, de repente, os meus amigos eram Guilhermino César, Maurício Rosenblatt, Erico Verissimo... Saltei uma geração, então ficava quietinha escutando. Nesse meio-tempo, já lecionava, era professora de Linguística, mas não era minha vocação. Depois, tive um problema, um acidente, comoção cerebral. Fiquei gaga, desmemoriada durante um ano. Pedi demissão da faculdade e pensei: por que não escrevo de uma vez um romance? Se ninguém quiser editar, não se perde nada. Sentei e escrevi As Parceiras. Quando terminei, resolvi mostrar para o Celso, meu marido, meu mestre. Ele pegou, foi ler na varanda. E quando ele terminou, me entregou e disse: “Tá muito bom...”. Aí, mandei o romance para o Pedro Paulo Madureira por meio de uma escritora, Rachel Jardim, que era filiada àquele memorialismo mineiro bonito, A Cristaleira Invisível... Ela pôs o livro na mesa do Pedro Paulo, e ele me ligou dizendo: “Lya Luft, quero publicar esse romance e todos os que você escrever”. Saiu o livro no começo de 1980 e, de repente, eu era uma romancista. Comecei a escrever um livro atrás do outro, porque abriu aquela porta e veio uma enxurrada que estava reprimida. Eu escrevia, escrevia, escrevia, lançava um livro por ano.

Cultura – Em As Parceiras, estabelece-se uma visão que vai acompanhar toda a sua obra, a da família como um núcleo não de proteção, mas de opressão. Qual a origem dessa concepção?
Lya – É engraçado, porque as pessoas que leram As Parceiras e A Asa Esquerda do Anjo comentavam: “Coitada da Lya, deve ter tido uma infância muito infeliz, que desgraça”. E aí vai algo dos meus dois mundos, é algo que digo sempre: “Tenho um olho alegre que vive e um olho triste que escreve”. Na minha vida pessoal, não sou uma pessoa dramática. Mas tenho dentro de mim uma visão muito triste do drama existencial humano. Tive uma vida muito legal, uma infância protegida, pai, mãe, irmão pequeno, casa boa, vida no interior, brincando na calçada. Mas acho que a gente já nasce feito. Eu era muito observadora, e percebia: “Ah, aquela tia não gosta daquela avó...”. Esse mundo me fascinava, até hoje ainda me fascina. Porque eu fui infeliz? Não. Mas eu era uma criança que tinha muito medo, provavelmente porque tinha muita imaginação. Tinha medo do escuro, do fundo do corredor, de algumas casas... No romance Reunião de Família, usei uma epígrafe do Miguel Torga: “Sinto medo do avesso”. É o lado avesso da vida que me fascina. Nunca vou escrever um romance alegre. Até escrevi coisas divertidas, os livros das bruxas são meu lado gaiato, mas são para crianças.

Cultura – Essa imagem do “lado avesso” é recorrente em sua obra. No próprio Reunião de Família, a construção ficcional mostra que os personagens vão revelando seus “outros lados”. A senhora também escreveu um livro de poemas chamado O Lado Fatal. O objetivo é tentar expressar uma visão do ser humano como um ente compartimentado?
Lya – Acho que sim. Somos muito ambíguos, e nossa vida é toda muito ambígua. Sou uma pessoa extremamente ligada à família. É uma coisa de que eu preciso muito. Mas, por outro lado, sei que a maior parte das vidas das famílias é muito complicada. Vivo muito a ambiguidade. Minha mãe dizia: “A Lya está sempre no mundo da lua”. São meus dois lados. O lado do mundo da lua escreve.

Cultura – As Parceiras também inaugura um procedimento que a senhora repete ao longo da sua obra: é a memória do personagem que constrói o romance. A senhora falou há pouco do acidente que a deixou desmemoriada. Isso talvez explique um pouco esse uso da memória em sua ficção?
Lya – Nunca pensei nisso, mas é possível. Neste novo livro que está em progresso, digo que o tempo corrói tudo, mas a memória é a guardiã da vida. Dou muito valor à memória, mas não sou uma pessoa saudosista. A infância era boa, mas era muito chata, todo mundo mandava em mim.

Cultura – A Asa Esquerda do Anjo se estrutura em torno do embate entre a matriarca Frau Wolf e sua nora brasileira. É uma representação da resistência da cultura germânica a ser assimilada na experiência da imigração?
Lya – O pessoal de Santa Cruz ficou muito chateado comigo na época, acharam que eu estava tentando retratar a vida das famílias de lá, o que é uma besteirada. Claro que sempre há a figura de velhas avós, tinha uma avó matriarca, mas ela não era a Frau Wolf, a frau Wolf é um monstro. Eu não tive uma prima linda que tocava violoncelo. A minha ficção não é uma coisa tão simples que eu pegue fulano, fulano e fulano e bote num livro. Mas sempre fui rebelde. Se me dissessem que não podia passar dali, era dali que eu ia passar. Achava muito chata aquela rigidez. Com uma das minhas avós, eu tinha que falar só em alemão quando pequena, porque ela achava que português era um idioma de pessoas inferiores, e eu achava aquilo horrível. E aquelas velhas primas, porque em cidade do interior todo mundo é primo, falavam: “Nós, os alemães, e eles, os brasileiros”. E eu dizia: “Não, eu sou brasileira, eu nasci aqui”. Meus avós nem conheceram a Alemanha. Fui conhecer com mais de 40 anos... Na minha casa, não havia essas duas divisões fortes na região naquela época: os protestantes e os católicos, os brasileiros e os alemães. Isso era também uma ficção. Então, coloquei nesse livro como um símbolo de isolamento, de solidão, de rigidez, essa questão da educação. Que foi em parte a minha educação, não com aquele exagero que pus no livro, mas que era: “senta direito”, “faz isso”, não faz aquilo”, “não te queixa”. Então, nesse romance acho que coloquei a minha rebeldia contra isso. 

Cultura – Em Reunião de Família, o pai reúne uma série de imagens de autoridade. É uma forma de concentrar esse questionamento à autoridade que a senhora comentou  há pouco?
Lya – Acho que sempre fui contra a autoridade, sempre fui anárquica. Não desses que andam por aí de máscara preta quebrando os troços. Sempre fui muito rebelde, e a minha rebeldia era das pequenas coisas: por que tenho que dormir às sete e meia, por que não pode comer tal coisa? E a minha mãe dizia: “Criança não pensa, criança não tem querer, quem manda é o adulto”. Todos os meus livros são rebeldia contra a autoridade e contra a morte.

Cultura – Até A Sentinela, os homens em sua ficção são encarnações da autoridade patriarcal, tirânica e severa. Nesse livro, o pai Mateus é uma figura mais doce e dominada pela mulher exigente. Qual a origem dessa mudança de representação?Lya – Nunca havia pensado nisso, mas é verdade. A única coisa de que me dei conta é que a personagem principal, a Nora, que foi submetida a várias fatalidades, coisas de tragédia grega, como em geral em todos os meus romances, é a minha única personagem até ali que ensaia uma volta por cima, inclusive na aceitação do filho homossexual. Essa coisa da figura masculina diferente, eu não havia percebido antes. Na verdade, a minha visão do masculino, e por isso algumas amigas mais feministas implicam comigo, é muito positiva. Meu pai foi uma influência muito positiva em minha vida. Ele era um homem muito autoritário, mas, ao mesmo tempo, muito liberal. Foi ele que me formou. E tenho dois filhos homens. E estou no terceiro casamento, e nunca tive na minha vida o homem boçal, o homem autoritário que te cobra e quer te podar. Meus três maridos sempre foram pessoas que me empurraram para frente e para cima. Mas vejo muita coisa, não escrevo sobre minha vida particular. Vi muitos homens autoritários, manipuladores, irônicos, críticos. E também muita mulher chata, que cobra, que corrói... A relação humana é muito difícil.

Cultura – Em vários de seus livros, repete-se o mote do jogo infantil, uma brincadeira de criança que tem como origem um elemento sombrio e profético. Em Reunião de Família, é o “jogo do espelho”, uma brincadeira de derrisão da identidade. Em O Quarto Fechado,  há o “jogo da morte”, em que a protagonista finge que está morta. As brincadeiras em seus livros encenam os terrores da vida?
Lya – Acho que sim, que os jogos de infância são muito simbólicos. Eu me fingia de cega quando era criança, andava dentro de casa de olhos fechados. Acredito que muitos jogos infantis (que eu não sei se ainda se fazem tantos), as canções, os contos clássicos, que eram tradição oral antes de os Irmãos Grimm e do Andersen transformarem em histórias, são todos altamente psicológicos. A criança encena em seus brinquedos, é tudo muito adulto.

Cultura – Isso explica por que, em algumas de suas histórias narradas por crianças, a voz narrativa é madura?
Lya – Um dos meus livros de que eu mais gosto, que fiquei muito tempo querendo escrever e demorei para começar, é O Ponto Cego. Queria escrever a história das famílias desgraçadas pelo ponto de vista de uma criança. Mas não achava o tom. Não queria escrever com a linguagem de uma criança. Como a literatura me dá liberdade, acabei usando uma criança com linguagem adulta. Gosto muito do pobrezinho daquele menino, que quis enganar o tempo, e o tempo lhe passou uma rasteira. Sempre tem a criança, mas não só uma criança. Também porque, em O Ponto Cego, ele é um pequeno adulto. Quando comecei a escrever esse livro, falei com a minha filha, Susana, que é médica pediatra: “Sabe que eu estou escrevendo um livro com um menino, uma criança, e que, de repente, o organismo dele acelera e ele fica velhinho em poucos anos...”. E ela me disse: “Mãe, isso existe, é uma doença chamada progéria”.

Cultura – Sua obra inicial enfoca a mulher perplexa em se perceber como o “outro” na sociedade patriarcal. Nesse sentido, seus livros são feministas?
Lya – O termo está um pouco desgastado, não? Se ser feminista é valorizar a mulher, eu nasci feminista. Mas a minha obra, meu trabalho, minhas palestras, sempre foram no sentido da dignidade. Da mulher, do homem, da criança, do negro, do branco, do amarelo, do anão, não importa. Nunca fui engajada, mas, para mim, era natural que as mulheres fossem respeitadas. Eu sabia que não eram, eu via que não eram, mas queria que fossem. Mas acho meio pobre dizer “literatura feminista”, porque isso tudo já passou. Teve uma época em que eu ia para os Estados Unidos, era convidada para aqueles congressos feministas, e achava tudo muito chato. As mulheres eram tão bravas, havia tanto ódio, tanto rancor. Até acho que tinha razão de ser, mas eu não era tão radical, também achava que os homens eram uns coitados. A vida é difícil para todo mundo. Acho a vida dos homens mais solitária do que a das mulheres. Porque as mulheres têm a amiga, a comadre, se falam, as mulheres confidenciam, há uma solidariedade no sentido emocional que não sei se os homens têm.

Cultura – Nos anos 2000, a senhora deu uma pausa na ficção longa. Publicou ensaios, poesia, crônicas, um livro de contos que sai 10 anos depois de Perdas & Ganhos. Por que esse hiato?
Lya – Não tenho a menor ideia. Se soubesse, teria escrito. O Silêncio dos Amantes acho que comecei escrevendo como um romance que virou um conto, aí fiz outros contos que talvez fossem capítulos de um romance, foi uma coisa meio confusa, isso eu me lembro. E bem depois apareceu O Tigre na Sombra, porque as histórias me aparecem. Fico muito quieta, pensando, e esse pensar, de coisas meio vagas, é como se aparecessem uns bonequinhos que eu vou pendurando no varal, e eles ficam me fazendo caretas. Aí, um deles, de repente, me fascina. Foi assim com todos os meus livros. Quando escrevi Reunião de Família, estava meio cansada de escrever em sequência dois romances de pessoas sofredoras, puxando angústias. Quis fazer uma personagem que fosse a típica pacata dona de casa, a que tem varizes, que vai na feira com a sua sacola de verduras. Só que – e a minha literatura nasce muito do “só que” e do “e se” – me perguntei: “E se essa pacata dona de casa for uma falsa pacata dona de casa, que, no fundo, tem um universo diabólico?”. E aí apareceu a Alice do Reunião de Família.

Cultura – Em sua obra não ficcional recente, como Múltipla Escolha, a senhora parece olhar em volta e alega sentir falta de uma ordem segura de valores.
Lya – Hoje está tudo muito bagunçado, e estou achando tudo muito chato. As crianças mal-educadas, os adolescentes desorientados. Acho que tem mais é que se manifestar, tem muita coisa muito ruim, se eu fosse mais moça, iria para a rua. Mas a expressão de ódio que vejo quando eles estão destruindo coisas...  Isso acho meio demais. Passamos de rigidez demais para um endeusamento da juventude. Sinto falta de um meio-termo que não sei se teremos no meu tempo de vida. Podem cuspir em cima de mim, mas quem é que põe uma certa ordem? Não tem. Então, o pessoal está reclamando de coisas completamente loucas. Algumas são justas, mas outras são malucas. Sinto falta de certa ordem e não vejo uma saída tão cedo para isso.

Os Livros
> Canções de Limiar (poesia, 1964)
> Flauta Doce (poesia, 1972)
> Matéria do Cotidiano (contos, 1978)
> As Parceiras (romance, 1980)
> A Asa Esquerda do Anjo (romance, 1981)
> Reunião de Família (romance, 1982)
> O Quarto Fechado (romance, 1984)
> Mulher no Palco (poesia, 1984)
> Exílio (romance, 1987)
> O Lado Fatal (poesia, 1989)
> A Sentinela (romance, 1994
> O Rio do Meio (ensaio, 1996)
> Secreta Mirada (poesia, 1997)
> O Ponto Cego (romance, 1999)
> Histórias do Tempo (contos, 2000)
> Mar de Dentro (memórias, 2000)
> Perdas & Ganhos (ensaio, 2003)
> Histórias de Bruxa Boa (infantil, 2004)
> Pensar É Transgredir (ensaio, 2004)
> Para Não Dizer Adeus (poesia, 2005)
> Em Outras Palavras (ensaio, 2006)
> A Volta da Bruxa Boa (infantil, 2007)
> O Silêncio dos Amantes (contos, 2008)
> Criança Pensa (infantil, 2009)
> Múltipla Escolha (ensaio, 2010)
> A Riqueza do Mundo (crônicas, 2011)
> O Tigre na Sombra (romance, 2012)
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Reportagem por 
Carlos André Moreira
Fonte: ZH on line, 31/08/2013

A ‘Igreja pobre para os pobres’ e a não ordenação das mulheres


Imagem: diversidadecatolica

Após o impacto e a euforia da visita do papa Francisco ao Brasil, é tempo para reflexões. Se há alguma novidade na metodologia da Teologia da Libertação foi a pretensão (nem sempre realizada) de ser uma reflexão crítica sobre a experiência da fé no seguimento de Jesus e, portanto, das lutas pelas emancipações e libertações humanas. Após um "banho de emoções” desta visita, algumas reflexões críticas.

Uma das grandes diferenças entre a visita do papa Francisco em relação às visitas dos papas João Paulo II e Bento XVI foi o tamanho dos discursos e sermões entre eles. Papa Francisco parece acreditar mais em gestos simbólicos (não artificiais ou rituais, mas espontâneos e que comunicam por si) combinados com discursos mais breves que explicitam posições que nem sempre são claras nos gestos. Um exemplo marcante disso foi o seu discurso no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando defendeu o valor do Estado Laico e as contribuições das diversas tradições religiosas para a sociedade, em uma cerimônia que contou com líderes das mais diversas tradições religiosas e setores da sociedade.

Parece que ele crê que a melhor forma de a Igreja Católica se comunicar com a sociedade hoje é a linguagem mais simbólica que expresse os valores do evangelho. Assim, a sua presença no Brasil pode ser vista realmente como uma expressão pública do seu desejo de uma "Igreja pobre e simples voltada para pobres e pessoas de boa vontade”. Dessa forma, a Igreja seria uma testemunha com mais credibilidade do seguimento de Jesus, aquele que nem tinha onde reclinar sua cabeça (cf. Lc 9,58). Realmente, longos discursos dogmáticos podem convencer pessoas da validade de uma doutrina, mas não convertem pessoas, nem as motivam a entrar na caminhada e luta.

Se os gestos e posições simbólicos são tão fundamentais na transmissão de mensagens que vão além da descrição do que existe, que levam as pessoas a perceber a vontade de Deus e a lutar pela realização dessa vontade na Terra, eu me pergunto qual será a mensagem que a Igreja transmite ao mundo quando trata a não ordenação presbiteral das mulheres como algo definitivo.

Quando se discute o fim do celibato obrigatório e a ordenação dos homens casados, o que estão no centro do debate é se a vocação e a ordenação presbiteral estão subordinados ao celibato. Isto é, a opção de aceitar o celibato, uma decisão pessoal, é ou não condição necessária para a ordenação. Mas, quando se discute a ordenação ou não das mulheres, não está em discussão se há alguma exigência de ordem de decisão pessoal (aceitar ou não o celibato ou qualquer outra exigência), mas se as mulheres como tais são aptas ou não receber a ordenação. O que implica também se as mulheres são passíveis ou não de serem chamadas, vocacionadas, por Deus para o serviço de presbíteras na comunidade.

Ao tratar a não ordenação das mulheres como algo definitivo e não histórico ou cultural, a Igreja está dizendo ao mundo – através desse "gesto simbólico”– que há um problema "ontológico” com as mulheres que não lhes permitem ser cogitadas por Deus para serem vocacionadas à odenação. Pareceria que Deus tem algum problema ou restrição em relação ao "ser” das mulheres; parece que Deus não quer ou não pode chamar mulheres para a ordenação. 

Não trato aqui do debate doutrinário sobre a ordenação de homens e/ou mulheres; nem o papel do presbítero/clero na comunidade cristã, mas a mensagem que a sociedade percebe no "gesto simbólico” de dar como definitiva a não ordenação das mulheres. Muito menos quero discutir aqui as razões teológicas ou de política eclesiástica que levaram papa Francisco a dizer rapidamente que essa questão está resolvida. O que quero apontar é que, com essa posição, a Igreja Católica confunde a sociedade. Pois, se a "Igreja pobre para os pobres” testemunha a vida simples e pobre de Jesus na sua pregação do Reino de Deus, a Igreja que não pode ordenar mulheres não testemunha o ensinamento neotestamentário de que entre os batizados em Cristo "não há mais judeus ou gregos, nem servos ou livre, nem homens e mulheres; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gal 3,27-28).
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* Teólogo. Prof. Universitário. Escritor. Autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres”, 
Ed. Paulus. Twitter: @jungmosung].
Fonte:  http://site.adital.com.br/site/noticia.php?boletim=1&lang=PT&cod=77306

Ensino em casa questiona socialização na escola


Atualmente no Brasil há registro de cerca de 1.000 famílias que optam por educar seus filhos em casa, prática que não tem regulamentação no País e que não é reconhecida pela Justiça. As razões que levam os pais a não mandarem seus filhos para a escola são analisadas em pesquisa da Faculdade de Educação (FE) da USP e estão relacionadas ao questionamento da qualidade do ensino (tanto público quanto privado) e também a problemas com violência dentro das escolas. De acordo com a pedagoga Luciane Barbosa, autora do estudo, a prática do “homeschooling” mostra a necessidade de discutir o papel da escola como espaço de socialização e formação da cidadania das crianças e jovens.

Os dados sobre ensino em casa são fornecidos pela Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), entidade que presta assessoria jurídica às famílias e defende a aprovação de projetos de lei que regulamentem o tema — desde 1996, sete propostas já passaram pelo Congresso Nacional. “Em julgamento realizado em 2001, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se posicionou contra o ensino em casa, por entender que o artigo 208 da Constituição Federal exige que os pais levem os filhos a frequentarem a escola, além de enfatizarem o papel da instituição escolar na socialização dos alunos”, conta a pedagoga. “Por essa razão, muitas famílias não declaram que ensinam seus filhos em casa por receio de serem levadas à Justiça”.

Luciane entrevistou quatro famílias com histórico de discussões sobre a educação em casa no Poder Judiciário. “A principal motivação que as levou a não matricularem seus filhos na escola diz respeito às críticas que fazem a instituição escolar, inclusive no que diz respeito à qualidade de ensino, seja público ou privado”, ressalta. “Também há discordâncias quanto à formação moral oferecida pelas escolas, devido a ocorrências de episódios de violência e bullying”. A pesquisa é descrita em tese de doutorado orientada pelo professor Romualdo Portela de Oliveira, da FE, e defendida no último dia 3 de junho.

A pedagoga também realizou parte do estudo no Canadá, país onde a prática do “homeschooling” é permitida. “A regulamentação varia conforme as províncias, algumas exigem a prestação dos exames de avaliação oficiais, outras pedem apenas que a diretoria de ensino local seja comunicada”, relata. “Ao entrevistar as famílias canadenses, percebe-se que embora a motivação religiosa esteja muito presente, os pais também optam pelo ensino em casa pela questão de custos (famílias mais numerosas) ou por terem filhos com deficiência, entre outras razões”.

Socialização

Segundo os dirigentes das associações canadenses de ensino domiciliar entrevistados por Luciane, a ausência da escola não leva a uma falta de socialização. “Ao contrário, eles argumentam que a instituição escolar leva a uma socialização restrita, por segregarem as crianças por idade”, diz. “No Canadá, as bibliotecas e ginásios esportivos possuem programas voltados para ‘homeschoolers’, e normalmente os pais que ensinam os filhos em casa são filiados a duas ou mais associações do setor. Também há uma preocupação em desenvolver a participação social dos filhos nas comunidades em que vivem, pois consideram que a escola oferece um conceito de cidadania ligado apenas ao conhecimento de fatos históricos e ao exercício do voto”.

De acordo com a pedagoga, o debate sobre ensino em casa no Brasil surge em um contexto de ampliação do acesso à educação escolar. “No caso do Poder Judiciário, inclusive, era mais comum o julgamento de demandas pelo maior acesso à escola, e não de autorizações de pais para ensinarem os filhos em casa”, afirma. “Com a previsão legal da extensão da escolarização obrigatória, que em 2016 passará a abranger crianças a partir dos quatro anos de idade, surge um questionamento maior sobre a exclusividade da instituição escolar na oferta de ensino”.

O papel da escola como espaço de socialização das crianças e jovens também é colocado em questão pelos defensores do ensino em casa. “Além dos problemas relacionados com a violência nas escolas públicas e diferenças de valores morais, no Brasil há a agravante de que a opção pela escola privada pelos pais representa também uma escolha da classe social em que o filho vai conviver”, diz Luciane. “As famílias entrevistadas possuem um maior poder aquisitivo e, portanto, condições para uma maior atuação na educação dos filhos, por isso cabe indagar se o engajamento em torno do ensino individualizado dos filhos não poderia ser melhor empregado na mobilização por melhorias nas escolas públicas”.

A pedagoga destaca que o principal problema relativo ao ensino domiciliar não é legal ou jurídico, mas de opções de política educacional. “O tema é muito controverso, pois há uma defesa de que a legislação atual, tanto a Constituição de 1988 quanto a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), daria margem a interpretações que permitiriam a existência do ensino em casa”, afirma. “Ao mesmo tempo, uma possível regulamentação pode, de certa forma, entrar em conflito com todo o processo de profissionalização dos professores, na medida em que se aceitaria que qualquer pai fosse professor de seu filhos, desprezando o histórico debate sobre os saberes e práticas necessárias à atuação docente”.
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Reportagem por  Júlio Bernardes, da Agência USP
(Agência USP)
Fonte:  http://mercadoetico.terra.com.br/30/08/2013
Imagem da Internet

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A profecia do silêncio.

Enzo Bianchi*

 

Precisamos do silêncio também do ponto de vista espiritual. Não se trata simplesmente de abster-se de falar ou da ausência de ruídos, mas sim do silêncio interior, aquela dimensão que nos restitui a nós mesmos, nos coloca no plano do ser, 
diante do essencial.

Se na nossa sociedade "o homem tornou-se um apêndice do ruído" (Max Picard), faz cada vez mais urgente a exigência de que cada um reencontre a sua própria humanidade através da redescoberta do silêncio e da aprendizagem da antiquíssima arte de "ouvir o silêncio". Empreendimento certamente nada simples, se ainda Heráclito definia os seus próprios semelhantes como "incapazes de ouvir e de falar": desde então, talvez, temos a impressão de ter dado passos à frente na capacidade de falar, mas certamente quanto à escuta parecemos ter voltado séculos. Temos a necessidade de uma pedagogia da escuta que só pode ter início a partir do silêncio. Sim, "ouvir o silêncio" pode parecer um oxímoro, mas é a chave que abre o mundo da escuta autêntica e da compreensão do que se sente.

A tradição espiritual, não só cristã, sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para uma vida interior autêntica. "A oração – disse Savonarola , que entendia bem de discursos apaixonados – tem como pai o silêncio e como mãe a solidão". Só o silêncio, de fato, torna possível a escuta, isto é, a acolhida em si não apenas da palavra pronunciada, mas também da presença daquele que fala. O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de presença ao outro. Além disso, na experiência amorosa, o silêncio é muitas vezes linguagem mais eloquente, intensa e comunicativa do que as palavras.

Infelizmente, hoje, o silêncio é raro, talvez seja a realidade mais ausente nos nossos dias: somos bombardeados por mensagens sonoras e visuais, os ruídos nos roubam da nossa interioridade, e as próprias palavras são empobrecidas pelo fato de serem gritadas, reduzidas a slogans ou invectivas.

Ora, "quando diminui o prestígio da linguagem, aumenta o do silêncio" (Susan Sontag). Devemos confessar: precisamos do silêncio! Ele nos é necessário de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de modo equilibrado e equilibrado apenas graças à harmônica relação entre palavra e silêncio.

Mas precisamos do silêncio também do ponto de vista espiritual. Para a fé judaica e cristã, o silêncio é uma dimensão teológica: no monte Horeb, o profeta Elias percebeu que estava na presença de Deus não no estrondo do vento, trovões e terremoto, mas somente quando ele ouviu "a voz de um silêncio sutil" (1Rs 19, 12). Inácio de Antioquia diria que Cristo é "a Palavra que procede do silêncio".

Não se trata simplesmente de abster-se de falar ou da ausência de ruídos, mas sim do silêncio interior, aquela dimensão que nos restitui a nós mesmos, nos coloca no plano do ser, diante do essencial. "No silêncio, é inerente um maravilhoso poder de observação, de esclarecimento, de concentração sobre as coisas essenciais" (Dietrich Bonhoeffer).

O silêncio é guardião da interioridade, já que nos conduz de uma dimensão primária e "negativa" de sobriedade, disciplina no falar ou mesmo de abstenção de palavras, a um nível mais profundo, de intensa vida espiritual: isto é, de silenciar os pensamentos, as imagens, as rebeliões, os julgamentos, as murmurações que nascem no coração. É o difícil silêncio interior, aquele que encontra o seu próprio âmbito vital no coração, lugar da luta espiritual. Mas justamente esse silêncio profundo gera a atenção, a acolhida, a empatia com relação ao outro.

O silêncio escava no nosso profundo um espaço para ali fazer habitar a alteridade, para fazer ressoar a palavra e, ao mesmo tempo, nos dispõe à escuta inteligente, ao falar comedido, ao discernimento daquilo que arde no coração do outro e que está escondido no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então, esse silêncio, suscita em nós a caridade, o amor pelo irmão.

"O silencioso torna-se fonte de graça para quem ouve", afirmara São Basílio. Para o cristão, a referência à escuta obediente da Palavra de Deus, à acolhida do Verbo feito carne é evidente e extremamente eloquente.

 O corpo habitado pelo silêncio torna-se 
revelação da pessoa inteira.

Não por acaso é esse silêncio que chega a nós a partir de uma longa história espiritual: é o silêncio buscado e praticado pelos hesicastos para obter a unificação do coração, o silêncio da tradição monástica voltado à acolhida em si da palavra de Deus, o silêncio da oração de adoração da presença de Deus. Mas também é o silêncio caro aos místicos de todas as tradições religiosas e, antes ainda, é o silêncio do qual a linguagem poética está embebida, o silêncio que constitui a própria matéria da música, o silêncio essencial a todo ato comunicativo.

O silêncio, evento de profundidade e de unificação, torna o corpo eloquente, levando-nos a habitar o nosso corpo, a alimentar a nossa vida interior, guiando-nos para aquele habitare secum tão precioso para a tradição monástica como para a filosófica. O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa inteira.

Tentemos, então, encontrar no ritmo da nossa vida um tempo para ouvir o silêncio: conseguiremos captar os esforços realizados para criá-lo e cuidá-lo, discernir os sons imperceptíveis da presença de outras criaturas ao nosso lado, compreender o não dito que habita a grande quantidade de palavras, ter inteligência do que acontece – ou seja, literalmente, a "ler dentro" dos eventos – e, finalmente, também ouvir melhor a nós mesmos e aos outros quando eles falam ao nosso coração e à nossa mente, e não só aos nossos ouvidos.
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 * A opinião é do monge e teólogo italiano Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 29-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 30/08/2013
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OS ABISMOS DA LEVEZA

Rodrigo Petronio*

 Por fim, a superfície das superfícies, a leveza das levezas: o erotismo. Toda a revolução sexual até agora foi apenas um ensaio para as explosões sexuais e desinibidoras das massas silenciosas que estão por vir.
Tudo o que é sólido desmancha no ar. Essa máxima, que na verdade é de Marx, deu título à conhecida obra de Marshall Berman que causou frisson nos anos 1990 entre estudiosos da pós-modernidade. Creio que essa frase continue sendo a chave para compreendermos o mundo atual e um futuro que se insinua sibilino. Cada vez mais a liquidez, com e sem trocadilhos, assume o centro de nossa vida. Nessa mesma chave de análise, o sociólogo Zygmunt Bauman se tornou célebre com sua teoria do "amor líquido". Nem sequer nossas relações amorosas se sustentam em bases sólidas.

Peter Sloterdijk, um dos maiores pensadores atuais, dedica o terceiro volume de seu monumental projeto Esferas a uma análise da modernidade a partir da imagem das espumas. Seu signo é bem delimitado: o ar. A arquitetura, o urbanismo, as artes plásticas vivem a constante busca de uma espécie de éter ou de pleroma pós-metafísico. Não se baseia em outra percepção o conceito de hipermodernidade cunhado por Gilles Lipovetsky. Impermanência. Leveza. Transitoriedade. Superfície. A moda assumiu o lugar da modernidade.

Em suas seis propostas para o próximo milênio, Italo Calvino define os valores que determinarão a literatura do futuro. Entre eles, um se destaca: leveza. E são muitos os mestres da leveza. Embora façamos uma associação imediata entre superfície e modernidade, a superficialidade é um patrimônio da arte humana. Um bem de primeira necessidade.

Ao contrário do que se crê, a grande literatura sempre foi o reino da leveza. Nas "Metamorfoses" de Ovídio, segundo Ezra Pound um verdadeiro cinema da Antiguidade, visualizamos a transformação veloz dos deuses em animais, humanos, vegetais e outros seres, imersos em um puro devir. Cândido e Pangloss são estilingados a todas as regiões do planeta entre uma página e outra.

A comédia e a sátira são modalidades de olhar superficial sobre a vida, dos quais Rabelais e Cervantes são mestres. Foi a leveza da prosa realista de Apuleio que criou o romance antigo, nos primeiros séculos da era cristã. As melhores páginas de Ariosto não passam de uma leve e maravilhosa bufonaria. Leveza da "Flora" de Arcimboldo. Leveza dos "clusters" de Paganini. Leveza das folhas de Matisse. Leveza de Calder. Leveza da poesia renascentista. Leveza de Marina Abramovic. Leveza de Pina Bausch. A grande leveza causa vertigem. A superficialidade eficaz põe em risco a estabilidade de nossa vida.

A poesia e a pintura orientais também são verdadeiros testamentos desse mundo flutuante. As pinturas das dinastias Ming e Tang. As gravuras japonesas do século XVII. O homem é um nenúfar entre a Terra e o Céu. E aqui penso também em um haicai magistral de Bashô. O poeta visualiza do alto de uma montanha a praia coberta por uma pátina brilhante prateada. Curioso, desce até o mar. Encontra a areia completamente forrada de peixes pequeninos. São milhares de vidas em agonia. Mas seu movimento conjunto, a distância, cria o efeito sublime de uma enorme e levíssima película que espelha o sol. Transitoriedade. Leveza. Superfície. Impermanência. Não são outros os temas de toda arte e literatura taoistas produzida em 2.500 anos.

Proximidade e distância também guardam uma curiosa relação com profundidade e leveza. O poeta latino Horácio ensina que é preciso considerar as coisas em três perspectivas: de perto e de longe, uma vez e muitas vezes, no claro e no escuro. O jogo e o embaralhamento dessas categorias foram o alimento cotidiano das técnicas de ilusionismo que atravessam a arte do Ocidente.

Ludismo do poema-ovo de Símias de Rodes e da poesia visual da "technopaegnia" antiga. Sofisticada filosofia do espelhamento infinito e crise da representação das meninas de Velázquez. Como Ernst Gombrich demonstrou em seus estudos clássicos sobre arte e ilusão e sobre a arte decorativa, o peso da leveza e a verdade do fingimento são muito mais decisivos para a arte do que supomos.

A antiga técnica da "skenographia", descrita já por Aristóteles na "Poética" e aplicada durante séculos em teatros e igrejas, nada mais é do que uma mise-en-scène que torna a cabeça distante deformada em uma cabeça próxima harmônica. Trata-se de uma pedagogia de uso ilusionista dos espaços e das formas. Transformou-se na cenografia no sentido atual. Migrou para os efeitos especiais do cinema hollywoodiano.

Geralmente pensamos a Renascença como uma conquista da profundidade por meio da perspectiva. Entretanto, o tratadista florentino Leon Battista Alberti, primeiro a teorizar o chamado "ponto cêntrico", no "De Pictura", em 1435, chama a atenção para um fato curioso. Ao compor a ilusão de profundidade, não é apenas a profundidade da pintura que se torna ilusória. É a própria tela que se transforma em uma janela invisível por meio da qual vemos o mundo.

A superfície material da obra simula uma profundidade inexistente. O próprio suporte-tela evanesce. Desaparece. Incipiente em Cimabue, Giotto e Lorenzetti, francamente programático em Dürer, Michelangelo e Leonardo, é com esse ato de leveza que tem início a grande aventura da perspectiva e da pintura figurativa até os dias de hoje.

Se observarmos ao redor, a maior parte de nossa vida está emaranhada nas teias de coisas e seres nascidos dessa conversão à leveza que chamamos de modernidade. Paradoxalmente, a modernidade é um aprofundamento da leveza. Uma transformação da exceção em regra. Da periferia em centro. Uma proliferação infinita do trivial, do supérfluo, do desnecessário. Quem não percebeu a importância incomensurável da superficialidade não compreendeu em profundidade o nosso tempo.

Observem como todo pedante se apoia em algum tipo de profundidade. Notem o peso da sabedoria em suas rugas. Claro. É assim que ele legitima sua insignificância e se separa do vulgo, demarcando sua condição de classe, por mais progressista que ele se julgue. Apenas pessoas superficiais fazem a apologia do profundo. Apenas os ressentidos trabalham para manter uma áurea de beleza no sofrimento. A leveza é o peso e o pesadelo daqueles "espíritos de gravidade" de que fala Nietzsche.

Foi-se o tempo do descomunal, do existencialismo, da angústia em busca de sentido, do "horror vacui" deixado pela morte de Deus. Deus, sentido, mundo, ser, necessidade, substância. Como diz Sloterdijk, as grandes questões da filosofia se revelaram uma longa e entediante conversa fiada para o entretenimento de clérigos e sociólogos.

Nossas dúvidas metafísicas cintilaram em toda a sua vacuidade. Tornaram-se banais. Banal também se tornou o próprio mal, como intuiu profunda e profeticamente Hannah Arendt. Finalmente reconhecemos que nossos abismos interiores nascem de perguntas mal formuladas e de respostas mal respondidas. Mistificações ilusórias de um devaneio narcisista.

Os decálogos morais e as grandes questões das religiões de salvação assumiram a aparência de hesitações desprezíveis daquele nosso "mínimo eu" a que se refere o teórico do contemporâneo Christopher Lasch. Quem garante que essa não seja sua face verdadeira? A processão do Espírito do mundo se realiza nas páginas dos jornais, diria ironicamente Hegel.

Do efeito mágico de uma crônica de jornal a toda a fauna e a flora de nossos objetos cotidianos, o objetivo talvez seja apenas atingir uma forma qualquer de leveza essencial. Dos talheres de Philippe Starck aos enfeites das lojinhas de R$ 1,99, a diferença é de grau, não de natureza. Apenas a impermanência parece dizer algo de fato decisivo sobre a volatilidade de nossas vidas.

As mãos invisíveis do mercado descritas por Adam Smith são uma profecia museológica. Um bidê à Luis XIV. Não são apenas as mãos. O corpo todo do mundo e do real é que se torna invisível, evapora e se volatiliza. Se alguém quiser de fato compreender o tempo em que vivemos, não deve partir de teorias da alienação e da mais-valia ou de clichês sobre a exploração humana. Tampouco conseguirá discernir as formas de escravidão de nosso tempo a partir de análises sociológicas das relações de trabalho.

Quem quiser de fato entender como o capital imaterial se apodera de nossas vidas precisa analisar qual é a relação que estabelecemos cotidianamente com o invisível e a superficialidade. O sociólogo Jeremy Rifkin tem uma polêmica tese positiva sobre o fim do trabalho. Igualmente polêmica, bucólica e convidativa é a tese de Domenico De Masi sobre a sociedade do ócio criativo. É preciso reconhecer o valor ainda que parcial dessas propostas.

Quanto mais a realidade se torna evanescente, mais ela pesa suas asas sujas e translúcidas sobre nossos ombros. Em termos dialéticos, quanto mais intangíveis se tornam os corpos e as mercadorias, maior a violência expropriadora de seus simulacros. Mas no atual estágio do capitalismo e nas "sociedades de paredes finas" em que vivemos, querer reter nas mãos a realidade inaparente e afirmar uma essência imutável é criar para si uma variante sublime da loucura ou duplicar o próprio princípio da alienação. Ou seja: morrer em nome de uma profundidade que inexiste e viver em uma leveza fracassada.

Como dizia o poeta Paul Valéry, não há nada mais profundo do que a pele. Se Deus existe, ele tem o peso das sonatas para piano de Mozart. Tem a leveza de cada linha de Voltaire. A leveza de Kazuo Ohno. A profundidade é a última mitologia romântica que restou em meio aos destroços do mundo burguês. Apenas a afirmação da superficialidade nos salvará do abismo imaterial que nos espreita a cada esquina.

Por fim, a superfície das superfícies, a leveza das levezas: o erotismo. Toda a revolução sexual até agora foi apenas um ensaio para as explosões sexuais e desinibidoras das massas silenciosas que estão por vir. Querer detê-las, criticá-las e domesticá-las por meio de expedientes dialéticos ou morais será a missão antecipadamente frustrada dos ateus de batina do futuro.
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* Rodrigo Petronio é escritor e filósofo. Autor, editor e organizador de dezenas de obras. Autor dos livros "Pedra de Luz" (poemas, 2005), "Venho de um País Selvagem" (poemas, 2009), entre outros
Fonte: Valor Econômico on line, 30/08/2013

Internet e as crenças

 
Este texto é uma tradução livre do trabalho do Gérald Bronner*, publicado em Science et Pseudo-Sciences (http://www.pseudo-sciences.org/) assim como na revista italiana Psicologia contemporanea, número 230, 2012.

Internet, assim como qualquer inovação tecnológica importante, gera medos e esperanças. Com ele, podemos saber em poucos instantes qual a população da Armênia ou ainda o clima que faz na Austrália. Mas, por outro lado, muitos ficam preocupados por encontrar nele muitas ideias falsas que nos afastam de uma representação razoável da realidade.
Consideramos os fatos seguintes:
  • Esta tecnologia é mundial,
  • Alguns pesquisadores calcularam que a informação que transitou no início dos anos 2000 é cinco vezes maior que toda aquela que circulou desde a invenção do Gutenberg,
  • Tendemos a utilizar cada vez mais a internet para procurar informação.
É por tanto legítimo perguntar-se qual são as influências que esta maravilhosa ferramenta pode ter na difusão de ideias duvidosas, particularmente num espaço democrático.

A internet é em primeiro lugar, uma extraordinária revolução do mercado cognitivo, ou seja este espacio fictício onde encontram-se hipóteses, ideias, conhecimentos e crenças, sendo que esses objetos cognitivos podem ser concorrentes entre eles1. Em tal contexto, é de se esperar que a difusão generalizada e de baixo custo da informação seja favorável à difusão do conhecimento e à educação da maioria. Esta esperança de democratização do conhecimento é fundada em parte, mas também é uma representação ingênua da relação ordinária que existe entre o nosso cérebro e a procura de informação.

Amplificação do desvio de confirmação

De fato, na procura de informações, a nossa mente vai geralmente buscar dados que permitem reforçar a representação que já possui das coisas. Nesse punto de vista, internet representa a ferramenta última: por um investimento fraco em tempo e energia mental, ele oferece um volume considerável de informação, qualquer que seja a sua sensibilidade pessoal. A consequência menos visível, embora a mais determinante, é que todas as condições são então reunidas para que o desvio de confirmação (a tendência a privilegiar as informações que confirmam uma ideia ou uma hipótese preexistente) possa se exercer em cheio e chegue a nos ocultar a verdade. No conjunto dos processos que tendem a perenizar as crenças, o desvio de confirmação é, sem dúvida, a tentação inferencial que mais influencia a lógica ordinária. As experimentações do Wason mostram claramente a magnitude da influencia desse desvio sobre o nosso entendimento.

A força do desvio de confirmação

Numa das experimentações do Wason, um jogo era proposto ao sujeito voluntário. Aparentemente simples, o jogo necessita 4 cartas.
Cada carta possui um caráter numa face (pode ser E ou K) e um número na outra (pode ser 4 ou 7). A pergunta seguinte é então colocada ao sujeito: “quais cartas devem ser viradas para que a afirmação seguinte seja verificada? Se uma carta possuir uma vogal numa face, então o número na outra é par.”
A solução consiste em virar as cartas I e IV, mas a imensa maioria dos sujeitos da experiência escolhem as cartas I e III. Dessa maneira, eles se concentram nos casos que confirmam a regra, no lugar daqueles que a invalidam. De fato, parece natural considerar que a carta III confirma a regra do enunciado do problema, caso seja encontrada uma vogal na sua outra face. Em realidade, poderia descobrir uma consoante sem que a regra seja quebrada. A única carta que pode estabelecer a validade do enunciado (com exceção da primeira) é a quarta: Se ela tivesse uma vogal na sua outra face, tornar-se-ia obviamente falso o enunciado.
Esse processo mental propõe uma explicação simples, mas poderosa, para entender a longevidade das crenças. De fato, é muitas vezes possível observar fatos que não são incompatíveis com um enunciado duvidoso, mas essa demonstração não têm valor se não consideramos a proporção ou até a simples existência daqueles que o contradizem.

Embora a nossa apetência para a confirmação não expresse uma racionalidade objetiva, por outro lado, ela nos facilita a existência. Assim, o processo de informação é sem dúvida mais eficaz quando o objetivo é de buscar a verdade, porque ele reduz a probabilidade de considerar verdadeiro algo que é falso. Em contrapartida, exige um investimento em tempo que pode, no limite, ser considerado absurdo, já que somente se trata de tomar uma decisão satisfatória. Assim como vários autores o destacaram, as pessoas escolhem em geral uma inferência satisfatória no lugar de uma inferência ótima, usando de “avarícia cognitiva” assim como a nomearam Fiske e Taylor (1984).

Os conhecimentos metódicos produzem quase sempre um efeito cognitivo superior às propostas somente “satisfatórias” que são as crenças, mas eles vêm com um custo de investimento superior.

A partir do momento que uma ideia foi aceita, as pessoas geralmente se mantêm fieis nas sua crença. Esta fidelidade será facilitada pela difusão aumentada e não seletiva da informação que aumenta a probabilidade e a facilidade de encontrar “dados” que confirmam a sua crença. Ao contrário do autor Nicholas Carr (2008), não acredito que a Internet reprograme o nosso cérebro. Em contrapartida, me parece plausível acreditar que uma mente em busca de informação na Internet depende em parte da maneira com a qual o motor de pesquisa a organize. Aquilo que o Web revela não é uma nova maneira de pensar, muito pelo contrário: o desvio de confirmação é um processo muito antigo.

Alguém acredita que os atentados do 11 de setembro foram pilotados pela CIA? Ele vai poder encontrar em poucos segundos, com o uso de qualquer motor de pesquisa na Internet, centenas de páginas que vão reforçar a sua crença. A consulta das fontes de informação que não correspondem às representações do mundo da pessoa será facilmente considerada uma perda de tempo.

Considerando esse mecanismo de busca seletiva da informação, deduz-se que a difusão não seletiva de qualquer tipo de dados aumentará o desvio de confirmação e portanto a perenidade do império das crenças ; aquilo é certamente um paradoxo notável da nossa contemporaneidade informacional. Mas existe algo mais que ainda não foi notado pelos diversos comentaristas da cultura Internet: Trata-se de um mercado cognitivo hipersensível à estruturação da oferta, e consequentemente, às motivações daqueles que propõem conteúdos. É um dos fatores principais da organização da concorrência cognitiva desse mercado.

Os crentes dominam o mercado cognitivo

Qual ponto de vista vai encontrar mais provavelmente um internauta sem preconceito, sobre um tema vetor de crenças, se ele utilizar o motor de pesquisa da Google para adquirir uma opinião? Tentei simular a maneira com a qual um internauta médio pode ter acesso à uma certa oferta cognitiva na Internet para vários assuntos: a astrologia, o monstro do Loch Ness, os círculos de cultura (“crop circles”: aqueles círculos grandes que aparecem misteriosamente nos campos de trigo por exemplo), a psicocinese2… Estas propostas me pareceram interessante a serem testadas na medida que a ortodoxia científica contesta a realidade das crenças por elas inspiradas. Não precisamos aqui nos preocupar com a verdade ou falsidade desses enunciados (quem sabe, tal vez descobriremos um dia um dinossauro com nadadeira num lago da Escócia), mas devemos somente observar a concorrência entre as respostas que podem ser afiliadas à ortodoxia científica e as demais (que chamarei aqui de “crenças” para simplificar). Esses enunciados oferecem por tanto um ponto de observação interessante para avaliar a visibilidade de propostas duvidosas.

Os resultados são óbvios assim como o mostra a tabela seguinte:

Quantidade de sites nos 30 primeiros.
Favoráveis à crença
Desfavoráveis à crença
Neutros ou não pertinentes.
Astrologia 28 1 1
Monstro do Loch Ness 14 4 12
Crop Circles 14 2 14
Psicocinese 17 6 7
Concorrência entre crenças e conhecimentos na Internet

Somente considerando sites que defendem argumentos favoráveis ou desfavoráveis, encontra-se em média mais de 80% de sites crentes nas 30 primeiras entradas propostas pelo Google.
Como podemos explicar esta situação? Internet é um mercado cognitivo hipersensível à estruturação da oferta e toda oferta depende da motivação de quem a propõe. Também acontece que os crentes são geralmente mais motivados que os não-crentes para defender o seu ponto de vista e dedicar tempo a isto. A crença é uma parte importante da identidade do crente, e ele será mais motivado para procurar novas informações que vão reforçar o seu ponto de vista. O não-crente se encontrará mais frequentemente numa postura de interferência, recusará a crença, mas sem precisar de outra justificativa do que a fragilidade do enunciado que ele revoga. Este fato é bastante tangível nos fóruns da Internet onde as vezes crentes e não-crentes se opõem. No conjunto dos 23 fóruns que analisei (juntando as 4 crenças estudadas), 211 pontos de vista são expressos, 83 defendem a crença, 45 a combatem e 83 são neutros. O que é marcante nesse fóruns, é que o céticos se satisfazem com mensagens irônicas, zombam a crença no lugar de argumentar contra ela ; enquanto defensores do enunciado apelam a argumentos tal vez desiguais (link vídeo, copiar colar de parágrafos, etc.), mas tentam detalhar o seu ponto de vista. No conjunto dos posts propostos por aqueles que defendem a crença, 36% são sustentados por um documento, um link ou uma argumentação detalhada, contra 10% no caso dos posts de “não-crentes”. Em geral, os homens de ciência não acham interesse nem acadêmico nem pessoal em consagrar tempo para essa concorrência. A consequência paradoxal de essa situação é que os crentes conseguiram estabelecer um oligopólio cognitivo sobre vários tipos de assuntos na Internet e também nas mídias oficiais que se tornaram ultrassensíveis as fontes de informação heterodoxas.

Não penso que Internet torne as pessoas mais estúpidas nem mais inteligentes. Mas os seu funcionamento intrínseco é uma armadilha para algumas disposições das nossas mentes e tende a organizar uma apresentação da informação muitas vezes desfavorável ao conhecimento ortodoxo. Em outras palavras, a livre concorrência das ideia nem sempre favorece o pensamento mais metódico e razoável.

1 Mais precisões sobre esse conceito: Gérald Bronner, L’empire des croyances, Paris, Puf, 2003.
2 Resumi aqui alguns resultados. O estudo completo e o método são detalhados em Bronner (2011).

Bibliografia

Bronner G. (2011), The Future of Collective Beliefs, Oxford, Bardwell Press.
Bronner G. (2003), L’empire des croyances, Paris, Puf
Fiske et Taylor (1984), Social cognition, New York, Random House.
Roussiau N. et Bonardi C. (2001), Les Représentations sociales, Hayen, Mardaga.
Shérif M. et Hovland C.I. (1961), Social judgment, Yales, New Haven, University Press.
Wason P. C. (1977), « Self-contradiction », in Thinking : Reading in cognitive science (Eds. Johnson-Laird et Wason), Cambridge, Cambridge University Press.
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Fonte:  http://ceticosblog.wordpress.com/2013/08/17/internet-e-as-crencas/#more-148
Autor: 
Gérald Bronner est sociologue, professeur à l’Université de Strasbourg. Il est notamment l’auteur de La Pensée extrême. Comment des hommes ordinaires deviennent fanatiques (Denoël, coll. Impacts, 2009) ; Vie et mort des croyances collectives (Hermann, coll. Société et pensées, 2006) ; L’empire des croyances (PUF, coll. Sociologies, 2003). Gérald Bronner est membre du comité de parrainage scientifique de l’AFIS.

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Se queres seguir Cristo, não abandones as coisas - abandona-te a ti próprio

Mestre Eckhart*

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 Duccio
As pessoas dizem: «Ah, Senhor, sim, também eu gostaria de me deter assim perante Deus e de ter igualmente tanta devoção e paz com Deus como o fazem outras pessoas; gostaria que acontecesse assim comigo ou que eu fosse igualmente tão pobre», ou: «Nunca nada está certo comigo, seja porque eu não estou ali ou acolá, seja porque faço as coisas assim de outro modo, ou tenho de viver no estrangeiro, numa cela, ou num convento.» 

Na verdade, encontra-se nisso manifestamente volvido o teu eu e em rigor nada mais. É a vontade própria, ainda que tu não o saibas ou também assim se te afigure: nunca em ti desperta uma insatisfação que não venha da vontade própria, quer o percebas quer não. 

Quando dizemos que as pessoas deviam fugir disto e buscar aquilo, seja estes lugares e estas pessoas, sejam estes modos ou a multidão, ou esta atividade - não é isso que tem a culpa de os modos ou as coisas te impedirem: és tu próprio (pelo contrário) que te encontras nas coisas que te impedem, pois tu relacionas-te de modo errado com as coisas. 

Por isso começa primeiro por ti próprio e abandona-te! Na verdade, se tu não fugires primeiro de ti próprio, seja para onde for que tu fujas, encontrarás aí obstáculos e insatisfação, seja onde for. 

As pessoas que buscam a paz em coisas exteriores, seja em lugares ou em modos, em pessoas ou em obras, no estrangeiro ou na pobreza, ou na humilhação - por muito impressionante que isso seja, tudo isso ainda assim não é nada e não oferece qualquer paz. Buscam de modo inteiramente errado, aqueles que assim buscam. 

Quanto mais longínqua for a distância em que eles vagueiam, tanto menos eles acharão aquilo que buscam. Eles vão como alguém que se enganou no caminho: quanto mais distante estiver, tanto mais confuso se achará. 

Mas que há de então esse alguém fazer? Ele deverá primeiro abandonar-se a si mesmo, então ele terá abandonado tudo. Em verdade, se um homem abandonar um reino ou o mundo inteiro, mas conservando-se a si mesmo, então ele não terá abandonado nada. Se, porém, o homem renunciar a si mesmo, seja o que for que ele então mantenha, seja um reino ou a honra, seja o que for, então ele terá abandonado tudo. 

Sobre as palavras que S. Pedro disse: «Nós deixámos tudo e seguimos-te» (Mt 19,27) - e ele nada mais tinha abandonado do que uma simples rede e o seu pequeno barco -, afirma um santo: quem voluntariamente abandona o que é pequeno, não abandona somente isso, senão que abandona tudo o que as pessoas mundanas ganham, ou mesmo até o que elas somente possam ambicionar. 

Pois quem abandona a sua vontade e a si mesmo, terá abandonado na realidade todas as coisas de tal modo, como se elas tivessem sido a sua livre propriedade e ele as tivesse possuído com pleno poder discricionário. Pois tudo aquilo que tu não quiseres ambicionar, tudo isso tu entregaste e abandonaste pela vontade de Deus. 

Por isso disse Nosso Senhor: «Bem-aventurados os pobres em espírito» (Mt 5,3), o que significa: os pobres em vontade. E neste ponto ninguém deve duvidar: se houvesse um qualquer melhor modo, Nosso Senhor tê-lo-ia mencionado, tal como Ele também afirmou: «Se, alguém quiser vir após mim, renegue-se a si mesmo» (Mt 16,24); aí está o mais importante. Tem-te a ti próprio em mira, e onde te encontrares, renuncia a ti; isso é o melhor de tudo.
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* Mestre Eckhart, alemão morto em 1328, foi um grande filósofo, místico e herege, condenado em 1329 pela Inquisição. Eckhart de Hochheim, O.P. (Tambach, Turíngia, 1260 – Colonia, 1328).
In Tratados e sermões, ed. Paulinas
Fonte: Site de Portugal: http://www.snpcultura.org 28/08/2013

Do Ressuscitado virá a ajuda.

O Ressuscitado, apresentando-se aos discípulos, não julga o comportamento que eles tiveram, não crítica, não condena, não lhes joga na cara as recordações dolorosas da sua fraqueza, mas conforta e consola.

O que os apóstolos podiam esperar do Ressuscitado? Eles não tinham a consciência clara: haviam fugido, o haviam abandonado, haviam se deixado tomar pelo medo, alguns o haviam traído, quase ninguém estava sob a cruz. Talvez imaginavam que, se Jesus tivesse aparecido, ele os teria repreendido e criticado. Ao invés disso, o Ressuscitado, apresentando-se a eles, não julga o comportamento que eles tiveram, não crítica, não condena, não lhes joga na cara as recordações dolorosas da sua fraqueza, mas conforta e consola.

As únicas palavras de crítica dirigidas tanto aos discípulos de Emaús (Lc 24, 25), quanto aos apóstolos (Mc 16, 14), não se referem ao fato de que eles o abandonaram e que, depois de tantas promessas, tantas palavras altissonantes (morremos, contigo, iremos ao teu encontro) revelaram-se não confiáveis; referem-se, ao contrário, à sua pouca fé.

Eles deveriam ter acreditado nas Escrituras, nas suas palavras e no Testemunho daqueles que o tinham visto ressuscitado. Jesus, que quer o bem desses pobres apóstolos atordoados, perdidos, confusos, humilhados, interiormente abalados pela certeza de serem tão fracos, não leva em conta a sua fragilidade, mas os consola e os levanta.

Detenhamo-nos sobre alguns exemplos de discípulos consolados.

O primeiro está no relato de João 20,11-16: Maria Madalena que chora ao sepulcro porque se despedaçou o laço terreno com o Mestre. Jesus não a repreende, mesmo que as suas lágrimas se devam à falta de fé, à incompreensão do mistério do Ressuscitado. Muito delicadamente, interpela a mulher, entra na dor que ela vive a partir da sua situação confusa: "Por que choras? A quem procuras?". Depois, ouve a resposta estranha e equivocada: "Diga-me onde o puseste, e eu irei buscá-lo". Então, a chama pelo nome, "Maria!", uma palavra que a enche de consolação e lhe permite reconhecê-lo em verdade e plenitude.

O agir de Jesus é um modelo estupendo de consolação que, passando por cima de todos os defeitos, capta o melhor da pessoa. Ele sabia que Maria o amava e, pronunciando o seu nome, ressuscita a chama do seu amor.

O segundo exemplo refere-se aos discípulos de Emaús (Lc 24,13-35). Enquanto o episódio de Madalena representa a passagem do pranto à exultação, o dos discípulos de Emaús representa a passagem da confusão à clareza. Os dois não choram, mas estão perdidos, desiludidos porque Jesus não reconstruiu o reino de Israel; estão tristes com a morte do Mestre e, ao mesmo tempo, abalados pelas notícias de algumas mulheres que afirmam que o Senhor está vivo. Jesus aproveita a ocasião da sua desilusão e da sua confusão para explicar as Escrituras, aquecer o coração e levá-los para diante da mesa eucarística.

Aqui também, com infinita paciência, ele age positivamente, os ilumina e o faz compreender o sentido, a unidade, a ordem, a coerência, a logicidade, a necessidade dos textos sagrados. É uma espécie de lectio divina, que esclarece e aquece o coração. Os dois discípulos, sem entender quem era aquele que falava com eles, se diziam com espanto: reencontramos a paz, a serenidade, o conforto; os bloqueios que nos entristeciam foram superados, e aquelas que pareciam ser desgraças, agora sabemos lê-las como situações providenciais. Jesus realiza uma consolação tipicamente bíblica, que consiste em explicar, a partir das Escrituras, a razão de uma história, de um episódio.

Ainda em Lucas 24, o Ressuscitado aparece aos discípulos (vv. 36-42). É a passagem do medo à alegria. De fato, eles estão cheios de medo; a própria hipótese de que Jesus ressuscitou os assusta, e eles quase temem ser rejeitados, ouvirem dizer: não os conheço mais, vocês são incoerentes, mentirosos, fanfarrões.

Jesus, aqui também, não pronuncia nenhuma das palavras que eles temiam. Com imensa paciência, faz-se reconhecer: olhem, sou eu, toquem-me, deem-me de comer; ele se esforça para colocá-los à vontade, apresentando-se como um deles, próximo deles, como amigo.

Extraordinária, enfim, é a manifestação de Jesus aos discípulos no lago de Tiberíades e a conversa com Pedro, onde a passagem é da vergonha à confiança (Jo 21, 1-19). O Ressuscitado não critica ninguém: estando à margem do lago, aconselha como fazer uma boa pesca e assim enche o coração dos discípulos de satisfação humana, quase sublinhando que ele está sempre disposto a lhes ajudar.

Ainda alguns anos antes, Pedro tinha experimentado isso no lago de Tiberíades, quando tinha jogado as redes ao largo segundo a palavra do Senhor.

Quando os discípulos retornam para a orla, Jesus lhes oferece de comer, sem dizer nada, para não apressar as coisas, para fazer com que eles consigam se refocilar e repousar depois de terem trabalhado toda a noite. É um toque muito delicado.

Posteriormente, por três vezes, faz a Pedro a pergunta: "Pedro, tu me amas?", que permite implicitamente que Pedro remonte à sua traição, sem nenhuma censura.

Ao contrário, ele lhe entrega o mandato, renovando-lhe totalmente a confiança: "Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas".

Essa é verdadeiramente consolação real: não aproveitar da humilhação alheia para zombar, pôr de lado, mas sim reabilitar, restaurar a coragem, restaurar a responsabilidade. Para consolar assim, eu penso que é preciso ser como Jesus, isto é, ter em si uma grande alegria, um grande tesouro, porque então é fácil comunicá-lo. O Senhor, que tem o tesouro da sua vida divina, faz cair a consolação como um bálsamo, gota a gota. E nós, na certeza de estar em comunhão com ele, podemos fazer cair a consolação gota a gota, sem críticas nem presunção.
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Publicamos aqui um trecho do livro Credo: la vita eterna, de Carlo Maria Martini, organizado por G. Vigini (Ed. San Paolo). O texto foi publicado no jornal Il Sole 24 Ore, 18-08-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 29/08/2013
Imagem da Internet

FÓRUM HSM INOVAÇÃO E COMPETITIVIDADE

 FIC
Palestrantes do primeiro dia do Fórum HSM Inovação & Competitividade 2013 propõem a mudança de olhar para mudar a realidade e o futuro dos negócios e da sociedade 

Inovar é mudar a perspectiva

O primeiro dia do Fórum HSM Inovação & Competitividade 2013 proporciou ao público presente no Teatro Alfa, em São Paulo, a oportunidade de conhecer a visão de representantes da academia e do mundo corporativo sobre o que é a inovação e como ela pode tornar-se vetor de competitividade para os negócios e mudança social. 

Em comum, os cinco palestrantes fizeram um convite à audiência: ver o mundo por outra perspectiva. Afinal, olhar as coisas pelo ângulo costumeiro não libera a criatividade necessária para que a inovação aconteça. Esse foi o ponto defendido por Alan Iny, do Boston Consulting Group, que falou sobre a mudança em modelos mentais, tangibilizada pelos exemplos que os demais palestrantes trouxeram. 

Martin Lindstrom, especialista em neuromarketing, mostrou a importância de ver o mundo pelos olhos do consumidor, que não é só razão e consciência,  enquanto Rivadávia Drummond, expert em gestão do conhecimento e inovação, denunciou a arrogância que nos impede de ver e criar um mundo novo –de narrativas atraentes e resultados favoráveis. 

Peter Diamandis, da Singularity University, apresentou o mundo melhor que ele espera ver nos próximos anos. Uma realidade abundante proporcionada pelas tecnologias exponenciais e pela conexão de muitos que colaboram, tema explorado também por Fabio Coelho, diretor geral do Google, que enfatizou a evolução no sentido da economia digital. 

Conheça mais sobre o conteúdo das palestras do primeiro dia do Fórum HSM Inovação & Competitividade 2013.

Peter DiamandisPeter Diamandis

A abundância está próxima

Peter Diamandis defende que os problemas mundiais são passíveis de solução na era da colaboração em rede e da tecnologia que evolui exponencialmente 

Médico e cofundador da Singularity University, Peter Diamandis abriu a rodada de palestras do Fórum HSM Inovação & Competitividade com uma mensagem otimista: “Não há problema neste planeta que não possa ser resolvido”. A solução, para ele, advém da combinação de  conhecimento, tecnologia e capital. 

O palestrante explicou que, como seres humanos, evoluímos, ao longo de milênios, a partir de um mundo local e linear. Dito de outro modo, tudo o que afetava o homem primitivo das planícies africanas ficava a um dia de caminhada. Além disso, nada mudava de um século para o outro. “Hoje, o mundo é global e exponencial. Muda ano a ano”, compara Diamandis. 

Não tendo compreendido a natureza exponencial da evolução tecnológica, a Kodak, uma empresa que, em 1996, valia US$ 28 bilhões e tinha mais de 100 mil funcionários, foi à falência em função de sua própria criação: a câmera digital. Muito limitada no início, o dispositivo foi considerado um brinquedo pela companhia. No entanto, sua tecnologia evoluiu rapidamente, pelas mãos de outras empresas. 

Fruto dessa revolução, o Instagram foi adquirido pelo Facebook por US$ 1 bilhão em 2012. À época, só tinha 13 funcionários. 

Além da tecnologia exponencial, que se traduz por impressão 3D, biologia sintética, robótica e outras inovações, as ferramentas de comunidade são a segunda força que criará um mundo de abundância nos próximos anos, na visão de Diamandis. Ele se refere, por exemplo, ao data mining, que ganha impulso com a colaboração em grande escala de pessoas que podem dar sentido aos dados disponíveis em qualquer parte.

Alan InyAlan Iny

Pensem em novas caixas

Duvidar sempre do modo como as coisas são feitas: esse é um dos conselhos de Alan Iny para liberar o potencial transformador da criatividade 

Especialista em cenários do Boston Consulting Group, Alan Iny despertou a atenção da audiência do Fórum HSM Inovação & Competitividade para o potencial transformador do  pensamento criativo, levando em conta que, como o filósofo Immanuel Kant alertou, vemos o mundo pelos nossos olhos, ou como somos. 

Iny propôs um exercício de imaginação: “Qual a probabilidade de as viagens aéreas se reduzirem em 95% em cinco anos?” “Nenhuma”, a maioria diria. Ele muda a pergunta: “Estamos em 2018 e o volume de viagens aéreas é 95% menor do que o de 2013. Como isso aconteceu?” 

Tal interrogação gera uma série de respostas, plausíveis ou não (aumento da carga tributária sobre as companhias, excesso de pássaros etc.), e libera a criatividade ao estimular, em vez de o raciocínio redutivo e analítico (como faz a primeira pergunta), o raciocínio indutivo, ambíguo e criativo. 

Segundo o palestrante, pensamos em caixas –modelos mentais que simplificam o mundo, como, “jogadores de basquete são altos”. Porém, a mudança transformacional só ocorre quando mudamos as próprias caixas, como fez a Bic quando pensou em vender isqueiros e lâminas de barbear. Ela não criou algo novo, mas olhou diferentemente para algo que já havia. Mudou o modelo mental, portanto. 

Para criar caixas novas, o consultor propõe que se sigam os seguintes passos: duvidar dos modelos atuais; explorar opções; divergir para gerar muitas ideias; convergir para selecionar as que levem a resultados extraordinários e reavaliá-las incansavelmente.

Martin LindstromMartin Lidstrom

A irracionalidade dominante

Sentimo-nos mais seguros quando pensamos ser racionais, mas agimos, a maior parte do tempo, irracionalmente, alerta Martin Lindstrom 

“Quantos diriam que são profundamente irracionais em tudo o que fazem?”, pergunta Martin Lindstrom à plateia. Pouquíssimos erguem as mãos. Em seguida, porém, o especialista em neuromarketing revela algo sobre si: “Eu aperto o botão do elevador várias vezes, se estou com pressa, e sempre pego o segundo jornal da pilha na banca. Vocês também não fazem isso? Quem aqui bate na madeira?” 

Lindstrom não apenas se reconhece irracional como também pesquisa consumidores do mundo todo –inclusive hospedando-se na casa deles– para identificar irracionalidades que impactam hábitos de consumo e marcas. Ele ressalta que 85% do que fazemos provêm de motivações inconscientes que, inclusive, são comuns a todos. 

O palestrante recheou sua apresentação de narrativas. Ressaltando que a aplicação do conhecimento sobre as irracionalidades humanas pode gerar receitas, ele cita o fato de que os supermercados deixam de faturar mais porque não se atentam ao fato de que os destros, que são 91% das pessoas, prefem circular pelo supermercado em sentido anti-horário, pois assim alcançam a prateleira mais facilmente. 

Ao perseguir a inovação, Lindstrom recomenda que se busque a intersecção entre estudos quantitativos, pesquisas qualitativas e neuromarketing. “A neurociência serve para verificar os resultados dos outros estudos”, esclarece. Ele acrescenta que é preciso atentar para a regra do 1:9:90, que significa que as pessoas seguem umas às outras na seguinte escala: se influenciamos uma pessoa com nossa mensagem, ela influenciará nove pessoas, e essas nove influenciarão noventa. 

Fábio CoelhoFábio Coelho

Participe da economia digital

Fábio Coelho anuncia que a economia digital impulsionará mudanças em processos e alerta para o risco de permanecer à margem dela 
Fábio Coelho, diretor geral do Google, salientou, durante sua palestra, a necessidade de as companhias estabelecidas participarem da economia digital, que permite ganhos exponenciais àqueles que embarcarem na mudança. “Mas muitos ainda acreditam que digital diz respeito somente a um tipo de propaganda”, observou. 

De acordo com Coelho, teremos 9 bilhões de pessoas conectadas no mundo em breve, e há muita oportunidade para transformar a conectividade e, com isso, a sociedade inteira. Já houve uma explosão do consumo de conteúdo, por meio de plataformas como o Facebook e o YouTube, e de produção de conteúdo, que já não precisa estar em veículos líderes para ser  impactante. 

“O Porta dos Fundos, por exemplo, revela a relação direta e contínua entre produtor e consumidor. Um de seus vídeos atingiu mais de 8 milhões de views. Ele permanece online e as pessoas o consomem em prazo muito maior do que o fariam na mídia convencional. Essa relação sem intermediários sinaliza a possiblidade de real democratização”, comenta o palestrante. 

A revolução da economia digital começa pelo software (entendimento de voz, tradução de idiomas), passa pelo hardware (Google Glass, lâmpadas inteligentes) e afeta processos. O Google, por exemplo,  lançou um serviço, na Califórnia, de “sameday shopping”, pelo qual qualquer coisa é enviada no mesmo dia. No Brasil, já fazem sucesso serviços que nascem no ambiente da web, como o Easy Taxi e o 99 táxi. 

“O mundo passará por inevitável reinvenção de processos. Estamos começando a era do ambient computing, e ela depende da evolução dos gadgets”, conclui Coelho. 

Rivadávia DrummondRivadávia Drummond

Não espere só pelo Graal

Rivadávia Drummond destaca alguns porquês do fracasso da inovação e ensina o caminho para fazê-la funcionar 

Especialista em gestão do conhecimento e inovação, Rivadávia Drummond defende que, para que a inovação funcione, ela precisa passar por dois testes: o da narrativa, que confere sentido à iniciativa, e o dos números, que compensem o risco que se corre. Exemplo disso é o site iCasei, pelos quais os noivos criam lista de presentes para seus convidados escolherem, definem os preços dos itens e recebem a quantia em dinheiro correspondente, já descontada a taxa do site. 

O palestrante entende que é difícil inovar no Brasil porque aqui se dá pouco valor a ciência e tecnologia. “Há fartura de inteligência, mas há muitos entraves institucionais”, comenta. Ele ainda explica que “não precisamos encontrar o Santo Graal, não é preciso criar o iPad o tempo todo”, mas que inovação requer criação de valor. Mas, em muitas empresas, há pouco espaço para que novas ideias sejam colocadas, especialmente quando os dirigentes acreditam que já sabem tudo. 

Para Drummond, a inovação estratégica pode ser pensada em termos das alavancas da inovação. São três alavancas em tecnologia: produtos e serviços, processos tecnológicos e tecnologias capacitadoras. Os bancos inovam processos tecnológicos e nos fazem trabalhar para eles em casa, e ainda pagando por isso. 

Já as alavancas de modelo de negócios são: proposta de valor ao mercado, cadeia de suprimentos e cliente-alvo. A CEF inovou em cadeia de suprimentos quando fez com que cada casa lotérica operasse algumas funções de agência bancária.
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Fonte: HSM Inspiring Ideas