sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

NOSSO ETERNO VAGABUNDO

 Rodrigo Suzuki Cintra*
 Divulgação / Divulgação

A vestimenta foi escolhida de última hora, apenas alguns momentos antes de entrar pela primeira vez em cena. Deveria passar uma impressão contraditória, desproporcional. As calças, grandes e largas demais, o paletó, muito apertado e descosturado, o chapéu-coco pequeno e as botas exageradamente grandes e desgastadas. Mas o figurino somente estaria completo com a incorporação de uma bengala de bambu e um bigodinho característico, em forma de trapézio.

Esses elementos, adereços que fundam toda uma simbologia, no entanto, não podem exercer sua função cômica e de estranhamento sem um ator que atribua significado a eles. Mesmo o jeito de andar peculiar, com as pernas muito abertas, a mania de tirar o chapéu para cumprimentar todos, inclusive objetos inanimados, os trejeitos com que sorri e faz pose para a câmera não são suficientes para completar a equação que explique um pouco de como Carlitos foi idealizado como um personagem absolutamente desconcertante e único.

Trata-se de um vagabundo, não há dúvida, mas o mesmo sistema que o põe à margem, que inviabiliza seu sucesso enquanto um homem bem posicionado no universo do capital, tem que se curvar perante sua ética pessoal, o que verdadeiramente o caracteriza. É o lado humano desse maltrapilho que nos conquista, acostumados que estamos com uma ética que pulveriza o social e estabelece um individualismo cruel. Carlitos não é apenas um palhaço - o mais perfeito que o cinema pôde inventar. É, para além da graça, o personagem mais crítico ao sistema de poder e dominação que o século das imagens retratou.

Sua primeira aparição nas telas se deu logo no segundo filme de Charlie Chaplin, "Corrida de Automóveis para Meninos", em 7 de fevereiro de 1914. Chaplin, no entanto, ao recordar os momentos iniciais de sua longa carreira, alega que a estreia do vagabundo se deu no terceiro filme rodado pela Keystone Studios, "Carlitos no Hotel". Controvérsias à parte, a verdade é que Chaplin, há cem anos, talvez tenha construído o personagem ficcional mais famoso de todo o século XX.

Artista múltiplo, Charlie Chaplin não era, é preciso ressaltar, apenas ator. Foi diretor, roteirista e produtor da maioria de seus filmes. Pode-se acrescentar que foi um dançarino e músico formidável, também. Um verdadeiro gênio, que dominava a sua arte, o cinema, como nenhum outro.

Chaplin, com o seu Carlitos, foi completamente insuperável e idolatrado na era do cinema mudo e seus trejeitos, como o seu famoso pontapé para trás, foram reconhecidos e imitados pelo mundo afora. Muitos, principalmente os críticos de cinema, se perguntaram se Chaplin sobreviveria na era do cinema falado. Hoje, com o distanciamento que só o tempo pode impor às grandes obras, pode-se perceber que a arte de Chaplin não morreu com a introdução do som, mas impôs ao diretor novos desafios para contar uma história. Chaplin, obviamente, venceu a parada. Se por um lado, o personagem desaparece propositalmente das telas, com a revolução que a fala representou, pode-se encontrar a lógica de Carlitos em filmes como "O Grande Ditador" e "Luzes da Ribalta" (ambos filmes essenciais).

O vagabundo é um tipo e tanto: balança uma bengala e faz pose de cavalheiro, porém, não se furta a pegar e fumar bitucas de cigarro que encontra pelo chão ou roubar docinhos de criança. Satiriza o poder estabelecido e tem um jeito peculiar, às vezes meio de lado, às vezes de frente, quase uma espécie de empurrão, de chutar o traseiro das pessoas, principalmente os representantes da ordem e os poderosos. Ninguém realmente se machuca com esses pontapés inofensivos, é bom que se diga, mas em algum lugar o poder sofre um pouquinho. Pegos de surpresa, os personagens que recebem os pontapés no traseiro não se enganam: foram desrespeitados, não foi reconhecida a sua autoridade.

Ironia ou não, esse personagem marginal ao sistema não tem voz. Falar não era o modo de expressão mais apropriado ao vagabundo. Então, Carlitos tem que testar, a todo momento, os limites da linguagem. A expressão corporal magistral possibilita o "timing" da piada. Mas a maior de todas as subversões desse personagem é a maneira como o vagabundo ressignifica os objetos de consumo, como revoluciona a sua utilidade. Carlitos não faz aquisição nem destruição dos objetos do desejo. Ele opera uma disfunção, uma perda do significado do objeto, que, sendo feito para certo propósito, serve a outro completamente diferente.

A bengala de bambu é um exemplo. Carlitos a balança da mesma maneira que os policiais balançam cassetetes. Porém, se esses cassetetes simbolizam a ordem, o sistema, a bengala de Carlitos, ao contrário, vem ao mundo só para confundir e pregar peças. A bengala, que deveria servir para se apoiar, para o vagabundo tem utilidades que ultrapassam - e muito - o objetivo de impedir a queda. Ela torna as coisas distantes mais próximas, por meio de um movimento peculiar com o qual Carlitos puxa outros objetos se utilizando do gancho da bengala. Ela também serve para dar arrastões em policiais, cutucar as pessoas - principalmente no traseiro, local predileto do vagabundo para tirar sarro - e impedir que indesejados cheguem muito perto. Varinha mágica?

"Em Busca do Ouro", obra-prima de Chaplin, mostra como a ressignificação dos objetos operada pelo vagabundo, ao ser levada às últimas consequências, imprime uma poética da imagem que ajudou a tornar possível a compreensão do cinema como arte, nos primórdios do cinema, ainda mudo.
Passando fome, confinado em uma cabana por causa da neve e do frio, Carlitos resolve fazer uma refeição inusitada, quase um banquete, apesar da ausência total de alimento. Come seu sapato, que cozinhou com dedicação. Seriam os cravos espinhos de um suculento peixe? Os cadarços, espaguetes?

No mesmo filme, uma cena banal, aparentemente simples, vai dar o tom da beleza e registrar um dos momentos máximos da história do cinema. Carlitos adormece e sonha que está conduzindo uma dança realizada por dois pãezinhos presos por garfos (pernas). A dancinha dos pães lembra o próprio andar do vagabundo - passos de dança harmoniosos, que flertam com o balé, mas, ao mesmo tempo, desconcertantes, quase impossíveis. Uma coreografia imaginária desse mestre, para quem o improviso também era uma forma de técnica.

"Tempos Modernos" (1936) é o último filme em que se pode encontrar a figura de Carlitos. Ali, é possível identificar uma série de questões que tornam a produção o que o crítico francês André Bazin chamou de um verdadeiro "filme de tese". A maquinização do cotidiano elevada à potência da mecanização dos gestos, a questão social e política (Carlitos é preso numerosas vezes nesse filme, sem ter feito mal algum...), o universo do trabalho retratado pela lógica dos excluídos - tudo é explosivo.

De caso pensado, Chaplin, que negou ao vagabundo a possibilidade da fala durante toda a carreira, resolve, ao fim do filme, fazer o personagem cantar. Carlitos, no entanto, vai cantar uma música em que as letras não fazem sentido. Ele simplesmente inventa palavras, que, apesar de parecer familiares, não existem. E conta uma história completa apenas com os artifícios e manhas que adquiriu ao longo da construção do mítico personagem burlesco. O espectador entende perfeitamente bem a história inventada e cantada por Carlitos, apesar de faltarem as palavras. Golpe na crítica, Chaplin provava que a arte mímica ainda fazia todo sentido, ao mesmo tempo em que dava o primeiro passo para o cinema falado. Seu filme seguinte foi "O Grande Ditador" (1940), uma sátira aberta e ultracrítica de Hitler.

Curiosamente, Chaplin não precisou, nesse filme, alterar muito seu figurino habitual. De fato, Hitler usava um bigodinho em forma de trapézio muito parecido com o de Carlitos. O golpe ao ditador não poderia ser, então, mais certeiro. Perante a tragédia máxima da ascensão do nazismo e a manutenção do poder de Hitler, Chaplin apresentou uma comédia mordaz. Entre o choro e o riso, em 1940, um bigode dividia o mundo.
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* Rodrigo Suzuki Cintra é filósofo e doutor em direito pela USP, leciona na Universidade Mackenzie
Foto:  Chaplin como Carlitos em "Corrida de Automóveis para Meninos": esse artista múltiplo talvez tenha criado, em 1914, o personagem ficcional mais famoso do cinema do século XX
Fonte: Valor Econômico online, 31/01/2014

POR QUE AS PESSOAS GRITAM?

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Um dia, um pensador indiano fez a seguinte pergunta a seus discípulos:

- Por que as pessoas gritam quando estão aborrecidas?

- Gritamos porque perdemos a calma, disse um deles.

- Mas, por que gritar quando a outra pessoa está ao seu lado? – Questionou novamente o pensador.

- Bem, gritamos porque desejamos que a outra pessoa nos ouça, retrucou outro discípulo.

E o mestre volta a perguntar:

- Então não é possível falar-lhe em voz baixa?

Várias outras respostas surgiram, mas nenhuma convenceu o pensador.

Então ele esclareceu: – Vocês sabem porque se grita com uma pessoa quando se está aborrecida?

Quando duas pessoas estão aborrecidas, seus corações se afastam muito. Para cobrir esta distância precisam gritar para poderem escutar-se mutuamente. Quanto mais aborrecidas estiverem, mais forte terão que gritar para ouvir um ao outro, através da grande distância.

Por outro lado, o que sucede quando duas pessoas estão apaixonadas?

Elas não gritam. Falam suavemente. E por quê?

Porque seus corações estão muito perto. A distância entre elas é pequena. Às vezes estão tão próximos seus corações, que nem falam, somente sussurram.

E quando o amor é mais intenso, não necessitam sequer sussurrar, apenas se olham, e basta. Seus corações se entendem.

É isso que acontece quando duas pessoas que se amam estão próximas.

Por fim, o pensador conclui, dizendo:

- Quando vocês discutirem, não deixem que seus corações se afastem, não digam palavras que os distanciem mais, pois chegará um dia em que a distância será tanta que não mais encontrarão o caminho de volta.

O QUE HÁ DE NOVO NA "DIREITA"?

Joel Pinheiro*

algo novo no ar; nos artigos de opinião, nas discussões políticas, no comentário econômico. Os observadores mais atentos, olhando de longe a movimentação que veio de fora dos meios esperados - a academia, a grande imprensa, a política, o meio artístico -, já têm um nome na ponta da língua: "nova direita" - nome dado, evidentemente, pela velha esquerda.

De perto ela é mais complexa. A tal "nova direita" é no mínimo duas coisas bem distintas. E, dessas duas, uma nem é direita, embora seja nova. Nesse mesmo balaio estão dois grupos: conservadores e libertários. Eles têm algo em comum: a insatisfação com o estado do Brasil e a descrença nas opções políticas disponíveis ou mesmo na política como um todo. Não pertencem à direita tradicional e, obviamente, se opõem ao governo do PT. O que não quer dizer que aceitem de bom grado o rótulo de direita.

Bem, os conservadores aceitam. Sua marca distintiva é justamente o ódio a tudo o que vem da esquerda. Consideram-se desprovidos de ideologia. Não querem grandes revoluções ou mudanças bruscas e populistas. Veem no PT não apenas um partido de esquerda e, sim, a peça de um movimento político corrupto, revolucionário e destrutivo que põe o país em risco.

Nesse ódio ao esquerdismo entram articulistas como Reinaldo Azevedo no campo da política e, no da cultura, o filósofo Luiz Felipe Pondé. Para além deles, aparece aqui e ali uma série de jornalistas, comentadores sociais e mesmo artistas, cada um com seu público fiel: Rachel Sheherazade (SBT Brasil), Paulo Eduardo Martins, Lobão.

Por trás de todos está um mentor em comum: Olavo de Carvalho, jornalista e filósofo que vive nos Estados Unidos, de onde escreve artigos e dá cursos on-line. Rodrigo Constantino, Rachel Sheherazade, Lobão e Reinaldo Azevedo são leitores seus. Felipe Moura Brasil, novo blogueiro da "Veja", é o organizador de seu livro mais popular - "O Mínimo Que Você Precisa Saber para não Ser um Idiota", coletânea de artigos que resume seu pensamento.

De acordo com Olavo de Carvalho, o esquerdismo vai muito além da política. Toda a cultura está tomada pelo marxismo cultural e a inversão de valores por ele efetuada. O pensamento e os slogans da esquerda são hegemônicos e constituem, assim como o PT, parte de um processo para implantar o comunismo na América Latina via o Foro de São Paulo, organização que reúne os principais partidos e movimentos de esquerda no continente.

O conservador vê sua luta antes de tudo como uma guerra cultural. Por isso, a preocupação especificamente política, quando vai além da mera oposição ao PT, se foca em questões pontuais: aborto, casamento gay, drogas, armas, defesa da família e da religião. Isso acaba dando ao movimento o aspecto de reacionarismo ideológico que ele tanto quer evitar.

A outra metade da "nova direita", a ala liberal ou libertária, também luta contra uma imagem negativa. O pouco de liberalismo que o Brasil conheceu foi sempre visto como uma agenda tecnocrática de economistas, gente que transita entre a teoria econômica pura e o mercado financeiro. Justa ou injustamente, é tachado de pensamento da elite. Além disso, sempre conviveu com o conservadorismo cultural. Essa associação ainda é comum, como no caso de Rodrigo Constantino, que iniciou sua carreira como liberal radical e vem cada vez mais adotando o discurso conservador. O liberalismo brasileiro clássico é, assim, facilmente classificável como direita.

Os libertários, ala mais radical do liberalismo, querem enterrar essa associação. Parte dos membros se coloca mesmo como "esquerda libertária", posição até então desconhecida no Brasil. Seu foco é na erradicação da pobreza, nos custos que as regulamentações estatais impõem às camadas mais baixas e aos microempreendedores e em causas progressistas como casamento gay e liberação das drogas. Uma boa leitura nesse sentido é o blog Capitalismo para os Pobres, de Diogo Costa, professor do Ibmec-MG. É um liberalismo que não se opõe ao Bolsa Família, mas combate veementemente o BNDES, grande concentrador de capital e poder nas mãos de políticos e megaempresários.

Outra iniciativa que chama a atenção é o Estudantes Pela Liberdade, com membros em universidades de todas as regiões do Brasil, que organizam grupos de estudo, palestras, promovem debates, militância, etc. Tudo isso num tom de diálogo com a esquerda universitária.

Se os conservadores têm conquistado mais espaços nas mídias tradicionais (TV, jornais e revistas), os libertários têm crescido principalmente na internet. O Instituto Mises Brasil tem o site de economia mais acessado do país, com análises pautadas pela escola austríaca de economia, conhecida pelo radicalismo de seus membros. Já o site do Instituto Ordem Livre, que adota uma abordagem mais plural, hospeda colunas sobre combate à pobreza, urbanismo, ética e política.

Falando em política, tem outra novidade na área. O Partido Novo, que está em processo de formalização, tem algo que ninguém mais tem: dinheiro. Talvez por isso encarne a esperança de todos. Inicialmente, parece defender uma agenda liberal mais tradicional, que pede privatizações, eficiência na gestão e corte de impostos. Mas pode também dar uma guinada libertária, defendendo desregulamentações e fim de transferências de renda regressivas.

Conservadores olham para o passado: querem conservar os valores da civilização ocidental e as instituições vistas como suas principais representantes - a igreja, a família, o Estado democrático de direito, os direitos naturais. Podem ser até liberais em economia, mas seu coração não está na liberdade enquanto tal. Já libertários olham para o futuro sem medo de criar utopias e apostar nas mudanças revolucionárias que sua proposta trará. O Estado é visto ou como uma barreira à criação do novo ou como um definidor de caminhos fixos para a mudança, proibindo e barrando caminhos alternativos.

De princípios humildes, a "nova direita" vem causando desconfortos e sendo bem recebida por muitos. De direita ou não, o fato é que ela traz novidades.
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*Joel Pinheiro, mestrando em filosofia, é editor da revista "Dicta&Contradicta"
FONTE: Valor Econômico online, 31/01/2014

“O consumismo da elite é desespero”

9 mil pacientes atendidos, 1 milhão de livros vendidos e programa na cbn (Foto: João Mantovani)

O psiquiatra Flávio Gikovate fala sobre as angústias da elite que frequenta seu consultório e o estresse do mundo moderno

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Flávio Gikovate não tem um divã. Quando um paciente chega ao consultório dele, num dos endereços mais caros de São Paulo (a Rua Estados Unidos, nos Jardins), encontra primeiro uma fachada de cimento queimado com portas altas de correr. Depois, pode tomar café na recepção térrea, entre um jardim interno envidraçado e telas coloridas de Claudio Tozzi. Na hora da consulta, sobe por uma escada sem paredes laterais até a sala do psiquiatra e se senta: ou num sofá, ou numa poltrona bem confortável de couro preto. Mas divã, como no nome de seu programa semanal na rádio CBN (No Divã do Gikovate), não tem. “Sempre trabalhei assim, prefiro olho no olho”, diz. Talvez seja o olho no olho, talvez seja o método da “psicoterapia breve” e a promessa de alta em seis meses – que faz com que ele atenda 200 pacientes por ano. Fato é que Gikovate se tornou o confidente de alguns dos empresários e executivos mais bem-sucedidos do país. Nesta conversa, ele fala sobre a gastança dos brasileiros ricos, a cabeça do bom líder e outros temas atuais, mas de um ponto de vista diferente. Ou você já tinha ouvido que a culpa do consumismo é da pílula anticoncepcional?

Dinheiro anda comprando mais felicidade ou infelicidade?
Esses dias uma moça me perguntou se era possível ser feliz sendo pobre. Estudos de Harvard mostram que se faltar dinheiro para o básico – saúde, comida – provavelmente o indivíduo não consegue ser feliz. Algum para o supérfluo também é importante. Agora, de um ponto para cima, ele pode atrapalhar bastante. O consumismo é muito mais fonte de infelicidade do que de felicidade. O prazer trazido é efêmero, uma bolha de sabão – e em seguida vem outro desejo. Ele gera vaidade, inveja, uma série de emoções que estão longe de qualquer tipo de felicidade. E tudo vira comparação. Outro estudo diz que um indivíduo que ganha US$ 40 mil numa comunidade em que a média é de US$ 30 mil é mais feliz do que se ganhar US$ 100 mil e a média for de US$ 120 mil.

A elite brasileira é consumista demais?
Comecei a trabalhar em 1967, vi a chegada da pílula [anticoncepcional] e a emancipação sexual dos anos 60. Na época, achava-se que essa liberdade iria ‘adoçar’ as pessoas. ‘Faça amor, não faça guerra.’ Mas sexo e amor são coisas diferentes. É triste ver que os ideólogos daquela revolução estavam totalmente errados, porque a emancipação sexual aumentou a rivalidade entre os homens e entre as mulheres, foi criado um clima de competição, atiçou tudo que tinha de ruim no ser humano. Foi um agravador terrível do consumismo. Em países de Terceiro Mundo – e, intelectualmente, aqui é quase Quarto Mundo –, a elite só piorou nesse tempo. É uma elite medíocre, ignorante, esnobe. Na Europa e nos EUA, o exibicionismo da riqueza é muito menor. Na Europa, as pessoas consomem qualidade, não quantidade. Elas têm uma bolsa cara, mas não mil bolsas, para fazer disputa. Aqui há um comportamento subdesenvolvido e medíocre. E totalmente competitivo. As festas de casamento e de 15 anos são patéticas. A próxima festa tem de ser maior. Isso é sem fim. É sofrimento, é infelicidade. A quantidade e o volume com que as pessoas correm atrás dessas coisas é desespero.

 "Mas a maior felicidade das pessoas ainda 
é quando conseguem estabelecer 
vínculos amorosos de qualidade."

Então o sexo é culpado pelo consumismo?
Desde o início, o erótico está acoplado ao consumismo. Nos anos 20, foi preciso introduzir novos produtos que não tinham a ver com necessidades, como o xampu. A ideia que tiveram foi acoplar um desejo natural a um desejo que se queria criar. Então botavam uma mulher gostosa para vender xampu. O consumismo sempre esteve relacionado ao erótico, não ao romântico. O romântico é o anticonsumismo. As boas relações amorosas levam as pessoas a uma tendência brutal ao menor consumismo. A verdadeira revolução, se vier, vai estar mais ligada ao amor do que ao sexo.

PAPO CABEÇA
Ele elogiou o livro O Amor nos Tempos do Capitalismo, de Eva Illouz, e os filmes Rush, sobre Niki Lauda, e Blue Jasmine, de Woody Allen

Quais são outras fontes de angústia dessa elite que você atende?
Só para explicar: sempre fui bem [na carreira], faz pelo menos 30 anos que atendo algumas das pessoas mais bem-postas do país. Outro trabalho que sempre fiz foi por meio da mídia, em jornais, revistas e, há seis anos e meio, na CBN. É outra forma de ajudar as pessoas. Então tem dois mundos que eu atendo, o dos ricos e o do povo. E as diferenças são pequenas. São conflitos sentimentais, mais do que sexuais. Problema de família, briga de irmãos. Empresários têm muitos problemas de sucessão. O pai tem dificuldade de soltar a rédea e o filho tem a frustração de estar com 40 anos e não ter assumido os negócios. Outras vezes são problemas de ordem financeira, mesmo. O cara está indo mal, fica angustiado, tem os problemas familiares que derivam disso. Tem as tensões societárias... Empresa é complicado, quando vai bem tem problema, quando vai mal tem problema.

Por que trabalhar, no mundo moderno, é quase sempre tão estressante?
Estresse significa uma reação física para enfrentar situações de ameaça, portanto, quando o ser humano vivia na selva também tinha estresse. O estresse vem da ameaça, então numa empresa em que você é cobrado o tempo todo, vive com medo de ser demitido, você cria um clima muito mais grave de ameaça que o necessário. Estresse é ameaça. Sobrecarga cansa, mas não estressa.

Você às vezes se sente estressado?
Cansado. É diferente. Mas às vezes fico um pouco acelerado no pensamento, o que eu não gosto, porque empobrece a reflexão. Tenho a sensação de que o tempo ficou curto, de estar sempre devendo alguma coisa. Você se sente sempre em falta com um livro que não leu, um filme que não viu. Quando eu era moço, tinha cinco ou seis filmes importantes por ano para ver. Hoje, tem cinco filmes por mês. E bons! 
Flávio Gikovate (Foto: João Mantovani)
 
Qual é uma boa válvula de escape desse mundo acelerado?
Um pouco mais de folga de horários, mais tempo para algum tipo de relaxamento. As prescrições passam por exercício físico, ioga e meditação – porque esvaziar a cabeça é certamente um grande redutor de ansiedade. Passam também pelo uso de medicação. Mas tudo isso são atenuadores. Se o trabalho fosse um pouco menos competitivo, seria possível abrir mão desses remédios.

Como um bom líder pode ajudar a reduzir as tensões no trabalho?
O bom líder é respeitado naturalmente, não por meio do medo. As pessoas reconhecem que ele está apto para o cargo e o exerce da forma mais democrática possível. Ou seja, antes de tomar uma decisão, consulta quem trabalha com ele, o que não significa terceirizar a decisão. O voto final é do líder, mas não sem ouvir todo mundo. A governança não pode se dar por atos irracionais, pelo humor do patrão. Deve se dar por normas que todo mundo conhece. Uma das maiores causas de estresse é ter um patrão cujo humor vai influir na forma como ele gere a empresa. Por isso a governança corporativa é importante, porque é um conjunto de normas que vai valer todo dia.

Você costuma ouvir: “meu chefe não me escuta”?
Todo mundo tem esse defeito [de não escutar]. O pai com o filho, o chefe com o subordinado... No caso do chefe, é mais comum porque chefe acha que sabe mais por definição, o que é uma grande bobagem. Um filósofo disse: humildade é a capacidade de aprender com quem sabe menos do que você. Ouvir alguém de verdade é estar disposto a abrir mão da sua ideia em favor da outra, se a outra for melhor que a sua. Boa ideia não tem dono. Toda boa ideia que eu ouço vira minha – e eu jogo fora minha velha ideia.

"Uma grande causa de estresse é ter um patrão 
cujo humor vai influir na gestão"
 
Que mudanças devemos ver daqui para a frente, em termos de comportamento?
As grandes transformações estão ligadas à mudança no papel da mulher. Na minha turma de faculdade, havia 78 homens e duas mulheres. Hoje, as faculdades têm em média 60% de mulheres. É porque os homens estão mais folgados e as mulheres, mais guerreiras. Mas isso vai dar numa série de desequilíbrios. Não sei se as mulheres vão gostar de sustentar os homens, nem se os homens vão gostar de ser sustentados. No ambiente de trabalho não tem problema nenhum, ao contrário, muitos empresários acham que as mulheres trabalham melhor. Mas em casa vai dar problema. Como faz para ter filho? Quem vai cuidar? Como vai terminar isso, ninguém sabe. A verificar. Mas não pense que é uma variável desprezível. A independência econômica da mulher desequilibra pra caramba o mundo.

Além do consultório, o senhor também foi bem-sucedido para vender livros?
Não tenho do que reclamar. Desde 1975, publiquei 32 livros e vendi mais de 1 milhão de cópias.

Qual o melhor?
Não sei. Minha mulher diz que é O Mal, o Bem e mais Além. É difícil falar. Gosto sempre dos mais recentes, mas no fundo são a reescritura daquilo que fiz nos anos 70 e 80.

E quando as pessoas muito ricas são felizes, o que costuma levar a isso?  
Os executivos que se sentem realizados são aqueles que gostam do que fazem. Às vezes, ficam até viciados. Mas a maior felicidade das pessoas ainda é quando conseguem estabelecer vínculos amorosos de qualidade. Tanto faz ser executivo ou não. É o que tem de mais importante. Gostar do que se faz e ter uma boa parceria sentimental talvez sejam as duas principais fontes de felicidade nesse nosso mundo. 
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Fonte: http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Visao/noticia/2014/01/o-consumismo-da-elite-e-desespero.html

"SuperPapa"

 Grafito
Maupal, criador do grafito do "SuperPapa": Não vou à igreja mas gosto de Francisco; é o único a usar o poder para o bem

Na segunda-feira, com a escuridão a seu favor («em teoria é uma ação ilegal, faz-se sempre de noite»), Mauro Pallota, pintor de profissão, artista de rua por paixão, desenhou na parede de uma das ruas de Roma, a dois passos do Vaticano, o "SuperPapa".

«É um grafito ecológico e removível» que retrata o papa Francisco nas vestes de um super-herói», diz Mauro, nascido em 1972, que esta quarta-feira não teve descanso, com o telefone a tocar todo o dia.
«Disseram-me para ir à Via Plauto [onde o grafito foi desenhado] e encontrei câmaras de filmar, fotógrafos, jornalistas», recordou o artista, que esperava uma apreciação favorável mas nunca imaginou que desse a volta ao mundo.

«Os meus trabalhos de rua tiveram sempre reações positivas; pensava que este iria fazer um pouco mais de rumor, mas não que chegasse a todo o lado», disse sobre o grafito que o Pontifício Conselho das Comunicações Sociais publicou no seu perfil na rede social Twitter.

«Levei mais tempo a encontrar a parede certa sobre o qual o fixar do que a desenhá-lo», conta "Maupal", como assina. «Quanto à zona - prosseguiu - nunca tive dúvidas: em Borgo Pio, o bairro papal por excelência, onde nasci e cresci, e aqui hoje todos adoram Francisco.»

Foto 
Mauro Pallota junto do grafito

«Precisamente pela empatia que consegue criar à sua volta, o papa é muito pop, e quis desenhá-lo pop, como numa banda desenhada. Os superpoderes de que o dotei representam o enorme poder de que dispõe, que ele usa, o único líder no mundo, para fazer o bem. É o único que faz aquilo que diz e diz aquilo que faz.» 

«Os heróis das bandas desenhadas americanos descendem dos da mitologia grega, e eu quis interpretá-lo nessa chave, mas com toques de humanidade, como o cachecol da equipa argentina do San Lorenzo, por quem ele torce, os sapatos velhos e aquela mala preta de que nunca se separa.»
«A ideia chegou-me numa tarde, há algumas semanas: estava a folhear um pequeno jornal de super-heróis quando na televisão começaram a falar do papa. Na minha cabeça foi como um curto-circuito: o papa é um super-herói.

Pallota teve uma educação católica, mas hoje «não frequenta». Por isso, parece-lhe que a sua homenagem a Francisco faz ainda mais sentido: «Gosto precisamente dele como homem, não porque acredite».
Grafito
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Piero Negri
In Vatican Insider
Trad./redação: rjm
30.01.14

NÃO TE RENDAS

eis a questao final

(Mario Benedetti, Uruguai, 1920-2009)

Não te rendas, ainda é tempo
de alcançar e começar de novo,
aceitar tuas sombras,
enterrar teus medos,
liberar o lastro,
retomar o vôo.
Não te rendas que a vida é isso,
continuar a viajem,
perseguir teus sonhos,
destravar o tempo,
correr os escombros,
e destapar o céu.
Não te rendas, por favor não cedas,
ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se esconda,
e se cale o vento,
ainda há fogo em tua alma
ainda há vida em teus sonhos.
Porque a vida é tua e teu também o desejo
porque o tens desejado e porque te quero
porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não há feridas que não cure o tempo.
Abrir as portas,
tirar as trancas,
abandonar as muralhas que te protegeram,
viver a vida e aceitar o desafio,
recuperar o riso,
ensaiar um canto,
baixar a guarda e estender as mãos
despregar as asas
e tentar de novo,
celebrar a vida e retomar os céus.
Não te rendas, por favor não cedas,
Ainda que o frio queime,
ainda que o medo morda,
ainda que o sol se ponha e se cale o vento,
ainda há fogo em tua alma,
ainda há vida em teus sonhos
Porque cada dia é um começo novo,
porque esta é a hora e o melhor momento.
Porque não estás sozinho, porque eu te amo.
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(tradução de Jeff Vasques)
Fonte: http://eupassarin.wordpress.com/

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

País quer fugir do pior do comunismo, diz filósofo britânico


Para Roger Scruton, aproximação com UE 
é boa para Ucrânia, mas ruim para o bloco
Britânico Roger Scruton comenta a intervenção russa na Ucrânia, o inchaço da UE e a crise de valores na Europa 
GUILHERME CELESTINODE SÃO PAULO
 
O filosofo britânico Roger Scruton, 69, é formado em Cambridge, especialista em estética e professor visitante nas universidades de St. Andrews e Oxford. Mas foi no debate político e cultural que surgiu como crítico do multiculturalismo, do comunismo e da União Europeia (UE). 

Scruton lecionou em 1990 no Jan Hus Educational Foundation na antiga Tchecoslováquia, instituição criada por professores de Oxford em 1980, que distribuía livros, organizava palestras de pensadores ocidentais e era conhecida pela polícia política tcheca como "Centro de Subversão Ideológica".
Em entrevista à Folha, ele fala sobre a crise na Ucrânia, o surgimento de novos atores políticos na Europa e a comparação entre o Tea Party e a extrema-direita europeia. 

Folha - Como o senhor vê os protestos recentes em Kiev?
Roger Scruton - Os protestos são contra a dominação russa e as formas ilegais de governo pós-comunista que perpetuam alguns dos piores aspectos do comunismo. O desejo de aderir à UE é o de ser parte do sistema ocidental de Estados e também o desejo de escapar à última das correntes impostas em 1917 [ano da Revolução Russa]. 

O que acha de os manifestantes desejarem uma maior aproximação com a UE e o afastamento da Rússia?
É bom para a Ucrânia se aproximar da UE, e ruim para a UE, que já está sobrecarregada de países ex-comunistas e suas populações em fuga. O que é preciso é que a Ucrânia seja nacionalmente independente e possa negociar livremente com seus vizinhos, mas que não seja parte da UE. O bloco europeu vai em breve desmoronar sob a pressão de muitos membros e muita liberdade de trânsito entre eles. 

Em artigo recente, a revista britânica "Economist" comparou os partidos europeus de extrema direita e anti-UE ao movimento Tea Party nos EUA. O senhor concorda com tal comparação?
É claro que não. Ninguém sabe o que é ser de "extrema direita". Tem nacionalistas na Europa que querem reafirmar a identidade nacional em oposição à UE. Eles são como o Tea Party na procura por uma ordem anterior frente àquilo que veem como perda de identidade e direção. Mas, diferentemente do Tea Party, o interesse deles não é o Estado de direito, mas sim a identidade nacional. 

Na França, 10 mil pessoas se reuniram na semana passada contra a flexibilização da lei do aborto e em apoio a novo projeto de lei na Espanha que restringe o aborto. Como explicar esses atos?
A Espanha é um estado em crise cultural, após ter rejeitado sua herança católica, e sem nenhuma ideia do que pôr em seu lugar. Já a manifestação na França é uma resposta ao governo de esquerda que introduziu o casamento gay e a afirmação de que a família é mais importante do que a sociedade sem raízes, exemplificada em todos os sentidos pelo presidente [François] Hollande. 

O senhor diz que a liberdade depende de uma rede delicada de instituições. Isso é possível em países de experiência democrática recente, como Rússia e Ucrânia?
As coisas precisam ser construídas de modo gradual, e pessoas boas devem estar preparadas para fazer sacrifícios a fim de criar instituições que durem. O importante é não ter muitas expectativas, e permitir o máximo de espaço à sociedade civil. 
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Fonte: Folha online, 30/01/2014
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A primeirona

L. F. Veríssimo* 
 
O poeta inglês Rupert Brooke morreu durante a I Guerra Mundial. Era moço, bonito e um poeta passável. Morreu em 1915, um ano depois do começo da guerra. Num dos seus poemas, intitulado O Soldado, ele tinha escrito: “Se eu morrer, pense apenas isto de mim: que há uma cova num campo estrangeiro que será, para sempre, a Inglaterra”.

Brooke ficou como uma espécie de símbolo da juventude inglesa dizimada pela guerra de 14, toda uma geração, incluindo os seus poetas, que não voltou das trincheiras. A única coisa errada nesta história convenientemente romântica é que Brooke morreu durante a I Guerra, mas não na I Guerra. Foi vítima de uma infecção causada por uma picada de mosquito, sem nunca ter estado numa trincheira.

Se Rupert Brooke não serve como herói romântico e representante de uma geração destruída, serve como símbolo de todos os enganos que levaram à carnificina da chamada Grande Guerra, quando milhões morreram sem saber bem por quê.

Visto em retrospecto, o mais impressionante na I Guerra, cujo centenário se comemora neste ano, é o volume de mal-entendidos, mesquinhez e simples burrice que tornou inevitável um conflito, no fim, por nada. Alguns impérios agonizantes ruíram, algumas fronteiras foram redesenhadas, alguns orgulhos nacionais foram servidos – nada que valesse a vida de um só poeta. A Primeirona funcionou como campo de prova de novas tecnologias de guerra (o avião, o tanque, a metralhadora, o gás venenoso) e deixou tantas questões políticas pendentes, que tornou inevitável, também, a Segundona. E deixou o novo material bélico pronto para essa outra carnificina.

Já se disse que guerra é uma coisa importante demais para ser confiada a generais, mas, no caso da I Guerra Mundial, governantes e diplomatas completaram a incompetência mortal dos militares. Foi um mau momento da nossa história como espécie racional, uma apoteose da estupidez humana. Que, com a glorificação literária de sacrifícios como o de Brooke (esquecido o detalhe do mosquito) e outros poetas, também ganhou a bênção de intelectuais, para os quais a guerra, menos do que uma tragédia, foi um ritual de passagem que enriqueceu as letras inglesas e europeias, substituindo o idealismo do século 19 pelo ceticismo moderno. E o mais triste – visto desta distância – é que tudo poderia ter sido evitado.

Brooke, como na previsão do soldado do seu poema, foi enterrado num campo estrangeiro, em Skyros, na Grécia. Mas há uma lápide com seu nome no Westminster Abbey, em Londres. A inscrição na lápide é de outro poeta, Wilfred Owen, este um autêntico sacrificado pela Primeirona: “Eu escrevo sobre a guerra, e o lamento da guerra. A poesia está no lamento”.
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* Luis Fernando Veríssimo é escritor, jornalista, cronista da ZH
Fonte: ZH online, 30/01/2014
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Ingénuo, sou eu…

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Ingenuidade é pensar que vou tocar um pouco melhor depois de ouvir outra vez Jimmy Page. Ou que vou escrever de forma diferente depois de ler, pela segunda ou terceira   vez  "O Idiota" de Dostoiévski.

Ingenuidade é pensar que vou falar melhor depois de ouvir de olhos fechados  "I Have a Dream", de Martin Luther King.
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Ingenuidade é sonhar que vou desenhar um pouco melhor depois de ver as "Cariátides"  de Modigliani.
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Ingenuidade é pensar que todo o amor pode ser como o amor de Florentino Ariza  e de Firmina Daza no livro de Garcia Marquez.
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Ingenuidade será tudo isto.
E quanto dos nossos sonhos o são, ingénuos, e quanta  ingenuidade na ambição da vida.
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Fonte: http://www.escreveretriste.com/2014/01/28

Prêmio Nobel de Medicina: 'curiosidade, persistência e sorte são fundamentais para descobertas científicas'



Palestra do biofísico alemão Erwin Neher atraiu centenas de estudantes, acadêmicos e cientistas para exposição em São Paulo

Em passagem pelo Brasil, o biofísico alemão Erwin Neher afirmou ontem que a curiosidade, a persistência e a sorte estão entre os principais responsáveis pelas suas descobertas científicas que lhe renderam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1991. A declaração foi durante sua palestra "Creating Knowledge: Research for Upcoming Generations (Criação de Conhecimento: pesquisaparaas gerações futuras)", proferida ontem (29) em São Paulo, no Teatro Shopping Frei Caneca, que reuniu centenas de estudantes, acadêmicos e cientistas, interessados em conhecer a trajetória de Neher na área científica.

No Shopping Frei Caneca, foi aberta ontem a exposição científica multimídia "Túnel da Ciência Max Planck", de responsabilidade da Sociedade Max Planck, da qual Neher é pesquisador. Como parte da temporada "Alemanha+Brasil", a mostra itinerante vai até 21 de fevereiro com apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e de outros órgãos.

Ao discorrer sobre sua experiência e os desafios enfrentados na ciência, Neher declarou que em qualquer descoberta científica é preciso acreditar na importância do trabalho para solucionar os problemas da sociedade. Segundo o biofísico alemão, a "curiosidade e o interesse de saber mais" na área científicas são relevantes para obter êxito no resultado final de suas descobertas.

"Não pode esperar ganhar o Prêmio Nobel imediatamente. Se acreditar em sua descoberta haverá reconhecimento. A sorte também tem seu papel", disse ele atribuindo à sorte o fato de ter encontrado bons mestres como orientadores.

Na tentativa de estimular os jovens brasileiros, disse que "não há receita pronta" para as conquistas em descobertas científicas. Reforçando que o Prêmio Nobel é outorgado às descobertas das ciências da natureza, citou como exemplo o sucesso dos antibióticos, o que, segundo ele, beneficiará a sociedade para sempre. "A maior parte dos que recebem o Prêmio Nobel é movida pela curiosidade de que as descobertas podem resolver problemas da sociedade", disse.

Eletrofisiologia

Formado em física pela Universidade Técnica de Munique, Neher foi apresentado à plateia pela presidente da SBPC, Helena Nader, moderadora do debate. Ela contou que o biofísico alemão e seu parceiro Bert Sakmann fizeram relevantes descobertas sobre a função dos canais iônicos nas células e decifraram a comunicação celular.

Eles desenvolveram, em 1976, a técnica denominada patch-clamp que revolucionou o estudo da eletrofisiologia (ciência que explica, diagnostica e trata as atividades elétricas do coração) por permitir o isolamento da corrente de um tipo específico de canal iônico em diversos tipos celulares e em uma grande variedade de espécies.

Neher considera que foi graças ao progresso científico que a sociedade atual melhorou o padrão de vida em relação a décadas passadas. Ressaltou, portanto, a importância do financiamento à ciência para melhorar as condições de vida da sociedade. "O cerne do progresso científico está nas descobertas", afirmou.

Juventude

Ao relatar sobre suas experiências e desafios científicos, Neher disse que, desde jovem, tinha interesse pela eletricidade do corpo humano. "Por volta de 17 anos, descobri, nas aulas de biofísica, que a eletricidade de nosso corpo era algo fascinante. Depois quis saber mais sobre a bioeletricidade", lembrou.

Ao progredir nos estudos na Alemanha, o cientista adquiriu uma bolsa para estudar na Universidade do Wisconsin-Madison, nos Estados Unidos, onde fez mestrado em biofísica. Ao voltar à Alemanha, fez doutorado e recebeu, em 1987,o Prêmio Wilhelm Leibniz da Deutsche Forschungsgemeinschaft, a mais alta honraria concedida à área científica na Alemanha.

Questionado pela plateia se era considerado um nerd em sala de aula, fez uma autoavaliação. "Não acho que eu era nerd. Mas também não tinha notas ruins, era um bom aluno. Praticava esporte, atletismo, mesmo não sendo bom no esporte. Mas haviaum equilíbrio na minha vida acadêmica", avaliou.

(Viviane Monteiro - Jornal da Ciência)
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Fonte:  http://www.jornaldaciencia.org.br/30/01/2014
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INGRATOS!

ROBERTO ROMANO*

"Ainda hoje, na mente de muitos líderes nominalmente de esquerda e modernizadores, a massa popular tem apenas o direito de ser tangida pelos iluminados que, em seu nome, a conduzem rumo ao melhor dos mundos possíveis"

Ao falar sobre defeitos e virtudes humanos, Spinoza afirma que "só os homens livres têm reciprocamente, uns para com os outros, o mais alto reconhecimento" (Ética). Quando, sob pressão oficial, a um povo é subtraída a escolha efetiva, torna-se uma perigosa crueldade dele exigir gratidão pelos feitos dos governantes. A lição foi dada a Spinoza por Maquiavel.

Os palácios brasileiros, movidos pela propaganda, tentam coibir a oposição e a crítica usando a chantagem orçamentária ou abusando da força física. Acostumada à demagogia que, desde Vargas, lhe rende uma legitimidade de encomenda, a cortesania não aceita que o povo, presumidamente beneficiado por suas administrações, recuse praticar as zumbaias e os rapapés tão comuns nos gabinetes. Com muitos eleitores ainda funciona o "é dando que se recebe". Mas graças às formas de comunicação como a internet, tal prática se atenua a olhos vistos. O controle face a face, tradicional no Brasil, perde terreno para formas coletivas de trato entre mandatários e cidadania. Exigir gratidão pelo favor recebido mostra pleno anacronismo e sinaliza uma tendência reacionária dos governantes.

Segundo entoam os atuais ocupantes do poder federal, imitados por seus bajuladores, vivemos sob um governo de esquerda. Toda crítica aos dirigentes é vista como atentado ao processo revolucionário que habita a alma dos líderes e militantes, mas é invisível aos seres humanos comuns. Quem está a par da teoria leninista conhece a distinção lógica entre o bom proletário e a massa apegada às reivindicações "puramente econômicas" (aumento de salário, condições de consumo, etc). O primeiro sacrifica tudo, até a vida, em favor do socialismo. A segunda só chegaria à lucidez sob o guante dos intelectuais (a consciência vinda de fora...) e do partido. Sem tal obediência o trabalhador é visto como inimigo pelos apparatchiks. Se for grato e adiar suas reclamações financeiras ou políticas, ele é reconhecido pelo Estado, recebe medalhas como digno êmulo de Alexei Stakhanov. Com semelhante domesticação se construiu o poder estatal na pátria do socialismo.

Ainda hoje, na mente de muitos líderes nominalmente de esquerda e modernizadores, a massa popular tem apenas o direito de ser tangida pelos iluminados que, em seu nome, a conduzem rumo ao melhor dos mundos possíveis. Josef Stalin, num retrocesso histórico à guisa de realismo político, retomou com mão de ferro os ritos czaristas para impor os seus planos à plebe ignara (leia-se O Homem, o Capital Mais Precioso). Nos governantes brasileiros de agora se afirma o mesmo sestro contrário à soberania popular.

Em comícios, Luiz Inácio da Silva repreende a massa e define quem deve ser por ela enaltecido ou excomungado. Na faina de controlar os adeptos e com abuso do cajado no pastoreio, chegou ao ponto sublime no enunciado (com sotaque do Antigo Regime) de que José Sarney não é um cidadão comum. A populaça levanta-se contra o patrimonialismo maranhense porque, imagina o Grande Líder, ignora o saber político. Ela precisa aprender históricas lições de realismo tendo em vista a governabilidade, ou seja, a grata obediência ao oligarca. Outra cena caricata e trágica de retorno ao passado ocorreu nos jardins da casa de Paulo Maluf num abraço que apunhalou a própria elite esquerdista.

O dono do partido considera a política pública que, desde o Plano Real, incluiu no mercado milhões de brasileiros um favor devido à sua pessoa. Stalin regrediu ao período monárquico, unindo a honraria de ser "pai do povo" (título comum aos reis europeus antes da Revolução Francesa) ao populismo sem peias.

Herdeiro da cultura política imposta pelo absolutismo português, o Brasil jamais aniquilou a prática do favor, da clientela, da suposta gratidão dos pobres diante dos "benfeitores". Tais costumes vêm da República Romana, que jamais foi democrata. Nela a fé pública dependia do rico que mantinha a plebe na abjeta dependência. O favor prestado pelo patrão era retribuído agradecidamente pelo favor do voto. Como a soberania popular era um mito a ser respeitado, embora desobedecido, mesmo o aristocrata que concorria aos cargos era obrigado a pedir o voto dos clientes como se fosse um beneficium.

O eufemismo ainda encobre o controle político. Poucos (fora os ditadores que se atribuíram o título de Benefactor, como Anastasio Somoza) ousam exigir "gratidão" das massas por suas benfeitorias, reais ou imaginárias. Gilberto Carvalho, secretário da Presidência, rompeu a barreira das formas decorosas ao evidenciar o seu estado de espírito em face das manifestações populares (que ameaçam retornar em ano eleitoral). Em junho de 2013, confessa ele, "houve quase que um sentimento de ingratidão, de dizer: 'fizemos tanto por essa gente e agora eles se levantam contra nós'". O lapso revela muito da alma governista.

Temos, ademais, notícias de preparo das Forças Armadas e da polícia para a próxima Copa do Mundo. No manual repressivo com normas para o uso da força física pelos agentes oficiais (o Ministério da Defesa prepara uma edição mais branda, para inglês ler) o inimigo é o povo ingrato. Este não amadureceu o bastante para reconhecer os benefícios trazidos pelos patrões do Planalto. A fala do ministro evidencia: se houve ideal modernizante em sua grei, ele foi sepultado na vala do realismo político.

De tanto se unir aos oligarcas que forçam seus eleitores a ver como "um favor" as obras públicas e os recursos arrancados do campo federal, os governistas os mimetizam. Nunca antes neste país os nhonhôs foram tão gratos aos que habitam os palácios. A palavra "esquerda" é folha de parreira que encobre uma prática que deveria, se exibida na TV, ser proibida aos menores de idade. "Ah, sai daí", senhor ministro!
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* Escreve Roberto Romano, professor da Universidade Estadual de Campinas e autor de 'O Caldeirão de Medeia', em artigo publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-01-2014.
Fonte: IHU online, 30/01/2014
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O lobo de Wall Street

Paulo Ghiraldelli*
 
 A ideia de que o mercado de ações é uma loucura é alguma coisa bem conhecida. A visão de que as pessoas ficam não só pobres e ricas, mas principalmente loucas quando aderem à vida do mundo da compra e venda de papéis, faz tempo que é amplamente divulgada. Todavia, com o filme The Wolf of Wall Street, surge o que há de mais verdadeiro naquilo que se transformou no coração falso do capitalismo: addiction.

Martin Scorsese criou o The Wolf of Walt Street e acertou em todas as alegorias. Lobo e cão: o primeiro é o sofista, só o segundo é filósofo, na velha divisão de Platão. Porque o filósofo não pode enganar e o lobo, queira ou não, só pode enganar. Parecidos por fora, diferentes por dentro. A alma do cão é exemplo do que sempre se põe verdadeiramente, enquanto que o lobo não pode fazer isso de modo algum, pois perderia sua própria natureza. “Um lobo em Wall Street” é um nome apropriado porque no jogo da retórica da linha telefônica, onde se há de vender um saber que nada sabe a não ser que é falso, é necessário ser o eterno sofista.

O segundo acerto de Scorsese é o vício. Todos no filme se drogam e fazem sexo adoidado. É preciso muito dinheiro para uma vida assim. Ser um funcionário de vendas do que é quase um roubo é ganhar muito para gastar muito. Todas as drogas químicas que se pode tomar para relaxar, “dar barato” e dar potência, que aparecem no filme, e que de fato tem a ver com o mundo empresarial do capitalismo, na verdade são metáforas para o mundo do vício verdadeiro. No que se está viciado? No trabalho. Na capacidade de ser lobo, de enganar, de poder ganhar mais e mais para gastar mais e mais, mas isso se e somente se ganhar significa jogar, ludibriar, fazer parte de uma promessa da América: falar, conversar, vencer.

Falar, conversar, convencer e vencer. Isso era a democracia americana. O capitalismo e a venda de ações é quase isso, mas a palavra convencer não aparece. Ninguém do outro lado da linha é convencido a comprar, mas é, sim, vencido ao comprar. Do lado de cá os lobos não estão comemorando um feito de convencimento, mas um feito de vitória, ou seja, o do lado de lá da linha não foi propriamente persuadido, ele foi derrotado. Capitalismo e democracia – Marx nunca achou que esses primos se davam bem, ainda que estivessem, quase sempre, juntos.

The Wolf of Wall Street é um filme que conta a história de um rapaz com talento enorme para ensinar seu próprio primeiro talento: o de vender alguma coisa para outro, principalmente se o que é vendido seja o que é visivelmente falso: ações de companhias que são um lixo – vendidas para quem é um zero social, mas que acredita no sonho americano que sendo acionário de alguma coisa, vai ficar rico. Esse personagem interpretado pelo agora já consagrado Leonardo Di Caprio é realmente sedutor. Tão sedutor que seduz a si mesmo. Quando já aprontou todas e está para ser agarrado pelo FBI, mas ainda tem sua chance de sair livre, ele volta à ativa na companhia que ele mesmo criou, para continuar a orgia literal com drogas e mulheres, e a orgia metafórica, que é a orgia dos papeis que andam por si mesmos, as ações. Leva às últimas consequências tudo. Cumpre o verdadeiro destino do empresário americano: risco máximo, adrenalina máxima, ir até o fim. Levar a sério o capitalismo é isso: toma-lo como o único modo de se viver na terra. O capitalismo ou é universal ou não se chama capitalismo.

Peter Sloterdijk está certo ao dizer que vício em droga não é algo de químico ou psicológico, mas de falta de sentido para o uso de alguma coisa. Quando há sentido em uma prática, ela não se torna um elemento de vício, mas quando ela gira em torno de si mesma, em uma roda frenética que não tem o que fazer senão rodar e rodar, eis aí o perigo do vício. Nenhuma droga viciou alguém em sociedades em que a droga estava inserida em um horizonte de sentido válido, por exemplo, a religião. As mesmas drogas, em sociedades nas quais elas apareceram despidas, elas viciaram a todos.

O capitalismo de vendas de ações é isso: ele não produz riqueza para um hedonismo sábio, mas dinheiro para gerar dinheiro de modo que se possa gerar mais dinheiro, na traição de todo e qualquer hedonismo, até do mais imbecil. Há tanto dinheiro! Mas, para se conseguir o que senão o mesmo de sempre: mulheres e droga – no contexto, a mesma coisa portanto. Tudo o que se podia comprar com o pouco dinheiro. Não há sentido algum nesse consumo da droga de venda das ações, nesse vício do trabalho nesse mercado específico. Por isso ele é um vício ou se torna algo que é um vício.

Scorcese parece ter lido Sloterdijk. Mas os artistas criam de suas vivências, não são filósofos que sofrem para poder contar uma narrativa como esta, e que não conseguiríamos contar exatamente porque ela é simples e diz tudo. Ela diz um dos segredos da América: ainda que nela uma parte do sonho tenha virado pesadelo, que disse que pesadelo não é sonho?
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* Filósofo
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/o-lobo-de-wall-street/

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O amor está em algum lugar além dos antônimos do século 21


Dragica Micki Fortuna

Dizem por aí: — Sempre tem alguém, nem que seja do outro lado do mundo, que irá te completar. Mas será que precisamos andar tanto pra achar nossa parte completa?

Lógico que queremos viajar para o outro lado do mundo, mas queremos para conhecer novos lugares, passar por aventuras, apreciar novas culturas, experimentar novos sabores, mas não apenas para procurar a tal metade da laranja. Temos muito que aproveitar da vida invés de ficar procurando desesperadamente algo que não sabemos se é o certo ou o incerto.

As pessoas buscam tanto a perfeição no século 21, o amor, aquela enorme obsessão de ter alguém, de mostrar para o mundo (Facebook, Instagram) que namora alguém, que tem um amor perfeito, que sua vida é baseada em amor, fidelidade e cumplicidade, mas acabam esquecendo que existe um mundo maior que tudo isso, o amor é importante? Sim, e muito. Mas sua vida também tem outras prioridades, para ser feliz por completo você precisa de: amor e liberdade, estabilidade e aventura, dor e alívio, paixão e ódio, sonho e realidade. Para ser feliz por completo você precisa de antônimos. 
 
Você precisa ver árvores verdes e galhos secos, rosas vermelhas e espinhos cortantes, chuvas e arco-íris, nuvens brancas e pretas (essas podem ser consideradas como pessoas: algumas trazem àquela paz e outras aquela perturbação).  E acredite, o amor está em todos esses antônimos.

Então, você percebe, que para ser feliz e encontrar a tal metade que irá te completar, você precisa de antônimos, precisa sentir a dor daquele amor que foi embora e o prazer do novo que está chegando, sentir a prisão de alguns relacionamentos e a liberdade que encontrou em outros, aquela liberdade que te deixa a vontade para respirar e ser você por completo, e esse completo sabe o que é? É aquele que você tanto buscava no início — o completo não é uma pessoa perfeita e sem defeitos, e sim aquele que te deixa sentir e ser por completo o que você realmente é, não deixando seu amor acabar por qualquer “coisa” do século 21!

Já dizia Paul McCartney na música “And I Love Her”: “E eu sei que esse meu amor nunca morrerá”.
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Fonte: http://www.revistabula.com/29/01/2014

Jesus de Nazaré: jovem camponês da periferia, mártir e portador de uma pedagogia emancipatória

 Frei Gilvander Luís Moreira*
 

5 – Treze características da pedagogia emancipatória de Jesus de Nazaré.

Jesus não nos salva automaticamente, mas testemunha um jeito de viver, melhor dizendo, um jeito de conviver que é libertador e salvador. Vital é prestarmos atenção no jeito e como Jesus ensina e atua. Faz bem prestarmos atenção no processo pedagógico efetivado por Jesus. Trata-se de uma Pedagogia emancipatória com muitas características, entre as quais, destacamos treze.

5.1) A partir da periferia. O Evangelho de Lucas interpreta a vida, ações e ensinamentos de Jesus ao longo de uma grande caminhada da Galileia até Jerusalém, ou seja, da periferia geográfica e social ao centro econômico, político, cultural e religioso da Palestina. A Palavra, em Lucas, é a palavra de um leigo, de um camponês galileu, “alguém de Nazaré”, pessoa simples, pequena, alguém que vem da grande tribulação. Não é palavra de sumo sacerdote, nem do poder.

5.2) Prioriza a formação. Nessa grande viagem, subida para Jerusalém, Jesus prioriza a formação dos discípulos e discípulas. Ele percebe que não tem mais aquela adesão incondicional da primeira hora. Jesus descobriu que para consolar os aflitos era necessário também incomodar os acomodados e denunciar pessoas e estruturas injustas e corruptas. Assim, o jovem de Nazaré começou a perder apoio popular. Era necessário caprichar na formação de um grupo menor que pudesse garantir os enfrentamentos que se avolumavam. Jesus sabia muito bem que em Jerusalém estava o centro dos poderes religioso, econômico, político e judiciário. Lá travaria o maior embate.

5.3) Não foge do combate. O Evangelho de Lucas diz: Jesus, cheio do Espírito, em uma proposta periférica alternativa, vai, em uma caminhada, de Nazaré a Jerusalém; ou seja, vai da periferia para o centro, caminhando no Espírito. Em Jerusalém acontece um confronto entre o projeto de Jesus e o projeto oficial. Este tenta matar o projeto de Jesus (e de seu movimento) condenando-o à morte na cruz. Mas o Espírito é mais forte que a morte. Jesus ressuscita. No final do Evangelho de Lucas, Jesus diz aos discípulos: “Permaneçam em Jerusalém até a vinda do Espírito Santo(Lc 24,49).

5.4) Sempre em movimento. Seguir Jesus exige uma dinâmica de permanente movimento. A sociedade capitalista leva-nos a buscar segurança, o que é uma farsa. É hora de aprendermos a seguir Jesus de forma humilde e vulnerável, porém mais autêntica e real. Isso não quer dizer distrair com costumes e obrigações que provêm do passado, mas não ajudam a construir uma sociedade justa, solidária e sustentável ecologicamente.

5.5) Anda na contramão. Seguir Jesus implica andar na contramão, remar contra a correnteza de tantos fundamentalismos e da idolatria do consumismo. Exige também rebeldia, coragem, audácia diante de costumes que entortam o queixo e de modas que aniquilam o infinito potencial humano existente em nós.

5.6) Sabe a hora de conviver e a hora de lutar. O Evangelho de Lucas apresenta dois envios de discípulos para a missão. No primeiro envio (Lc 10,1-11), Jesus indicou aos discípulos que fossem despojados e desarmados para o campo de missão. Assim deve ser todo início de missão: conhecer, conviver, estabelecer amizades, cativar, assumir a cultura do outro, tornar-se um/a irmã/ão entre as/os irmã/ãos para que seja reconhecido como “um dos nossos”. No segundo envio (Lc 22,35-38), em hora de luta e combate, Jesus sugere que os discípulos devem ir preparados para a resistência. Por isso “pegar bolsa e sacola, uma espada – duas no máximo.” (Lc 22,36-38).

Durante a evolução da missão, chega a hora em que não basta esbanjar ternura, graciosidade e solidariedade. É preciso partir para a luta, pois as injustiças precisam ser denunciadas. Ao tomar partido e “dar nomes aos bois” irrompem-se as divisões e desigualdades existentes na realidade. Os incomodados tendem naturalmente a querer calar quem os está incomodando. É a hora das perseguições que exigem resistência. Confira a trajetória de vida dos/as mártires da caminhada: Padre Josimo, Padre Ezequial Ramin, Chico Mendes, Margarida Alves, Sem Terra de Eldorado dos Carajás, Irmã Dorothy, Santo Dias, Chicao Xucuru, Padre Gabriel, padre Henrique etc.

5.7) Resiste, o que não é violência, mas legítima defesa. Diante de qualquer tirania e de um Estado violentador, vassalo do sistema capitalista que sempre tritura vidas e pratica injustiças, é dever das pessoas cristãs resistirem contras as opressões perpetradas contra os empobrecidos, os preferidos de Jesus. Lucas, em Lc 22,35-38, sugere desobediência civil – econômica, política e religiosa. Em uma sociedade desigual, esse é “outro caminho” a ser seguido (cf. Mt 2,12) por nós, discípulos e discípulas de Jesus, o rebelde de Nazaré.

5.8) Não trai sua origem. Jesus, o jovem de Nazaré, se tornou Cristo, filho de Deus. Como camponês, deve ter feito muitos calos nas mãos, na enxada e na carpintaria, ao lado de seu pai José. Os evangelhos fazem questão de dizer que Jesus nasceu em Belém, (em hebraico, “casa do pão” para todos), cidade pequena do interior. “És tu Belém a menor entre todas as cidades, mas é de ti que virá o salvador”, diz o evangelho de Mateus (Mt 2,6), resgatando a profecia de Miquéias (Miq 5,1). Segundo Lucas, Jesus inicia sua missão pública em Nazaré, sua terra de origem, em uma sinagoga, onde aprendeu muita coisa libertadora. Jesus se orgulhava de ser jovem camponês. Valorizava a cultura camponesa. Percebia que a cidade, muitas vezes, mata os profetas, mata os jovens, como o jovem de Naim (Lc 7,11-17).

5.9) Pedagogia da partilha de pães, que liberta e emancipa. A fome era um problema tão sério na vida dos primeiros cristãos e cristãs, que os quatro evangelhos da Bíblia relatam Jesus partilhando pães e saciando a fome do povo. É óbvio que não devemos historicizar os relatos de partilha de pães como se tivessem acontecido tal como descrito. Os evangelhos foram escritos de quarenta a setenta anos depois. Logo, são interpretações teológicas que querem ajudar as primeiras comunidades a resgatar o ensinamento e a práxis original do jovem galileu. Não podemos também restringir o sentido espiritual da partilha dos pães a uma interpretação eucarística, como se a fome de pão se saciasse pelo pão partilhado na eucaristia. Isso seria espiritualização do texto. Eucaristia, celebrada em profunda sintonia com as agruras da vida, é uma das fontes que sacia a fome de Deus, mas as narrativas das partilhas de pães têm como finalidade inspirar solução radical para um problema real e concreto: a fome de pão.

A beleza espiritual das narrativas de partilha de pães – o correto é partilha de pães e não multiplicação de pães - está no processo seguido: uma série de passos articulados e entrelaçados que constituem um processo libertador. O milagre não está aqui ou ali, mas no processo todo. Ei-lo em várias características:

5.10.1) Cidade, lugar de violência? O evangelho de Mateus mostra que o povo faminto “vem das cidades”. As cidades, ao invés de serem locais de exercício da cidadania, se tornaram espaços de exclusão e de violência sobre os corpos humanos. Faz bem recordar que Deus criou – e continua criando -, nas ondas da evolução, tudo “em seis dias e no sétimo dia descansou.” Conta-se que alguém teria perguntado a Deus porque ele resolveu descansar após o sexto dia. Deus teria dito que já tinha criado tudo com muito amor e para o bem da humanidade e de toda a biodiversidade. Quando viu que faltava criar a cidade, o Deus criador concluiu que era melhor descansar.

5.10.2) Ir para o meio dos excluídos e injustiçados. “Jesus atravessa para a outra margem do mar da Galileia” (Jo 6,1), entra no mundo dos gentios, dos pagãos, dos impuros, enfim, dos excluídos e injustiçados. Jesus não fica no mundo dos incluídos, mas estabelece comunicação efetiva e afetiva entre os dois mundos, o dos incluídos e o dos excluídos. Assim, tabus e preconceitos desmoronam-se.

5.10.3) Nunca perder a capacidade de se comover e de se indignar. Profundamente comovido,
 porque “os pobres estão como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34), Jesus percebe que os governantes e líderes da sociedade não estavam sendo libertadores, mas estavam colocando grandes fardos pesados nas costas do povo. Com olhar altivo e penetrante, Jesus vê uma grande multidão de famintos que vem ao seu encontro, só no Brasil são milhões de pessoas que têm os corpos implodidos pela bomba silenciosa da fome ou da má alimentação.

5.10.4) Postura crítica. Jesus não sentiu medo dos pobres, encarou-os e procura superar a fome que os golpeava e humilhava. Apareceram dois projetos para resgatar a cidadania do povo faminto. O primeiro foi apresentado pelo discípulo Filipe: “Onde vamos comprar pão para alimentar tanta gente?” (Jo 6,5). No mesmo tom, outros discípulos tentavam lavar as mãos: “Despede as multidões para que possam ir aos povoados comprar alimento.” (Mt 14,15). Filipe está dentro do mercado e pensa a partir do mercado. Está pensando que o mercado é um deus capaz de salvar as pessoas. Cheio de boas intenções, Filipe não percebe que está enjaulado na idolatria do mercado.

5.10.5) Postura criativa. O segundo projeto é posto à baila por André, outro discípulo de Jesus, que, mesmo se sentindo fraco, acaba revelando: “Eis um menino com cinco pães e dois peixes” (Jo 6,9). Jesus acorda nos discípulos e discípulas a responsabilidade social, ao dizer: “Vocês mesmos devem alimentar os famintos” (Mt 14,16). Jesus quer mãos à obra. Nada de desculpas esfarrapadas e racionalizações que tranquilizam consciências. Jesus pulou de alegria e, abraçando o projeto que vem de André (em grego, andros = humano), anima o povo a “sentar na grama” (Jo 6,10). Aqui aparecem duas características fundamentais do processo protagonizado por Jesus para levar o povo da exclusão à cidadania, da injustiça à justiça. Jesus convida o povo para se sentar. Por quê? Na sociedade escravocrata do império romano somente as pessoas livres, cidadãs, podiam comer sentadas. Os escravos deviam comer de pé, pois não podiam perder tempo de trabalho. Deviam engolir rápido e retomar o serviço árduo. Um terço da população era escrava e outro terço, semiescrava. Logo, quando Jesus inspira o povo para sentar-se, ele está, em outros termos, defendendo que os escravos têm direitos e devem ser tratados como cidadãos.

5.10.6) Organização é o segredo da pedagogia de Jesus. Jesus estimula a organização dos famintos. “Sentem-se, em grupos de cem, de cinquenta, ...” (Mc 6,40). Assim, Jesus e os primeiros cristãos e cristãs nos inspiram que o problema da fome e todos os outros problemas sociais só serão resolvidos, de forma justa, quando o povo marginalizado e injustiçado se organizar e partir para lutas coletivas.

5.10.7) Gratidão. “Jesus agradeceu a Deus...” A dimensão da mística foi valorizada. A luz e a força divinas permeiam e perpassam os processos de luta. Faz bem reconhecer isso. Vamos continuar cantando com Manelão - cantor e compositor das Comunidades Eclesiais de Base que já partilha vida em plenitude - cantos revolucionários, tal como: É madrugada, levanta povo! / A luz do dia vai nascer de novo! / Rompe as cadeias, abre o coração,/ Vamos dar as mãos, já é o reino do povo! / O povo agora é Senhor da história, / Somos rebentos desta nova era. / A liberdade, a fraternidade. / São as bandeiras desta nova terra!

5.10.8) Não ser paternalista. Quem reparte o pão não é Jesus, mas os discípulos. Jesus provoca a solidariedade conclamando para a organização dos marginalizados como meio para se chegar à cidadania de e para todos. Dar pão a quem tem fome sem se perguntar por que tantos passam fome é ser cúmplice do capital que rouba o pão da boca da maioria.

5.10.9) Reaproveitar. “Recolham os pedaços que sobraram, para não se desperdiçar nada.” (Jo 6,12). Economia que evita o desperdício. Quase 1/3 da alimentação produzida é jogada no lixo, enquanto tantos passam fome. É hora de reduzir o consumo. Reaproveitar, reciclar. Nada deve se perder, mas ser tudo transformado. Em uma casa ecológica tudo é reaproveitado, inclusive as fezes são consideradas recursos, pois viram adubo fértil e orgânico. Envolvidos pela crise ecológica, com aquecimento e escurecimento global é hora de reduzir, reutilizar, reciclar reaproveitar, recusar, recuperar e repensar.

5.11) Participar da vida pública transformando a sociedade (Lc 10,38-42). Seguindo para Jerusalém, Jesus entra na casa de duas mulheres, Marta e Maria (Lc 10,38-42). Tradicionalmente, a narrativa de Lc 10,38-42 tem sido interpretada como uma oposição entre vida ativa e vida contemplativa. Ao longo dos séculos e ainda hoje, muitos usam e abusam de Lc 10,38-42 para justificar a vida contemplativa em detrimento da vida ativa, mas essa interpretação não tem consistência exegético-bíblica. Não há nenhuma referência no texto que diga que Jesus estivesse rezando ou orando com Maria. Para entender bem Lc 10,38-42 é preciso considerar algumas coisas.

Primeiro, nas duas perícopes anteriores, Lucas revelou uma oposição, um contraste: humildes X entendidos (Lc 10,21-24) e samaritano X sacerdote e levita (Lc 10,29-37). Em Lc 10,38-42 também há uma oposição, um contraste: Maria X Marta. A postura de Maria é elogiada por Jesus e a postura de Marta é censurada: “Marta, Marta! ... uma só coisa é necessária...” (Lc 10,41-42).

Segundo, precisamos considerar a situação das mulheres na época de Jesus e do evangelho de Lucas (anos 80/90 do 1º século). As mulheres eram - não todas, é óbvio - propriedades do pai e, depois de casadas, dos maridos; não participavam da vida pública, deviam ficar restritas ao lar; não aprendiam a ler e a escrever; não recebiam os ensinamentos da Torá, a Lei. Encontra-se escrito no Talmud dos Judeus (Escritura não-sagrada): “Que as palavras da Torá sejam queimadas, mas não transmitidas às mulheres”. A oração que muitos judeus piedosos rezavam dizia: “Louvado sejas Deus por não ter-me feito mulher!” O machismo e o patriarcalismo campeavam.

Ao sentar-se aos pés de Jesus, para ouvir-lhe os ensinamentos, Maria reivindica para si o direito de ser discípula. Ela reclama para si o direito de ser cidadã no sentido pleno. “Sentar-se aos pés” era a atitude dos discípulos dos rabis, os mestres.

Em Lc 10,38-42, Maria faz desobediência civil e religiosa, pois fica aos pés de Jesus ouvindo-o. Somente os homens judeus podiam ficar aos pés de um mestre e se tornarem discípulos. Maria ouve Jesus e, provavelmente, dialoga com Jesus e o interroga. Assim Maria se torna discípula.
Um judeu entrar em uma casa onde só havia mulheres também era algo censurável pela sociedade. Jesus desobedece a essa regra moral e entra na casa de duas mulheres. Assim, Jesus vai formando seus discípulos e discípulas enquanto caminha para Jerusalém.

5.12) Ser simples como as pombas e esperto como as serpentes. Após uma longa marcha da Galileia a Jerusalém, da periferia à capital (Lc 9,51-19,27), Jesus e seu movimento estão às portas de Jerusalém. De forma clandestina, não confessando os verdadeiros motivos, Jesus e o seu grupo entram em Jerusalém, narra o Evangelho de Lucas (Lc 19,29-40). De alguma forma deve ter acontecido essa entrada de Jesus em Jerusalém, provavelmente não tal como narrado pelo evangelho, que tem também um tom midráxico, ou seja, quer tornar presente e viva uma profecia do passado.

Dois discípulos recebem a tarefa de viabilizar a entrada na capital, de forma humilde, mas firme e corajosa. Deviam arrumar um jumentinho – meio de transporte dos pobres -, mas deviam fazer isso disfarçadamente, de forma “clandestina”. O texto repete o seguinte: “Se alguém lhes perguntar: “Por que vocês estão desamarrando o jumentinho?”, digam somente: ‘Porque o Senhor precisa dele’”. A repetição indica a necessidade de se fazer a preparação da entrada na capital de forma discreta, clandestina, sutil, sem alarde. Se dissessem toda a estratégia, a entrada em Jerusalém seria proibida pelas forças de repressão.

Com os “próprios mantos” prepararam o jumentinho para Jesus montar. Foi com o pouco de cada um/a que a entrada em Jerusalém foi realizada. A alegria era grande no coração dos discípulos e discípulas. “Bendito o que vem como rei...” Viam em Jesus outro modelo de exercer o poder, não mais como dominação, mas como gerenciamento do bem comum.

Ao ouvir o anúncio dos discípulos – um novo jeito de exercício do poder – certo tipo de fariseu se incomoda e tenta sufocar aquele evangelho. Hipocritamente chamam Jesus de mestre, mas querem domesticá-lo, domá-lo. “Manda que teus discípulos se calem.”, impunham os que se julgavam salvos e os mais religiosos. “Manda...!” Dentro do paradigma “mandar-obedecer”, eles são os que mandam.
Não sabem dialogar, mas só impor. “Que se calem!”, gritam. Quem anuncia a paz como fruto da justiça testemunha fraternidade e luta por justiça, o que incomoda o status quo opressor. Mas Jesus, em alto e bom som, com a autoridade de quem vive o que ensina, profetisa: “Se meus discípulos (profetas) se calarem, as pedras gritarão.” (Lc 19,40). Esse alerta do galileu virou refrão de música das Comunidades Eclesiais de Base: “Se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão. Se fecharem uns poucos caminhos, mil trilhas nascerão... O poder tem raízes na areia, o tempo faz cair. União é a rocha que o povo usou pra construir...!”

Dia 10 de abril de 1996, milhares de trabalhadores rurais do MST, em marcha, estavam chegando a 22 capitais do Brasil. Na chegada a Belo Horizonte, após marcharem de Governador Valadares à capital mineira, 500 Sem Terra foram bloqueados pela tropa de choque da polícia militar de Minas Gerais. Vinte Sem Terra foram presos; outros vinte, hospitalizados. O governador de Minas havia dado ordens para proibir a entrada do MST em Belo Horizonte, porque três dias após, dia 13 de abril de 1996, a Fiat faria o lançamento de um novo modelo de automóvel, o Fiat Pálio, na Av. Afonso Pena, em Belo Horizonte. 700 jornalistas internacionais estariam presentes. Os gritos do MST por reforma agrária poderiam aparecer na imprensa internacional, o que seria mosca na sopa. Mesmo reprimidos, conseguimos entrar em Belo Horizonte no dia seguinte contando com o apoio do povo de BH. Um Sem Terra disse: “Quando os oprimidos hebreus tentaram fugir da opressão do imperialismo egípcio tiveram que enfrentar o Mar Vermelho. Na chegada de Belo Horizonte, um Mar de policiais queria fazer um Mar Vermelho com nosso sangue. Feriram-nos, mas conseguimos entrar na capital. Assim foi com Jesus de Nazaré também.”

5.13) Intransigência diante da opressão econômica e política. Os quatro evangelhos da Bíblia (Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-46 e Jo 2,13-17) relatam que Jesus, próximo à maior festa judaico-cristã, a Páscoa, impulsionado por uma ira santa, invadiu o templo de Jerusalém, lugar mais sagrado do que os templos da idolatria do capital que muitas vezes tem a cruz de Cristo pendurada em um ponto de destaque. Furioso como todo profeta, ao descobrir que a instituição tinha transformado o templo em uma espécie de Banco Central do país + sistema bancário + bolsa de valores, Jesus “fez um chicote de cordas e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e bois, destinados aos sacrifícios. Derramou pelo chão as moedas dos cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas (eram os que diretamente negociavam com os mais pobres porque os pobres só conseguiam comprar pombos e não bois), Jesus ordenou: “Tirem estas coisas daqui e não façam da casa do meu Pai uma casa de negócio.” Essa ação de Jesus foi o estopim para sua condenação à pena de morte, mas Jesus ressuscitou e vive também em milhões de pessoas que não aceitam nenhuma opressão.
Enfim, jovens como Jesus de Nazaré, exercitemos pedagogias que libertam e emancipam.
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* Padre da Ordem dos carmelitas, professor de Teologia Bíblica, assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT, do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI, do Serviço de Animação Bíblica - SAB e da Via Campesina em Minas Gerais.
* Última parte do texto escrito pelo autor. Fonte: IHU online, 29/02/2014
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