domingo, 30 de novembro de 2014

“O Brasil é um país belo, mas está se canibalizando”

ENTREVISTA

 

Escritor americano lança ensaio sobre o que a arquitetura nacional, especialmente Brasília, revela sobre o país

Benjamin Moser tornou-se best-seller nos Estados Unidos escrevendo sobre o Brasil – e, na sequência, fez sucesso também por aqui. Autor da biografia Clarice, sobre Clarice Lispector, publicada nos Estados Unidos com o título de Why this World?, Moser está lançando agora um breve ensaio sobre o quanto o projeto monumental da construção de Brasília tem a dizer a respeito do pensamento nacional. Cemitério da Esperança, e-book editado pela Cesárea, é um texto no qual Moser analisa as grandes reformas urbanas brasileiras e encontra nelas um ponto em comum: a ideia de apagar os problemas do Brasil passando uma borracha no espaço público e recomeçando do zero seguindo modelos importados. Nenhum lugar, para Moser, representa tanto essa ideologia quanto Brasília, capital construída no meio do cerrado, joia da arquitetura modernista e que deveria representar o ingresso da nação em um futuro grandioso que o Brasil mereceria por seu infinito potencial. O resultado é uma arquitetura melancólica, feia e desumana, na visão do jornalista. Publicado em e-book e comercializado diretamente no site da editora (cesarea.com.br) por R$ 3, o livro de Moser é também uma ação militante. A renda do livro será revertida para o movimento Ocupe Estelita, que surgiu em oposição a um projeto imobiliário de luxo em Recife. Chamado de “Novo Recife”, o empreendimento pretende levantar 12 torres na região do cais, próximo ao centro histórico da capital pernambucana – o Ocupe Estelita luta por um projeto alternativo para a área que não descaracterize nem elitize o espaço.

Como surgiu seu interesse pela arquitetura brasileira e pela interpretação possível que ela oferece do Brasil?
Para quem sabe olhar uma cidade ou um prédio, é como um psicanalista escutar uma brincadeira ou um sonho. Revela tudo, e sobretudo revela coisas que a pessoa não pretende revelar. E como eu venho muito ao Brasil, há muitos anos, fiquei fascinado pelo que o país, nos seus prédios, fala e não fala. São extremamente eloquentes, como em todos os países.

Em sua opinião, quais as razões para a paixão brasileira pelo progresso desenvolvimentista, algo ainda presente em projetos como a transposição do Rio São Francisco ou as obras da Copa?
Colocaria a palavra “progresso” entre grandes aspas. Mas responderia em uma palavra: vergonha. Vergonha do país. Se você ler as justificativas históricas das remodelações das cidades brasileiras, começando pelo Rio de Janeiro de Pereira Passos e a criação da Avenida Central no início do século 20, você nota um desejo de recomeçar, de fazer com que o país seja diferente, e de desprezar o nacional, o local, o que já existe. Ontem o modelo foi Paris, hoje é Miami, amanhã seria, quem sabe, Dubai. E o que acontece, como se vê hoje, é que há um vínculo direto entre os gastos megalomaníacos em projetos “pra inglês ver” e o declínio econômico. Acho que os protestos dos últimos anos em torno da Copa, por exemplo, mostram que o cidadão entende isso muito bem.

Tirando exemplos pontuais, muito pouco da arquitetura brasileira da época da fundação de Brasília ainda está disponível. Em que essa recorrência da substituição do velho pelo novo é algo diferente, no Brasil, de outros países como os próprios Estados Unidos, por exemplo, também uma nação cativada pela ideia de inovação?
A ideia de inovação é diferente. Diria que no Brasil é muito mais ideológico. No campo de urbanismo e arquitetura, há mais de um século, vemos uma ideologia extensamente articulada: mudaremos o país com a destruição de nossas cidades. Por isso começo com a remodelação do Rio de Janeiro nos primeiros anos do século 20. Era um movimento extremamente violento, e embora pareça brincadeira, não é: o “Morro da Favela” foi colonizado por pessoas pobres expulsas para criar o Theatro Municipal, uma coisa pretensiosa, tudo em ouro, no melhor estilo parisiense. Isso não é inovação, é perversão.

Você comenta, em Cemitério da Esperança, que Brasília é o ápice de um pensamento nacional de construir um futuro escondendo ou apagando os problemas do passado. É um de pensamento que ainda persiste na sociedade contemporânea que discute, com dificuldade, o período da ditadura militar, por exemplo?
Eu passei muitíssimo tempo no Brasil e creio que conheço o país bem. E como estrangeiro sinto-me obrigado a falar coisas que a maioria dos brasileiros não pode. Não porque não saibam ou não queiram. Mas entrei na briga com Caetano Veloso e cia. contra o projeto de censura às biografias (em 2013) justamente porque sei como é difícil para os jornalistas brasileiros, os escritores brasileiros. Como estrangeiro, posso falar, porque não dependo do Brasil, não vivo aqui. Mas quando fiz a biografia de Clarice Lispector, fiquei atônito pela quantidade de coisas que botei no meu livro que as pessoas acharam “corajosas.” Não eram. Como dizer que Mario de Andrade era homossexual. Mas tantas vezes me disseram: “Aqui não se pode falar isso. Se eu falasse isso ou aquilo perderia meu emprego no jornal, na faculdade.” Isso impera em muitas áreas. E o ruim do projeto de censura às biografias é que, como tantas coisas no Brasil, não é uma ameaça direta. Esse não é o estilo brasileiro. Mas é um aviso. Porque quem vai comprar briga com gente poderosa? Então há grandes, imperdoáveis silêncios no Brasil. A ditadura militar é um dos maiores.

Ainda a respeito disso: seu ensaio equipara a própria cidade de Brasília a um tipo de arquitetura monumental própria de regimes ditatoriais. É significativo disso que, logo após sua construção, Brasília foi apropriada pelo governo ditatorial instalado depois do golpe de 1964?
Claro! Brasília quase não deu certo. Era enorme e caríssima. E há quem tenha dito – e é um assunto que nunca estudei profundamente – mas há quem tenha dito que o próprio golpe militar foi resultado de Brasília. Não foi o único motivo da crise econômica, mas era uma coisa que endividava o país bastante. E a crise econômica era uma grande justificativa para o golpe. Depois, naquele sonho de Ordem e Progresso, os militares sentiam-se perfeitamente à vontade.

A arquitetura brasileira, bem como muitos outros setores da sociedade nacional, sempre parece pensada para dar ou mostras de status ou para edificar uma ideia ideal de nação que dispensa o público, o povo, a escala humana. Que tipo de mudança deveria ocorrer para que o desenvolvimento voltasse a pensar nas pessoas mais do que em números?

Escrevi em apoio ao Ocupe Estelita justamente porque não é um movimento revolucionário. É um movimento que diz, simplesmente, que as cidades devem pertencer ao cidadão e não a algum prefeito corrupto amigo de uma construtora que usa trabalho escravo. (Parece exagero: não é.) As pessoas no Brasil inteiro estão muito desmotivadas com o que vem acontecendo em todas as cidades do país, sem nenhuma exceção que conheça, nos últimos vinte anos. O país está cada dia mais feio e todo mundo o sabe. Mas não é verdade que nada se pode fazer. Como não é verdade que não há, no Brasil ou no mundo, pensadores e arquitetos que falam destes problemas, e oferecem soluções maravilhosas, há quase 50 anos. O povo precisa exigir governos que começam pelo que já temos, pelo que já aprendemos. E os intelectuais precisam educar as pessoas para que entendam que um shopping monstruoso não é uma inevitabilidade do destino. É uma escolha política que precisamos rejeitar.

A renda obtida com a venda do ensaio será destinada ao movimento Ocupe Estelita, que luta contra a construção de torres de edifícios no cais de Recife. Você vê seu texto sobre Brasília como um alerta para que não se repita o sistemático apagamento do passado em benefício de um futuro de progresso?

De novo, “um futuro de progresso” não é o que vejo num projeto tão monstruoso como o do Recife. Vejo uma coisa muito antiga, um desejo de apagar o país, de transformar o cidadão num humilde consumidor, de impor uma visão do futuro que não tem nada a ver com as coisas boas do Brasil. Não posso entender que uma pessoa que queira destruir o Recife, que é uma das pérolas do país, esteja agindo com amor ao Brasil. Pelo contrário.

Você também não poupa críticas a Oscar Niemeyer, a quem define no livro como um homem que “nunca conseguiu dizer não a um tirano”. Brasília é, para você, resultado dessa admiração de Niemeyer pela autoridade totalitária?
Claro. Eu falo isso, mas quem fala da admiração dele pelos tiranos é o próprio Niemeyer. No Brasil, ele passou a ser visto como uma espécie de vovó louco e racista mas querido, excêntrico. Mas só podemos achar fofo se não o levamos a sério. Mas o que o Niemeyer fala de Stálin, de Castro, e de tudo mais, é sério. E não podemos passar por alto do que ele diz, porque era uma pessoa extremamente poderosa e respeitada. É preciso dizer que esse respeito não era merecido de jeito nenhum.

O senhor é um visitante frequente do Brasil, e já esteve aqui em Porto Alegre. Além de Brasília, que está à parte do país, como o senhor menciona no ensaio, qual é o traço distintivo que o senhor enxerga nas capitais do Brasil?
Enxergo um país enorme e diverso e belo, mas que está se canibalizando. Pelo trânsito monstruoso, pelos prédios horríveis: bom, isso aqui se chama Manaus, e isso é Recife, e isso é Curitiba, mas está cada vez mais parecido, cada vez mais sem caráter. Logo o Brasil ficar sem caráter é difícil. Mas está conseguindo

Em muitas cidades brasileiras, há um movimento ainda tímido de tentar apropriar-se das cidades e propor alternativas ao automóvel como meio de transporte. A própria São Paulo, maior cidade do Brasil, tem ensaiado algo do gênero, mesmo com muitas críticas. É possível casar a necessidade de crescimento de um país tão desigual como o Brasil a modelos urbanos adotados por nações em diferentes etapas de desenvolvimento, como França, Holanda ou mesmo os Estados Unidos?
Claro. O importante é entender que na Europa e também nos Estados Unidos, essas cidades bonitas que temos são resultado de uma luta enorme como a do Ocupe Estelita. Aqui na Holanda, nos anos 1950, havia um movimento para esvaziar os canais de Amsterdã, cobri-los com cimento e transformá-los em autoestradas. Parece mentira, mas não é. Porque as autoridades queriam ser “modernas”. Graças a Deus não conseguiram, mas em muitos lugares conseguiram destruir cidades históricas. E agora temos modelos maravilhosos, como em Nova York, onde transformaram um lugar fedorento, de indústria, de matadouros, num dos bairros mais bonitos da cidade. É preciso ver como as cidades podem ser revitalizadas, e felizmente para o Brasil há muitos modelos no mundo inteiro que mostram que a feiúra não é inevitável.
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ENTREVISTA: BENJAMIN MOSER POR CARLOS ANDRÉ MOREIRA
Fonte: ZH online, 30/11/2014
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Direitos do Homem (sensível)

Antonio Prata*
 
Sou apenas um rapaz latino americano, um pobre diabo espremido entre o machismo e o feminismo
 
Se você é um ogro machista e homofóbico, você tem representantes no congresso, na imprensa, tem vários amigos no clube. Se você é LGBT, você tem representantes no congresso, na imprensa, tem vários clubes de amigos(as). Agora, se você está no meio do caminho, se é apenas um homem sensível lutando para ver respeitados certos direitos básicos de sua pacata heterossexualidade, não tem político a quem pedir socorro e periga não emplacar sequer reclamação na seção de cartas do jornal. 

Que "direitos básicos" são esses? Ora, muitos, que viemos perdendo aos poucos, da adolescência pra cá, conforme nos apaixonávamos por mulheres inteligentes, elegantes e criteriosas, diante das quais, sensíveis que somos, fomos fazendo concessões. Usar regata, por exemplo: não pode. Calçar tênis de corrida, socialmente: nem pensar. Sair por aí, poxa vida, de pochete: divórcio. 

A menção à regata, ao tênis de corrida e à pochete pode dar a impressão de que as reivindicações deste desassistido grupo pendem para a ogrice. De que nosso sonho é deixarmos de ser homens sensíveis e irmos nos transformando, paulatinamente, no Homer Simpson. Não é por aí. Alguns dos nossos anseios têm a ver com o Homer: outros tem a ver com a Marge --ou com a Lisa? Por exemplo: andar de patins. Pronto, falei. Eu sempre quis andar de patins, mas nunca tive coragem de assumir esse desejo. Vejo as pessoas deslizando pelas ciclofaixas como se tivessem asas nos pés, posso sentir o vento batendo em meu rosto, soprando a brasa da inveja e acendendo um pensamento: nossa, se eu fosse gay ou sueco, eu comprava um patins hoje mesmo. Acontece que não sou. Sou apenas um rapaz latino americano, um pobre diabo espremido entre o feminismo e o machismo, o hífen solitário no meio do Fla-Flu, com medo de ir de moletom e chinelo à padaria e pôr em risco o meu casamento, com medo de saracotear sobre rodinhas e pôr em dúvida a minha masculinidade. 

Fôssemos uns machistões, não haveria problema. Teríamos casado com mulheres frágeis e tolas, que só nos diriam "amém, meu bem", e nossa vida conjugal seria um eterno domingo de Rider e latão: "Mais salaminho, pitucão?", "Sim, pituquim". Mas não, nos apaixonamos pelas bisnetas da Simone de Beauvoir: aí, queridão, conseguir emplacar um Chapecoense x Criciúma como programa pra noite de quarta fica difícil. 

Fôssemos uns seres evoluídos, superiores às infantilidades latinas e libertos das amarras do gênero, não ligaríamos para as opiniões dos nossos pares: compraríamos os patins (reais e simbólicos) e sairíamos por aí, todos pimpões. Mas não, nós queremos ser vistos como mui machos, centroavantes, pegadores: aí, realmente, patins fica difícil. 

Difícil, mas não impossível. A união é o primeiro passo. A divulgação dos nossos anseios, iniciada aqui, é o segundo. O terceiro é elegermos um representante. Ou, quem sabe, conquistar o apoio de um já eleito? Será que o Jean Wyllys não se interessaria em defender a causa? Em ouvir nossas reivindicações e incorporar HS, as iniciais de "homem sensível", à sigla da diversidade sexual: LGBTHS? Prometemos ajudar na luta por um mundo livre, onde cada um ame quem quiser, escolha o gênero em que se sentir mais a vontade e possa até, um dia --por que não?--, sair por aí de pochete. 
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* Escritor e roteirista.
Fonte: Folha online, 30/11/2014
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A falta d’água, em São Paulo, recontada como uma parábola bíblica:

                                                         Luis Fernando Veríssimo*


“E Deus apareceu para Alckmin e disse:  
‘Suas preces foram ouvidas, choverá 40 dias’.
E Alckmin disse: ‘Sério?’. 
E Deus disse: ‘Palavra de Deus’. 
E instruiu: ‘Construa uma arca, pois a chuva trará um grande dilúvio que cobrirá São Paulo, e só os que estiverem na arca sobreviverão’.
E Alckmin disse: ‘Senhor, obrigado pela boa intenção, mas...’. 
E ponderou: em vez de fazer chover por 40 dias e submergir São Paulo, por que Deus não regulava a quantidade do que cairia sobre o Estado, como sempre fizera, e mandasse apenas o bastante para encher os reservatórios? 
Não era preciso nada espetacular como 40 dias de chuva, ou pouco prático como uma arca em que coubesse todo mundo. 
Ou quase todo mundo. 
Sim, porque haveria a questão política: quem incluir e quem excluir da arca? 
Quem salvar do dilúvio para reconstruir São Paulo quando as águas baixassem? 
Não poderia ser só gente do PSDB, por mais que isso fosse o recomendável.
Outra coisa: só seria possível construir a arca com auxílio do governo federal. 
Deus teria que aparecer para a Dilma, também, e convencê-la a ajudar. 
Depois, haveria a questão de dividir os créditos pela obra. 
O PT fatalmente iria querer ser reconhecido. 
E outra coisa... 
Mas Deus já estava se afastando, dizendo ‘Esquece, esquece...’
Alckmin ainda gritou: ‘Quem sabe 10 dias de chuva? Quinze?’. 
Mas Deus já tinha desaparecido”.
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* Jornalista. Escritor.
Fonte: ZH online, 30/11/2014
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sábado, 29 de novembro de 2014

Olhar, fotogenia e sociedade do espetáculo

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Para Deleuze, rosto é “placa nervosa” que nos revela o interior e conecta com desejo do outro. Mas e quando esta autenticidade choca-se com ditadura dos padrões estéticos?
Por Andressa Monteiro

“Acima dos olhos e do coração está o desejo (…).
É o desejo que leva o ver a se transformar em ação de ver,
dando às paixões e ao intelecto movimento infinito.”
Giordano Bruno

Muitos acreditam que a beleza é mera questão de opinião. Outros creem que a alternativa de escolha do belo ou do feio carrega memórias afetivas e a presença ou ausência de preconceitos estéticos de homens e mulheres, como: harmonia, proporção, simetria, ordem, clareza, delicadeza, pele macia, cabelo espesso e brilhante, ou uma cintura marcada, por exemplo.

De acordo com a definição filosófica de Platão, a concepção de belo procura desviar-se da intenção, responsabilidade e julgamento humanos ao definir o conceito, deixando-o no campo da imaginação. Ele afirma: “o belo é o bem, a verdade, a perfeição. Existe em si mesmo, apartado do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. A ideia suprema da beleza pode determinar o que seja mais ou menos belo.”

Por outro lado, a ciência aponta que a beleza é um conceito mais flexível e menos romântico do que se imagina. A definição do que é ou não bonito e de traços físicos harmoniosos pode ser revelada desde o instante em que nascemos por questões de adaptação evolutiva e êxito reprodutivo.

O austríaco e ganhador do prêmio Nobel Konrad Lorenz sugere que “até as feições graciosas de uma criança servem como um artifício biológico para provocar sentimentos ternos com um objetivo claro: desviar o sentimento de agressão. Uma pele e cabelos macios, olhos e pupilas grandes, bochechas roliças, rosadas e um nariz pequeno fariam parte de uma tática de sobrevivência: se as crianças morressem por falta de cuidado dos pais, a natureza oferecia-lhes traços irresistíveis para que outros adultos pudessem ‘adotá-las’”. Isso também explicaria por que grande parte das pessoas se comove com bebês e filhotes.

Analisando rapidamente a perspectiva da simetria e do movimento renascentista presente em obras de Leonardo da Vinci e Michelangelo, quanto mais próxima uma face ou uma forma estiver de uma ordenação matemática proporcional, mais bela ela seria aos olhos do observador. É como se a argúcia da beleza estivesse ligada a certa necessidade humana de ordenar, organizar e entender o mundo da forma mais racional possível.

A definição de belo também debate conceitos econômicos e sociais por meio da venda de uma ideia de beleza consagrada e padronizada – evidente nas indústrias de moda, estética e midiática –, pela inspiração que causa em seus admiradores (poética do romantismo) e por um poder intrínseco que atrai a simpatia e a união por objetos ou causas comuns entre um grupo.

“Os intelectuais que afirmam que a beleza é relativa não ajudam a explicá-la”, afirma Nancy Etcoff, psicóloga da Universidade de Harvard e autora do livro A Lei do Mais Belo, lançado no Brasil em 1999. “Dá para dizer que há uma realidade central no belo. Afinal, em todas as culturas elementos semelhantes têm constituído uma força estética poderosa.”

Ninguém tem dúvidas de que a sociedade, a economia, a política, a religião, a psicologia, a filosofia e o ambiente influenciam e são influenciados por padrões estéticos de beleza nos tempos modernos.

Historicamente, a definição do belo é uma das maiores invenções da estética clássica, grega e romana, com três principais características formais: a ordem, a simetria e a proporção. Mas, por não ter relações plenamente comprovadas cientificamente com outros elementos físicos que também geram atração aos seres humanos, a definição renascentista é invariavelmente contestada por cientistas e pela sociedade.

É possível gostar do que é feio, amargo ou assustador – dessa forma, não seria o gosto que definiria o que é belo. O debate pela resposta do que consideramos feio ou bonito é pertinente e tem maior conexão, primordialmente com determinadas características, tanto visíveis quanto biológicas, nos objetos e seres, ao invés de seleções pré-estabelecidas ou uniformizadas do conceito.

A linguagem auditiva, verbal e fisiológica como complementação da imagem no processo da atração física humana.

Apaixonar-se, flertar ou manter relações sexuais e afetivas com uma pessoa pode parecer uma atividade sobretudo visual, com trocas de olhares e análise física do perfil de um indivíduo. Mas a voz, assim como a linguagem verbal e auditiva, também desempenha um papel importante no jogo de sedução e atração entre um ou múltiplos parceiros.

De acordo com a hipótese de Cláudio Munayer David (2006, p. 107-112) em A musicalidade da fala – o objeto sonoro em Freud, “a linguagem verbal e a musical são códigos de comunicação originados da mesma forma de qualificação dos afetos. Dar forma aos sons na música tem o mesmo significado tranquilizador que encontrar a palavra adequada para expressar um afeto ou uma impressão. Os sons compartilhados dentro de uma cultura se transformam, em grande parte, nas representações de palavras; outros, em representações musicais; alguns ainda permanecem diretamente ligados à satisfação do afeto pela descarga pura”.

Ele ainda explica que os sons da fala que escapam à representação da palavra interferem na semântica do discurso e do pensamento, em um constante jogo pela busca da satisfação do desejo. “Algumas dessas representações podem ser traduzidas pela lógica própria da linguagem musical. O som de uma voz pode conter uma enorme riqueza de importantes informações biológicas e sociais.”

Em pesquisa publicada no portal Plos One, a explicação para nossas atrações por vozes, por exemplo, tem a ver com o tamanho do nosso corpo. O estudo feito na Universidade de Londres examinou as preferências de trinta e dois voluntários e concluiu que a voz feminina aguda é considerada mais atraente e indica que a mulher é pequena.

No entanto, vozes masculinas mais graves foram consideradas as preferidas entre as mulheres e transmitem a informação de que os homens têm corpos maiores e mais atraentes. No caso das vozes masculinas, o que as torna ainda mais agradáveis é o tom da voz que, se for levemente sussurrado, transmite segurança e demonstra que os homens não são violentos, apesar de terem vozes mais graves.

Os pesquisadores garantem que esse tipo de estudo ajuda a compreender melhor os processos de atração e de busca por um parceiro ideal. Em relação ao som, já se sabe que o mesmo processo de seleção ocorre entre pássaros e mamíferos.

Já o fato de os homens preferirem mulheres menores, e a figura feminina, o oposto, a característica está ligada ao dimorfismo sexual, que exibe diversidades entre os parceiros. Essa preferência pelo que é diferente está diretamente associada a processos evolutivos.

A manipulação da fala feminina sugere que, ao alterar o tom de voz, há implícito um comportamento aprendido com base em estereótipos sexuais, em vez de características vocais reais de atratividade. “Quando uma mulher baixa naturalmente a sua voz, isto pode ser percebido como uma tentativa de soar mais sedutora e atraente e, portanto, serve como um sinal de seu interesse romântico,” afirma Dra. Susan Hughes (2001), da Universidade de Reading, na Inglaterra, em seus estudos.

Representações sonoras também reproduzem padrões que os sinais verbais, muitas vezes, não conseguem, ainda mais quando dinamizam lembranças afetivas. Quando pensamos nossas próprias ideias, utilizamos imagens sonoras da nossa própria fala. Podemos representar uma pessoa no pensamento pelas qualidades de sua voz. Da mesma forma, se estivermos escrevendo uma declaração de amor, pensaremos em imagens sonoras suaves e atrativas. (DAVID, 2006, p.107-112).

A música alcança efeitos psíquicos que ultrapassam delimitações estéticas por variações de timbre, tonalidade, ritmo, intensidade e acentuação, compondo a fala, a dança e o canto como formas adicionais de sedução.

A percepção auditiva desperta precocemente a atenção, originando uma imagem sonora capaz de lembrar o desprazer e, simultaneamente, reativar a experiência de prazer. O grito, que tem a sua fonte numa excitação corporal, acaba por suprimir a tensão interna ao exigir a realização da ação específica e reativando estados de desejo. (DAVID, 2006, p. 107-112).

Dessa forma, é possível pensar na conjectura de que as representações sonoras são as formas mais arcaicas na ontologia humana – ligadas desde o nascimento até a pulsão.

Em se tratando de questões olfativas e biológicas, geralmente a eleição de uma pessoa para envolvimento afetivo pode acontecer pela busca de um sistema imunológico incompatível e diferente daquele do parceiro, promovendo uma variedade genética maior. O desejo pode ser transmitido e buscado literalmente pelo gosto (saliva) e cheiro de alguém.

Certos hormônios e neurotransmissores são diretamente responsáveis pela química entre duas pessoas. A feniletilamina, neurotransmissor, pode comandar o poder de atração. Já o primeiro estímulo que temos quando vemos alguém é registrado pelo diencéfalo, parte do cérebro que identifica a imagem da mesma espécie. O som da voz e os feromônios, odor liberado por homens e mulheres, provocam a atração física.

De acordo com Álvaro Ottoni (2001), em entrevista para a Superinteressante, “a visão apurada do homem é um luxo evolutivo quando comparada com a de outros animais. É possível que nossa visão privilegiada seja uma compensação pelo olfato humano, que é bem limitado se comparado ao de outros animais. Já entre os humanos, se você trocar um recém-nascido por outro com os mesmos traços físicos, a mãe não irá reconhecer a diferença e muito menos rejeitar o bebê que não é seu pela diferença de cheiro.”

Portanto, os estímulos visuais, olfativos e auditivos fazem com que se ativem a feniletilamina e também a dopamina – que garante a sensação de prazer e bem-estar – e a ocitocina – conhecida como hormônio da paixão e do amor, provocando uma sensação de aconchego ao toque ou carícia.

Parte-se da conclusão de que sentir-se olhado não é um aspecto biologicamente neutro, em que a imagem é a única responsável. O organismo responde com diversas reações de alerta a um estímulo do parceiro. O coração se acelera, as glândulas sudoríparas secretam suor, mostrando assim uma ativação biológica múltipla daquele que se sente observado e admirado.

Estudos sobre fotogenia: a imagem pela busca da perfeição estética e pela notoriedade social e consumista

A palavra “imagem” pode ser analisada como a representação visual de um objeto ou ser, assim como uma reprodução da mente de uma sensação produzida por ela. Essa interpretação mental, consciente ou não, é formada a partir de vivências, lembranças e percepções e é possível de ser modificada por novas experiências e, consequentemente, por novas imagens.

Rose de Melo Rocha (2006) em Cultura da Visualidade e Estratégias de (In) Visibilidade defende a ideia de que “falamos, produzimos, consumimos e vivemos cercados por imagens. Imaginamos imagens. Criamos imagens. Até mesmo transformamos imagens imaginadas em concretas representações. Somos capazes de sonhar com nossa própria imagem. Algumas delas seriam pura simulação.”

Já a dúvida sobre a própria imagem e o que ela representa para o indivíduo e para o outro podem ser algo habitual. “Os espelhos são testemunhas pouco fiéis e sem perspicácia, porque invertem as falhas da nossa simetria, que têm uma função decisiva na expressão.” (EPSTEIN, 2011).

Indagações que o reflexo no espelho nos traz podem variar entre: “Este (a) sou eu mesmo?”. “Como posso parecer tão bela aos meus olhos e tão indesejável aos dos outros?”. (Ou o efeito vice-versa?). “Sou muito melhor (ou pior) do que esta imagem que vejo!” Entre as indagações, uma delas tornou-se a célebre frase do conto de fadas Branca de Neve e os Sete Anões: “Espelho, espelho meu, existe no mundo alguém mais bela do que eu?”.

Talvez seja por esse incessante anseio de parecer sempre mais belo ou sofrer de males e disformismos da aparência que a imagem acabou por flexionar-se em moldagem e adaptação mais fáceis e abundantes – seja por meio de cirurgias corporais e tratamentos estéticos e até pela fotogenia, que oferece opções na interação de cores, sombras, ângulos, figurino, maquiagem e outros artifícios, em que o objeto fotografado e a imagem revelada são, em grande parte, belas, imutáveis e perenes aos olhos dos que possuem dúvidas sobre a própria imagem refletida no espelho.

Tudo que engendra ou gera a luz é fotogênico, e a modalidade é uma espécie de dispositivo exclusivo da fotografia e do cinema, utilizando-se de técnicas de iluminação, impressão e tiragens distintas.

Outro objetivo da fotogenia seria o de mostrar (caso ele não exista naturalmente) ou o de criar (mesmo que de forma artificial e efêmera) um encanto, muitas vezes ausente da realidade fotografada, que pode acontecer pela falta de atrativos do ser ou, mais certamente, pelo medo e receio do fotografado em mostrar seus atributos, que terão seus motivos identificados mais tarde nesse texto.

A fotogenia veicula um anseio estético de não apenas revelar algo, mas o de esconder, podendo levar-nos a sentir algo além da identificação e da objetivação práticas, elevando-nos, enaltecendo-nos e encantando-nos a um estado de afeto íntimo, subjetivo e sublime.

Se há uma ausência, ora do que vejo e ora do que não vejo, seja por motivos propositais de luz ou sombra decididos pelo fotógrafo, ou pela falta do que se revelar, esse duplo sentido possui valores que acabam por assegurar a presença do que falta. Porém, aquele ou aquilo que vemos já está modificado pelas escolhas, edições e alterações que a câmera fotográfica ou o fotógrafo proporciona.
De forma graciosa, espontânea e até não premeditada, a fotogenia natural, ou seja, sem procedimentos e alterações estéticas seria a aptidão de revelar algo particular e belo das pessoas, objetos e mundo; uma capacidade de reinvenção e olhar sob um novo prisma; a reinauguração de sensações como a atração, a confirmação e a segurança do que é bonito e o encantamento a partir da imagem registrada, sem processos extremos de montagem, influenciando a poesia da imagem.

Engana-se quem pensa que seres considerados “feios” ou “pouco atrativos esteticamente” perante a sociedade não podem ser fotogênicos. O medo e o desconforto podem estar entre as principais causas da opressão que a lente pode ter sobre o modelo. Isso porque a maioria das pessoas perde boa parte de sua espontaneidade na hora do tão esperado clique. Portanto, a fotogenia é uma habilidade, e, como toda habilidade, deve ser exercitada.

Certos elementos podem influenciar a resolução e estética de uma foto: a luz do ambiente, os objetos dispostos em cena, o comportamento e a química entre fotógrafo e modelo, a edição final da imagem, ou outros fatores de sensibilidade técnica, como a utilização de lentes, câmeras e equipamentos específicos.

Com relação ao ângulo do rosto de um modelo, Rodrigo Desider Fischer (2012) afirma que, segundo as considerações do filósofo francês Gilles Deleuze, “o rosto é uma placa nervosa que sacrificou o essencial da sua mobilidade global e que recolhe ou exprime ao ar livre todos os tipos de pequenos movimentos locais que o resto do corpo mantém habitualmente escondidos”.

O retrato, então, exibe, essencialmente, mais o nosso interior do que o exterior, revelando total visibilidade por meio de uma aparência induzida e transformada que a realidade não nos atribui, ou, talvez, que ainda não conseguimos perceber ou aceitar como fotogênica e bela pelos outros.

Tantas distorções, visões e manipulações do real podem levar ao questionamento da autenticidade de uma imagem, aqui explicada no texto “A Imagem Autêntica”, de Hans Belting. Essa pergunta se coloca desde a existência da fotografia, que já prometia uma resposta, garantida por uma técnica objetiva. De acordo com Belting (2006), se tiver que haver imagens, elas que mostrem a verdade. O efeito de ilusão e do imaginário do belo subitamente se inverte, onde a mesma pessoa que constrói uma realidade alternativa para a própria aparência perante si mesma e ao próximo, também critica a falsidade da imagem produzida.

Procuramos na produção de uma imagem aquilo que gostaríamos de ter e de ver com nossos próprios olhos, e, quando isso não nos é revelado, exigimos novas imagens ou a reestruturação delas para podermos realizar nossos desejos e anseios de aceitação e amor próprio.

No conceito de autenticidade, é indicada uma realidade que muda constantemente a nossa expectativa de graça, aceitação e alacridade diante das imagens. Por isso, sonhar, pedir, e esperar por uma imagem esteticamente perfeita pode gerar expectativas frustradas a partir do momento em que não se encontra um conteúdo relevante ou genuinamente belo.

O que sobra é a desilusão e o afastamento. Uma vez abalada a fé em uma imagem, ela pode se transformar em um signo, atribuindo um grau de observação da realidade, supostamente livre de interpretações ou deformações, mas considerado ainda mais arriscado ou sedutor para alguém, por um maior sentimento de frustração, caso ele não atenda às necessidades de quem o observa.

O escritor francês Guy Debord (1997) declara que a sociedade atual “prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade e a aparência ao ser”. Ele considera que “a ilusão é sagrada, e a verdade é profana. O sagrado aumenta à medida que a verdade decresce e a ilusão cresce, a tal ponto que o cúmulo da ilusão fica sendo o cúmulo do sagrado”.

A obsessão do espectador pelo objeto ou por si próprio é assustadora: quanto mais ele contempla o irreal, menos vive fatos reais; quanto mais se envolve por imagens manipuladas em estéticas dominantes de necessidade de aceitação, menos compreende sua própria existência, individualidade, identidade e ambições.

Inevitavelmente, a busca por uma aparência perfeita, resultante de uma imagem alterada e, por vezes, oca, mais o desejo de aceitação e de visibilidade como fatores integrantes de sucesso e de popularidade são vistos comumente nas sociedades e mídias contemporâneas. A transformação do corpo humano se torna alvo de sonhos que nunca farão jus à realidade.

A fotografia manipulada, a cirurgia estética em busca de padrões de beleza que precisam ser em todo momento preenchidos, mas também questionados, e promessas de uma vida nova e iluminada vão ao encontro do desejo de outra aparência, fazendo com que isso se torne uma necessidade física irremediável. A imagem idealizada leva as pessoas a desejarem “forjar um conceito estético falso de si mesmas e viver esteticamente em outro”, como afirma Fernando Pessoa .

Essa relação de aparência com a câmera e a apreensão da luz é um caso particularmente interessante. Aqui não se encaixa avaliar o perfil do modelo fotográfico, do artista, a magnitude de uma posição corporal, o jogo de expressão facial ou a beleza natural e incontestável do objeto ou ser retratado.

A estética proposta, nessa circunstância, adquire a função de suprir uma desmedida vontade de visibilidade por aqueles que buscam serem vistos de maneira única – a superfície modificada da imagem visa nada mais do que o olhar de todo um coletivo ávido por notoriedade, contemplação e pelo consumo de ter algo belo e excepcional ou mesmo aparentar ambos.

Pela visão do escritor e filósofo Walter Benjamin, a influência das imagens fotogênicas e suas consequências terminam revolucionando a nossa percepção visual. Edgar Morin complementa que “as nossas percepções são trabalhadas e confundidas pelas nossas projeções”. (Apud XAVIER, 1983, p. 146).

Trata-se de uma mudança causada pela imagem e, sobretudo, pela imagem cinematográfica, que torna o universo mais próximo do homem: ao ver uma fotografia na tela do cinema, o espectador percebe-a como sendo a sua própria realidade. Portanto, a imagem e, mais ainda, seu reflexo, encontram na fotogenia o conteúdo ideal de toda transformação perseguida e cultivada.

De acordo com Raquel Fonseca (2010), “a fotogenia multiplica formas de alteração da imagem por um “brilho extra”, que destaca o corpo oferecido a todos os olhares. A abundância de imagens, hoje, é a prova de uma visibilidade que parece reforçar a ideia da fotogenia como o poder de iluminação. Tecnologia e ciência garantem a fabricação do corpo e do seu renascimento através desta luz tão desejada.

A sociedade pede por um distanciamento e desvinculação do corpo físico e de relações afetivas mais concretas e profundas, em que a predominância é a ostentação e a veneração de imagens virtuais (vistas incessantemente na internet e em redes sociais), assumindo certa banalização da importância do corpo para o próprio indivíduo em questões relevantes.

Tratando-se de questões éticas e morais frágeis, exploradas em um culto e construção da beleza para fins lucrativos, prestigiando um efeito de poder e de dominação sobre um objeto, produto ou ser retratados, tal banalização se torna uma grande vitória; uma procura de modismos iminentes a serem seguidos e compartilhados com um restante comum.

A ritualização e a simbolização de um mercado, a sociedade do espetáculo e de aparências questionáveis, misturam-se cada vez mais com o desenvolvimento tecnológico, deslocando a constituição básica e tão essencial à formação humana do saber e do sentir, para o ter e mostrar. Talvez seja essa a razão pela qual os olhos se fecham quando o que se quer ver é o próprio desejo, livre e longe de alterações, submissões e interesses mundanos árduos de serem ignorados e/ou contestados.

Referências

BELTING, Hans. A Imagem Autêntica. UFRGS. Maio 2006.
CAVALCANTE, Rodrigo. Beleza pura: A ciência está provando que a beleza é um conceito bem menos flexível do que imaginamos. Pesquisas revelam que já nascemos com ideias bem definidas sobre o que é bonito e o que é feio. SuperInteressante, São Paulo, jan. 2001. Comportamento-Conceito. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014.
DAVID, Cláudio Munayer. A musicalidade da fala: o objeto sonoro em Freud. Reverso [online]. 2006, vol.28, n.53 [citado 2014-09-05], pp. 107-112. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2014.
EPSTEIN, Jean. Fotogenia do Imponderável. Tradução de Maria Irene Aparício. Arte Ciência.Com, ano VII, n.14, set. 2011. Disponível em: . Acesso em: 06 set. 2014.
ETCOFF, Nancy. A Lei do Mais Belo: a ciência da beleza. Tradução: Ana Luiza Borges de Barros. 1ª. ed. São Paulo: Objetiva, 1999.372 p.
FISCHER, Rodrigo, Desider. Investigações sobre fotogenia: produção de afetos no cinema de John Cassavetes. Rumores, ed.11, ano 6, n.1, jan. – jun. 2012.
FONSECA, Raquel. A fotogenia como fundamento do desejo de transformação da aparência. Porto Arte, Porto Alegre, v. 17. n.28, maio 2010.
GEREMIAS, Daiana. Por que nos sentimos atraídos pela voz de quem é do sexo oposto? Mega curioso, Paraná, maio, 2013. Ciência. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014.
GUY, Debord. A Sociedade do Espetáculo. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. 240 p.
HUGHES, Susan. People ‘lower voices to attract the opposite sex’. The Telegraph, Inglterra, maio. 2010. Science News. Disponível em . Acesso em: 05 set. 2014
Human Vocal Attractiveness as Signaled by Body Size Projection. Plos One, abr. 2013. Disponível em: . Acesso em 20 ago. 2014.
O som da sedução: voz feminina indica interesse ou infidelidade. Diário da Saúde, jun. 2010. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014.
ROCHA, Rose de, Melo. Cultura da Visualidade e Estratégias de (In) Visibilidade. Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação e Cultura”, do XV Encontro da Compós, UNESP, Bauru, SP, jun. 2006.
SILVA, Josimey, Costa da. A imagem como conhecimento: o corpo, o olhar e a memória. 10º Encontro Anual da Associação Nacional dos Programas de Pós- Graduação em Comunicação. ENAP. Brasília, 29 maio a 1 jun.
Som da voz e cheiros provocam atração física entre as pessoas. Portal G1, São Paulo, jun. 2012. Programa Bem Estar. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014.
VALE, Lúcia de Fátima do. A Estética e a Questão do Belo nas Inquietações Humanas. Espaço Acadêmico, Paraná, n. 46, mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2014.
WERNER, João. Conceito estético do “Belo”. Aula de Arte, Paraná. Estética. Disponível em: . Acesso em: 28 ago. 2014.
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Fonte: http://outraspalavras.net/destaques/olhar-fotogenia-e-sociedade-do-espetaculo/

“É justo alguém votar em Dilma porque recebe o Bolsa Família”

Entrevista: Thomas Piketty
Ele
Ele

Thomas Piketty fala inglês com um sotaque francês carregado. Bem humorado, o tom de leveza contrasta com os assuntos que aborda hoje e que estão bagunçando o mundo da macroeconomia, das finanças públicas, da política e das ciências sociais.

O economista lançou em agosto de 2013 “O Capital no Século XXI”, que começou a fazer barulho nos Estados Unidos em abril deste ano e agora chega ao Brasil.

O livro aborda o aumento da concentração de renda em muitos países, o que agrava a situação das desigualdades sociais. Piketty quer alertar, com sua análise, sobre a possibilidade de formação de oligopólios econômicos que existiam há 200 anos em nossos tempos, fortalecidos por uma falta de taxação de grandes fortunas.

O DCM conversou com Piketty um dia depois de sua palestra na FEA-USP. Falamos sobre impostos para os mais ricos, a simpatia do economista por governos de esquerda, as falhas do estado de bem-estar social, as impressões sobre a economia e a política brasileira e também sobre o governo Dilma.

Você disse que Karl Marx é maior do que Jesus Cristo. Acha mesmo isso ou era brincadeira?
Eu disse isso (risos)? Acho que foi de brincadeira, para responder às perguntas. Temos inúmeros economistas inspiradores, incluindo Marx. Mas eu prefiro, sinceramente, não fazer um ranking deles.

Você disse que a última reforma tributária no Brasil foi em 1960. Nós, brasileiros, estamos muito lentos para cuidar de nossos impostos contra a desigualdade social?
Disse que a última grande alteração no Imposto de Renda brasileiro foi em 1960, mas ocorreram algumas mudanças tributárias desde então. Mas é verdade que vocês precisam de uma reforma ampla nos impostos pelo menos há 15 anos. Adaptações tributárias com taxas progressivas e proporcionais podem ser boas para a realidade de hoje, de um novo século.

Nos anos de Lula e Dilma, não foram realizadas mudanças neste sentido. Eu acho que isso prossegue como uma mudança importante e necessária ao Brasil. O sistema tributário brasileiro não é nada progressista, possui muita taxação indireta que poderia se converter em impostos diretos adequados às rendas. Vocês também têm uma taxação muito pequena na tributação sobre heranças e propriedades. Para fazer isso, uma reforma nos impostos é uma necessidade.

Qual é a sua opinião da economia sob os governos do PT?
Eu acho que o Partido dos Trabalhadores fez um ótimo governo do ponto de vista social, mas poderia fazer mais. E sinceramente não entendo o pessimismo econômico de algumas pessoas com mais um governo de Dilma. Criticam os eleitores mais pobres por terem votado após receber benefícios estatais. Eu acho justo votar em Dilma Rousseff por receber o Bolsa Família e não vejo, sinceramente, nenhum problema nisso, assim como outras pessoas preferem outros candidatos. Mas parece algo das pessoas aqui de São Paulo, enquanto outras regiões, como o norte e o nordeste, pensam de maneira diferente.

O que um segundo mandato de Dilma Rousseff pode fazer de diferente?
Pode fazer uma reforma tributária com impostos progressivos, taxando os mais ricos. O governo também pode buscar uma transparência maior do ponto de vista da renda e da distribuição de riqueza. É uma boa maneira de responder à onda de críticas sobre corrupção e falta de informações. Tenho uma simpatia pelo PT, mas ele pode trabalhar de uma maneira melhor.

Existe um preconceito sobre os impostos para os mais ricos? Os integrantes do chamado 1% do extrato social utilizam a grande mídia para impor sua opinião internacionalmente?
Sim, isso existe e é um problema. Quando você tem uma porção de desigualdades, eles [os ricos] utilizam sua influência através da mídia, principalmente através dos veículos financiados de forma privada, que são guiados pelo dinheiro, e isso se tornou grande sobretudo nos Estados Unidos. No entanto, mesmo com isso, acredito que as forças democráticas se tornaram mais fortes e é um fato que, dentro da história da desigualdade, a taxação descrita pelo meu livro provocará um embate de movimentos de massa pacíficos para o futuro.

Você tem mais simpatia por governos à esquerda?
Depende. Depende de qual tipo de esquerda e de qual tipo de direita.

Me dê um exemplo da França, sua terra natal.
Na França nós temos uma direita que está se tornando extrema, e está ganhando espaço. Disso eu não gosto. O ex-presidente [Nicolas] Sarkozy está muito próximo de [Marine] Le Pen e eles estão querendo prejudicar os direitos de trabalhadores. Por outro lado, uma esquerda stalinista não é interessante. Para mim não é uma guerra entre dois lados, porque isso muda a cada país e a cada período de tempo.

Considerando a situação europeia, qual sua opinião sobre o capitalismo da Escandinávia, com forte presença do governo e forte investimento em educação? Isso pode inspirar o Brasil ou nós precisamos de um modelo econômico próprio?
Acho que não é possível apenas pegar a Escandinávia e levar a um país tão diferente quanto o Brasil. Há coisas a aprender com as nações nórdicas, como Finlândia, Suécia e outras da mesma região. Se você compara países europeus diferentes, os mais desenvolvidos e competitivos possuem altas taxas de impostos. Suécia e Dinamarca possuem 50% da renda de seus PIBs com coleta de impostos. Enquanto isso, os países mais pobres da Europa, como Bulgária e Romênia têm apenas 20% do PIB comprometido com tributos.

Quando as pessoas me falam que deveríamos ter impostos menores para nos tornarmos mais ricos, penso que a Bulgária e a Romênia deveriam ser mais ricas do que a Suécia. Os impostos podem ser bons se você investí-los bem, no uso de serviços públicos eficientes e em infraestrutura.

Há muito o que aprender com essa experiência dos escandinavos, especialmente se você tem um governo eficiente. Um Estado maior é bom se ele for efetivo. A França poderia aprender muito com isso, porque ainda somos muito desorganizados em nossos gastos públicos. No entanto, a Dinamarca e a Suécia possuem um modelo difícil de se adaptar em um capitalismo financeiro global, pois se tratam de países menores. Se você quer combater uma crise econômica mundial, não é suficiente utilizar apenas o modelo escandinavo.

Governos federativos grandes como os Estados Unidos e o Brasil, com milhões de pessoas, possuem um sistema financeiro e bancário mais complexo, difícil de ser regulado como é na Dinamarca. Isso funciona para 10 milhões de população, mas para 200 milhões de brasileiros o trabalho é mais difícil.
Estamos tentando fazer isso na Zona do Euro, mas não obtivemos resultados satisfatórios até o momento. Para conquistar o progresso, precisamos criar mais organizações democráticas e representativas transnacionalmente e de forma política. Como temos barreiras físicas e linguísticas, existe um grande desafio à frente. Estamos tentando criar novos modelos. E acho que todo mundo deveria estar criando novos modelos.

Você acredita que economistas da esquerda ganharam força com a crise mundial de 2008?
Eu acho que é mais complicado do que isso. Em alguns aspectos, a crise gerou questionamentos sobre a regulação do mercado financeiro, que é um argumento de esquerda. Mas, em outros, o papel do governo foi posto em dúvida pela direita na Europa com o aumento das dívidas públicas. Foi de fato uma crise muito diferente de 1929, com efeitos diferentes. Acredito que a reação dos governos em 2008 foi mais rápida, porque no passado eles eram menores.

O Brasil, que tem uma força estatal maior, se saiu bem, comparado com anos anteriores da chamada “Grande Depressão”. Mesmo assim, é mais complicado regular o mercado hoje e isso não significa necessariamente aumentar o tamanho do governo. É mais efetivo mudar o sistema de taxação, reduzir os impostos para algumas pessoas e aumentar para outras que possam pagá-los. A transparência governamental é fundamental no processo, sem necessariamente aumentar a arrecadação. Por todos esses motivos, hoje a situação é mais complexa.

É por essa situação complicada que existe uma grande crítica ao estado de bem-estar social europeu?
Sim, e num certo aspecto eu acho justo criticar o tamanho do governo nos países europeus. Quando você tem cerca de 15% até 20% da receita do PIB, você precisa se perguntar sobre como utilizar esses recursos de uma maneira mais eficiente. Como eu posso reformar os impostos para torná-lo simples e transparente? Isso é totalmente legitimo e pode ser usado para melhorar o bem-estar social sem desmontá-lo.

O governo precisa se tornar funcional, sobretudo para servir bem à sociedade. E a esquerda não precisa ser tão defensiva neste aspecto, porque reformar o Estado não significa diminuí-lo. A esquerda europeia tende a achar que as críticas querem acabar com o governo. Algumas pessoas de fato querem se desfazer do Estado, mas a reforma dos impostos pode ser adaptativa.
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Reportagem por 
Fonte: Diário do Centro do Mundo , 29/11/2014

LUGAR

Fito ao meu redor
a pobreza dos objetos
as estantes com livros

Uma estatueta perdida
talhada em madeira
um homem pensante
sem rosto.

Tudo ao redor explode em cores

A alma, não
Sem cor
sem música...
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Postado por Zelmar
Imagem da Internet

CÂNTICO

Carlos Poças Falcão*

Imagem

Ele disse:
«lava a tua casa retira os móveis todos
aí quero dançar» 

assim o Senhor dança nos salões vazios:
semelhante a um turíbulo
espalha o seu perfume

não fechei as portas
abri as janelas: os ladrões evitam
a casa iluminada

fiz tapetes de flores
pus grinaldas na entrada
pois é muito grande a festa de Um só convidado

espero nas traseiras e ceio no umbral
o Senhor ocupa-me
e a casa toda é sua

sirvo na bandeja as mais frescas iguarias
os frutos colhidos
nos dias de canseira

o Senhor dorme no leito e eu estou acordado
o Senhor levanta-se
e eu não posso dormitar

a água sai pura
das suas lavagens
lavo-me na água que o Senhor usou

de manhã o Senhor veste-se
com a roupa que lhe trago
come do que tenho – e assim eu empobreço

visto o meu Senhor e eu o alimento
assim fico sem nada
e Ele me sustém

que eu nunca me atrase à chamada do Senhor
não vá Ele mostrar-me
não precisar de mim

que eu não seja dos que perdem
primaveras e outonos
que não seja contado entre os ignorantes

enquanto o Senhor dança o meu coração exulta:
que Deus este que não para
de se mover por mim!
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*Carlos Poças Falcão é poeta português. Uma das mais importantes vozes da poesia moderna portuguesa.
Fotografia: © Seiji Shibuya

Fonte:  http://www.snpcultura.org/acesso 29/11/2014

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Só as mulheres

IVAN MARTINS*

 

Estar ao lado de uma mulher permite viver uma gama maior de sentimentos e expressá-los – como não se faz entre homens


Se não houvesse outra razão para gostar do convívio com as mulheres, haveria a maneira como elas são capazes de parar pela manhã diante do guarda-roupa escancarado e queixar-se amargamente de que não têm o que vestir. Usualmente nuas, com as mãos nas cadeiras, fazem um beicinho desolado. Várias vezes por semana.

Metrossexuais à parte, homens não têm esse encanto. Falta a eles sinceridade ou imaginação. Mark Zuckerberg, o fundador do Facebook, diz que economiza tempo e energia usando sempre a mesma cor de camiseta. Há um exemplo feminino equivalente? Desconheço. Mulheres tendem a ser ciosas da própria aparência. Esse é apenas um dos fatos que as distingue positivamente dos homens.

Às vezes, quando estou enternecido, tenho vontade de fazer a lista das coisas que tornam as mulheres adoráveis. A cena diante do guarda-roupa é uma delas. Outra, talvez minha favorita, é a capacidade de chorar fazendo sexo. Não qualquer sexo, em qualquer dia, mas o sexo apaixonado que só se faz de vez em quando, cheio de ternura, beijos e juras pornográficas de amor.

Em meio a essa festa dos sentidos, você olha cheio de lascívia nos olhos da sua fêmea e percebe que ela chora. Por sentir-se amada, provavelmente. Ou por alguma razão inconfessável e terrível. Não importa. Você se comove ainda mais, tem vontade de chorar, mas não chora. Por ser besta, por ter algo quebrado, por ser homem.

Outra coisa que me toca é a sinceridade das mulheres diante das próprias emoções. Quando jovem, a gente se perturba com a intensidade e a franqueza dos sentimentos delas. Está tudo à flor da pele, vem aos borbotões, assusta. Com os anos, a gente se acostuma. Começa a perceber que o repertório delas de medo, tristeza, alegria, raiva é mais rico do que os áridos clichês emocionais usados pelos homens. Estar ao lado de uma mulher permite não apenas usufruir de uma gama maior de sentimentos. 

Permite expressá-los de um jeito que não se faz no convívio entre homens.

Alguns dos melhores momentos da minha vida foram passados ao lado de mulheres contando algo de bom que lhes tinha acontecido. A alegria delas nessa hora é contagiante. Homens raramente são capazes de se despir da soberba e de exibir surpresa com a generosidade da vida. As mulheres, que não foram criadas como príncipes, expressam melhor alegria e gratidão diante do inesperado.

É inevitável, sendo homem, amar a forma delicada como as mulheres cuidam de si mesmas. A saúde, os planos, a agenda repleta de compromissos. Sem falar dos filhos, claro. Tenho mais de uma amiga cheia de responsabilidades que, vira e mexe, me surpreende com uma mensagem do outro lado do mundo. Elas procuram passagens baratas, acham tempo para viajar, organizam o pagamento de prestações. Ao mesmo tempo que fazem todo o resto que mal consigo fazer. Tenho certeza de que todas elas se tornarão velhinhas ativas e felizes, enquanto temo pelo futuro dos marmanjos improvisadores, como eu.

Sou igualmente fascinado pela autonomia dessas criaturas. Elas florescem na companhia de si mesmas. A solidão das mulheres me parece uma clareira iluminada, enquanto a dos homens é um poço escuro. Sempre tive a sensação de que a média das mulheres está mais confortável com si mesma que a média dos homens - e isso faz diferença na hora de estar sozinha ou de lidar com a adversidade. Os homens fogem das camas vazias e dos quartos de hospitais. As mulheres respiram e enfrentam. Há algo de estóico nelas que não se confunde com a caricatura das mulheres à beira de um ataque de nervos. Quando a barra pesa, frequentemente elas são mais serenas.

Isso não quer dizer que as mulheres sejam legais o tempo todo ou que permanecerão adoráveis para sempre. Elas vão embora, nos abandonam, deixam de nos amar, se tornam indiferentes, às vezes nos odeiam com uma energia única. Não importa. Em algum lugar da nossa memória, continuarão nuas, com as mãos na cadeira, sacudindo os cabelos molhados com enorme desalento, reclamando, diante do guarda-roupa: “Não tenho o que vestir!”. Oh, graças a deus!
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*Editor-executivo de ÉPOCA Autor do livro Alguém especial.
Fonte: Revista Época, acesso 28/11/2014
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A face grotesca do capitalismo aéreo

Juremir Machado da Silva*

 

Eu, como todo mundo, já vi a face grotesca do capitalismo de muitas maneiras. A mais comum é aquela que se dá a ver nas zonas miseráveis das grandes cidades onde crianças passam fome. A lógica do capitalismo é uma só: tudo é e deve ser mercadoria.

Guy Dobord escreveu: o capitalismo não canta os homens e suas armas, mas as mercadorias e suas paixões.

O comunismo até hoje praticado nada mostrou de melhor.

O capitalismo pode, então, gozar do título de o menos pior dos mundos.

Ontem, eu vi a sua face grotesca por trás da aparência chique.

Num voo Paris – São Paulo, uma passageira com crise de hérnia de disco.

Única forma de suportar a dor: espichar-se o máximo possível.

Como, porém, se espichar numa poltrona de classe econômica?

Dois passos a frente, várias poltronas vazias da classe executiva.

Poltronas separadas apenas por uma cortina.

Depois da cortina de ferro, a cortininha de pano separando classes.

Não seria o caso de uma transferência de classe?

Impossível.

É pagar ou sofrer.

Além disso, no ar não se pode pagar.

O capitalismo aéreo é assim: a poltrona confortável viaja vazia. O passageiro doente viaja gemendo.

Seria o caso de deitar no corredor?

As regras de segurança não permitiriam.

Seria o caso de ter um travesseiro a mais para tentar uma acomodação melhor?

Só depois da decolagem, em caso de sobra.

Na chegada, depois da descida de todos, esperando uma cadeira de roda, um oferecimento gentil:
– Pode sentar na poltrona da executiva enquanto espera.

Sentar por 30 segundos.

O capitalismo  vende a alma, mas não empresta uma poltrona nas alturas.

No voo, na primeira classe, estava o francês Thomas Piketty, autor de O capital do século XXI, considerado por muitos como o Karl Marx do século XXI, descrito como o novo guru mundial. Pena que não viu mais esse episódio da luta de classes.

Classe executiva versus classe econômica.

No capitalismo hiperespetacular até a solidariedade é uma mercadoria.

Um passageiro comentava em voz alta o quanto achava grosseiro e caipira alguém ficar falando de suas viagens.

Insultava, por ignorância, todos os narradores da literatura de viagem e do jornalismo. Seria ressentimento?

A mediocridade humana não tem limites. Salvo o da mercantilização.

Mercantilização até das aposentadorias de deputados no Rio Grande do Sul.

Estou de volta. Aprendi a conhecer mais profundamente o capitalismo.

Chegando em casa, aprendo mais uma vez que a desfaçatez dos nossos políticos não tem limites.
É mais um capítulo da luta de classes.

A classe dos que fazem as leis contra a classe dos que se submetem a elas.

Nós.

Parabéns aos deputados gaúchos que não votaram pela “sucette” (tetinha ou tudo que se possa chupar sentido algum grau de gozo infantil ou adulto) da aposentadoria especial.
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* Sociólogo. Professor Universitário. Escritor.
Fonte: Correio do Povo online, 26/11/2014
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“Não aceito a legitimação racial do Estado de Israel”

 Shlomo Sand
 Para Shlomo Sand, ser judeu hoje é integrar um "clube exclusivo", 
situação que o incomoda

Entrevista - Shlomo Sand

 O escritor israelense Shlomo Sand faz duras críticas a seu país e explica os conceitos que baseiam o livro "Como deixei de ser judeu"

De Paris
 
Historiador e professor da Universidade de Tel Aviv, o escritor Shlomo Sand se define como um "judeu laico e ateu". Mas isso é possível? Por julgar que não, ele escreveu o livro Comment j’ai cessé d’être juif (Como deixei de ser judeu), publicado este ano em francês. No livro, que será lançado em português pela editora Benvirá, Sand escreve que tem consciência "de viver numa das sociedades mais racistas do mundo ocidental, na qual o racismo está presente nas leis, nas escolas, na mídia".
Segundo Shlomo Sand, o barril de pólvora prestes a explodir não vai conhecer a paz "enquanto não houver uma verdadeira pressão internacional sobre o Estado de Israel". "Para salvar Israel de si mesmo, o mundo deve acordar, sobretudo os Estados Unidos", diz.

Nesta entrevista, feita por telefone na França, onde se encontrava de passagem, ele diz que Hitler venceu a guerra ideológica pois, exatamente como os nazistas, "os sionistas consideram a identidade judaica como algo à parte, uma etnia e mesmo às vezes com bases raciais". Diz que algo tribal, racista venceu "porque os sionistas definem o Estado israelense não como o Estado de todos os cidadãos, mas dos cidadãos judeus". E informa: "Na Universidade de Tel Aviv há laboratórios que pesquisam desesperadamente o DNA judeu para provar que os judeus são um povo-raça", diz.

CartaCapital: Depois de escrever dois best-sellers sobre a invenção do "povo judeu" e da "terra de Israel", o senhor lançou este ano na França Comment j’ai cessé d’être juif. É possível deixar de ser judeu e por que o senhor não quer continuar a sê-lo?Shlomo Sand: Aos olhos do antissemita não se deixa de ser judeu porque para ele isso é uma coisa racial, da essência da pessoa e não se pode deixar de pertencer a uma raça. Aos olhos do sionista é a mesma coisa. Recebi muitas cartas de sionistas que me diziam ser impossível, já que a visão deles é essencialista, ser judeu está no sangue. Penso que ser judeu na História é ser um crente muito, muito especial. O Judaísmo é a mãe dos monoteísmos, é uma religião muito importante, que deu origem a dois outros monoteísmos, o cristianismo e o islã. Mas como venho da segunda geração de ateus laicos me perguntei sempre "Por que sou judeu?. "Sou realmente judeu?". Escrevi o livro por duas razões.

CCC: Quais?SS: Vivo num Estado que se define como "Estado Judaico". Ora, um quarto da população não é considerada judia e não pode tornar-se judia, senão pela conversão. Como sou um cidadão de um Estado que se define como judaico, sou um cidadão privilegiado porque o Estado não pertence aos seus cidadãos árabes nem cristãos. Como minhas origens são judaicas, isto é, sou descendente de pessoas que sofreram muito tempo essa política segregacionista que perseguiu os judeus, não quero ser judeu num Estado Judaico. Se esse Estado fosse de todos os cidadãos israelenses, não teria escrito esse livro.

A segunda razão é que penso que a identidade judaica laica é vazia, não tem um peso cultural, linguístico, etc. Os judeus laicos no mundo não falam a mesma língua, não comem os mesmos alimentos, não ouvem as mesmas músicas. Woody Allen não sabe o que é a música israelense de hoje, não sabe o que se come em Israel, não pode falar minha língua. Queria compreender o que é um judeu laico excluindo a memória. Sempre me defini como judeu dizendo que enquanto houvesse um antissemita no mundo eu seria judeu. Mas parei de me definir assim. Pode-se virar cristão, virar judeu religioso, virar socialista, brasileiro, ou francês, mas como virar judeu laico? Existe uma forma de se virar judeu laico sem ter nascido de mãe judia? No momento em que compreendi que faço parte de um clube exclusivo que não pode receber novos membros, decidi que não quero pertencer a um clube exclusivo em pleno século XXI.

CC: Em Israel, a menção "judeu" vem inscrita na carteira de identidade. O senhor escreve: "Em Israel e no estrangeiro, os sionistas do início do século XXI rejeitam o princípio da nacionalidade israelense para somente admitir uma nacionalidade, a judia". Um pouco depois: “Cada vez mais, tenho a impressão de que sob certos aspectos Hitler saiu vitorioso da Segunda Guerra Mundial". Pode explicar?SS: Hitler ganhou a guerra ideológica, de certo modo. Ele tinha decidido que os alemães judeus não eram alemães, que eram uma raça à parte, uma etnia à parte, um povo à parte. O alemão judeu não estava de acordo com isso, sentia-se alemão, era um cidadão alemão, tinha uma nacionalidade alemã. E por que Hitler ganhou ideologicamente? Porque os sionistas consideram a identidade judaica como algo à parte, uma etnia e mesmo às vezes com bases raciais. Na universidade de Tel Aviv, onde trabalho, há laboratórios que pesquisam desesperadamente o DNA judeu para provar que os judeus são um povo-raça que partiu há dois mil anos da terra que se chama Israel, passando por Moscou e fazendo outros percursos até retornar à Palestina. Digo que algo tribal, racista, ganhou porque os sionistas definem o Estado israelense não como o Estado de seus cidadãos mas dos cidadãos judeus. Não discuto a existência de Israel, discuto a identidade etnocêntrica da política israelense.

CC: O senhor se diz laico e ateu. Como é possível isso num país que se define como um Estado Judaico, construído a partir da história de um povo que crê numa religião revelada e no destino de povo eleito de Deus?SS: Não é possível e por isso me sinto mal em Israel. Queria mudar toda a cultura política israelense. Queria “dessionizar” o Estado de Israel. Digo no meu livro que o Estado de Israel não consegue definir quem é judeu por critérios laicos. Eles têm dois modos de definir quem é judeu: pela biologia, pela genética, ou pela religião. Pelos critérios religiosos, um judeu é alguém que se converteu à fé judaica ou quem nasceu de mãe judia. E o Estado pertence somente a essas pessoas. Assim sendo, um judeu brasileiro que mora em São Paulo pode ser cidadão de Israel. Mas Israel não é o Estado de meus alunos árabes que trabalham comigo na Universidade de Tel Aviv. Se Israel vai continuar a manter uma identidade etnocêntrica semi-religiosa com uma visão muito profunda das raças e com uma visão profunda de povo escolhido, penso que não preciso ser profeta para dizer que isso vai destruir Israel. Não há futuro para um Estado assim.

CC: O senhor considera que Israel, fundado dentro dos princípios da religião que reconhece um “povo judeu” e o vê como “povo eleito” de Deus, é um Estado teocrático?SS: Não, porque não é a verdadeira fé em Deus que está no centro da política. São os nacionalistas que se utilizam da religião. O princípio do Estado é etno-religioso mas não é a religião que está no centro. As elites laicas têm necessidade da religião para se afirmar e por isso Israel se torna cada vez mais um Estado etnocrático.

CC: Os judeus franceses são intransigentes com os negacionistas que negam a existência dos fornos crematórios e o genocídio judeu. Em Israel, nega-se a Nakba, a expulsão e o massacre dos palestinos pelos sionistas, em 1948. Esses dois negacionismos têm pontos em comum?SS: Não, o primeiro era um projeto de eliminação do outro e no projeto colonialista judaico o objetivo era de empurrar o outro para longe. Em 1948, houve massacres mas não eram uma característica da colonização sionista. O projeto do nazismo era eliminar o outro, não apenas expulsá-lo. Negar o sofrimento dos judeus durante a Segunda Guerra mundial na Europa é condenável mas negar a Nakba é também condenável, mesmo se são realidades diferentes. Meu dever hoje é lutar contra o esquecimento da Nakba. Com esse ocultamento, não se pode construir a paz.

CC: O Estado da Palestina, reconhecido por 135 países entre os 193 que fazem parte da ONU, é ainda viável? Por que Israel não quer um Estado palestino nas fronteiras estabelecidas pela ONU em 29 de novembro de 1947?SS: O Estado de Israel é reconhecido com suas fronteiras de antes da guerra de 1967. Eu também reconheço a existência desse Estado com as fronteiras de 1967. Se um Estado palestino ao lado de Israel é ainda viável, não sei. Mas não vejo outra solução. Moralmente, como não sou nacionalista, desejaria a solução de um Estado para as duas identidades. Mas como não creio que isso é realizável, defendo a solução de dois Estados com as fronteiras de 1967. Mas não creio que em Israel se possa realizar isso porque a inércia no sionismo é a colonização. O sionismo nunca parou a colonização do fim do século XIX até hoje. Mesmo entre 1948 e 1967 havia uma colonização sionista em Israel. Tomaram as terras de palestinos israelenses e deram aos judeus israelenses. Por que Israel não aceita um Estado palestino? Porque os sionistas pensam que o centro desse Estado é o centro da antiga "pátria dos judeus", Hebron e Jericó. Esse é o centro do imaginário bíblico que teria sido a pátria dos judeus. Para muitos, sobretudo para as elites políticas e intelectuais, renunciar a isso é muito difícil. Enquanto não houver uma verdadeira pressão internacional sobre o Estado de Israel, não haverá paz. Para salvar Israel de si mesmo o mundo deve acordar, sobretudo os Estados Unidos. Eles podem pedir que Israel respeite o direito dos palestinos, saia dos territórios ocupados e favoreça a criação do Estado palestino. Em Israel, não vejo um movimento político capaz de realizar esse projeto.

CC: O senhor pensa que o movimento pelo boicote (BDS) a Israel, criado por Noam Chomsky, Desmond Tutu, Stéphane Hessel, Ken Loach, entre outros, pode ser eficaz para lutar contra a segregação e o apartheid dos palestinos em Israel?SS: Aceito hoje em dia qualquer pressão sobre Israel, menos o terrorismo.

CC: O escritor Amos Oz denunciou este ano os “neonazistas hebreus”, como ele chama os extremistas judeus que realizaram uma onda de atentados racistas contra os cristãos e os muçulmanos. O que o senhor pensa da expressão?SS : Como nunca comparei o sionismo ao nazismo, não comparo os extremistas sionistas aos nazistas porque não é comparável e isso é importante. Enquanto não existe um projeto de genocídio, nada pode ser comparado ao nazismo. Os extremistas racistas me enojam, mas na história não somente os nazistas foram racistas. Tenho certeza de que no Brasil há racistas, sempre houve racistas que não queriam viver com os negros ou com os índios e não são comparáveis aos nazistas. Não se pode comparar o extremista sionista execrável aos nazistas.

CC: Os israelenses gostam de escrever que Israel é a única democracia do Oriente Médio. O que o senhor pensa disso? O senhor escreve que gostaria de "tornar compatíveis as leis constitucionais de Israel com os princípios democráticos".SS: Existe um jogo liberal em Israel, por isso o definiria não como uma democracia mas como uma etnocracia liberal. Israel não poderia nem mesmo adotar os princípios da monarquia britânica, nem os da democracia brasileira porque não há igualdade de todos os seus cidadãos. Não acredito que existam democracias perfeitas. Mas há Estados mais democráticos que outros. A democracia não é somente uma certa liberdade de expressão, liberdade dos partidos políticos. Antes de tudo, uma democracia é um Estado de todos os seus cidadãos. Um Estado democrático não pode pertencer a uma parte de seus cidadãos. E como Israel se define como um Estado judaico e não como um Estado israelense, não pode ser democrático. E como o poder israelense procura o bem dos judeus e não o dos israelenses, ele não pode ser considerado democrático. Um quarto da população não é parte integrante desse Estado. O Estado deve ser um lugar de identificação, deve servir a todos os cidadãos. Por outro lado, de forma relativa, Israel é um país liberal. O fato que eu possa ser professor da Universidade de Tel Aviv com minhas ideias mostra que o Estado é pluralista e liberal. Não podem me demitir.

CC: Como seu livro foi recebido em Israel?SS : Relativamente bem, não foi um best-seller como os outros dois sobre a invenção do povo judeu e a invenção da terra de Israel, mas foi bem. A Universidade de Tel Aviv fez um grande debate sobre o livro. E o subtítulo era claro: “Como deixei de ser judeu, aos olhos dos israelenses”. Isso porque não aceito a legitimação etnocrática e racial desse Estado.

CC: Sua posição tem consequências políticas ou práticas?SS : Eu sou circuncidado, não posso mudar isso. Nunca me senti judeu, era israelense de origem judaica. Mas não conseguia compreender isso por causa do antissemitismo no mundo. Hoje, acho que o mundo ocidental é mil vezes menos antissemita que antes. Ora, o mundo ocidental apoia um Estado etnocrático no Oriente Médio e eu quero que isso mude, que o mundo possa apoiar duas repúblicas, uma palestina e uma israelense, para fazer um acordo histórico com o povo que empurraram para o Oriente Médio.

CC: Já que se fala de circuncisão, o que o senhor pensa de se mutilar o corpo de uma criança com argumentos religiosos?
SS: Não sou contra a circuncisão com uma condição: que seja decidida por uma pessoa adulta para ela mesma, a partir de 18 anos. Mas sou contra realizá-la em seres humanos que não decidiram nada.
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Reportagem por Leneide Duarte-Plon — publicado 28/11/2014
Fonte: Carta Capital online, acesso 28/11/2014