segunda-feira, 4 de novembro de 2019

ALEMÃO

Lya Luft*

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Quando esta coluna aparecer, será dia de Finados. Dia em que, há dois anos, a Senhora Morte levou um de meus filhos, André, o nosso Alemão. Toda a família aturdida, alguns, como eu, nem sempre acreditando nessa morte de alguém tão amoroso e tão amado. Sem muita vontade de escrever a não ser sobre isso, aqui vai o que consigo partilhar com meu leitor. Começo com esse depoimento de uma colega de Agronomia dele, Sabrina, que não conheço, mas a quem muito agradeço o texto comovido. 

“Alemão. Nada naquele rapaz fazia sentido: seu tamanho, sua beleza, ou ser filho de uma conhecida intelectual. Muito menos estar cursando Agronomia. Chamavam-no Alemão. Quando me contaram que era filho da Lya Luft, eu olhei descrente. O cara era um gigante, os olhos dele dois faróis acesos. E passavam uma inquietação, ele vivia se mexendo, não cabia direito na cadeira.

Ficamos no mesmo grupo de estudo em entomologia. 

Acho que foi a única cadeira da faculdade que fiz com ele. Depois de formados, a gente fica sabendo o que foi feito da vida de cada colega.

Reencontrei o Luft no Facebook, e vi que ele ganhou o mundo. Estava trabalhando em outro continente, fazendo um trabalho maravilhoso ao lado de sua mulher. Quando a gente conhece a realidade rural, e o universo das empresas internacionais, e tudo o que envolve o nosso trabalho de agrônomo(a), e sabe de um colega envolvido em um trabalho tão completo como o do Luft, vem um sentimento de profunda admiração.

Quando eu soube que o Luft tinha partido, pensei em reencarnação, pois muitas pessoas em várias encarnações não irão viver a bela vida que meu colega viveu. Poucas pessoas terão a dimensão do Engenheiro Agrônomo Luft. Perder pessoas que a gente admira é triste, mas agradecemos por tê-las conhecido.” 

•••
Ninguém pode dizer que jamais teve a sensação: “Agora, acabou; nada faz sentido”. Ou: “Não vou aguentar”.

No entanto, me ensinou a vida, mesmo quando estamos numa UTI emocional, um dia conseguimos levantar: somos liberados dos aparelhos que nos mantinham vivos, apoiados pelas pessoas que nos ajudam, chegamos até a porta... somos transferidos para um quarto.

Dali podemos espiar o corredor, andar por ele apoiados em alguém ou de bengala, e respiramos quase normalmente. A pedra pesada e escura no meu peito aliviou. Um pouco. Mais um pouco. Talvez eu nunca me livre dela inteiramente, mas estou aprendendo a lidar com ela. (Certamente é o que aquele que partiu desejaria.)

Nos reconstruímos, de um jeito ou de outro.

Descobrimos ou redescobrimos o valor dos afetos, família, amigos, as coisas simples, aquela voz no telefone, aquele e-mail ou Whats, aquele passo no corredor, aquele gesto afetuoso ou um simples olhar de cumplicidade. Tudo isso nos faz de novo viver.

A fênix incansável ajeita as penas chamuscadas, olha em torno, abre as asas, tenta seu voo, escreve sua coluna de jornal... e entende que a morte não vence o amor.
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* Escritora. Colunista da ZH 
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=825f7ee6dc8c95b68641f32fe70945dd 
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