Monja Coen*
CONSELHOS - A budista que virou best-seller: “Sua casa pode se tornar um
l
ocal sagrado de práticas espirituais” Leo Martins/.
Que o momento seja também
de autoconhecimento e de conexão com o próximo: em casa, sozinho ou com a
família, o melhor lugar do mundo é onde você está
E a pandemia chegou. Com ela, o isolamento
social e seus muitos desafios. Você tem respeitado esse isolamento? Goste ou
não goste, fique em casa. Com amor ou com raiva, fique em casa. Seja
responsável. Cuide-se. Não seja um possível transmissor do coronavírus. Se onde
você mora a quarentena ainda não é obrigatória, aguarde. Será. No mundo, muitos
estão proibidos de sair de casa. Proibidos de andar nas ruas. O isolamento
assusta de tantas maneiras. Há pessoas que detestam ficar sozinhas. Há quem não
se lembre mais como é ficar com a família. Mas tudo é possível com um pouco de
esforço.
Apreciemos ficar em casa. Não há para onde ir
nem vir. Crie circunstâncias, valorize momentos importantes de silenciar, de
meditar, de refletir em profundidade. De fazer nada. De ouvir e ver. De apenas
estar presente. Não tenha medo da solidão. Esse vírus, para o bem ou para o
mal, nos apresentou algumas lições. A principal delas: estamos todos
interligados. Sem fronteiras, sem cores, sem etnias. Ele não discrimina. Por
isso, o grande risco. Pode acontecer com você. Pode ser ele ou ela. Esse
pequeno inimigo é extremamente democrático. Pior ainda, comunitário. Não há
ninguém de fora: todos estão dentro das possibilidades de contágio. Por isso,
comporte-se. Repito: fique em casa.
· Aproveite o momento para
observar. Observe com profundidade, observe com sabedoria. Há tanto que pode
ser feito. Você pode ler, escrever, pintar, desenhar, sonhar. Pode cantar,
declamar. Pode ouvir música sem dançar e sem cantarolar. Ouvir, apenas. E pode
fazer tudo diferente, cantando e dançando. Pode rir, pode chorar. Tudo bem
chorar. Enquanto o isolamento social for o melhor remédio, faça-o valer. Mas
cuidado. Não beba muito. Não use drogas. Aprecie sua vida — não destrua células
neurais. Sem beijos nem abraços, demonstre seu amor com a suavidade de uma
folha caindo à brisa de outono.
Os otimistas acham que o isolamento fará com
que as famílias voltem a sentar-se à mesa e a conversar. Será? Talvez nas casas
onde alguém esteja contaminado e os cuidados devam ser redobrados. Quem sabe?
Fica aqui um alerta: fomos tão bem treinados a sempre nos comunicar virtualmente
que não farão muita diferença as portas trancadas. Abra as portas. Senão, serão
mais e mais mensagens no WhatsApp dentro da mesma casa. Que a tecnologia não
impeça a reunião familiar.
Mais difícil será ficar trancafiado com pessoas
com as quais não mantemos bons relacionamentos — ou nenhum relacionamento.
Recomendo que não exija dos outros o que eles não têm para oferecer a você.
Veja as qualidades e não comente os defeitos — nem consigo mesmo. Tente.
Se houvesse uma pandemia viral nos celulares, na internet, nas redes
sociais, talvez fosse pior. Teríamos de olhar uns para os outros, de ouvir um
ao outro. Teríamos de conversar: você lembra o que era conversar?
Quem é viciado em TV está feliz. Dia e noite,
a TV ligada. Quem ama jogos virtuais se ocupará com eles até enjoar. Aprenda a
se desligar. Aprenda a se desconectar. Escolha, neste momento: quer alimentar
seus vícios ou suas virtudes? Que tal praticarmos virtudes nas semanas em
cativeiro? Mas quem disse que é cativeiro? Sua casa pode se tornar o paraíso,
um local sagrado de práticas espirituais. Podemos nos transformar, podemos
responder de forma diferente das anteriores a esta intimidade forçada. Tudo
depende de suas escolhas — e só suas. Não fique pensando no que deixou de fazer.
No que está atrasado. Aprecie o agora, já. Aprenda a viver o agora. Você pode.
Vamos apreciar mais a vida? Deixe o celular de lado de vez em quando. Na hora
de comer, apenas coma. Na hora de dormir, apenas durma. Crie uma rotina
saudável com atividade física, sono, alimentação natural, meditação, boa
respiração e batimentos cardíacos regulares e tranquilos.
“Deixe o celular de lado. É um momento
precioso para
repensar quanto tempo dedicamos às telas”
Este é um momento precioso para repensar
quanto tempo dedicamos às telas. Podemos ser atropelados, mas não largamos
nossos amigos virtuais. Na mesa, no banheiro, no escritório, no ônibus ou
metrô, nos táxis, Ubers, aviões, trens e mesmo andando a pé. Acabamos com um
pequeno defeito na cervical de tanto olhar para baixo, para o celular. E por
quê? São tantas notícias, informações, atualizações. E, quando você tenta se
comunicar, as novidades que acabou de descobrir, o outro também já leu. Que tal
desconectar-se? Está preocupado com as notícias ruins por todos os lados? Por
que você está me lendo agora? Você já sabe. Tudo o que eu possa escrever é
passado. Há dados mais recentes que os deste texto antigo. Antigo, sim.
Está sendo escrito hoje, que é ontem do ontem do anteontem. E tudo está a
mudar.
Lembre-se de que nada é fixo ou permanente.
Eu e você, as lojas e as ruas, os pesares e as alegrias. Nada fixo, nada
permanente. Perceba. A vida é um fluir incessante e incontrolável de instantes.
Você é capaz de apreciar este momento mais do que reclamar dele.
Ouviu uma briga de casal? Interfira. Bata com
o cabo da vassoura nas paredes. Grite pelas janelas. Chame a polícia. Nada de
ficar brigando em casa. E controle o desejo de jogar alguém pela janela. Pode
dar vontade. Mas não faça isso. Respire. Sorria. Aprenda a ter discussões
saudáveis. Política, religião, relacionamentos. Está na hora de ouvir a opinião
do próximo, pode ser divertido, pode ser estimulante. Você pode fazer de onde
está o melhor lugar do mundo: porque é onde você está. Aqui, bem dentro de
você, se manifesta e se abre um caminho iluminado. Sorria. É possível, sim.
Suponha que você tenha se comportado.
Aguentou e não saiu de casa. Suponha que a curva exponencial da doença não
tenha subido ao ponto mais alto. Ficou um pouco mais baixa. Valeu o isolamento
forçado? Valeu o período consigo mesmo? Valeu ficar com essas pessoas ao seu
redor? Ter de aguentar sermões e brigas: vem comer, larga o celular? Suas
escolhas terão consequências. Então, ressalto: fique em casa. Não saia.
Isole-se fisicamente, mas não emocionalmente. Superar essa pandemia depende de
cada um de nós. Que a compaixão ilimitada e a sabedoria perfeita sejam nossas
duas companheiras. Que possamos despertar e agradecer. Cada instante da nossa
vida é assim. Aprecie.
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*Monja Coen, fundadora da Comunidade Zen
Budista Brasil, é autora e apresentadora do Caminho Zen, no GNT
Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição
nº 2680
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