Lya Luft*
Porque o amor é a coisa mais
importante do mundo, segundo psiquiatras e médicos em geral – e a
internet e outros promovem mais afeto, mais encontro ainda que virtual,
portanto mais amor ou amizade –, resolvo escrever sobre esse assunto tão
batido, espancado, banalizado, mas... cheio de mistério e intensidade.
Desde o primeiro amor, a família, pai e mãe – antes de
todos, mãe – até os amores depois, irmãos, amigos, namorado, marido ou
amante. E, acima de todos esses, acho eu, amor por filho, que é eterno,
indivorciável, inabordável, indiscutível, em pessoas ditas normais. Pois
há os monstros que matam ou rejeitam os filhos, ou os pais.
Amor é essencial para manter a vida, não apenas para
perpetuação da espécie, que poderia se dar automaticamente, pelo
instinto, se não fôssemos humanos... – mas porque nossa alma precisa
dele.
Nossa química precisa dele. Nossa existência precisa
dele para não secar como planta num deserto implacável, que não dá nem
uma gotinha de misericórdia.
Sem afeto, que é como chamo todo amor daqui por diante,
não nos sentimos nem vivos. Pode ser o afeto da amizade, sempre tão
confortador, raramente exposto a ciúme ou abandono – ainda que esse,
estranhamente, tristemente, exista. Perdi uma ou duas amizades nesta
longa vida, porque de repente emudeceram, sumiram, esvaneceram sem eu
saber do que se tratava. Mas a conta negativa, no meio de
tantas amizades frondosas, é modesta. E me dou por feliz, porque
amizades são aquelas raízes que podem vir da infância, ou da juventude,
ou do ano passado – mas sempre serão um tesouro que nos dá a força de
viver, e sobreviver. Além disso, escritores, artistas em geral, contam
com um afeto especial dos leitores, de quem talvez nunca tenha nos
visto, mas aqui e ali nos manda recados, um aceno na rua, um abraço no
shopping, uma palavra no avião, ou manifestação nenhuma. Existimos para
eles, que existem para nós mesmos sem recado algum, porque afinal – ao
menos eu – exercemos nossa arte para o outro, e quando escrevo sei que
alguém me lê... e somos próximos, de um jeito indefinido mas real.
Estes têm sido dias especiais para mim, no campo dos
amores. Pois minha família, todos os filhos, netos, mesmo os que moram e
trabalham longe, estão aqui.
Um deles se casa, e essas cerimônias reúnem
famílias, como amigos, de várias partes do mundo, se o amor e a amizade
existem e funcionam.
Então a velha matriarca e fênix teimosa está num
momento feliz, quase eufórico. Porque mesmo os que já não podem estar
fisicamente presentes estão nos vendo, vigiando, protegendo, amando e
querendo que a gente curta o que pode ter, com alegria e gratidão.
Pois felicidade, amor e paz não são o pão cotidiano das humanas criaturas.
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* Escritora. Tradutora. Colunista da Zero Hora
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=951db9c8d9f20e75b880632e98166e10 07/03/2020
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