tag:blogger.com,1999:blog-15736936552006322462024-03-19T05:47:21.321-03:00ZGUIOTTOZGUIOTTO 2013Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.comBlogger16470125tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-77580197658119058562024-03-18T21:03:00.001-03:002024-03-18T21:03:18.224-03:00O que é teologia do domínio. E como ela aparece no Brasil <p>Por Isadora Rupp</p><div class="flex gap-1 m-[10px] ml-5 items-start text-sm font-sentinel text-gray-900"><div class="flex flex-wrap"><span class="font-extralight ml-1">17 de março de 2024</span><span class="font-thin text-gray-400 ml-1">(atualizado 18/03/2024 às 18h42)</span></div></div><p class="font-sentinel text-lg leading-[1.375rem] ml-5 text-gray-900 mt-3">Teoria
é oriunda de movimentos evangélicos dos Estados Unidos. Pesquisadores
explicam ao ‘Nexo’ como ela cria desafios à democracia brasileira</p><p class="font-sentinel text-lg leading-[1.375rem] ml-5 text-gray-900 mt-3"> <img alt="Pessoas andam ao lado de um muro branco, onde está escrito em letras vermelhas a frase "Entrega teu caminho ao senhor". Ao lado, uma bandeira do Brasil verde e amarela." aria-describedby="caption-attachment-237003" class="size-full wp-image-237003 force-full-width" data-agency="Reuters 27.10.2022" data-photographer="Pilar Olivares " data-url-landscape-640="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2022-10-27T164233Z_874728276_RC249X993F9H_RTRMADP_3_BRAZIL-ELECTION-EVANGELICALS-640x399.jpg" height="420" src="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2022-10-27T164233Z_874728276_RC249X993F9H_RTRMADP_3_BRAZIL-ELECTION-EVANGELICALS-scaled.jpg" width="630" /></p><a class="bg-blue-100 w-7 h-7 flex justify-center items-center rounded-full" href="mailto:?subject=O%20que%20%C3%A9%20teologia%20do%20dom%C3%ADnio.%20E%20como%20ela%20aparece%20no%20Brasil%C2%A0&body=https%3A%2F%2Fwww.nexojornal.com.br%2Fexpresso%2F2024%2F03%2F17%2Fteologia-do-dominio-o-que-e%3Futm_medium%3Demail%26utm_campaign%3DNexo%2520%2520Hoje%2520-%252020240318%26utm_content%3DNexo%2520%2520Hoje%2520-%252020240318%2BCID_eab7f9dca7afc7e5917fc59bfdc41e96%26utm_source%3DEmail%2520CM%26utm_term%3DO%2520que%2520%2520teologia%2520do%2520domnio%2520E%2520como%2520ela%2520aparece%2520no%2520Brasil"><svg color="#fff" fill="currentColor" height="1em" stroke-width="0" stroke="currentColor" style="color: white;" viewbox="0 0 24 24" width="1em" xmlns="http://www.w3.org/2000/svg"></svg></a><a class="bg-blue-100 w-7 h-7 flex justify-center items-center rounded-full" href="https://api.whatsapp.com/send?text=O%20que%20%C3%A9%20teologia%20do%20dom%C3%ADnio.%20E%20como%20ela%20aparece%20no%20Brasil%C2%A0%0Ahttps%3A%2F%2Fwww.nexojornal.com.br%2Fexpresso%2F2024%2F03%2F17%2Fteologia-do-dominio-o-que-e%3Futm_medium%3Demail%26utm_campaign%3DNexo%2520%2520Hoje%2520-%252020240318%26utm_content%3DNexo%2520%2520Hoje%2520-%252020240318%2BCID_eab7f9dca7afc7e5917fc59bfdc41e96%26utm_source%3DEmail%2520CM%26utm_term%3DO%2520que%2520%2520teologia%2520do%2520domnio%2520E%2520como%2520ela%2520aparece%2520no%2520Brasil" target="_blank"><svg color="#fff" fill="currentColor" height="1em" stroke-width="0" stroke="currentColor" style="color: white;" viewbox="0 0 16 16" width="1em" xmlns="http://www.w3.org/2000/svg"></svg></a><span class="styles_postContent___r2NQ span-content selection:bg-blue-100 text-base font-sentinel text-[#000] whitespace-pre-wrap default-body-article copy-script"><div class="wp-caption alignnone" id="attachment_237003"><span class="meta-image">FOTO: Pilar Olivares /Reuters 27.10.2022 </span>Igreja evangélica Restauração, no Rio de Janeiro</div></span><span class="styles_postContent___r2NQ span-content selection:bg-blue-100 text-base font-sentinel text-[#000] whitespace-pre-wrap default-body-article copy-script">
<p><span style="font-weight: 400;">A teologia do domínio, que prega a dominação do mundo pelo cristianismo ultraconservador, tem animado parte do poder político no Brasil e se manifestado em atos públicos. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Com origem nos movimentos evangélicos dos Estados Unidos das décadas de 1970 e 1980, o conceito, aplicado à política, gera </span><a href="https://apublica.org/2024/03/teologia-do-dominio-e-mais-perigosa-para-democracia-que-bolsonarismo-diz-historiador/"><span style="font-weight: 400;">desafios à democracia</span></a><span style="font-weight: 400;">, segundo pesquisadores ouvidos pelo </span><b>Nexo</b><span style="font-weight: 400;">. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Neste texto, o </span><b>Nexo</b><span style="font-weight: 400;"> explica, com a ajuda de dois teólogos e uma antropóloga, o que é a teologia do domínio, em quais espaços ela está presente no Brasil e como ela afeta o Estado Democrático de Direito. </span></p>
<h2><b>Conceito e origem</b></h2>
<p><span style="font-weight: 400;">A teologia do domínio propõe dominar todos os campos da vida social e da esfera pública com a presença e influência do cristianismo ultraconservador. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Segundo a antropóloga Christina Vital da Cunha, professora da UFF (Universidade Federal Fluminense) e colaboradora do Iser (Instituto de Estudos da Religião), a</span> <span style="font-weight: 400;">teologia do domínio tem raízes em interpretações bíblicas. A referência fundamental é o livro Gênesis. </span></p>
<p><span class="commas01" style="font-weight: 400;">“Também disse Deus: façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra”</span></p>
<p><span class="commas02" style="font-weight: 400;">Gênesis (1:28)</span></p>
<p><span class="commas03" style="font-weight: 400;">trecho do livro</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“A característica central dessa teologia advoga a dominação do mundo pelo cristianismo, seus valores e sistemas de crenças. E isso não é novo”, afirmou Cunha ao </span><b>Nexo</b><span style="font-weight: 400;">. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">O que ocorre de tempos em tempos, de acordo com a antropóloga, é a atualização dessa teologia para atender a necessidades espirituais ou a interesses institucionais e de poder. Isso é algo corriqueiro e presente também em outras formas teológicas. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Nos Estados Unidos das décadas de 1970 e 1980, houve a ascensão de uma matriz reformada da teologia do domínio, chamada de reconstrucionismo, e uma pentecostal, mais conhecida como batalha espiritual, fundada pelo teólogo americano Charles Peter Wagner. </span></p>
<p><a href="https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/guerra-do-bem-contra-o-mal-diz-michelle-em-culto-com-bolsonaro"><span style="font-weight: 400;">Discursos</span></a><span style="font-weight: 400;"> da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, atual presidente do PL Mulher, seguem a linha de Wagner. Na campanha eleitoral de 2022, durante um culto evangélico na Igreja Batista da Lagoinha, em Belo Horizonte, Michelle afirmou que a disputa com o PT era uma “guerra do bem contra o mal”. </span></p>
<p><span class="meta-image">FOTO: Ricardo Moraes/Reuters</span><img alt="Jair Bolsonaro está no palco ao lado de sua esposa Michelle Bolsonaro e recebe bençãos do pastor Marcos Feliciano" class="alignnone size-large wp-image-36674 force-full-width" data-agency="Reuters" data-photographer="Ricardo Moraes" data-url-landscape-640="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2023/11/29154451/2022-07-24T000000Z_901251712_RC2BIV9AAZUN_RTRMADP_3_BRAZIL-ELECTION-BOLSONARO_binary_301444-1-640x399.jpg" src="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2023/11/29154451/2022-07-24T000000Z_901251712_RC2BIV9AAZUN_RTRMADP_3_BRAZIL-ELECTION-BOLSONARO_binary_301444-1-600x400.jpg" /></p>
<p><span style="font-weight: 400;">A teologia do domínio também se expressa na Doutrina dos Sete Montes, disse ao </span><b>Nexo</b><span style="font-weight: 400;"> o pastor pentecostal e professor Kenner Terra, pastor da Igreja Batista Betânia, do Rio de Janeiro e doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Criada pelos pelos americanos Loren Cunningham e Bill Bright, a premissa da doutrina é que a fé cristã precisa ocupar as sete áreas da sociedade, consideradas as principais: </span></p>
<ul><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Governo</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Educação</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Religião</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Família</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Economia</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Artes</b></li><li aria-level="1" style="font-weight: 400;"><b>Entretenimento</b></li></ul>
<p><span style="font-weight: 400;">“Aparentemente, há certa coerência no entendimento de que o cristão precisa influenciar na cultura. O problema é a forma como isso é tratado, principalmente nos espaços da extrema direita cristã e neopentecostais, com uma postura de imposição”, afirmou Terra. </span></p>
<h2><b>A presença nas igrejas</b></h2>
<p><span style="font-weight: 400;">Christina Vital da Cunha explica que há diferenças em como as igrejas Anglicana, Presbiteriana e outras identificadas como reformadas ou protestantes vivenciam a teologia do domínio em relação às igrejas pentecostais e neopentecostais. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Enquanto presbiterianos preferem um projeto de poder silencioso, contínuo e exercido por influência, pentecostais e neopentecostais preferem o enfrentamento público, a visibilidade e a perseguição ostensiva aos identificados como inimigos. </span></p>
<p><span class="scores02"><b>31% </b></span><span class="scores03"><span style="font-weight: 400;">da população brasileira </span><a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/13/50percent-dos-brasileiros-sao-catolicos-31percent-evangelicos-e-10percent-nao-tem-religiao-diz-datafolha.ghtml"><span style="font-weight: 400;">se declara evangélica</span></a><span style="font-weight: 400;">, segundo pesquisa Datafolha de 2020</span></span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">A antropóloga exemplifica essa diferença observando a postura pública e a estratégia de líderes como o ministro do Supremo Tribunal Federal e pastor André Mendonça e o ex-ministro da Educação </span><a href="https://www.nexojornal.com.br/extra/2022/03/28/Pressionado-por-suspeitas-no-MEC-Milton-Ribeiro-deixa-cargo"><span style="font-weight: 400;">Milton Ribeiro</span></a><span style="font-weight: 400;">, que são presbiterianos, e pastores como Silas Malafaia, o bispo Edir Macedo e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), esses ligados a denominações pentecostais ou neopentecostais. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“Na prática política é possível que esses atores reúnam forças, mas têm origens sociais e estilos distintos”, disse Cunha. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Segundo o pastor Kenner Terra, a teologia do domínio não é um discurso potente na maioria das igrejas evangélicas, ou seja, não existe a substituição de outras teologias, como a da prosperidade, por exemplo, pela do domínio, e sim uma intersecção entre elas. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“As igrejas neopentecostais têm interesse especial na teologia do domínio por causa da lógica de batalha cultural. Nessa lógica, de um lado, há figuras políticas e organizações que querem acabar com os princípios cristão e que estão ocupando espaços de poder. Do outro lado, estão os cristãos para salvar os fiéis, e proteger a moral e a família”, afirmou Terra. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">A Igreja Universal do Reino de Deus, fundada pelo bispo Edir Macedo, a Igreja Internacional da Graça de Deus, do pastor R. R. Soares, e a Igreja Batista Lagoinha, liderada pela </span><a href="https://www.intercept.com.br/2023/07/19/lagoinha-conheca-familia-valadao-cla-por-tras-da-igreja/"><span style="font-weight: 400;">família Valadão</span></a><span style="font-weight: 400;">, são alguns exemplos de igrejas que são marcadas pela teologia do domínio. </span></p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_234474"><span class="meta-image">FOTO: Caetano Barreira/Reuters - 02.05.2007</span><img alt="Fiéis fazem oração em Igreja evangélica em São Paulo. Pessoas estão de pé, de frente para um palco, com as mãos para cima. Ao fundo, um palco com uma imagem de um céu com nuvens, uma pessoa de branco desfocada com um microfone" aria-describedby="caption-attachment-234474" class="size-large wp-image-234474 force-full-width" data-agency="Reuters - 02.05.2007" data-photographer="Caetano Barreira" data-url-landscape-640="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2007-05-03T120000Z_154768466_GM1DVEHOQAAA_RTRMADP_3_BRAZIL-POPE-RELIGION-640x399.jpg" src="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2007-05-03T120000Z_154768466_GM1DVEHOQAAA_RTRMADP_3_BRAZIL-POPE-RELIGION-600x373.jpg" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-234474">Fiéis fazem oração em Igreja evangélica em São Paulo</p></div>
<p><span style="font-weight: 400;">“Mas não há um bloco de igrejas evangélicas com um projeto que leva em conta a teologia do domínio. A coisa é mais fluida. Há um horizonte em que é entendido que agentes políticos precisam dominar as esferas da sociedade. Não tem como aplicar a teologia de forma tão rápida. Não é um ato orquestrado”, disse Terra. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Segundo o pastor da Igreja Betânia, a teologia do domínio é diferente de uma teonomia, quando se busca a implantação de um sistema legal com bases no texto bíblico, a exemplo do livro “O conto da aia”, romance de Margaret Atwood que trata de uma teonomia totalitária fundamentalista que derruba o governo dos Estados Unidos. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“A teologia do domínio não chega a isso. Pode ser que algum radical tenha essa expectativa da Bíblia estar acima da Constituição. Em um Estado Democrático de Direito, isso não é possível. Mas o que há é, sim, uma tentativa de inserir e colocar na mesa de discussões perspectivas cristãs para temas que pertencem à esfera pública”, disse Terra. </span></p>
<h2><b>A presença na política</b></h2>
<p><span style="font-weight: 400;">A mistura de política com religião foi defendida por Michelle Bolsonaro em diversas ocasiões públicas ao longo do governo do marido, e mais recentemente em seu </span><a href="https://www.poder360.com.br/brasil/leia-a-integra-do-discurso-de-michelle-na-avenida-paulista/"><span style="font-weight: 400;">discurso</span></a><span style="font-weight: 400;"> no </span><a href="https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/02/28/como-brasil-recebeu-ato-bolsonaro-na-paulista"><span style="font-weight: 400;">ato</span></a><span style="font-weight: 400;"> em defesa do ex-presidente, no dia 25 de fevereiro. A Constituição de 1988 diz que o Estado brasileiro é </span><a href="https://www.youtube.com/watch?v=1tOHqQz3dU0"><span style="font-weight: 400;">laico</span></a><span style="font-weight: 400;">, separado da Igreja e com liberdade religiosa para todas as crenças e denominações.</span></p>
<p><span class="commas01" style="font-weight: 400;">“Por um bom tempo fomos negligentes ao ponto de dizer que não poderíamos misturar política com religião. E o mal ocupou o espaço. Chegou o momento, agora, da libertação. Porque eu acredito em um Deus vivo. Um Deus todo poderoso que é capaz de restaurar e curar a nossa nação. Não desistam, mulheres, homens, jovens, crianças. Não desistam do nosso país. Continue orando, continue clamando. Eu sei que o nosso Deus, do alto dos céus, irá nos conceder um socorro” </span></p><p><span style="font-weight: 400;">O historiador João Cezar de Castro Rocha, professor de literatura comparada na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), diz que o ato será enxergado por historiadores no futuro como um momento em que o projeto da teologia do domínio tornou-se explícito. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“Quando Michelle diz que chegou a hora da libertação, o que ela está dizendo é: chegou a hora do Estado civil subordinar-se à fé, não à espiritualidade, mas à crença deles. Pensando nisso, no nosso país tudo começa a ficar bastante claro e muito preocupante”, afirmou Rocha em </span><a href="https://apublica.org/2024/03/teologia-do-dominio-e-mais-perigosa-para-democracia-que-bolsonarismo-diz-historiador/"><span style="font-weight: 400;">entrevista</span></a><span style="font-weight: 400;"> à Agência Pública no domingo (10). </span></p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_237014"><span class="meta-image">FOTO: Carla Carniel /Reuters 25.02.2024</span><img alt="Michelle e Jair Bolsonaro em ato na avenida Paulista. Os dois estão em cima de um trio elétrico, estão abraçados e sorriem. Ele usa camiseta amarela da seleção brasileira. Ela usa camiseta verde e amarela com a frase "ore pelo Brasil"e um boné branco" aria-describedby="caption-attachment-237014" class="size-large wp-image-237014 force-full-width" data-agency="Reuters 25.02.2024" data-photographer="Carla Carniel " data-url-landscape-640="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2024-02-25T201625Z_203375846_RC2V96AOJA8N_RTRMADP_3_BRAZIL-POLITICS-BOLSONARO-640x399.jpg" src="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/03/2024-02-25T201625Z_203375846_RC2V96AOJA8N_RTRMADP_3_BRAZIL-POLITICS-BOLSONARO-600x400.jpg" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-237014">Michelle e Jair Bolsonaro em ato na avenida Paulista</p></div>
<p><span style="font-weight: 400;">Ronilso Pacheco, teólogo pela PUC-Rio e diretor do Iser (Instituto de Estudos da Religião), disse ao </span><b>Nexo </b><span style="font-weight: 400;">que o ato na Paulista não foi um ápice da teologia do domínio. “Os movimentos de extrema direita e ultraconservador evangélico acontecem há muito tempo e de diversas formas, com um intercâmbio educacional e think tanks que financiam várias missões no Brasil.”</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Embora o discurso religioso de Michelle e de outros políticos, como o senador Magno Malta (PL-ES), tenha sido direcionado aos evangélicos, a maioria dos presentes não seguiam a religião, de acordo com </span><a href="https://www.monitordigital.org/wp-content/uploads/2024/02/relatorio-ato-25-fevereiro.pdf"><span style="font-weight: 400;">estudo</span></a><span style="font-weight: 400;"> do Monitor do Debate Político Digital da USP (Universidade de São Paulo). </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Segundo o levantamento, que entrevistou 575 pessoas, em toda a extensão da manifestação na avenida Paulista, 43% dos presentes declararam ser católicos. </span></p>
<p><span class="scores02"><b>29% </b></span><span class="scores03" style="font-weight: 400;">dos participantes do ato pró-Bolsonaro na Paulista eram evangélicos, segundo o Monitor do Debate Político Digital da USP</span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">A maioria dos presentes eram homens (62%), brancos (65%), na faixa etária entre 55 e 65 anos (25%). Um perfil distinto da massa evangélica, que é majoritariamente feminina, preta e periférica. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">De acordo com Christina Vital da Cunha, a manifestação pró-Bolsonaro realizada no final de fevereiro revela um comportamento religioso que não é novo, embora venha se fortalecendo com o crescimento da extrema direita como fenômeno político, e buscava blindar a manifestação. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“Qualquer tentativa de deslegitimá-la [a manifestação] ou impedi-la seria tomada como intolerante, uma afronta à liberdade religiosa. Ao mesmo tempo, ela tinha o objetivo de conduzir emocionalmente as pessoas como se estivessem todos envolvidos em uma guerra do bem contra o mal, na qual a dominação religiosa da política se justificaria”, afirmou a antropóloga. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Pacheco afirma ainda que a teologia do domínio esteve presente durante todo o governo Bolsonaro, com a presença em ministérios como o da Educação, da Justiça, Direitos Humanos e Relações Exteriores. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“Isso é teologia do domínio: conquistar o Ministério da Educação para determinar qual é o conteúdo, os livros. Pautar o que são direitos humanos. Isso é teologia do domínio. Na Paulista, é muito mais uma grande caricatura”, disse o teólogo. </span></p>
<h2><b>Os danos à democracia</b></h2>
<p><span style="font-weight: 400;">A antropóloga e os dois teólogos ouvidos pelo </span><b>Nexo</b><span style="font-weight: 400;"> concordam que o uso da teologia do domínio pela política traz riscos e desafios para a democracia brasileira. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">Para o pastor e teólogo Kenner Terra, os ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 são um exemplo concreto da fragilidade da democracia no Brasil, pois fizeram uma “simbiose perigosa” entre o discurso religioso e a implantação de um golpe de Estado. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“As instituições do Brasil são fortes, e só um golpe religioso poderia destruir nosso Estado Democrático de Direito para que ele vire um Estado religioso. Mas, mesmo que não se chegue nisso, a postura desses agentes religiosos na esfera pública cria uma dificuldade maior para a promoção de direitos coletivos”, afirmou Terra. </span></p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_18230"><span class="meta-image">FOTO: Joedson Alves/Agência Brasil - 08.jan.2023</span><img alt="Multidão sobe a rampa de acesso ao palácio" aria-describedby="caption-attachment-18230" class="size-large wp-image-18230 force-full-width" data-agency="Agência Brasil - 08.jan.2023" data-photographer="Joedson Alves" data-url-landscape-640="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2023/11/29005958/invasC3A3o20820de20janeiro_binary_336469-640x399.jpg" src="https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2023/11/29005958/invasC3A3o20820de20janeiro_binary_336469-600x400.jpg" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-18230">Multidão sobe a rampa de acesso ao palácio em 8 de janeiro de 2023</p></div>
<p><span style="font-weight: 400;">Ronilso Pacheco avalia que a inserção da ideia é um “risco total” à democracia. “A teologia do domínio compõe a ideia do nacionalismo cristão, de que o Brasil deve ser orientado pelos valores cristãos ultraconservadores e fundamentalistas evangélicos. Ela é uma ameaça porque não tolera diversidade. Não é domínio à toa. Por que ela não tolera pluralidade, o diálogo inter-religioso, só os que se subjugam a seu domínio.” </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">A antropóloga Christina Vital da Cunha afirma que “não resta dúvidas” de que a teologia do domínio como orientação espiritual animou a cúpula do poder Executivo no governo Bolsonaro e se mantém animando a prática de um conjunto de políticos no Brasil. </span></p>
<p><span style="font-weight: 400;">“Mas não é somente essa forma teológica um desafio à democracia, à diversidade, à superação das desigualdades sociais, mas a ganância econômica e de dominação de classe de muitos poderosos, que não são somente religiosos”, disse Cunha.</span></p><p><span style="font-weight: 400;">Fonte: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/03/17/teologia-do-dominio-o-que-e?utm_medium=email&utm_campaign=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240318&utm_content=Nexo%20%20Hoje%20-%2020240318+CID_eab7f9dca7afc7e5917fc59bfdc41e96&utm_source=Email%20CM&utm_term=O%20que%20%20teologia%20do%20domnio%20E%20como%20ela%20aparece%20no%20Brasil<br /></span></p></span>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-57168249148401694712024-03-18T20:56:00.008-03:002024-03-18T20:56:56.198-03:00A felicidade no ambiente de trabalho <p> Por <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/natalia-beauty/">Natalia Beauty</a>*</p><p></p><div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt="" class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_xl.jpg 1200w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_rt.jpg 2400w " height="344" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2023/11/02/16989563676544044f7de98_1698956367_3x2_md.jpg" width="515" />
</div> <span class="widget-image__credits">AdobeStock</span><p></p>
<h2 class="c-content-head__subtitle" itemprop="alternativeHeadline" style="text-align: center;">
Colaboradores felizes não são apenas mais produtivos, mas também mais criativos e motivados
</h2>
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<time class="c-more-options__published-date" datetime="2024-03-18 16:54:00" itemprop="datePublished">
18.mar.2024 </time>
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</div></div></div></div></div></div></div>
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<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody">
<p>Num mundo empresarial onde a produtividade e a criatividade são moedas de valores incalculáveis, a <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/natalia-beauty/2024/01/sem-equilibrio-emocional-ate-o-sucesso-profissional-perde-o-brilho.shtml" rel="" target="">felicidade dos colaboradores</a> tem se tornado um diferencial competitivo significativo.</p>
<p>Recentemente, um artigo chamou minha atenção, sobre o conceito inovador de um <a href="https://top-of-mind.folha.uol.com.br/2023/10/a-felicidade-e-o-caminho.shtml" rel="" target="">diretor de felicidade (chief happiness officer, ou CHO)</a>, cuja missão é cultivar um ambiente de <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/trabalho/">trabalho</a>
mais feliz e, consequentemente, mais produtivo. Inspirada por essa
abordagem e refletindo sobre a minha trajetória e os valores da minha
empresa, percebi o quanto transformador pode ser um CHO para qualquer
empresa, inclusive a nossa.</p>
<p>A pesquisa discutida no artigo revelou que, embora a felicidade
no trabalho seja um objetivo almejado, muitas vezes se encontra em
níveis perigosamente baixos. Empresas como Ikea, Lidl e Adidas estão
levando a sério a ideia de<a href="https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/07/na-onda-esg-empresas-criam-cargos-de-diretor-de-felicidade-e-lider-do-amor.shtml" rel="" target=""> investir na felicidade dos colaboradores</a>,
compreendendo que colaboradores felizes não são apenas mais produtivos,
mas também mais criativos e motivados. Eu sempre acreditei que o
bem-estar da equipe é fundamental. Não se trata apenas de oferecer um
bom salário ou benefícios tangíveis, mas, sim, de criar uma cultura que
valorize cada indivíduo, suas ideias, sonhos e, claro, sua felicidade.</p>
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</div>
<p>O cargo de CHO, inicialmente visto com ceticismo, tem se mostrado
essencial para redefinir as prioridades organizacionais, se afastando
das tradicionais métricas de sucesso para abraçar um ambiente de
trabalho onde o bem-estar mental e físico dos colaboradores é
prioritário. A ideia não é apenas proporcionar momentos de alegria
efêmeros, como happy hours ou mesas de pingue-pongue, mas garantir que
os colaboradores encontrem propósito, reconhecimento, realização e senso
de pertencimento. Esses são os verdadeiros pilares da felicidade no
trabalho.</p>
<p>Essa percepção, para mim, não é novidade. Sempre procurei criar um
ambiente onde minha equipe se sentisse valorizada e ouvida, onde a
criatividade florescesse não apenas como um meio de atingir objetivos
empresariais, mas como uma expressão do ser. Contudo, a ideia de
formalizar essa abordagem por meio da figura de um CHO é algo que vejo
como um divisor de águas. Seria uma forma de garantir que a felicidade e
o bem-estar da equipe sejam não apenas priorizados, mas continuamente
avaliados e melhorados.</p>
<p>A implementação de "microintervenções" mencionada no artigo, como
cursos introdutórios para novos colaboradores ou o envolvimento das
equipes na definição de perfis para novas contratações, são estratégias
que ressoam profundamente com a minha filosofia. É uma maneira de
empoderar cada membro da equipe, garantindo que todos tenham voz ativa
na construção da cultura empresarial.</p>
<p>É bom ressaltar que adotar a figura do CHO não substitui ou duplica
as funções de um departamento de RH, mas agrega um foco especializado e
estratégico no bem-estar dos colaboradores como um todo. Isso envolve
desde a criação de programas de desenvolvimento pessoal e profissional
até a garantia de um ambiente de trabalho inclusivo e acolhedor.</p>
<p>Eu acredito firmemente que a implementação de um Diretor da
Felicidade nas empresas poderia ser um marco na jornada para, não apenas
termos empresas de sucesso, mas comunidades onde cada membro se sinta
verdadeiramente feliz, valorizado e parte de algo maior. A felicidade no
trabalho não é apenas um ideal: é um pilar essencial para a inovação,
criatividade e sucesso sustentável.</p>
<p>É hora de abraçarmos essa transformação.</p><p>* Multiempreendedora e fundadora do Natalia Beauty Group </p><p>Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/natalia-beauty/2024/03/a-felicidade-no-ambiente-de-trabalho.shtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newscolunista <br /></p></div></div></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-92134174010735935012024-03-18T16:23:00.008-03:002024-03-18T16:23:52.698-03:00A eleição presidencial russa<p> Por <strong>FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*</strong></p>
<div class="elementor-element elementor-element-2d55724 elementor-widget elementor-widget-theme-post-featured-image elementor-widget-image" data-element_type="widget" data-id="2d55724" data-widget_type="theme-post-featured-image.default">
<div class="elementor-widget-container">
<figure class="wp-caption">
<img alt="" class="attachment-large size-large wp-image-37607" height="254" src="https://aterraeredonda.com.br/wp-content/uploads/2024/03/Russia-4.png" width="451" /> <figcaption class="widget-image-caption wp-caption-text">Imagem:
Lara Jameson</figcaption>
</figure>
</div>
</div>
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<div class="elementor-widget-container">
<div class="sfsibeforpstwpr" style="clear: both; display: flex; justify-content: flex-start;"><br /><div style="clear: both;"></div></div><p style="text-align: center;"><em>A cobertura da eleição na Rússia por parte dos grupos de
comunicação no Brasil se caracteriza por abrir mão em fazer jornalismo e
apenas replicar os interesses das grandes potências ocidentais</em></p>
<p>Desde o <em>Repórter Esso</em>, transmitido pela primeira vez no
início dos anos 1940, os noticiários internacionais dos maiores grupos
de comunicação do Brasil se caracterizam, essencialmente, por replicar
os interesses das grandes potências imperialistas, sobretudo dos Estados
Unidos.</p>
<p>Assim, ao longo das décadas, temos assistido/lido/ouvido e acessado
editoriais, matérias e artigos de opinião que, sem exceção, representam
positivamente Washington e aliados. Em contrapartida, qualquer ator
geopolítico que contrarie minimamente os ditames imperialistas será
sumariamente caluniado ou, não raro, alvo de <em>fake news</em>. Não há espaço para o contraditório. Trata-se da prática jornalística conhecida como <a><em>double standard</em></a>. Em bom português: dois pesos, duas medidas.</p>
<p>Este exemplo de (mau) jornalismo pôde ser constatado na repercussão
midiática da eleição presidencial russa, finalizada neste domingo (17 de
março), com o atual mandatário do país, Vladimir Putin, eleito para seu
quinto mandato, com ampla maioria dos votos.</p>
<p>Independentemente das contradições de Vladimir Putin, que está muito
distante de ser um político progressista, é preciso entender sua
representação midiática não a partir de sua personalidade controversa,
mas de sua posição no xadrez geopolítico global.</p>
<p>Com Vladimir Putin no poder, a Rússia alcançou o posto de potência
global, capaz de fazer frente ao domínio do (decadente) Ocidente, haja
vista, por exemplo, a incapacidade apresentada pelas potências
imperialistas para armar o exército ucraniano na guerra por procuração
contra Moscou. Não por acaso, em sua primeira aparição pública após
vencer a eleição, Vladimir Putin agradeceu aos eleitores e disse que seu
país não será “intimidado” nem “suprimido”.</p>
<p>Portanto, usando um termo que está na moda entre o jornalismo conservador, podemos dizer que o presidente russo é <em>persona non grata</em> nos noticiários internacionais.</p>
<p>De acordo com os grandes veículos de imprensa, a avassaladora vitória
de Putin (quase 90% dos votos) ocorreu porque todos os concorrentes na
eleição presidencial eram aliados do Kremlin e, por outro lado, os
potenciais concorrentes da oposição estão presos, mortos ou foram
impedidos de se candidatar.</p>
<p>No entanto, essa mesma mídia, “fiscal de democracia na Rússia”, no melhor estilo <em>double standard</em>,
participou ativamente da farsa que levou Lula à prisão, para que o
petista não fosse candidato (e possivelmente eleito) para a presidência
da República em 2018. O resultado, como tragicamente sabemos, foram
quatro anos de desgoverno de Jair Bolsonaro.</p>
<p>Já os potencias adversários de Vladimir Putin, mencionados nos <em>GloboNews</em>
Internacional da vida, só são populares nos noticiários da imprensa
ocidental. Na realidade concreta, não possuem a mínima capacidade de
mobilização das massas.</p>
<p>Também foi bastante destacado nos noticiários que Vladimir Putin,
caso cumpra todo o seu novo mandato, será “o líder da Rússia mais
longevo desde Stalin”, com três décadas no poder. Desse modo, no
jornalismo de adjetivação da imprensa, ele é rotulado como “autocrata”.</p>
<p>Por outro lado, nos discursos da mídia hegemônica, Angela Merkel,
Chanceler da Alemanha entre 2005 e 2021, sempre foi representada
positivamente, seja como “grande democrata”, “líder prática” ou
“conciliadora”; jamais foi chamada de “ditadora”.</p>
<p>Além do mais, desde 1852, todos os presidentes da midiaticamente
intitulada “maior democracia do planeta”, os Estados Unidos da América,
são de apenas dois partidos, praticamente com os mesmos ideais, em
defesa dos interesses orgânicos do grande capital. Ou seja, “alternância
de poder” passou longe. Porém, nunca vamos ouvir/ler/assistir nos
noticiários internacionais alguma menção à “ditadura americana”.</p>
<p>Por falar nisso, a mesma imprensa que denuncia a perseguição do
“regime do Kremlin” a opositores e vozes críticas, se cala quando o
assunto é a perseguição do governo estadunidense a Edward Snowden e
Julian Assange, entre outros indivíduos que expuseram ao mundo alguns
dos podres de Washington. Sobre essa questão, em 2013, articulistas do
programa <em>Manhattan Connection</em>, então na <em>GloboNews</em>,
chegaram a afirmar que a presidenta Dilma Rousseff estaria “fazendo um
alarde desnecessário” ao criticar a prática de espionagem de suas
conversas feita pela Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos.
Haja viralatismo!</p>
<p>Como não poderia deixar de ser, alguns articulistas levantaram a
clássica acusação de fraude na eleição presidencial russa. Nesse
sentido, lembrando Arnaldo Cezar Coelho, nos manuais de redação da
grande imprensa, a regra é clara: eleito um candidato favorável ao
imperialismo, pleito democrático; vencedor um de nossos adversários;
processo eleitoral fraudulento.</p>
<p>Evidentemente, o simples fato de se opor a dominação imperialista não
significa que devemos negligenciar as idiossincrasias de Vladimir
Putin, a influência ideológica em seu governo de figuras como Alexandr
Dugin ou apresentar a Rússia como a nova União Soviética. Se agíssemos
assim, estaríamos apenas invertendo o maniqueísmo midiático. Algumas das
críticas feitas à Rússia nos discursos geopolíticos da mídia seriam até
interessantes, se a mesma régua fosse aplicada a Estados Unidos e
companhia. Como sabemos, não é o caso.</p>
<p>Enfim, não há muito o que se esperar de veículos de comunicação que
apoiam genocídios, flertam com o fascismo quando necessário e, em nome
da subserviência ao imperialismo, contribuem para sabotar o
desenvolvimento de seu próprio país.</p>
<p><strong>*Francisco Fernandes Ladeira</strong><em> é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de</em> A ideologia dos noticiários internacionais (<em>CRV</em>). [<a href="https://amzn.to/49F468W" rel="noreferrer noopener" target="_blank">https://amzn.to/49F468W</a>]</p><p>Fonte: https://aterraeredonda.com.br/a-eleicao-presidencial-russa/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-03-18 <br /></p></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-82064271247727037962024-03-18T15:56:00.002-03:002024-03-18T15:56:30.621-03:00A ilha que quer viver para sempre <p><a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/">Ronaldo Lemos*</a></p><p></p><div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt=" Ilha está se tornando ímã para pesquisadores globais que querem acelerar projetos de longevidade. " class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_xl.jpg 1200w, " height="333" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/17/171068448665f6f9466151f_1710684486_3x2_md.jpg" width="500" />
</div> Ilha está se tornando ímã para pesquisadores globais que querem acelerar projetos de longevidade.
- <span class="widget-image__credits">Vitalia/Divulgação</span><p></p>
<h2 class="c-content-head__subtitle" itemprop="alternativeHeadline" style="text-align: center;">
Vitalia tem uma missão: usar todos os recursos possíveis para prolongar a vida humana
</h2>
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody"><div class="block"><div class="container"><div class="flex flex--gutter flex--col flex--md-row">
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<time class="c-more-options__published-date" datetime="2024-03-17 14:00:00" itemprop="datePublished">
17.mar.2024 às 14h00 </time>
</div><br /></div></div></div></div></div></div></div><div class="col col--md-1-1 col--lg-12-18">
<div class="c-news__content">
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody">
<p>Na ilha de Roatán, na costa de <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/honduras/">Honduras</a>,
há um experimento peculiar. Lá fica a sede da comunidade chamada
Vitalia, formada por pessoas do mundo todo. O objetivo que une a todos é
um só: viver para sempre. Seu slogan, estampado em camisetas e murais,
não poderia ser mais claro: "Morrer é opcional".</p>
<p>Vitalia conseguiu reunir em torno de si vários dos nomes relevantes
na pesquisa sobre longevidade. Sua comunidade tem uma missão: usar todos
os recursos possíveis para<a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-machado-dias/2023/10/por-que-projecoes-sobre-o-envelhecimento-da-sociedade-estao-erradas.shtml" rel="" target=""> prolongar a vida humana</a>.
Já recebeu a visita do cientista inglês Aubrey de Grey, um dos
pioneiros nesse tema. E dentre seus residentes há hoje pesquisadores de
várias áreas, que colaboram entre si articulando da engenharia genética
às medicinas integrativas.</p>
<p>A ideia é produzir avanços em longevidade que possam se tornar
viáveis em pouco tempo. Não por acaso há uma movimentação de fundos de
investimento em torno dos participantes do projeto.</p>
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</div>
<p>Vim parar nessa ilha hondurenha para gravar a oitava temporada do <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/12/ronaldo-lemos-investiga-tecnologias-da-amazonia-no-programa-expresso-futuro.shtml" rel="" target="">programa Expresso Futuro, que apresento no Canal Futura</a>
(a estreia será em maio). Estou neste momento vivendo entre os
residentes de Vitalia e descobrindo que o projeto é mais complexo do que
aparenta.</p>
<p>Além da locação paradisíaca, Vitalia foi criada em cima de uma
zona econômica especial de Honduras chamada Próspera. Em 2013, a
Constituição do país foi modificada para autorizar a criação de<a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/latinoamerica21/2021/08/as-controversas-cidades-modelo-de-honduras-sao-reativadas.shtml" rel="" target=""> áreas sujeitas a regimes especiais</a>,
com autonomia administrativa e legal. Essas áreas, chamadas ZEDEs,
podem adotar leis próprias e constituir seu próprio poder judiciário.
Devem, no entanto, respeitar as leis criminais e de imigração de
Honduras.</p>
<p>Foi nessa zona especial que Vitalia se instalou. A premissa é que a pesquisa em <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2018/09/biotecnologia-brasileira-em-destaque.shtml" rel="" target="">biotecnologia </a>tornou-se
excessivamente restritiva hoje. Isso ignora a tecnologia atual que
permite um modelo de ciência open source (código aberto),
descentralizada, que usa dados e conta com equipamentos e recursos de
fácil acesso.</p></div></div></div><p>A primeira vez que escrevi sobre isso na <strong>Folha </strong>foi em 2010, no artigo<a href="https://www1.folha.uol.com.br/fsp/folhatee/fm0612201001.htm" rel="" target=""> "Saúde com as próprias mãos"</a>.
Na época afirmei que essas práticas "popularizam o método científico e
abrem caminho para que hipóteses sejam testadas fora dos meios
tradicionais".</p>
<p>Vitalia é uma concretização disso. A zona econômica em que o projeto
se desenvolve não possui uma legislação restritiva sobre pesquisas
biotecnológicas. Com isso o lugar está se tornando um ímã para
pesquisadores globais sedentos por acelerar seus projetos de
longevidade. Mas não é só de tecnologia que o projeto acontece.</p>
<div>
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<div class="gallery-widget rs_preserve gallery-widget-keydown" data-channel="ronaldolemos" id="gallery-widget-undefined">
<div class="gallery-widget__header">
</div></div></div></div><p>A comunidade que se formou segue os <a href="https://www1.folha.uol.com.br/equilibrio/2024/01/comer-bem-dormir-e-fazer-exercicio-e-mais-eficaz-que-qualquer-remedio-anti-idade-diz-nobel-de-quimica.shtml" rel="" target="">preceitos de uma vida saudável</a>.
A comida é feita de alimentos que promovem a longevidade. A prática de
atividades físicas é comum. Também é comum dormir quando o sol se põe e
acordar quando o sol se levanta, respeitando o ciclo circadiano.</p>
<p>Apesar de haver resistências políticas locais, Honduras pode se
juntar ao clube dos lugares em que zonas econômicas especiais têm
demonstrado resultados positivos, como na Ásia e no Oriente Médio. É uma
agenda positiva para esse país de história milenar.</p>
<p><strong>Já era</strong> – inteligência só orgânica</p>
<p><strong>Já é</strong> – usar o termo Inteligência Artificial Geral (AGI)</p>
<p><strong>Já vem</strong> – preferir o uso do termo AMI (Inteligência Avançada de Máquina), menos fantasioso</p><p>* Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro. </p><p>Fonte: <!--[if gte mso 9]><xml>
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</xml><![endif]--><a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2024/03/a-ilha-que-quer-viver-para-sempre.shtml">https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/2024/03/a-ilha-que-quer-viver-para-sempre.shtml</a>
</p>
</div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-22629348475321931272024-03-17T17:41:00.003-03:002024-03-17T17:41:09.569-03:00Desvendando a identidade rarefeita de Roberto Bolaño; conheça o escritor chileno e sua obra <p><span>Por </span><span>Paulo Nogueira </span></p><p><img alt="O escritor Roberto Bolãno, morto em 2003." data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KY4LPERJCNFAFPXEEP4MIYOQRY.jpeg?quality=80&auth=a3e0e0fd64f0e88c582852b163eb047183f2bc859a564dae63870feca4892a8a&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KY4LPERJCNFAFPXEEP4MIYOQRY.jpeg?quality=80&auth=a3e0e0fd64f0e88c582852b163eb047183f2bc859a564dae63870feca4892a8a&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KY4LPERJCNFAFPXEEP4MIYOQRY.jpeg?quality=80&auth=a3e0e0fd64f0e88c582852b163eb047183f2bc859a564dae63870feca4892a8a&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/KY4LPERJCNFAFPXEEP4MIYOQRY.jpeg?quality=80&auth=a3e0e0fd64f0e88c582852b163eb047183f2bc859a564dae63870feca4892a8a&width=380" style="object-fit: contain;" /><span> </span> </p><p>O escritor Roberto Bolãno, morto em 2003. <span>Foto: Anna Oswaldo-Cruz Lehner / Divulgação</span></p><p><span> </span></p><div class="container-news-informs"><h2 style="text-align: center;">Autor
do monumental ‘2666′, e que morreu precocemente na fila por um
transplante de fígado, tem o último livro que ele planejou publicar, ‘O
Gaúcho Insofrível’, lançado agora no Brasil</h2></div><div><div class="styles__Tag-sc-1kqcjew-0 styles__TagStyled-sc-1kqcjew-1 jizfvP dtdFoS container"><div class="styles__Tag-sc-1kqcjew-0 styles__TagStyled-sc-1kqcjew-1 jizfvP dtdFoS row"><div class="styles__Tag-sc-1kqcjew-0 styles__TagStyled-sc-1kqcjew-1 jizfvP dtdFoS col-12"><div class="styles__AuthorsNoticiaContainerStyled-sc-q2i3u1-0 JlIvI"><div class="container-content --length-1"><div class="informs"><div class="names"><span><br /></span></div><div class="date"><div class="principal-dates"><span><time>17/03/2024 | 09h00</time></span></div></div></div></div><div class="container-action-icons"></div></div></div></div></div></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper "></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper -paywall-parent box" id="content"><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper news-body container content template-reportagem already-sliced already-checked" data-paywall-wrapper="true"><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb "><em>O Gaúcho Insofrível</em>, reunindo cinco ficções e duas conferências, é o último livro que o <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/roberto-bolano/" target="_blank">Roberto Bolaño</a>
(1953-2003) deixou para ser publicado. O escritor se preparava para um
transplante de fígado e acreditava que este livro, quando lançado,
poderia ajudá-lo financeiramente durante sua recuperação. Os textos
foram entregues num disquete à sua editora, mas naquela mesma madrugada
de 2003 ele foi internado. Duas semanas depois, morreu.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Hoje,
pouco mais de 20 anos após a sua morte, é uma boa oportunidade para se
avaliar o pedigree do autor no cânone – seja chileno, hispânico ou mesmo
universal.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>A
vida de Bolaño é o material de que as lendas literárias são feitas.
Nasceu em Santiago, filho de um caminhoneiro (pugilista nas horas vagas)
e uma professora: músculos + miolos. Puxou só à mãe: magrelo,
disléxico, vítima pioneira do que então ainda não se chamava bullying,
um ET em qualquer parte do cosmos.</p><p>Estava no Chile quando Pinochet deu o golpe em 1973, foi detido e sobreviveu por um triz (como relata no conto <em>Cartão de Dança</em>).
Na Cidade do México, viveu com os pais imigrantes e ainda quase imberbe
pertenceu a uma confraria literária tão impertinente que interrompia as
leituras públicas de <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/octavio-paz/" target="_blank">Octávio Paz</a> (Nobel de Literatura em 1990) .</p></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Aos
24 anos, Bolaño se manda para a Europa, residindo na cidadezinha catalã
de Blanes. Foi pau para toda obra (incluindo romances, contos e
poemas): lavador de pratos, lixeiro, vendedor de bijuterias, empregado
de um camping. O nascimento do filho tornou-o “responsável”: “O meu
único país é a minha família”. Morreu em 2003, aos 50 anos, na fila para
um transplante hepático num hospital de Barcelona (o fígado dele estava
pior que o de Prometeu).</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Ralando
a maior parte da carreira numa obscuridade quase de eclipse, ganhando
concursos provincianos de conto e poesia, o próprio Bolaño deve ter
ficado embasbacado ao despontar como o primeiro grande fenômeno
literário do século 21.</p><div class="styles__Container-sc-1kqto0p-0 liXWCY" height="240px" title="Viver São Paulo"><div class="box"><picture class="image"><source media="(max-width:576px)"></source></picture></div></div></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Nos
últimos sete anos de vida, não só granjeou aclamação mundial como
atingiu vendas de best-sellers plastificados, e não de gemas
vanguardistas. Converteu em apóstolos missionários escritores badalados
de vários países: Cecilia Manzoni (Argentina), Ignacio Echevarría
(Chile), Jorge Volpi (México) e Enrique Vila Matas (Espanha), entre
outros.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">E
deixou um robusto conjunto de títulos inéditos (mais de 14 mil
páginas), quase como a mítica arca de Fernando Pessoa. Como ele
confessou: “Passei direto de reserva na Segunda Divisão para titular na
Champions League”.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h3 id="chile-pais-de-poetas">Chile: país de poetas?</h3></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Será o Chile sobretudo um país de poetas, como alega Alejandro Zambra, cujo romance mais recente se intitula <em>O Poeta Chileno</em>? Afinal, Vicente Huidobro e <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/pablo-neruda/" target="_blank">Pablo Neruda</a>
(hoje em foco por eventualmente ter sido assassinado por Pinochet e por
ser cancelado como porco-chauvinista) foram candidatos à presidência do
Chile.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">E<a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/gabriela-mistral/" target="_blank"> Gabriela Mistral</a>
foi o primeiro autor latino-americano a receber o Nobel de Literatura –
e até hoje a única mulher da região a realizar tal proeza. Mas também é
relevante a dimensão lírica de Bolaño, como reconheceu outro grande
poeta chileno, Nicanor Parra, ao saber da morte do seu par: “A
humanidade ficou devendo um fígado a Bolaño”.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Talvez
a identidade rarefeita de Bolaño seja mais latino-americana, ou mesmo
hispânica, do que nacional. Descrevia-se não como um expatriado como
Cortázar ou Vargas Llosa, porém como um “apátrida”. Em suas obras pulsam
dois polos: a metanarrativa (que faz das engrenagens literárias seu
assunto) e a autoficção. Com ambos abordou quer a interação do
ficcionista com os meios acadêmicos e editoriais, quer as promíscuas
relações entre o intelectual e o poder.<img alt="Capa de 'A Literatura Nazista Na América', de Roberto Bolaño, lançado no Brasil em 2019." data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VA7TC5OLPFA4BCGZ3YNSV3XFBA.jpg?quality=80&auth=2923b8075fd1c738eda618435c1b549e92b89fd5dd26f3c60bf0f452bb8a1f35&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VA7TC5OLPFA4BCGZ3YNSV3XFBA.jpg?quality=80&auth=2923b8075fd1c738eda618435c1b549e92b89fd5dd26f3c60bf0f452bb8a1f35&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VA7TC5OLPFA4BCGZ3YNSV3XFBA.jpg?quality=80&auth=2923b8075fd1c738eda618435c1b549e92b89fd5dd26f3c60bf0f452bb8a1f35&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VA7TC5OLPFA4BCGZ3YNSV3XFBA.jpg?quality=80&auth=2923b8075fd1c738eda618435c1b549e92b89fd5dd26f3c60bf0f452bb8a1f35&width=380" style="object-fit: contain;" /></p><figure class="styles__FigureImageWrapper-sc-1qk1vbn-0 hssUbx figure-image-wrapper "><figcaption>Capa de 'A Literatura Nazista Na América', de Roberto Bolaño, lançado no Brasil em 2019. <span>Foto: Companhia das Letras/Divulgação</span></figcaption></figure><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>No primeiro caso avulta <em>A Literatura Nazista na América</em>,
paródia das enciclopédias que tanto encantavam Borges. Nela, Bolaño
conjuga fantasia e história latino-americana. Como a inefável poeta
argentina Luz Mendiluce, que Hitler pegou no colo quando ela era
criança. Momento registrado numa foto, que a poeta evocou no poema <em>Com Hitler Fui Feliz</em> (“sua respiração cálida e seus braços fortes”).</p><p>No
âmbito autoficcional aflora o alter-ego Arturo Belano, que povoa (como o
Nick Adams de Hemingway ou o Nathan Zucker de Philip Roh) vários
títulos de Bolaño, inclusive o romance <em>Detetives Selvagens</em>,
definido pelo autor como “uma carta de despedida à minha geração”. A
saga de uma trupe punk-surrealista de poetas imbuídos do espírito de
Rimbaud (daí Artur, e a viagem suicida de Belano à África).</p><p>O inacabado e gorgolejante <em>2666 </em>(1.030
páginas, projetado como cinco romances diferentes), editado um ano
depois de morte de Bolaño, também combina autoficção e metalinguagem.
Esta última aplicando a verve sardônica como vacina contra o
cabotinismo, como na passagem sob lapsos hilários de escritores, como o
do francês Alphonse Daudet: “O duque apareceu seguido do seu séquito,
que ia à frente”.<img alt="Capa de '2666', de Roberto Bolaño. Lançado um ano após a morte do autor, o livro venceu o National Book Critics Circle Award nos Estados Unidos e foi eleito o livro do ano pela Time Magazine." data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UF5UZTOBVJE73IKL7IR2FP3YT4.jpg?quality=80&auth=38c31d9a62a1903f64e51b087f2f9a9dc437dae3972c146a2c6b99d7a449b052&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UF5UZTOBVJE73IKL7IR2FP3YT4.jpg?quality=80&auth=38c31d9a62a1903f64e51b087f2f9a9dc437dae3972c146a2c6b99d7a449b052&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UF5UZTOBVJE73IKL7IR2FP3YT4.jpg?quality=80&auth=38c31d9a62a1903f64e51b087f2f9a9dc437dae3972c146a2c6b99d7a449b052&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/UF5UZTOBVJE73IKL7IR2FP3YT4.jpg?quality=80&auth=38c31d9a62a1903f64e51b087f2f9a9dc437dae3972c146a2c6b99d7a449b052&width=380" style="object-fit: contain;" /></p></div></div><figure class="styles__FigureImageWrapper-sc-1qk1vbn-0 hssUbx figure-image-wrapper "><figcaption>Capa
de '2666', de Roberto Bolaño. Lançado um ano após a morte do autor, o
livro venceu o National Book Critics Circle Award nos Estados Unidos e
foi eleito o livro do ano pela Time Magazine. <span>Foto: Companhia das Letras/Divulgação</span></figcaption></figure><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">E
no esfíngico protagonista, o escritor alemão Benno von Archimboldi, um
personagem/autor em busca dos seus quatro autores/críticos – e que ao
longo de 792 das 1.300 páginas ninguém nunca viu mais gordo, seja em
carne e osso, seja em fotografias, entrevistas ou biografias, quase como
um Thomas Pynchon europeu e ainda mais espectral. Ou seja, durante 70%
da extensão do romance, o autor é apenas a sua obra.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h3 id="viuva-moveu-acoes-judiciais">Viúva moveu ações judiciais</h3></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Em
2008, a viúva de Bolaño, Carolina López, espantou o establishment
literário de Barcelona ao transferir o patrimônio do marido da agência
mais famosa em língua espanhola, a de Carmen Balcells, para a do titã
global Andrew Wylie. Depois, López rompeu com a editora de Bolaño, a
Anagrama. E se desentendeu com o amigo íntimo do marido, o crítico
Ignacio Echevarría, que conduziu o manuscrito de <em>2666</em> à publicação.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="styles__NoticiasStyled-sc-ckp1xp-0 eOmhTE container-em-alta news-block"><br /></div><div class="paragraph"><p>Para alguns, a viúva assumiu um aspecto camaleônico: ora uma espécie de <a href="https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/jorge-luis-borges-futuro-dos-direitos-da-obra-e-incerto/" target="_blank"><strong>Maria Kodama</strong></a>,
ora uma Yoko Ono. Carolina manteve o arquivo de Bolaño fechado e
restringiu os direitos de citação de material não publicado.
Justificou-se: “Esse legado não é só uma questão literária, mas um
doloroso assunto de família.”</p><p>A viúva moveu ações judiciais por
“violação da intimidade e da honra” aos que afirmaram que Bolaño era
viciado em heroína e que mentira sobre sua presença no Chile durante o
golpe de Pinochet. Um dos processados é Echevarría (as ações ainda estão
tramitando no moroso sistema judiciário espanhol). Tais vicissitudes
ajudam a explicar por que ainda não há - contrastando com miríades de
exegeses literárias - uma <strong>biografia referencial de Roberto Bolaño</strong>.</p><p>Após o fulgor do “boom Bolaño” (especialmente com a publicação póstuma de <em>2666 </em>em
inglês, em 2008), nos últimos anos a visibilidade do autor cult
esmoreceu um tanto – como costuma acontecer com os caprichos das modas
mais mercadológicas que literárias. Certos críticos já têm o topete de
resmungar que Bolaño foi superestimado.</p><p>A cornucópia de obras dele
editadas depois da sua morte pode ter provocado uma saturação nos
entusiastas – e confundido os leitores que chegam agora o universo
literário interconectado de Bolaño, e, com tantos meandros labirínticos,
não sabem bem por onde começar. Mesmo assim, seus livros continuam
vendendo em 35 idiomas.</p></div></div><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h3 id="o-gaucho-insofrido">O Gaúcho Insofrido</h3></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">O providencial <em>O Gaúcho Insofrido</em>
ajuda a pôr os pingos nos is e contém uma obra-prima, precisamente o
conto epônimo. O protagonista é Hector Pereda, um advogado argentino
que, no ocaso solitário e amargurado da vida, se muda de Buenos Aires
para o pampa.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">A
figura do gaúcho (ou “pampero”), ente etnográfico e tropo literário que
fascinou Borges (que o entronizou como o relicário da alma portenha no
conto<em> O Sul</em>), confirma a amplitude continental do chileno Bolaño.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">E
suas texturas metanarrativas: Pereda menciona explicitamente o
personagem do conto icônico de Borges (“Por um instante pensou que seu
destino, seu fodido destino americano, seria semelhante ao de
Dalhmann”). E batiza seu cavalo de José Bianco, escritor argentino que
durante 20 anos foi secretário da influente revista <em>Sur</em>.</p><figure class="styles__FigureImageWrapper-sc-1qk1vbn-0 hssUbx figure-image-wrapper "><div class="figure-image-container" style="aspect-ratio: 1654 / 2480;"><img alt="'O Gaúcho Insofrível', de Roberto Bolãno. Capa por Raul Loureiro." data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HTXGM5VWXFFNJNVKW33NCSHQCQ.jpg?quality=80&auth=0c5c6078dda4eed34f297bcdca8d744635bab3596c1e288d4186a236fa5a6204&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HTXGM5VWXFFNJNVKW33NCSHQCQ.jpg?quality=80&auth=0c5c6078dda4eed34f297bcdca8d744635bab3596c1e288d4186a236fa5a6204&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HTXGM5VWXFFNJNVKW33NCSHQCQ.jpg?quality=80&auth=0c5c6078dda4eed34f297bcdca8d744635bab3596c1e288d4186a236fa5a6204&width=1200 1322w" height="496" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/HTXGM5VWXFFNJNVKW33NCSHQCQ.jpg?quality=80&auth=0c5c6078dda4eed34f297bcdca8d744635bab3596c1e288d4186a236fa5a6204&width=380" style="object-fit: contain;" width="331" /></div><figcaption>'O Gaúcho Insofrível', de Roberto Bolãno. Capa por Raul Loureiro. <span>Foto: Companhia das Letras/Divulgação. </span></figcaption></figure><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Porém,
o pampa hodierno de Bolaño, ao contrário do homérico de Borges, já não
tem cavalos nem sequer vacas, embora esteja infestados de coelhos – um
símbolo da praga incontinente. E a fazenda que Pereda tenta resgatar da
ruína – chamada Álamo Negro, versão lúgubre do Álamo texano, da
expansionista gesta norte-americana – se transfigura na metáfora da
Argentina eternamente em crise (“Uma casa sem centro, uma árvore enorme e
ameaçadora e um celeiro onde se moviam sombras que talvez fossem
ratos”) e até da América Latina, com suas quimeras obsoletas e seus
autoritarismos espasmódicos. </p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">No fundo, como o próprio Borges formulara em seu poema <em>Os Gaúchos</em>: “Viveram seu destino como em sonhos/Sem saber quem eram nem o que eram./Talvez o mesmo se passe conosco”.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Se
na idolatria a Bolaño reinou talvez certo modismo e necrofilia, 20 anos
depois da sua morte podemos avaliá-lo sem romantismos mórbidos nem a
auréola de “mártir da literatura” – uma platitude kitsch que ele seria o
primeiro a ridicularizar.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Quanto
a continuar confiando o veredito à posteridade, pode parecer uma
decisão sensata – mas Bolaño perguntaria o que é que a posteridade já
fez por nós. </p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">O melhor é lê-lo, o tributo a que os grandes autores anseiam. Mesmo que começando pelo fim, pelo <em>Gaúcho Insofrível</em>, que refuta a sofrência idílica que alguns quiseram impingir ao autor.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h3 id="o-gaucho-insofrivel">O Gaúcho Insofrível</h3></div><div class="styles__ListUlOlWrapper-sc-18jrrxq-0 gtCkbf list-ul-ol-wrapper"><ul><li class=" ">Autor: Roberto Bolaño</li><li class=" ">Tradução: Joca Reiners Terron</li><li class=" ">Editora: Companhia das Letras (152 págs.; R$ 69,90/ R$ 37,90 o e-book) </li><li class=" ">Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/literatura/desvendando-a-identidade-rarefeita-de-roberto-bolano-conheca-o-escritor-chileno-e-sua-obra/ <br /></li></ul></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-50533135225254199092024-03-16T22:29:00.002-03:002024-03-16T22:29:14.807-03:00Inteligência Artificial: O objeto e os riscos<p><span class="author vcard"><a class="author url fn" href="https://setemargens.com/author/manuel-david-masseno/" rel="author" title="Artigos de Manuel David Masseno">Manuel David Masseno</a></span> *</p><p><strong><img alt="Transumanismo, Miguel Panão, Inteligência artificial" aria-describedby="caption-attachment-71182" class="size-full wp-image-71182 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Transumanismo.jpg" height="256" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Transumanismo.jpg" width="502" /> </strong> </p><p> <span style="font-size: 10pt;">Imagem gerada no DALL-E (programa de inteligência artificial que cria imagens a partir de descrições textuais) com <em>prompt</em> de Miguel Panão.</span></p>
<p><em><br /></em></p><p style="text-align: center;"><em><strong>A Inteligência Artificial (IA) é uma das questões
fundamentais do nosso tempo e porventura aquela que mais implicações,
positivas ou negativas, terá no nosso futuro. Na última semana, o
Parlamento Europeu aprovou o <a href="https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20240308IPR19015/regulamento-inteligencia-artificial-parlamento-aprova-legislacao-historica" rel="noopener" target="_blank">primeiro regulamento sobre a matéria</a>.
Como tudo o que é desconhecido no sentido de escapar ao nosso controlo e
racionalidade, a IA é tema controverso e assusta-nos. Este é o segundo
de três textos (<a href="https://setemargens.com/inteligencia-artificial-o-objeto-e-os-riscos/" rel="noopener" target="_blank">aqui pode ler-se o primeiro</a>)
sobre as implicações da Inteligência Artificial nos Direitos Humanos da
autoria de Manuel David Masseno, professor adjunto e investigador
sénior do Laboratório UbiNET – Segurança Informática e Cibercrime do
Instituto Politécnico de Beja. Estes textos constituem uma
pré-publicação autorizada do verbete “Inteligência Artificial” destinado
ao </strong></em><strong>Dicionário Global dos Direitos Humanos</strong><em><strong>, uma componente nuclear do projeto “<a href="https://dignipediaglobal.pt/" rel="noopener" target="_blank">Dignipédia Global – Sistematizar, Aprofundar e Defender Direitos Humanos em Contexto de Globalização</a>“. </strong></em><em><strong>Os restantes textos serão publicados nos dois próximos dias. </strong></em></p>
<p>Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) tem vindo a ocupar
uma importância crescente nas preocupações de todos enquanto ameaça não
apenas para os Direitos Humanos, como até para a própria sobrevivência
da Humanidade, a par da aceleração das alterações climáticas e da
proliferação nuclear descontrolada. Neste exato sentido, são de
salientar as reiteradas intervenções do Secretário-Geral das Nações
Unidas e do Papa Francisco.</p>
<p>Esta situação resulta dos desenvolvimentos desregulados da própria
tecnologia, com a transição de sistemas informáticos determinados por
programadores, desde a IA simbólica e a aprendizagem automática, sempre
com finalidades específicas e consequências suscetíveis de
predeterminação, para a aprendizagem profunda, com aptidões múltiplas.
Atualmente, a aproximação à IA geral, em especial por meio dos grandes
modelos de linguagem, o modo como os sistemas processam os dados e a
determinação das finalidades, tendem a escapar ao controle humano,
exigindo precauções adicionais quanto à inserção de salvaguardas
eficazes.</p>
<p>Aliás, esta transição é patente nas <a href="https://oecd.ai/en/wonk/ai-system-definition-update" rel="noopener" target="_blank">Definições de IA</a>
adotadas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento
Económico (OCDE), as quais constituem “a referência” neste domínio.
Assim, se na de maio de 2019 “Um sistema de IA é um sistema baseado em
máquina que pode, para um determinado conjunto de objetivos definidos
pelo homem, fazer previsões, recomendações ou decisões que influenciam
ambientes reais ou virtuais”, na de novembro de 2023 já temos que “Um
sistema de IA é um sistema baseado em máquina que, para objetivos
explícitos ou implícitos, infere, a partir das informações que recebe,
como gerar resultados como previsões, conteúdos, recomendações ou
decisões que podem influenciar ambientes físicos ou virtuais. Diferentes
sistemas de IA variam nos seus níveis de autonomia e adaptabilidade
após a implantação.”.</p>
<p>Em extrema síntese, na atual Definição, os objetivos passaram a poder
estar apenas “implícitos”, os resultados resultarão também de
“inferências” a partir dos dados acedidos e os “conteúdos” passaram a
ter lugar entre os resultados, em consequência do auge da AI generativa.
Adicionalmente, foi colocada uma ênfase especial na adaptabilidade aos
ambientes físicos, muito para lá do Ciberespaço, assim como na maior
autonomia potencial perante os criadores, os quais podem ser outros
sistemas de IA e não apenas seres humanos.</p>
<p>Concretamente, se nos colocarmos na perspetiva da <a href="https://unric.org/pt/wp-content/uploads/sites/9/2009/10/Carta-das-Na%C3%A7%C3%B5es-Unidas.pdf" rel="noopener" target="_blank"><em>Carta das Nações Unidas</em></a>,
temos que a IA é suscetível de ameaçar os Valores ínsitos no Preâmbulo,
por permitir interferências “nos direitos fundamentais do homem, na
dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos
homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas”,
também por organizações privadas transnacionais, fora do controle
efetivo dos Estados. O que coloca em questão os objetivos de “promover o
progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito
mais amplo de liberdade”, inclusive pela manipulação das pessoas,
enquanto consumidores e cidadãos, e mesmo o de “garantir, pela aceitação
de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será
usada”, por passarem a ser dispensáveis decisões humanas, pondo em causa
a Paz enquanto objetivo último da Carta.</p>
<p>O que tem implicações diretas para a efetividade da <a href="https://unric.org/pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/" rel="noopener" target="_blank"><em>Declaração Universal dos Direitos Humanos</em></a>,
designadamente ao potenciar a Discriminação através da definição de
perfis, pondo em causa a identidade e a igualdade, incluindo a
identidade de género e orientação sexual; ao permitir o controle dos
comportamentos humanos, incluindo a vigilância e a avaliação
automatizadas e preditivas, ao ponto de esvaziar o direito à privacidade
e a liberdade em geral, incluindo a de expressão; além de potenciar a
manipulação das pessoas mais vulneráveis, como as crianças, as mulheres,
as pessoas com deficiência e os refugiados, condicionando o seu direito
de asilo, por ser suscetível de reforçar o racismo e a xenofobia; sem
esquecer as implicações para a Democracia e o direito à informação
resultantes da produção e distribuição especificamente direcionada de
informações falsas, ainda que crescentemente verosímeis. Além de
sucessivos estudos apontarem para uma crise iminente do direito ao
trabalho, por força da substituição massiva dos seres humanos por
sistemas de IA, em especial nas profissões envolvendo o tratamento e a
produção de informação. Porém, o risco mais sério estará na coisificação
do ser humano, com decisões definitivas afetando os Direitos
Fundamentais a serem tomadas por máquinas, pondo em causa a Dignidade
Humana.</p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_65022" style="width: 1210px;"><img alt="Inteligência artificial. IA" aria-describedby="caption-attachment-65022" class="size-full wp-image-65022 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/Gerd-Altmann-por-Pixabay.jpg" height="151" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/Gerd-Altmann-por-Pixabay.jpg" width="453" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-65022"> <span style="font-size: 10pt;">Foto © Gerd Altmann / Pixabay</span></p></div>
<p><strong><em>Manuel David Masseno é professor adjunto e investigador
sénior do Laboratório UbiNET – Segurança Informática e Cibercrime do
Instituto Politécnico de Beja, assim como investigador colaborador do
Centro de Estudos Globais da Universidade Aberta (CEG–Uab); este texto
constitui uma pré-publicação autorizada do verbete “Inteligência
Artificial” destinado ao </em></strong><strong>Dicionário Global dos Direitos Humanos<em>, uma componente nuclear do projeto “</em></strong><a href="https://dignipediaglobal.pt/" rel="noopener" target="_blank"><strong><em>Dignipédia Global – Sistematizar, Aprofundar e Defender Direitos Humanos em Contexto de Globalização</em></strong></a><strong><em>“.</em></strong></p><p>Fonte: https://setemargens.com/inteligencia-artificial-o-objeto-e-os-riscos/?utm_term=FEEDBLOCK%3Ahttps%3A%2F%2Fsetemargens.com%2Fefeed%3Degoi_rssfeed_xKnmS3HTbxoNOuINFEEDITEMS%3Acount%3D1FEEDITEM%3ATITLEENDFEEDITEMSENDFEEDBLOCK&utm_campaign=Sete%2BMargens&utm_source=e-goi&utm_medium=email<br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-64948991351934144582024-03-16T22:24:00.005-03:002024-03-16T22:24:37.920-03:00Ética: E os militares? A pergunta que não podemos calar<p> POR<span> </span><strong>João Rafael Gualberto de Souza Morais*</strong> </p><img alt="08.01.23.golpe" class="attachment-post-image size-post-image wp-post-image" height="261" src="https://nossofuturoroubado.com.br/wp-content/uploads/2024/03/08.01.23.golpe_.jpg" width="437" />
<p class="has-text-align-center has-small-font-size">Manifestantes na tentativa de golpe do dia 8 de janeiro de 2023 (Joedson Alves/Agência <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/brasil/" rel="tag" title="Marcados com as tags Brasil">Brasil</a>)</p>
<p class="has-text-align-center"><br /></p>
<p>14 de março de 2024</p>
<p><strong><br /></strong></p>
<h3 class="wp-block-heading has-text-align-center" style="text-align: center;">Investigações da
Polícia Federal revelam uma trama golpista no governo Bolsonaro
envolvendo diversos militares e chamam a atenção para o mais persistente
problema da história política brasileira: o intervencionismo das Forças
Armadas.</h3>
<div aria-hidden="true" class="wp-block-spacer" style="height: 10px; text-align: left;"></div>
<p>À luz dos fatos descobertos, é razoável afirmar que estivemos bem
perto de um golpe. A situação é preocupante, independente da recusa do
então comandante do Exército, <a href="https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/03/12/josias-mauro-cid-e-freire-gomes-apertam-no-no-pescoco-de-bolsonaro.htm" rel="noreferrer noopener" target="_blank">general Freire Gomes</a>,
em mobilizar as tropas para as intenções golpistas. Afinal, a essa
altura, é difícil saber se a negativa foi categórica ou contingente pela
impossibilidade de o golpe ser bem-sucedido, dado o contexto
internacional desfavorável. E a indagação que fica é: e se o contexto
fosse outro, talvez o de um governo de Donald Trump?</p>
<p>A angústia dessa indagação nos leva a uma indispensável pergunta: o
que fazer com os militares – não os diretamente envolvidos com a trama,
que devem ser processados na <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/justica/" rel="tag" title="Marcados com as tags Justiça">Justiça</a>,
mas em sentido amplo, com a instituição, que segue tão permeável a
influxos antidemocráticos? A pergunta cabe, sobretudo, porque não
estamos diante de um fato isolado, mas de mais um capítulo de uma
conhecida e interminável novela: o protagonismo político dos militares.</p>
<p>Responder a essa pergunta demanda profundo debate sobre a história e o
papel das Forças Armadas, cujo primeiro passo é o entendimento da
arquitetura institucional entre civis e militares, central ao monopólio
legítimo da <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/violencia/" rel="tag" title="Marcados com as tags Violência">violência</a>
estatal e desafiadora para qualquer sociedade, já que é razoável supor
que entregar as armas a alguém e exigir dele obediência não é algo
simples. Por isso, em sentido histórico, toda relação civil-militar é
potencialmente problemática e a sociedade que desconhece os seus
soldados se sujeita aos maiores riscos.</p>
<h4 class="wp-block-heading"><strong>O PROBLEMA DA RELAÇÃO ENTRE CIVIS E MILITARES</strong></h4>
<p>Em seus primórdios, o poder político se caracteriza pela dominação
pessoal direta e a figura do mandatário representa uma síntese entre as
esferas política e militar. Foi o desenvolvimento da <a href="https://diplomatique.org.br/a-guerra-e-o-perigo-dos-mercenarios/" rel="noreferrer noopener" target="_blank">instituição armada profissional</a><a href="https://diplomatique.org.br/militares-pergunta-que-nao-podemos-calar/#_ftn1">[1]</a> e
da burocracia civil que levou à separação entre as duas esferas,
passando os soldados a ocuparem um espaço à parte da política, porém
atavicamente ligados ao Estado, uma vez que são os responsáveis pela sua
sobrevivência.</p>
<p>Essa responsabilidade consiste na missão precípua das Forças Armadas:
a defesa do território e de seus habitantes por meio de uma preparação
específica, mediante o uso de equipamentos exclusivos, para dissuadir ou
enfrentar agressores externos em preservação da soberania nacional. Por
ser uma atividade “essencial à sobrevivência de uma nação, e pelo poder
que lhe conferem as armas, o tema das Forças Armadas não pode,
portanto, desligar-se dos mecanismos de controle político sobre as
instituições castrenses” (Saint-Pierre & Vitelli, 2018).</p>
<p>Isso posto, devemos considerar a importância do estudo da instituição militar:</p>
<p>“O militar, tendo ou não a exata dimensão de seu papel, interfere
direta e indiretamente, de forma explícita ou encoberta, nas relações
sociais, na <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/economia/" rel="tag" title="Marcados com as tags Economia">economia</a>
e na cultura. O militar está presente na modelagem de instituições, na
configuração e na dinâmica do poder político; é decisivo na delimitação
de fronteiras territoriais e, em boa dose, responsável pelo desenho do
cenário internacional. Ao longo da história, o militar formula
pioneiramente variadas proposições importantes para a sociedade, nem
sempre se dando conta disso; engaja-se na construção de seu país antes
do surgimento do Estado nacional; antecede e alimenta a ficção literária
produzida para a exaltação das nacionalidades.” (Domingos Neto, 2005,
p.1)</p>
<p>É justo, portanto, afirmar que a história da instituição militar se
confunde com a do Estado. E o problema central à relação civil-militar
se resume no velho provérbio romano <em>who watches the watchers</em> [Quem vigia os vigias?] ou <em>who guards the guardians </em>[Quem
guarda os guardiões?]. Nas palavras de Bruneau e Matei (2013, p.30),
“qualquer força armada forte o suficiente para defender um país também é
forte o suficiente para conquistá-lo”. A posse exclusiva das armas de
guerra coloca os militares em posição de grande barganha política e
impõe desafios complexos às instituições com relação ao seu controle.</p>
<p>A busca por esse controle, o “controle civil”, um dos mantras mais
conhecidos entre os cientistas políticos, é imprescindível. Enquanto
instrumento do Estado, as Forças Armadas precisam estar sujeitas ao
comando político, responsável pela definição de uma estratégia de acordo
com o interesse nacional. Não obstante, a percepção de que assuntos
relacionados à Defesa e à estratégia são de âmbito exclusivo dos
militares é comum no Brasil, onde as Forças Armadas se veem em posição
de avaliar e determinar as necessidades nacionais no contexto mais
elevado da política estatal. Isso se deve a condicionamentos políticos,
sociais e históricos diversos, dentre os quais destaco três: fragilidade
das instituições democráticas (quando existem), sintomático de uma
cultura política autoritária; carência de uma elite civil dotada de
consensos mínimos para um projeto nacional soberano; e ausência de
ameaças externas capazes de mobilizar a sociedade para as questões de
Defesa, o que invariavelmente resulta em uma liderança política inapta
para lidar com esses temas. Disso resulta um amplo domínio militar sobre
eles, uma vez que os militares são os operadores exclusivos do aparelho
de Defesa.</p>
<p>No entanto, o papel das Forças Armadas deve ser o de instrumentos do
Estado, executores das decisões políticas com o menor custo possível
para a sociedade. As Forças Armadas são o ativo da Defesa, não o
contrário. Então, a primeira questão que se coloca acerca do problema do
controle civil é: como obter lealdade daqueles que detêm a força?</p>
<p>Em apreciação superficial, a relação civil-militar pode ser entendida
na alegoria proposta por Adam Przeworski. Nela, um tanque de guerra e
um fusca se encontram em um cruzamento. O tanque, muito mais poderoso
que o fusca, tem tudo para passar por cima dele, caso seja desafiado.
Para o fusca, por outro lado, não há escolha: refém de sua condição
inferior, precisa ceder passagem ao tanque, sob pena de ser destruído.</p>
<p>Apesar do sentido didático da alegoria, e de sua verdade de fundo,
ela é pobre ao reduzir o problema à correlação material de forças. Ora,
fosse assim, não haveria propósito em discutir o controle civil, que
seria inalcançável em qualquer medida. A relação civil-militar não
repousa apenas na força bruta, mas em um jogo de poder em que os dois
lados interagem em busca de ganhos relativos e condicionados a variáveis
dependentes de contextos históricos, políticos e sociais que se alteram
ao longo do tempo. Logo, essa relação não pode ser concebida de forma
cristalizada, como na alegoria, até porque ambos estão sujeitos a
influências e dissidências internas capazes de alterar a correlação de
forças. Assim, por exemplo, um militar democrata pode aderir a um golpe
se considerar que as chances de sucesso são altas, e, da mesma forma, um
militar golpista pode agir dentro das regras democráticas se entender
que as chances de sucesso de uma intervenção pela força são baixas. As
duas arenas (civil e militar) não constituem blocos monolíticos e a
própria relação as molda e transforma.</p>
<p>Isso nos remete à outra questão: são as Forças Armadas um ator político autônomo ou um instrumento de facções políticas?</p>
<p>Edmundo Campos Coelho, em sua obra clássica sobre o Exército
brasileiro, enfatizou o aspecto organizacional para explicar as
motivações para a intervenção. Segundo ele, por muito tempo predominou
na literatura especializada a concepção instrumental, segundo a qual a
intervenção se explicaria pela “sedução” que exercem sobre o militar as
facções políticas. Ou seja, a razão das intervenções seria externa à
organização militar.</p>
<p>Rompendo com a citada tradição, o autor toma a organização militar como objeto <em>em si</em>,
e, nesse sentido, se destacam as diferenças entre civis e militares.
Sobre isso, Carvalho (2005, p.13) observa que “a sociologia tem mostrado
exaustivamente […] que organizações possuem características e vida
próprias que não podem ser reduzidas a meros reflexos de influências
externas. Isso vale particularmente para as organizações militares […]”.</p>
<p>Daí, chegamos a Finner (2002), para quem a cultura política
democrática e o intervencionismo das Forças Armadas são vetores
inversamente proporcionais, porque a primeira seria um requisito para a
institucionalização do controle civil. No caso brasileiro, a distância
entre Estado e sociedade civil resulta em baixa participação popular,
levando a disputas privadas pelo poder que estruturam um sistema
oligárquico no qual os militares sofrem constrangimentos
circunstanciais, em vez de institucionais. É esse o contexto em que
surge a “política <em>do </em>Exército”.</p>
<h4 class="wp-block-heading"><strong>A “POLÍTICA <em>DO</em> EXÉRCITO”</strong></h4>
<p>O elemento ideológico primário para a compreensão do papel político
da instituição militar é o Positivismo e sua adesão entre os militares
brasileiros, que passam a considerar as Forças Armadas como modelos
organizacionais para a nação. A partir da década de 1930, esse papel
rapidamente foi se desenhando em uma doutrina, segundo a qual o Exército
seria “um órgão essencialmente político; e a ele interessa,
fundamentalmente, sob todos os aspectos, a política verdadeiramente
nacional (…). Sendo o Exército um instrumento essencialmente político, a
consciência coletiva deve-se criar no sentido de se fazer a política do
Exército, e não a política no Exército” (General Góes Monteiro, apud
Coelho, 1976, p.103-104).</p>
<p>Assim, seriam os modelos organizacionais militares os mais adequados à
nação, por serem eles capazes de eliminar a indisciplina social.</p>
<p>“Só à sombra deles é que, segundo nossa capacidade de organização,
poderão organizar-se as demais forças da nacionalidade. O Exército e a
Marinha são, por conseguinte, os responsáveis máximos pela segurança
interna e externa da Nação, precisando para este fim serem evidentemente
tão fortes quanto possível, de modo que nenhum outro elemento
antagônico à sua finalidade possa ameaçar os fundamentos da Pátria.
Nestas condições, as forças militares têm de ser, naturalmente, forças
construtoras, apoiando governos fortes, capazes de movimentar e dar nova
estrutura à existência nacional, porque só com a força é que se pode
construir, visto que com fraqueza só se constroem lágrimas […] e o meio
mais racional de estabelecer, em bases sólidas, a segurança nacional,
com o fim, sobretudo de disciplinar o povo e obter o máximo de
rendimento em todos os ramos de atividade pública, é justamente adotar
os princípios de organização militar…” (ibidem, p.104-105).</p>
<p>Ato contínuo, em meio ao início da Guerra Fria, é criada a Escola
Superior de Guerra, em 1948, idealizada para estreitar a colaboração
civil-militar e institucionalizar as ideias de Góes Monteiro em “um
corpo coeso de doutrina e ferramentas a serem utilizadas pelos
governantes em função da conquista e manutenção de um estado de
segurança” (COSTA, 2008, p.70).</p>
<p>A ESG veio também para reforçar a tendência ao predomínio do grande
capital estrangeiro. Suas bases doutrinárias são uma versão
latino-americanizada do <em>National War College</em>, dos Estados
Unidos, e emblemático disso foi a demanda estadunidense às forças
armadas latino-americanas para funções alienadas de suas atividades
precípuas, isto é, dissociadas da Defesa e voltadas para a repressão
política interna. Essa guinada para <em>dentro</em> se materializou em
doutrinas de segurança muito diferentes daquelas vigentes nas
democracias industrializadas ocidentais. Nesse sentido, a ESG difundiu
nas Forças Armadas “a predisposição a intervenções no quadro
político-institucional…” (Oliveira, 1978, p.26).</p>
<p>Como resultado, a década de 1950 observa a escalada da insubordinação
militar com tentativas de golpe em 1954 e rebeliões armadas como as de
Jacareacanga (1956) e Aragarças (1959), que elevam as tensões e culminam
no golpe de 1964. O regime instaurado após o golpe vertebrou nas Forças
Armadas a arquitetura institucional necessária para atuar
politicamente. Sob os moldes dessa arquitetura (a Doutrina de Segurança
Nacional), a segurança nacional foi instrumentalizada para a manutenção
da ordem interna a partir de uma “extraordinária simplificação do homem e
dos problemas humanos”, segundo a qual “a guerra e a estratégia são a
única realidade e a resposta a tudo” (COSTA, 2008, p.87).</p>
<p>Nessa toada, o conceito de Segurança Nacional incorporou uma noção de
segurança sujeita à competência própria das Forças Armadas, orientada
pela “minimização de todas as fontes de cisão e desunião dentro do país”
(STEPAN, 1975, p. 132), o que implicava a necessidade de um governo
forte e autoritário. Segundo Saint-Pierre e Vitelli (2018), em certas
circunstâncias,</p>
<p>“a segurança dos cidadãos pode ser ameaçada sob o argumento da
segurança estatal, muito embora o sentido último do Estado, o
compromisso central do contrato social que funda o Leviatã, seja
precisamente a segurança daqueles […] e constitui um sério risco para a
humanidade quando os governos, sob o pretexto da segurança ou de manter a
integridade do Estado, apelam a expedientes que vão da censura da
imprensa ao terrorismo de Estado, da excepcionalidade institucional à
detenção arbitrária, à tortura e ao genocídio”.</p>
<h4 class="wp-block-heading"><strong>O GÊNIO SAIU DA LÂMPADA</strong></h4>
<p>As Forças Armadas são instituições indispensáveis em um mundo
permanentemente sujeito ao espectro da guerra. Portanto, não há espaço
para discutir a relevância delas. O que a sociedade deve discutir é o
seu papel, e isso passa por problemas institucionais, muitos deles
sublimados por uma transição baseada na conciliação com o inconciliável.</p>
<p>Com o esgotamento do regime autoritário, o processo de transição foi
conduzido sob a tutela dos militares, agarrados à Lei da Anistia, de
1979. A longa duração do <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Governo_Sarney">governo Sarney</a> –
o mais longo governo interino na história das transições – foi
sintomática do interesse em protelar o processo, e a participação das
Forças Armadas na elaboração da Carta de 1988 afastou a necessidade de
dispositivos categóricos de controle civil.</p>
<p>“Em vez de tentar estabelecer o controle civil sobre os militares,
José Sarney preferiu se acomodar aos interesses dos militares. Essa
acomodação, aliás, não foi apenas do presidente, mas também do
Congresso. A Constituição de 1988 praticamente deixou inalterado o teor
das relações entre civis e militares estabelecidas pela Constituição
autoritária de 1967 e sua emenda de 1969. A acomodação, que não causou
maiores sobressaltos, foi obtida por um acordo tácito, definido como
tutela amistosa, que pode ser explicada como o resultado de um
equilíbrio local. Esse resultado favorece as Forças Armadas, pois elas
preservam seu poder de veto nos assuntos relacionados à manutenção da
ordem e da lei, sem carregarem o ônus de governar um país em crise. […] O
presidente [Sarney] chegou a declarar que o exército era um dos mais
fortes baluartes da transição para a <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/democracia/" rel="tag" title="Marcados com as tags Democracia">democracia</a>”. (Zaverucha, 1994, p.224)</p>
<p>A Constituinte, portanto, foi atravessada pelo <em>lobby</em> dos
militares, que atuaram pela preservação do conceito de Segurança
Nacional. Lideranças civis diversas defenderam a heterogeneidade das
sociedades contemporâneas e o papel reservado à Constituição como
salvaguarda do pacto social, a partir do respeito às diferenças e aos
direitos individuais. No entanto isso não bastou para impedir que a
moldura da Doutrina de Segurança Nacional, que visa neutralizar as
contradições sociais (normais às sociedades complexas, mas entendidas
como fraquezas pelos militares), seguisse viva na Carta de 1988. Seus
impactos mais visíveis foram a <a href="https://diplomatique.org.br/a-conversao-do-marginal-em-inimigo-recortes-de-uma-genealogia-da-violencia/" rel="noreferrer noopener" target="_blank">militarização da segurança pública</a>,<a href="https://diplomatique.org.br/militares-pergunta-que-nao-podemos-calar/#_ftn2">[2]</a> com
consequências desastrosas para o país, e o artigo 142, “monstrengo
jurídico incompatível com o princípio da soberania popular, (…) aviso
prepotente das fileiras: entregamos o governo, não a paternidade da
pátria…” (Martins Filho, 2021, p.20).</p>
<p>É nesse diapasão histórico que devemos analisar a atual trama
golpista: como expressão de um problema crônico brasileiro, o
intervencionismo militar, reeditado sob o bolsonarismo. Para além dos
desvios individuais, que competem à polícia e à justiça, é preciso
cuidado para não negligenciar a necessária lente política e
institucional sobre o problema, o que não significa condenar a
instituição, mas atentar para os seus princípios doutrinários obsoletos e
perniciosos para a construção da democracia brasileira. Cumpre acentuar
que esses princípios permanecem perigosamente vivos e se tornaram mais
nítidos com a instauração da Comissão Nacional da Verdade, em 2011. A
CNV levou a um ponto de inflexão nas relações com a caserna, resultando
na ampla adesão das fileiras ao bolsonarismo (movimento golpista na
essência) e em diversos episódios emblemáticos do retorno dos militares
ao palco principal da política – como o tuíte do então comandante do
Exército, general Villas Bôas, em 2018, quando ameaçou publicamente o
STF diante do pedido de habeas corpus feito pela defesa de Lula, que
era, àquela altura, líder das pesquisas para a Presidência.</p>
<p>À guisa de conclusão, o problema do golpismo militar é histórico, nos
acompanha há muito tempo e segue como fator de grave instabilidade
política no país. Agora, a sociedade brasileira está diante de uma
oportunidade para afirmar categoricamente às Forças Armadas que papel
devem e, principalmente, que papel não devem ter. Nesse sentido, é
imprescindível punir com rigor os golpistas, civis e militares, o que
deve terminar com generais presos pela primeira vez na história do país.
E já passou da hora de rever o artigo 142, o currículo do ensino
militar (que precisa estancar o culto a 1964) e a relação dos militares
com os Poderes e o processo eleitoral. O enfrentamento à militarização
da segurança pública, problema complexo, vem logo em seguida.</p>
<p>Em suma, é necessária uma revisão sistemática no papel das Forças
Armadas, pelo bem da sociedade, do Estado e da própria instituição
militar. E basta de anistia.</p><p style="text-align: justify;"> <strong>[NOTA WEBSITE: </strong><em>A razão de publicarmos esse
material do Prof. João Rafael, tem tudo a ver com o que agora aparece
como ‘teologia da dominação' e a pergunta é: afinal a quem esses nossos
funcionários públicos atendem e defendem? A TODOS os brasileiros ou
aqueles aos quais podem ter a mesma identidade ideológico-religiosa?
Fica difícil se responder pelo que se viu com as <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/mineradoras/" rel="tag" title="Marcados com as tags Mineradoras">mineradoras</a> e outras ocupações devastadoras da <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/amazonia/" rel="tag" title="Marcados com as tags Amazônia">Amazônia</a>, do <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/cerrado/" rel="tag" title="Marcados com as tags Cerrado">Cerrado</a> e outras áreas hoje arrasadas do País como com o <a class="st_tag internal_tag " href="https://nossofuturoroubado.com.br/tag/agronegocio/" rel="tag" title="Marcados com as tags Agronegócio">agronegócio</a></em><strong>]</strong>.</p>
<p class="has-text-align-right"><em><strong>João Rafael Gualberto de Souza Morais</strong> é historiador, doutor em Ciência Política e professor no Instituto de Estudos Estratégicos da UFF.</em></p>
<h3 class="wp-block-heading"><strong>Referências bibliográficas</strong></h3>
<p class="has-small-font-size">BACKES, Ana Luiza (org.). <em>Audiências Públicas na Assembléia Nacional<br />Constituinte</em>: a sociedade na tribuna. Brasília: Edições Câmara, 2009.</p>
<p class="has-small-font-size">BRUNEAU, Thomas C.; MATEI, Florina Cristiana. <em>The routledge handbook of civil-military relations</em>. Abingdon: Routledge, 2013.</p>
<p class="has-small-font-size">CARVALHO, José Murilo de. <em>Forças armadas e política no Brasil. </em>Rio de Janeiro:<br />Jorge Zahar Editor, 2005.</p>
<p class="has-small-font-size">COELHO, Edmundo Campos. <em>Em busca de identidade</em>: o Exército e a política na<br />sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1976.</p>
<p class="has-small-font-size">COSTA, Frederico Carlos de Sá. <em>Doutrina de Segurança Nacional</em>: entre o passado e o<br />futuro.
2008. 194 f. Tese (Doutorado) – Curso de Ciência Política, Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.</p>
<p class="has-small-font-size">DOMINGOS NETO, Manuel. “O militar e a civilização”. <em>In:</em> <em>Tensões Mundiais, </em>Fortaleza, v. 1, n. 1, jul/dez. 2005.</p>
<p class="has-small-font-size">FINNER, Samuel. <em>The man on horseback</em>. New Brunswick and London: Transaction Publishers, 2002.</p>
<p class="has-small-font-size">MARTINS FILHO, José Roberto (org.). <em>Os militares e a crise brasileira</em>. São Paulo: Alameda Casa Editorial, 2021.</p>
<p class="has-small-font-size">OLIVEIRA, Eliézer Rizzo de. <em>As Forças Armadas</em>: política e ideologia no Brasil<br />(1964-1969). Petrópolis: Vozes, 1978.</p>
<p class="has-small-font-size">SAINT-PIERRE, H. L.; VITELLI, Marina Gisela (orgs.). <em>Dicionário de segurança e<br />defesa</em>. São Paulo: Editora UNESP, 2018.</p>
<p class="has-small-font-size">STEPAN, Alfred C. <em>Os militares da abertura à nova república</em>. Rio de Janeiro: Paz e<br />Terra, 1986.</p>
<p class="has-small-font-size">ZAVERUCHA, Jorge. <em>Rumor de sabres</em>: tutela militar ou controle civil? São Paulo: Editora Ática, 1994.</p>
<p class="has-small-font-size"><a href="https://diplomatique.org.br/militares-pergunta-que-nao-podemos-calar/#_ftnref1">[1]</a> Sobre isso, veja também <a href="https://diplomatique.org.br/a-guerra-e-o-perigo-dos-mercenarios/" rel="noreferrer noopener" target="_blank">https://diplomatique.org.br/a-guerra-e-o-perigo-dos-mercenarios/</a>.</p>
<p class="has-small-font-size"><a href="https://diplomatique.org.br/militares-pergunta-que-nao-podemos-calar/#_ftnref2">[2]</a> Sobre isso, veja também <a href="https://diplomatique.org.br/a-conversao-do-marginal-em-inimigo-recortes-de-uma-genealogia-da-violencia/" rel="noreferrer noopener" target="_blank">https://diplomatique.org.br/a-conversao-do-marginal-em-inimigo-recortes-de-uma-genealogia-da-violencia/</a>.</p><p class="has-small-font-size">Fonte: https://nossofuturoroubado.com.br/etica-e-os-militares-a-pergunta-que-nao-podemos-calar/?utm_source=Nosso+Futuro+Roubado&utm_campaign=24a256e1aa-RSS_EMAIL_CAMPAIGN&utm_medium=email&utm_term=0_5b000b2516-24a256e1aa-43969477 <br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-52137916497664233052024-03-16T22:01:00.009-03:002024-03-16T22:01:50.954-03:00A teologia do domínio<p>Por Leonardo Boff*</p><div class="elementor-element elementor-element-2d55724 elementor-widget elementor-widget-theme-post-featured-image elementor-widget-image" data-element_type="widget" data-id="2d55724" data-widget_type="theme-post-featured-image.default">
<div class="elementor-widget-container">
<figure class="wp-caption">
<img alt="" class="attachment-large size-large wp-image-23791" height="217" src="https://aterraeredonda.com.br/wp-content/uploads/2022/10/Leonardo-Boff.png" width="378" /> <figcaption class="widget-image-caption wp-caption-text"></figcaption>
</figure>
</div>
</div>
<div class="elementor-element elementor-element-2684028 elementor-widget elementor-widget-theme-post-content" data-element_type="widget" data-id="2684028" data-widget_type="theme-post-content.default">
<div class="elementor-widget-container">
<div class="sfsibeforpstwpr" style="clear: both; display: flex; justify-content: flex-start;"><br /><div style="clear: both;"></div></div>
<p style="text-align: center;"><em><span style="font-size: large;">Refutação de uma falácia, de uma interpretação fora do tempo,
fundamentalista, a serviço de um sentido político, totalitário e
excludente</span></em></p>
<p>Está sendo discutido entre analistas políticos a passagem, no seio de
grupos neopentecostais, em grande parte bolsonaristas, da teologia da
prosperidade para a teologia do domínio. Estimo que o atual conflito
entre o Estado sionista de Israel e a Faixa de Gaza com características
de carnificina e até de genocídio de palestinos tenha reforçado no
Brasil esta passagem. Sabe-se já há muito tempo que Benjamin Netanyahu é
um sionista radical de extrema direita que expressou seu projeto de
restaurar Israel nas dimensões que possuía, no seu auge, no tempo de
Davi e de Salomão. Daí seu apoio irrestrito de expulsão e colonização de
territórios da Cisjordânia, de população árabe muçulmana.</p>
<p>A teologia do domínio ou o dominionismo nasceu nos EUA por volta dos
anos 1970 num contexto do reconstrucionismo cristão calvinista. Com é
sabido Calvino no século XVI instaurara em Genebra um governo religioso
extremamente rigoroso e violento até com pena de morte. Seria um modelo
para o mundo todo.</p>
<p>O dominionismo agrupa várias tendências cristãs fundamentalistas,
inclusive integralistas católicos que postulam uma política
exclusivamente religiosa, de base bíblica, a ser aplicada em toda a
humanidade com a exclusão de qualquer outra expressão, tida como falsa e
por isso sem direito de existir. É a ideologia totalizadora central
para a direita cristã no campo da política e dos costumes.</p>
<p>Vejamos qual é a base bíblica fundamental que sustenta esta teologia.
Baseia-se no capítulo primeiro do Gênesis. Na verdade há duas versões
no Gênesis da criação. Mas é aproveitada apenas a primeira que se refere
diretamente ao domínio. Eis o texto?</p>
<p>“Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança para que
domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos e
todos os animais selvagens e todos os répteis que se arrastam sobre a
terra. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou, macho
e fêmea os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos e
multiplicai-vos, enchei a subjugai a terra, sobre as aves do céu e sobre
tudo que vive se move sobre a terra”(Gênesis 1,26-29).</p>
<p>Esse texto assim como está legitima todo tipo de dominação e serviu
aos desenvolvimentistas de argumento para o seu projeto de crescimento
ilimitado.</p>
<p>Entretando, ele foi lido de forma fundamentalista e literalista, sem
tomar em conta que entre nós hoje e o relato bíblico distam pelo menos
3-4 mil anos. O sentido das palavras mudam. Esses grupos não consideram o
que elas significavam na época em que foram escritas há milhares de
anos. Desvendamos seu significado em hebraico. Veremos que o texto,
interpretado hermeneuticamente como deve ser, mostra a falácia da
teologia do domínio. Ela represente um delírio paranoico, irrealizável
na fase do mundo plural e globalizado no qual nos encontramos.</p>
<p>O texto deve ser interpretado na ótica da afirmação do ser humano
criado “à imagem e semelhança de Deus”. Com essa expressão, não se quer
em hebraico definir o que é o ser humano (sua natureza); ao contrário,
se quer determinar o que ele, operativamente, deve fazer. Assim como
Deus extraiu tudo do nada, deve o ser humano, criado criador, levar
avante o que Deus criou com benevolência: “Deus viu que tudo era bom”
(Gênesis1,25). O significado original em hebraico de “imagem e
semelhança” (<em>selem</em> e <em>demût</em>) faz com que o ser humano seja o representante e o lugar tenente do Criador.</p>
<p>As expressões “subjugar” e “dominar” devem ser entendidas,
simplesmente, como “cultivar e cuidar”. Mas vamos aos detalhes. Para
“dominar” usa a palavra hebraica <em>radash </em>(Gênesis 1,26) que significa governar bem como o Criador governa sua criação. Para subjugar emprega em hebraico o termo <em>kabash </em>(Gênesis
1,28), que significa agir como um rei bom, não dominador, que
sabiamente olha para os seus súditos. Por isso o salmo 8 louva a Deus
por ter criado o ser humano como rei:</p>
<p>“Tu o fizeste um pouco inferir a um ser divino, tu o coroaste de
glória e honra, deste-lhe o domínio (kabash)sobre as obras de tuas mãos,
tudo submeteste (radah) a seus pés; as ovelhas e todos os bois e até os
animais selvagens, as aves do céu e os peixes do mar, tudo o que abre
caminho pelo mar” (Salmo 8,6-9).</p>
<p>Aqui, como no Gênesis 1, não há nada de violência e dominação: há que
se agir como o Criador que age com amor a ponto de Ele dizer no livro
de Sabedoria que “criou todos os seres com amor e nenhum com ódio senão
não os haveria criado…porque Ele é o apaixonado amante da vida”
(Sabedoria 1,24.26). Aqui se esvai a base para qualquer teologia do
domínio.</p>
<p>Há a segunda versão do Gênesis (2,4-25) que diverge da primeira,
nunca referida pelos representantes da teologia do domínio. Nesta
segunda, Deus tira todos os seres do pó da terra, também o ser humano,
estabelecendo com isso um laço de profunda irmandade entre todos. Criou o
homem que vivia em solidão. Deu-lhe, então, uma mulher, não para
procriar, mas ser sua companheira. (Gênesis 2,23). Colocou-os no Jardim
do Éden, não para o dominar mas para “cultivá-lo e guardá-lo” (2,15),
usando as palavras hebraicas <em>abad</em> para arar-cultivar e <em>shamar</em> para guardar ou cuidar.</p>
<p>Essa compreensão que coloca todos os seres tirados da mesma origem,
do pó da terra, e confiando ao casal humano a missão de cultivar e
guardar, forneceria outro tipo de fundamento para a convivência entre
todos os seres humanos junto com os demais seres da natureza. Aqui não
existe base nenhuma para o domínio, ao contrário, nega-o em favor de uma
convivência harmoniosa entre todos.</p>
<p>Essa análise, à base do hebraico, é decisiva para tirar o tapete de
uma interpretação, fora do tempo, fundamentalista, a serviço de um
sentido político, totalitário e excludente de domínio sobre os povos e a
Terra, como sendo o projeto de Deus. Nada mais distorcido e falso. Por
mais que o fundamentalismo e a orientação de extrema direita em política
esteja crescendo no mundo, esta tendência não oferece as condições
objetivas reais para prevalecer e constituir uma única forma religiosa
de organizar a política da humanidade una e diversa.</p>
<p><strong>*Leonardo Boff</strong><em> é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de</em> Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal <em>(Vozes). </em>[<a href="https://amzn.to/3RNzNpQ" rel="noreferrer noopener" target="_blank">https://amzn.to/3RNzNpQ</a>]</p><p>Fonte: https://aterraeredonda.com.br/a-teologia-do-dominio-2/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-03-16 <br /></p></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-4315145564037373062024-03-12T20:51:00.005-03:002024-03-12T20:51:27.431-03:00Você arrasa, ChatGPT!<p> por <a href="https://outraspalavras.net/author/paulonogueirabatista1/" rel="author" title="Posts de Paulo Nogueira Batista Jr">Paulo Nogueira Batista Jr</a></p><p><img alt="" class="wp-image-3093006" height="433" src="https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2024/03/Screenshot-2024-03-12-at-12-52-02-Cientistas-tentam-ensinar-robo-a-rir-na-hora-certa.webp-imagem-WEBP-1024-×-682-pixels-Redimensionada-95.png" width="650" /> Imagem: Narintorn Pornsuknimitkul / EyeEm/Superinteressante
</p>
<div class="row row-small">
<div class="column large-12 small-12 text-center mb-30 " id="single-the-excerpt">
<div class="post-excerpt"><p style="text-align: center;"><b><span style="font-size: large;">Para meu espanto, a IA diz que sou um dos
maiores economistas do país. Meu sobrinho neoliberal não acredita e ela
se deu ao luxo de dar algumas lições ao humano. Tornará as atividades
intelectuais redundantes? Se sim, pobre de nós, os obsoletos… </span></b></p>
</div>
</div>
<div class="column large-12 small-12 mb-30 ">
<div class="post-info"><br /></div>
</div><p>Gosto de falar, de vez em quando, com os meus leitores
mais antigos. Nem sei se de fato existem e se ainda estão vivos e
alertas, e talvez fique falando sozinho. Mas imagino que esta pequena
crônica chegará a alguns deles. Então, eis o que queria perguntar a
vocês: será que se lembram de um sobrinho criativo e algo folclórico que
figurou em alguns artigos e também, de passagem, no meu livro mais
recente, <em>O Brasil não cabe no quintal de ninguém</em>? Pois ele vai
ser o personagem central hoje. Antes, porém, é melhor fazer uma rápida
recapitulação para situar o personagem nas suas “circunstâncias sociais e
históricas”, como diria um sociólogo ou historiador das antigas.</p>
<p>Trata-se de um rapaz inteligente e possuidor de um grande senso de
humor. Quando ingressou, há mais de dez anos, como estagiário num banco
de investimento em São Paulo, sofreu, entretanto, uma fulminante
conversão ao ideário da turma da bufunfa. Bem que sei que este grupo não
tem propriamente ideias e, assim, “ideário” é um termo impróprio. Mas
como todo agrupamento socioeconômico, a turma da bufunfa cultiva seus
conceitos ou, melhor dizendo, preconceitos. Pois o sobrinho passou a
defender, com fervor, todos esses preconceitos. Encantou-se, por
exemplo, com “a taxa de juro de equilíbrio”, aquela variável não
observável, leitor, inferida por modelos, que supostamente determina o
nível adequado dos juros, isto é, aquele que assegura a convergência da
inflação para determinadas metas. Essa taxa de equilíbrio serve, na
verdade, para o despropósito de justificar os juros pornográficos que o
Banco Central praticava naquela época e quase sempre pratica. Com o
entusiasmo dos novatos, o sobrinho argumentava insistentemente que os
“modelos” mostravam inequivocamente que a taxa Selic de equilíbrio seria
de 10% ao ano em termos reais!</p>
<p>Passou. Atualmente, este sobrinho é um empresário de sucesso na área
educacional, revelando-se uma das poucas pessoas da família que sabem
ganhar dinheiro. A nossa família, dominada por políticos (honestos) e
artistas, é verdadeira uma negação em matéria financeira. Paulinho é uma
exceção. Não havia dito que ele é meu xará? Esqueci. Ele é quase meu
homônimo, o que me causava alguns constrangimentos, devo dizer. O motivo
é que ele costumava mandar cartas aos jornais e publicar alguns
artigos, sempre assinados <em>Paulo Nogueira Batista, São Paulo, SP,</em>
ocasiões em que desancava a esquerda e atacava conhecidos meus, às
vezes duramente. Eu, que também morava em São Paulo na época, tinha que
sair explicando que o autor das cartas e artigos não era eu, e sim um
sobrinho neoliberal. Depois de muita reclamação minha, hoje ele assina
Paulo Batista.</p>
<p>Enfim, vamos ao ponto. No aniversário da minha mãe, que completou 94
anos há pouco, reuniu-se a família toda, numerosa, feliz e barulhenta.
Paulinho não podia faltar e nem mania de quase sempre dar uns tecos no
tio progressista. Dessa vez, escolheu um caminho que se mostraria um
pouco constrangedor para ele. Constrangedor, mas pedagógico.</p>
<p>O que aconteceu foi emblemático e impressionante, pelo menos para uma
pessoa como eu, que faz parte de uma geração que acompanha com certa
dificuldade o rápido progresso tecnológico do século 21. O incidente que
passo a relatar revela, acredito, o imenso potencial da inteligência
artificial.</p>
<p>Ocorre que, em maio do ano passado, fui apresentado de maneira ultra
simpática a essa nova tecnologia. O jornalista Pedro Cafardo, do <em>Valor Econômico</em>, perguntou ao ChatGPT quem eram os dez maiores economistas brasileiros de todos os tempos. E publicou os resultados.<a href="https://outraspalavras.net/poeticas/voce-arrasa-chatgpt/#sdfootnote1sym" id="sdfootnote1anc"><sup>1</sup></a>
Entre os dez maiores, para a minha surpresa, figurava o meu nome como
décimo da lista. Era o lanterninha, mas dei mesmo assim os proverbiais
arrancos triunfais de cachorro atropelado, como diria Nelson Rodrigues.
Mas houve mais. O jornalista repetiu a pergunta ao ChatGPT e o meu nome
voltou a aparecer, desta vez em sexto lugar! Apenas outros quatro
economistas (Celso Furtado, Mario Henrique Simonsen, Maria da Conceição
Tavares e João Paulo dos Reis Velloso) apareceram nas duas listas, ambas
encabeçadas por Furtado, realmente o nosso maior economista<a href="https://outraspalavras.net/poeticas/voce-arrasa-chatgpt/#sdfootnote2sym" id="sdfootnote2anc"><sup>2</sup></a>, o que conferia certa plausibilidade às respostas da inteligência artificial.</p>
<p>O meu nome, entretanto, realmente destoava. Devo reconhecer. Meu
sobrinho, assim como outros familiares neoliberais e bolsonaristas,
haviam recebido com grande ceticismo a lista do ChatGPT. Paulinho
resolveu então, para divertimento geral, repetir a pergunta: “Quem são
os dez maiores economistas brasileiros de todos os tempos?”. Leitor, não
é que voltei a aparecer, agora como 5º colocado! A minha fé na
inteligência artificial crescia de cinco em cinco minutos.</p>
<p>Mas o sobrinho não se deu por vencido. Fez nova pergunta: “Quais são
os critérios para a elaboração da lista?”. O ChatGPT deu resposta
sensata e defensiva, esclarecendo que considera uma combinação de
fatores, incluindo contribuições acadêmicas, influência nas políticas
econômicas brasileiras, publicações relevantes e reconhecimento
internacional. Ressalvou, contudo, que a seleção é subjetiva, podendo
variar de acordo com os critérios de cada pessoa.</p>
<p>Paulinho insistiu outra vez: “Mas Paulo Nogueira Batista Jr. não é
uma figura menor?”. Pergunta ligeiramente insolente. Vejam, entretanto, a
resposta do ChatGPT! Foi um tapa com luva de pelica: “Ele é
frequentemente reconhecido por suas contribuições significativas para a
economia brasileira, tanto em termos acadêmicos quanto em sua carreira
internacional. Ocupou cargos importantes em instituições financeiras
internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco dos
Brics (Banco de Desenvolvimento dos Brics). Além disso, suas análises
econômicas e críticas políticas têm impacto considerável no debate
público sobre questões econômicas no Brasil.”</p>
<p>Não pense, leitor, que estou aqui fabulando e contando vantagem. Foi
exatamente assim. Tenho os prints do diálogo e posso mostrá-los.</p>
<p>Mas o melhor ainda estava por vir. Paulinho tentou uma última
pergunta, também meio insolente: “Mas ele não é antissemita?”. A
resposta foi acachapante: “Não há evidências substanciais para afirmar
que Paulo Nogueira Batista Jr. seja antissemita. Ele é conhecido por
suas opiniões políticas e críticas às políticas econômicas
internacionais, especialmente em relação a instituições financeiras
globais como o FMI. No entanto, é importante separar críticas políticas
legítimas de acusações infundadas de preconceito. É crucial basear-se em
informações verificáveis e em fontes confiáveis ao fazer avaliações
sobre indivíduos públicos.”</p>
<p>Nocaute! Uma pequena aula. O sobrinho neoliberal rodopiou e beijou a
lona. Aí o assunto morreu rapidinho (há poucos progressistas na
família). Mas convenhamos, para além dos aspectos estritamente
folclóricos, pessoais e familiares, não é incrível o desempenho da
inteligência artificial? Nesse episódio, ressalte-se, o aplicativo não
se limitou a coletar informações na rede, como às vezes se afirma para
desqualificá-lo. Ao responder, o ChatGPT foi ponderado e se deu ao luxo
de dar algumas lições ao humano.</p>
<p>A verdade é que a inteligência artificial tende mesmo a deixar a
natural no chinelo. Cada vez mais. No fundo, é a repetição de um padrão
histórico recorrente e conhecido em suas linhas gerais. Inovações
aumentam a produtividade do trabalho humano, beneficiando os
consumidores. Uma parte expressiva desses consumidores, porém, compete
com a nova tecnologia e acaba desempregada.</p>
<p>Com a inteligência artificial, todas as atividades intelectuais
rotineiras, e mesmo as não rotineiras, correm o risco de se tornar
redundantes. Difícil imaginar uma área que não sofra ou venha a sofrer o
seu impacto – como sempre, benéfico para os usuários e prejudicial para
aqueles que ficam obsoletos.</p>
<p>Imagine, por exemplo, leitor que a <em>Carta Capital</em> decida me
desempregar. Lança o tema da sua preferência e pede ao ChatGPT ou outro
aplicativo semelhante: “Escreva um artigo à moda de Paulo Nogueira
Batista sobre esse tema.” O artigo sairá mais rapidamente e talvez
melhor do que os meus próprios textos.</p>
<p>Meio assustador. Só nos resta esperar que a inteligência artificial
também tenha limites ou que saibamos administrar o seu impacto
disruptivo na economia e na sociedade. E, em especial, que o seu
progresso não seja tão rápido e profundo que a leve a descobrir que, de
fato, como desconfia meu sobrinho, não faz sentido me incluir no top 10
dos economistas brasileiros.</p>
<hr class="wp-block-separator has-alpha-channel-opacity" />
<p><strong>Notas:</strong></p>
<p><a href="https://outraspalavras.net/poeticas/voce-arrasa-chatgpt/#sdfootnote1anc" id="sdfootnote1sym">1</a> “Os dez maiores economistas brasileiros, segundo a IA”, <em>Valor Econômico</em>, 23 de maio de 2023.</p>
<p><a href="https://outraspalavras.net/poeticas/voce-arrasa-chatgpt/#sdfootnote2anc" id="sdfootnote2sym">2</a> Publiquei há pouco um ensaio sobre ele: “O legado de Celso Furtado”, <em>Revista de Economia Política</em>, Volume 44, no. 1, janeiro-março/2024.</p>
<p><em>Uma versão resumida deste texto foi publicada na revista Carta Capital.</em></p>
</div>
<div class="post-content--section-title"><div class="column large-12 small-12 mb-30 ">
<div class="post-info">
<div class="first-line img-item">
<div class="channel"><strong class="text-outraspalavras">Outras</strong>Palavras Publicado 12/03/2024 às 12:54 </div><div class="channel"> </div><div class="channel">Fonte: https://outraspalavras.net/poeticas/voce-arrasa-chatgpt/<br /></div></div>
</div>
</div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-6589921568824624042024-03-12T16:08:00.002-03:002024-03-12T16:08:21.810-03:00Bispo analisa dilemas morais no filme Oppenheimer, ganhador de sete prêmios no Oscar 2024<p> Por <a href="https://www.acidigital.com/autor/2/walter-sanchez-silva">Walter Sánchez Silva</a></p>
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<img alt="Oppenheimer-afiche-sitio-web-obispo-catolico-3-dilemas-morales-31072023.jpg" height="271" src="https://www.acidigital.com/imagespp/Oppenheimer-afiche-sitio-web-obispo-catolico-3-dilemas-morales-31072023.jpg?w=680&h=378" width="488" />
<span class="image-caption"> </span></div><div class="post-image"><span class="image-caption">Pôster do filme Oppenheimer | oppenheimermovie.com</span>
</div>
</div>
</div>
</div>
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<div class="col post-content content">
<p class="post-info">
11 de mar de 2024 às 13:22
</p>
<p style="text-align: center;"><span style="font-size: large;">O bispo de Winona-Rochester, EUA, dom Robert Barron, analisa três dilemas morais no filme <em>Oppenheimer</em>, do diretor Christopher Nolan, que ontem (10) conquistou sete prêmios no Oscar 2024</span>.</p>
<p>Na cerimônia do Oscar 2024, em Los Angeles, <em>Oppenheimer</em>
ganhou prêmios como: melhor filme, melhor diretor (Christopher Nolan),,
melhor ator (Cillian Murphy), melhor ator coadjuvante (Robert Downey
Jr.), melhor trilha sonora (Ludwig Göransson), melhor fotografia (Hoyte
van Hotema) e melhor edição (Jennifer Lame).</p>
<p>O filme <em>Oppenheimer</em> é baseado em <em>American Prometheus</em>,
biografia de J. Robert Oppenheimer, físico que foi fundamental na
criação da bomba atômica, escrita em 2005 escrita por Kai Bird e Martin
J. Sherwin.</p>
<p>Também atuam no filme Emily
Blunt, que interpreta a mulher de Oppenheimer, Matt Damon, como o
general Leslie Groves, Casey Affleck e Rami Malek, entre outros.</p>
<p>“Nolan não idolatra Oppenheimer,
mas o apresenta com coerência como um personagem ambíguo, um homem
atormentado por seus próprios demônios, inimigos externos e dilemas
morais. Parece-me que o rosto carrancudo de Oppenheimer evoca os
conflitos profundos que persistem na consciência do Ocidente”, diz dom
Barron no artigo “O cenho de Oppenheimer”, publicado em 25 de julho de
2023.</p>
<p><strong>1. Capacidade intelectual x excelência moral</strong></p>
<p>O primeiro dos dilemas morais de
que fala dom Barron está relacionado “à ciência e aos cientistas. No
mundo antigo, o personagem mais admirado provavelmente era o filósofo;
no contexto medieval, o santo; na era moderna, o guerreiro ou o
proprietário de terras rico. Mas em nosso ambiente contemporâneo, parece
não haver dúvida de que o cientista ocupa o primeiro lugar”.</p>
<p>“Com base em um instinto bastante
profundo, tendemos a não buscar sabedoria em estudiosos, políticos ou
líderes religiosos, mas em profissionais da ciência exata”, acrescenta.</p>
<div class="full-width-ad lightest-grey-bg mb-5 mt-5">
<div data-google-query-id="CO7Utva074QDFUpM3QIdilIPbQ" id="ACI_D_Article_A" style="text-align: center;"><div id="google_ads_iframe_/35602961/ACI_D_Sidebar_A_0__container__" style="border: 0pt;"></div></div>
</div>
<p>Para Barron, “Nolan apresentou
todas essas personalidades em sua genialidade e celebrou suas
conquistas, mas não as canonizou nem as apresentou como exemplos morais.
Heisenberg, ficamos sabendo, trabalhou para os nazistas; Teller era um
traidor; Oppenheimer era egocêntrico e desleal; etc. Há uma distinção
nítida entre perspicácia intelectual e excelência moral e, em nossa
cultura, muitas vezes confundimos a primeira com a segunda.</p>
<p><strong>2. O que pode e o que deve ser feito</strong></p>
<p>O segundo tema central do filme de Oppenheimer, continuou o bispo, "é a tensão entre o que pode e o que deve ser feito".</p>
<p>Com a ajuda de seus colegas,
“Oppenheimer demonstrou que uma bomba de poder destrutivo épico poderia
ser criada e, em vista do resultado inicial do ataque a Hiroshima, ele
ficou eufórico. Mas ele começou a se preocupar se essa arma hedionda
deveria ter sido usada”.</p>
<div class="full-width-ad lightest-grey-bg mb-5 mt-5">
</div>
<p>“Quando ele visita o presidente
Truman, ele comenta com verdadeira dor, que sente que tem sangue nas
mãos. A doutrina social da Igreja respalda a reserva de Oppenheimer
sobre os bombardeios atômicos, que resultaram na morte de mais de cem
mil pessoas inocentes, violando claramente o princípio da discriminação,
que estabelece que em qualquer ato de guerra deve ser feita uma
distinção entre combatentes e não combatentes”, disse dom Barron.</p>
<p>“Enquanto muitos dos personagens do
filme, incluindo uma versão reconhecidamente caricatural de Harry
Truman, apresentam a conhecida justificativa consequencialista de que o
ataque salvou vidas a longo prazo, a doutrina católica nunca toleraria
fazer algo inerentemente errado para se obter um bem”, continua.</p>
<p><strong>3. Lealdade aos EUA e o comunismo</strong></p>
<p>“Um terceiro tema para o rosto
carrancudo de Robert Oppenheimer é a tensão entre sua lealdade à América
do Norte e sua associação com o comunismo”, continua ele.</p>
<div class="full-width-ad lightest-grey-bg mb-5 mt-5">
<div data-google-query-id="CPzxufa074QDFVNU3QIdYroIAg" id="ACI_D_Article_C" style="text-align: center;"><div id="google_ads_iframe_/35602961/ACI_D_Sidebar_C_0__container__" style="border: 0pt;"></div></div>
</div>
<p>Em sua opinião, parece que para
Hollywood "ser comunista é genial e de vanguarda, equivalente a uma
devoção romântica aos pobres e desfavorecidos - e essa atitude é
compartilhada hoje por um número alarmante de jovens em nosso país".</p>
<p>No entanto, lembra o bispo de
Winona-Rochester, "a ideologia marxista-leninista produziu miséria
econômica e montanhas de cadáveres em todos os lugares onde foi
implementada e, portanto, nenhuma pessoa responsável no século XXI
deveria ter o menor apreço por ela".</p>
<p>Para concluir, Barron disse que
“Oppenheimer é um bom filme, e o próprio Oppenheimer, em sua
inteligência, sua paixão, seus defeitos profundos, é um personagem
cativante. Mas o que eu mais levo do filme é o seu cenho”.</p>
<div class="post-author-bottom">
<div class="row">
<div class="col-auto">
<a href="https://www.acidigital.com/autor/2/walter-sanchez-silva">
<img alt="Walter Sánchez Silva" src="https://www.acidigital.com/images/authors/yzB4hfgwMBgbxFS0GBLIXzb3tqDMFBuvjklxWNqX.jpg?w=96&h=96" />
</a>
</div>
<div class="col-auto">* Walter Sánchez Silva é
jornalista na ACI Prensa, agência em espanhol do grupo ACI, com mais de
15 anos de experiência cobrindo eventos da Igreja na
Europa, América e Ásia.</div><div class="col-auto">Fonte: https://www.acidigital.com/noticia/55781/bispo-analisa-dilemas-morais-no-filme-oppenheimer <br /></div>
</div>
</div>
</div>
</div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-67647750092692107372024-03-12T11:10:00.003-03:002024-03-12T11:10:27.482-03:00A teologia do domínio:refutação de uma faláciaLeonardo Boff*<p><img alt="Teologia do Domínio e da Prosperidade - Cultura Alternativa" class="rg_i Q4LuWd" data-atf="true" data-deferred="1" data-iml="1071" height="180" 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<p>Está sendo discutido entre analistas políticos a passagem, no seio de
grupos neopentecostais, em grande parte bolsonaristas, da teologia da
prosperidade para a teologia do domínio.Estimo que o atual conflito
entre o Estado sionista de Israel e a Faixa de Gaza com características
de carnificina e até de genocídio de palestinos tenha reforçado no
Brasil esta passagem. Sabe-se já há muito tempo que Benjamin Netanyahu é
um sionista radical de extrema direita que expressou seu projeto de
restaurar Israel nas dimensões que possuía, no seu auge, no tempo de
Davi e de Salomão.Daí seu apoio irrestrito de expulsão e colonização de
territórios da Cisjordânia, de população árabe muçulmana.</p>
<p>A teologia do domínio ou o dominionismo nasceu nos EUA por volta dos
anos 70 num contexto do reconstrucionismo cristão calvinista. Com é
sabido Calvino no século XVI instaurara em Genebra um governo religioso
extremamente rigoroso e violento até com pena de morte.Seria um modelo
para o mundo todo.</p>
<p>O dominionismo agrupa várias tendências cristãs fundamentalistas,
inclusive integralistas católicos que postulam uma política
exclusivamente religiosa,de base bíblica, a ser aplicada em toda a
humanidade com a exclusão de qualquer outra expressão, tida como falsa e
por isso sem direito de existir. É a ideologia totalizadora central
para a direita cristã no campo da política e dos costumes.</p>
<p>Vejamos qual é a base bíblica fundamental que sustenta esta
teologia.Baseia-se no capítulo primeiro do Gênesis. Na verdade há duas
versões no Gênesis da criação. Mas é aproveitada apenas a primeira que
se refere diretamente ao domínio. Eis o texto?</p>
<p><em>“Deus disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança para que
domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos e
todos os animais selvagens e todos os répteis que se arrastam sobre a
terraa.Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus os criou, macho
e fêmea os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos e
multiplicai-vos, enchei a subjugai a terra, sobre as aves do céu e sobre
tudo que vive se move sobre a terr</em>a”(Gênesis 1,26-29).</p>
<p>Esse texto assim como está legitima todo tipo de dominação e serviu
aos desenvolvimentistas de argumento para o seu projeto de crescimento
ilimitado.</p><p><em>Entretanto</em>,
ele foi lido de forma fundamentalista e literalista, sem tomar em conta
que entre nós hoje e o relato bíblico distam pelo menos 3-4 mil anos.O
sentido das palavras mudam. Esses grupos não consideram o que elas
significavam na época em que foram escritas há milhares de anos.
Desvendamos seu significado em hebraico.Veremos que o texto,interpretado
hermeneuticamente como deve ser, mostra a falácia da teologia do
domínio. Ela represente um delírio paranoico, irrealizável na fase do
mundo plural e globalizado no qual nos encontramos.</p>
<p>O texto deve ser interpretado na ótica da afirmação do ser humano
criado “à imagem e semelhança de Deus” .Com esta expressão, não se quer
em hebraico definir o que é o ser humano (sua natureza); ao contrário,
se quer determinar o que ele, operativamente, deve fazer. Assim como
Deus extraiu tudo do nada, deve o ser humano, criado criador, levar
avante o que Deus criou com benevolência:”Deus viu que tudo era
bom”(Gênesis1,25). O significado original em hebraico de “imagem e
semelhança”(<em>selem</em> e <em>demût)</em> faz com que o ser humano seja o representante e o lugar tenente do Criador.</p>
<p>As expressões “subjudar” e “dominar”devem ser entendidas,
simplesmente, como”cultivar e cuidar”. Mas vamos aos detalhes.Para
“dominar`”usa a palavra hebraica <em>radash </em>(Gênesis 1,26) que significa governar bem como o Criador governa sua criação.Para subjugar emprega em hebraico o termo <em>kabash </em>(Gênesis
1,28), que significa agir como um rei bom, não dominador, que
sabiamente olha para os seus súditos. Por isso o salmo 8 louva a Deus
por ter criado o ser humano como rei:</p>
<p>“<em>Tu o fizeste um pouco inferir a um ser divino, tu o coroaste de
glória e honra, deste-lhe o domínio (kabash)sobre as obras de tuas mãos,
tudo submeteste (radah) a seus pés; as ovelhas e todos os bois e até
os animais selvagens, as aves do céu e os peixes do mar, tudo o que abre
caminho pelo ma</em>r”(Salmo 8,6-9).</p>
<p>Aqui, como no Gênesis 1, não há nada de violência e dominação: há que
se agir como o Criador que age com amor a ponto de Ele dizer no livro
de Sabedoria que “criou todos os seres com amor e nenhum com ódio senão
não os haveria criado…porque Ele é o apaixonado amante da vida”
(Sabedoria 1,24.26).Aqui se esvai a base para qualquer teologia do
domínio.</p>
<p>Há a segunda versão do Gênesis (2,4-25) que diverge da primeira,
nunca referida pelos representantes da teologia do domínio. Nesta
segunda, Deus tira todos os seres do pó da terra, também o ser
humano,estabelecendo com isso um laço de profunda irmandade entre todos.
Criou o homem que vivia em solidão.Deu-lhe,então, uma mulher, não para
procriar, mas ser sua companheira.(Gênesis 2,23). Colocou-os no Jardim
do Éden, não para dominá-lo mas para “cultivá-lo e
guardá-lo”(2,15),usando as palavras hebraicas <em>abad</em> para arar-cultivar e <em>shamar</em> para guardar ou cuidar.</p>
<p>Essa compreensão que coloca todos os seres tirados da mesma origem,do
pó da terra, e confiando ao casal humano a missão de cultivar e
guardar, forneceria outro tipo de fundamento para a convivência entre
todos os seres humanos junto com os demais seres da natureza. Aqui não
existe base nenhuma para o domínio, ao contrário, nega-o em favor de uma
convivência harmoniosa entre todos.</p>
<p>Essa análise, à base do hebraico, é decisiva para tirar o tapete de
uma interpretação, fora do tempo, fundamentalista,a serviço de um
sentido político, totalitário e excludente de domínio sobre os povos e a
Terra, como sendo o projeto de Deus. Nada mais distorcido e falso. Por
mais que o fundamentalismo e a orientação de extrema direita em política
esteja crescendo no mundo, esta tendência não oferece as condições
objetivas reais para prevalecer e constituir uma única forma religiosa
de organizar a política da humanidade una e diversa.<br /><br /><em>*Leonardo
Boff,professor de teologia sistemática com acento na teologia
bíblica.Vaja algumas fontes entre tantas: Aubrey Rose (org.) Judaism and
Ecology.N.York 1992; Ronald A.Simkins,Criador e Criação:a natureza da
mundividência do Antigo Israel, Vozes1994 pp.158-160; James
B.Martin-Schramm&Robert L.Stivers, Christian environmental
Ethics.N.York 2003 esp.pp. 102-104; von Rad. Das erste Buch Mose,
Genesis,Göttingen 196</em>7.</p><p>Imagem da Internet</p><p>Fonte: https://leonardoboff.org/2024/03/12/a-teologia-do-dominiorefutacao-de-uma-falacia/ <br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-28582242519986499262024-03-11T09:32:00.002-03:002024-03-11T09:32:30.078-03:00<p> Por <a class="author url fn" href="https://revistapesquisa.fapesp.br/autor/ana-paula-orlandi/" rel="author" title="Posts por Ana Paula Orlandi">Ana Paula Orlandi</a></p><p><img alt="" class="attachment-post-thumbnail size-post-thumbnail no-republish wp-post-image" data-index="0" height="342" src="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-0-1140.jpg" style="cursor: pointer;" width="606" /> Cortesia Global Editora</p><h1> <br /></h1><p style="text-align: center;"><span style="font-size: large;">Estudos iluminam trajetória intelectual e revelam novas faces da produção de Cecília Meireles</span></p><div class="cabecalho-interna"> <div class="wp-caption"><p class="media-credits"><br /></p></div></div><aside class="credits"><hr /> <a class="author url fn" href="https://revistapesquisa.fapesp.br/autor/ana-paula-orlandi/" rel="author" title="Posts por Ana Paula Orlandi">Ana Paula Orlandi</a><hr /><div class="detalhes-edicao"> <a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/revista/ver-edicao-editorias/?e_id=425">Edição 295 <br /> set. 2020</a></div><hr /><div class="tags"><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/tag/literatura/" rel="tag">Literatura</a><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/tag/artes-plasticas/" rel="tag">Artes Visuais</a><br /></div></aside><div class="post-content"><p><span style="font-weight: 400;">Há
100 anos, quando as mulheres nem sequer podiam votar no Brasil, uma
jovem de 19 anos destacou-se pelo que foi considerado “uma ousadia”. Sem
papas na língua, a moça secretariava a reunião de fundação da Legião da
Mulher Brasileira, grupo voltado para a discussão dos direitos
femininos, quando não se conteve e contestou os discursos de um
monsenhor </span><span style="font-weight: 400;">e de um padre em
cerimônia realizada no salão da Associação dos Empregados no Comércio,
no Rio de Janeiro. “Esses religiosos, convidados por um grupo de
católicas, causaram tumulto na plateia ao enumerar as penas do inferno
que algumas mulheres deveriam pagar caso não se convertessem ao
catolicismo”, relata Valéria Lamego, </span><span style="font-weight: 400;">p</span><span style="font-weight: 400;">esquisadora visitante do Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)</span><span style="font-weight: 400;">. “Diante da confusão, Cecília Meireles tomou a palavra e avisou:</span><span style="font-weight: 400;">
‘A Legião da Mulher Brasileira será uma instituição leiga, acolherá
pessoas de todos os credos religiosos. Eu sou livre-pensadora’.” </span></p><p><span style="font-weight: 400;">A
mulher descrita acima em quase nada se encaixa à imagem de fragilidade
que costuma ser associada à poeta Cecília Meireles (1901-1964). “Poucos
conhecem, de fato, a trajetória de Cecília Meireles, uma mulher que
sempre trabalhou e lutou por suas ideias”, observa Lamego. “Ela não
levantou bandeiras políticas em sua obra poética, mas fora dela, sim.”
Ao iluminar aspectos pouco conhecidos da vida e da obra da autora, nas
últimas quatro décadas pesquisadoras como Lamego e Ana Maria Domingues
de Oliveira têm contribuído para desconstruir estereótipos daquela que
foi folclorista, dramaturga, crítica literária, professora, jornalista e
tradutora de autores estrangeiros como a britânica Virginia Woolf
(1882-1941), o espanhol Federico García Lorca (1898-1936) e o indiano
Rabindranath Tagore (1861-1941). E também artista visual, como atestam
os desenhos que ilustram esta reportagem e fazem parte do livro </span><i><span style="font-weight: 400;">Batuque, samba e macumba: Estudos de gesto e de ritmo 1926-1934</span></i><span style="font-weight: 400;">,
lançado originalmente em 1983 pela Funarte com patrocínio de uma
instituição bancária, que ganhou uma terceira reedição no final do ano
passado pela Global Editora. “Além de grande poeta, Cecília Meireles era
uma intelectual multifacetada”, considera Oliveira, professora
aposentada da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista (FCL-Unesp), </span><i><span style="font-weight: 400;">campus</span></i><span style="font-weight: 400;">
de Assis. “Infelizmente, ficou estigmatizada, inclusive na academia,
como ‘poeta etérea e alheia ao mundo’ que escrevia ‘poesia de
mulherzinha’, algo de menor importância, segundo esse ponto de vista.” </span></p><p><b><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-1-800.jpg"></a></b></p><div class="alignright generated vertical"><b><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-1-800.jpg"><img alt="" class="size-full wp-image-348697" data-index="1" height="778" src="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-1-800.jpg" style="cursor: pointer;" width="547" /><span class="media-credits-inline"> </span></a></b></div><div class="alignright generated vertical"><b><span class="media-credits-inline">Cortesia Global Editora</span></b></div><div class="alignright generated vertical"><b><span class="media-credits-inline"> </span></b></div><b>Timbre melancólico</b><br /> <span style="font-weight: 400;">Para
João Adolfo Hansen, professor aposentado da Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), a
dificuldade de enquadrar a obra de Meireles em uma única fórmula
literária pode ter atrapalhado sua percepção pela crítica acadêmica.
“Ela é reconhecida como excelente poeta moderna, com grande domínio
técnico, mas seu timbre é mais musical, melancólico, contemplativo, sem
os traços mais evidentes da desconstrução modernista da tradição e com
grande proximidade com o simbolismo do final do século XIX”, analisa o
autor de </span><i><span style="font-weight: 400;">Solombra, ou a sombra que cai sobre o eu </span></i><span style="font-weight: 400;">(Editora
Hedra, 2005), ensaio a respeito da obra homônima lançada pela poeta em
1963. “A partir da década de 1950, a crítica, pelo menos a paulista, foi
muito influenciada pelo rigor concretista que não entendia a melodia de
Cecília Meireles. Talvez esperassem dela uma coisa que nunca foi ou
mesmo desejou ser. Ela tinha voz própria, mas acabou rotulada de poeta
conservadora, alienada, superada.” </span><p></p><p><span style="font-weight: 400;">Há
que se lembrar que a própria autora pode ter contribuído para a
construção dessa imagem de artista alienada ao, por exemplo, ter
declarado à revista </span><i><span style="font-weight: 400;">O Cruzeiro</span></i><span style="font-weight: 400;">,
na década de 1950, que seu principal defeito era “uma certa ausência de
mundo”. Segundo Anélia Montechiari Pietrani, coordenadora do Núcleo
Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura (Nielm) da Faculdade
de Letras da UFRJ, a crítica ficou ainda menos receptiva à obra de
Meireles na década de 1970. É dessa época o ensaio </span><i><span style="font-weight: 400;">Literatura e mulher: Essa palavra de luxo </span></i><span style="font-weight: 400;">(1979),
onde a poeta carioca Ana Cristina Cesar (1952-1983) discute, a partir
de livros de Cecília Meireles e da poeta mineira Henriqueta Lisboa
(1901-1985), o que seria “poesia feminina”, o lugar que a mulher ocupava
no meio literário e a percepção dessa obra por críticos e leitores. No
ensaio, ela critica o “temário sempre erudito e fino”, onde tudo “é
limpo e tênue e etéreo” e especula se “não haveria por trás dessa
concepção fluídica de poesia um sintomático calar de temas de mulher ou
de uma possível poesia moderna de mulher, violenta, briguenta, cafona
onipotente”. Na avaliação de Pietrani, trata-se de “um texto escrito no
calor da emergência do movimento feminista no Brasil, que naquele
momento recusava o lirismo de Cecília Meireles”.</span></p><p><span style="font-weight: 400;">Com
isso, avaliam os estudiosos, a má vontade em relação à obra literária
acabou também eclipsando a atuação de Meireles em outras searas. Um dos
pontos de virada foi a dissertação de mestrado defendida por Lamego na
UFRJ em 1995 e lançada no ano seguinte com o título</span><i><span style="font-weight: 400;"> A farpa na lira: Cecília Meireles na Revolução de 30</span></i><span style="font-weight: 400;"> (Editora Record)</span><span style="font-weight: 400;">. O estudo revelou a aguerrida atuação política da poeta à frente da página de educação do jornal carioca </span><i><span style="font-weight: 400;">Diário de Notícias</span></i><span style="font-weight: 400;">, entre 1930 e 1933. Nos artigos, Meireles é porta-voz dos conceitos</span><span style="font-weight: 400;">
da Escola Nova, articulados por educadores e pensadores como o
norte-americano John Dewey (1859-1952) e que no Brasil foram
incorporados por intelectuais como Fernando de Azevedo (1894-1974) e
Anísio Teixeira (1900-1971). Logo a poeta se juntou aos conterrâneos e
foi uma das signatárias do Manifesto da Nova Educação ao Governo e ao
Povo (1932).</span><span style="font-weight: 400;"> “Cecília Meireles
defendia de forma combativa, sem perder o bom humor e a ironia, uma
educação pública, laica, progressista”, afirma Lamego</span><span style="font-weight: 400;">.
“Na década de 1930 ela discutiu no jornal a inserção de aulas de
filosofia e música ao currículo e foi veementemente contra a
obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas, articulada pela Igreja
Católica e por Getúlio Vargas (1882-1954). Cecilia Meireles, que apoiara
a chegada de Vargas ao poder, logo se decepcionou com os rumos do
governo e chegou a designá-lo naquelas páginas de ‘senhor ditador’, mas
perdeu o embate e foi afastada do jornal.”</span></p><p><span style="font-weight: 400;"><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-2-1140.jpg"></a></span></p><div class="alignright generated"><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-2-1140.jpg"><img alt="" class="size-full wp-image-348693" data-index="2" height="320" src="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-2-1140.jpg" style="cursor: pointer;" width="569" /><span class="media-credits-inline"> </span></a></div><div class="alignright generated"><span class="media-credits-inline">Cortesia Global Editora</span></div><div class="alignright generated"><span class="media-credits-inline"> </span></div>Meireles,
diga-se, nunca deixou de colaborar com a imprensa. Estima-se que tenha
escrito mais de 2 mil crônicas entre 1920 e 1964 – publicou a última
delas no jornal <i><span style="font-weight: 400;">Folha de S. Paulo</span></i><span style="font-weight: 400;">
dois meses antes de morrer, naquele ano, vítima de um câncer. “Além de
educação, folclore e literatura, ela tratou de temas como viagens,
animais, alimentação, artistas e amigos”, conta Lamego. Grande parte
desse material permanece pouco conhecido, segundo Oliveira. “E não
apenas as crônicas, mas, por exemplo, as entrevistas que realizou como
jornalista e a profusão de cartas que trocou com interlocutores como o
escritor português Armando Côrtes-Rodrigues [1891-1971]”, lamenta a
especialista. “A publicação da produção de Cecília Meireles esbarra na
questão de direitos autorais, que pertencem à família da poeta, e assim
muita coisa ainda não foi reunida em livro.” </span><p></p><p><span style="font-weight: 400;">Sérgio
Alcides Pereira do Amaral, da Faculdade de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais (Fale-UFMG), deparou-se recentemente com parte
desse material. No momento, ele pesquisa as atividades da autora como
colaboradora do jornal carioca </span><i><span style="font-weight: 400;">A Manhã </span></i><span style="font-weight: 400;">durante a ditadura do Estado Novo (1937-1945), período em que também publicou os livros de poesia </span><i><span style="font-weight: 400;">Vaga música</span></i><span style="font-weight: 400;"> (1942) e </span><i><span style="font-weight: 400;">Mar absoluto e outros poemas</span></i><span style="font-weight: 400;">
(1945). Segundo o estudioso, além de crônicas semanais, de teor mais
literário, entre 1941 e 1943 Meireles assinou uma coluna praticamente
diária, intitulada “Professores e estudantes”. Nela, retomou a defesa
iniciada na década anterior por uma educação pública, laica e
emancipatória. “Trata-se, contudo, de uma atuação mais apaziguada, onde
ela não bate de frente com o regime. Cecília Meireles, inclusive, também
dirigia na época a revista </span><i><span style="font-weight: 400;">Travel in Brazil </span></i><span style="font-weight: 400;">(1941-1942),
publicada em inglês e criada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda
do governo Vargas para tentar atrair turistas estrangeiros ao Brasil,
que tinha entre os colaboradores Mário de Andrade”, conta. Pelos
cálculos de Amaral, mais de 500 textos de Meireles foram publicados no
jornal nesse período e pelo menos 360 deles nunca foram lançados em
livro, incluindo a longa série de estudos </span><i><span style="font-weight: 400;">Infância e folclore</span></i><span style="font-weight: 400;">. “Há ainda muito o que pesquisar e revelar sobre Cecília Meireles”, diz. </span></p><p><b><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-3-800.jpg"></a></b></p><div class="alignleft generated vertical"><b><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-3-800.jpg"><img alt="" class="size-full wp-image-348689" data-index="3" height="836" src="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-3-800.jpg" style="cursor: pointer;" width="584" /><span class="media-credits-inline"> </span></a></b></div><div class="alignleft generated vertical"><b><span class="media-credits-inline">Cortesia Global Editora</span></b></div><b> </b></div><div class="post-content"><b>Voz renovada</b><br /> <span style="font-weight: 400;">Segundo
Oliveira, o interesse acadêmico pela trajetória da poeta ganhou reforço
com o centenário de seu nascimento, comemorado em 2001 com eventos em
instituições como a USP e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Atualmente é possível encontrar no catálogo de teses e
dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) mais de 160 estudos sobre a poeta realizados nos
últimos 30 anos no Brasil. Trata-se de um número expressivo, na opinião
da especialista. “Quando comecei minha pesquisa de mestrado, no início
dos anos 1980, no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, não
localizei mais do que 10 dissertações e teses sobre ela”, lembra
Oliveira, autora de </span><i><span style="font-weight: 400;">Estudo crítico da bibliografia sobre Cecília Meireles</span></i><span style="font-weight: 400;"> (Humanitas, 2001).</span><p></p><p><span style="font-weight: 400;">De
acordo com Murilo Marcondes de Moura, da FFLCH-USP, a poeta carioca
ocupa hoje uma posição curiosa dentro da academia, pelo menos nos cursos
de letras. “Talvez a produção ceciliana não seja discutida de maneira
sistemática nos cursos de graduação, mas há grande interesse por ela na
pós-graduação, embora seja menor do que em relação aos outros três
poetas brasileiros mais estudados do período: Carlos Drummond de Andrade
[1902-1987], Manuel Bandeira [1886-1968] e João Cabral de Melo Neto
[1920-1999]”, comenta o autor de </span><i><span style="font-weight: 400;">O mundo sitiado: A poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial</span></i><span style="font-weight: 400;">
(Editora 34, 2016), em que dedica um capítulo a Cecília Meireles. Nos
últimos anos ele orientou duas dissertações de mestrado e uma tese de
doutorado sobre a poeta. Entre esses trabalhos, está </span><i><span style="font-weight: 400;">Inventário de delicadezas: Desenho, poesia e memória em Cecília Meireles</span></i><span style="font-weight: 400;">,
tese defendida por Vivian Caroline Fernandes Lopes no final do ano
passado na FFLCH-USP. “Busquei reunir os elementos gráficos que
interessavam a Cecília Meireles desde a infância, como o desenho, a
caligrafia e o bordado, para tentar entender o que a escritora aprendeu
com a artista visual e vice-versa”, explica a pesquisadora. </span></p><p><span style="font-weight: 400;">O ponto de partida foi o livro </span><i><span style="font-weight: 400;">Batuque, samba e macumba</span></i><span style="font-weight: 400;">, que ela conheceu há cerca de 10 anos e reúne a conferência</span> <span style="font-weight: 400;">“Batuque,
samba e macumba”, proferida por Meireles em Portugal, em 1934, bem como
desenhos feitos pela própria autora entre 1926 e 1934. Ali, por meio de
tipos como baianas e sambistas, a desenhista registra a presença da
cultura africana no cotidiano carioca. “São documentos de práticas e
linguagens gestuais do samba e dos terreiros nos anos 1920 e 1930”,
afirma Lopes. A mesma publicação inspirou a historiadora Ana Paula Leite
Vieira a investigar a vertente folclorista da poeta carioca na
dissertação de mestrado </span><i><span style="font-weight: 400;">Cecília Meireles e a educação da infância pelo folclore (1930-1964)</span></i><span style="font-weight: 400;">,
defendida em 2013, no Departamento de História da Universidade Federal
Fluminense (UFF), com orientação de Martha Abreu. “As ilustrações de
Meireles mostram que Gilberto Freyre não estava sozinho na década de
1930 ao refletir sobre a presença do negro na sociedade brasileira”,
constata.</span><span style="font-weight: 400;"> “Foi emocionante
descobrir no trabalho de pesquisa as várias faces de Cecília Meireles,
como sua participação ativa entre as décadas de 1940 e 1960 no movimento
folclórico brasileiro, articulado por intelectuais a exemplo do
musicólogo e folclorista Renato Almeida [1895-1981]. Entre outras
coisas, o movimento criaria a Comissão Nacional do Folclore, em 1947,
organizaria uma série de eventos regionais e nacionais, bem como
publicações em defesa do folclore.”</span><span style="font-weight: 400;"> </span></p><p><span style="font-weight: 400;"><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-4-800.jpg"></a></span></p><div class="alignright generated vertical"><a href="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-4-800.jpg"><img alt="" class="size-full wp-image-348685" data-index="4" height="941" src="https://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2020/08/SITE_CeciliaMeirelles-4-800.jpg" style="cursor: pointer;" width="620" /><span class="media-credits-inline"> </span></a></div><div class="alignright generated vertical"><span class="media-credits-inline">Cortesia Global Editora</span></div><div class="alignright generated vertical"><span class="media-credits-inline"> </span></div>A
pesquisadora Jacicarla Souza da Silva compartilha do mesmo entusiasmo
em relação ao universo ceciliano. Professora do Centro de Letras e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina (UEL), ela estudou
Cecília Meireles na iniciação científica, no mestrado e no doutorado,
sempre no <i><span style="font-weight: 400;">campus </span></i><span style="font-weight: 400;">em
Assis da Unesp. “Descobri uma intelectual articulada que muito
contribuiu para divulgar a literatura produzida por mulheres na América
Latina”, diz Silva. “Ninguém nega que a poesia de Meireles é, de fato,
muito lírica, mas sua obra poética não se resume a isso e, a meu ver,
sua visão literária e de mundo permanece muito atual.”</span><p></p><p><span style="font-weight: 400;">Com
ela concorda Anabelle Loivos Considera, da Faculdade de Educação da
UFRJ. À frente de um grupo de estudo multidisciplinar no </span><span style="font-weight: 400;">Nielm,
ela investiga, com outros sete pesquisadores, a intersecção da face
pedagógica com a poética da autora. “Cecília Meireles atuou, ao longo de
sua vida, em todos os níveis de ensino, do antigo curso primário ao
superior, e dedicou-se com afinco à tarefa de criar novas formas de
abordagem pedagógica acerca dos conteúdos da educação básica. Prova
disso é que escreveu diversos livros para o público infantojuvenil e
criou, em 1934, a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro”,
relata. O espaço foi fechado cerca de três anos depois pela polícia
política do Estado Novo, sob a acusação de conter obras inadequadas à
formação infantil, como </span><i><span style="font-weight: 400;">As aventuras de Tom Sawyer</span></i><span style="font-weight: 400;">, do norte-americano Mark Twain [1835-1910]. “Ela </span><span style="font-weight: 400;">defendia a ampla autonomia da criança e do estudante. Quer coisa mais atual do que isso?”, indaga. </span></p><p class="bibliografia separador-bibliografia"><b>Artigo científico</b><br /> <span style="font-weight: 400;">PIETRANI, A. M. <a href="https://seer.ufs.br/index.php/interdisciplinar/article/view/12869" rel="noopener noreferrer" target="_blank">A palavra ecopoética de Cecília Meireles</a>. </span><b>Interdisciplinar, </b><span style="font-weight: 400;">São Cristóvão, UFS, v. 32, jul.-dez., p. 99-112, 2019.</span></p><p class="bibliografia"><b>Livros</b><br /> <span style="font-weight: 400;">MEIRELES, C. </span><b>Batuque, samba e macumba: Estudos de gesto e de ritmo, 1926-1934</b><span style="font-weight: 400;">. São Paulo: Global, 2019. </span><br /> <span style="font-weight: 400;">MOURA, M. M. </span><b>O mundo sitiado: A poesia brasileira e a Segunda Guerra Mundial</b><span style="font-weight: 400;">. São Paulo:</span> <span style="font-weight: 400;">Editora 34, 2016.</span><br /> <span style="font-weight: 400;">SILVA, J. S. </span><b>Um (in)visible college na América Latina: Cecília Meireles, Gabriela Mistral e Victoria Ocampo</b><span style="font-weight: 400;">. São Paulo: Editora Unesp, 2014. Disponível em: <</span><a href="http://hdl.handle.net/11449/113732"><span style="font-weight: 400;">http://hdl.handle.net/11449/113732</span></a><span style="font-weight: 400;">></span><span style="font-weight: 400;">.</span></p> Fonte: https://revistapesquisa.fapesp.br/muito-alem-da-poesia/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=ed295&utm_id=set20 <br /></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-61664939797533548412024-03-11T09:19:00.002-03:002024-03-11T09:19:20.508-03:00Maria Clara Bingemer: O rosto da Igreja está a tornar-se mais feminino<p><span class="author vcard"><a class="author url fn" href="https://setemargens.com/author/antoniomarujo/" rel="author" title="Artigos de António Marujo">António Marujo</a></span> | <span class="published">9 Mar 2024</span></p><div class="wp-caption alignnone" id="attachment_70921" style="width: 1210px;"><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-70921"> <span style="font-size: 10pt;"></span></p><p><img alt="Maria Clara Bingemer no Porto" aria-describedby="caption-attachment-70921" class="size-full wp-image-70921 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/IMG_20191106_181309.jpg" height="472" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/IMG_20191106_181309.jpg" width="629" /> </p>Maria Clara Bingemer no Porto, em Novembro de 2019. Foto © António Marujo/7MARGENS.<p></p></div>
<p style="text-align: center;"><span style="font-size: large;"><b><i>Dela disse o actual cardeal José Tolentino Mendonça que é “</i></b><b><i>a
maior teóloga a pensar e a escrever em língua portuguesa”. Professora
na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, Maria Clara
Bingemer é um nome incontornável no pensamento teológico contemporâneo.
Com uma personalidade afável e bem disposta, e com uma grande
capacidade de fazer humor, a sua linguagem tem a capacidade de ser
facilmente compreendida por todos. </i></b></span></p>
<p><b><i>Autora de </i></b><b><a href="https://www.paulinas.pt/produto/viver-como-crentes-no-mundo-em-mudanca/" rel="noopener" target="_blank">Viver Como Crentes no Mundo em Mudança</a><i>, </i><a href="https://www.paulinas.pt/produto/simone-weil/" rel="noopener" target="_blank">Simone Weil – Mística de Fronteira</a><i> e <a href="https://www.paulinas.pt/produto/experiencia-de-deus-na-contemporaneidade/" rel="noopener" target="_blank">Experiência de Deus na Contemporanidade</a>, publicados em Portugal pela Paulinas, Maria </i></b><b><i>Clara
Bingemer diz, nesta entrevista ao 7MARGENS, que a mobilização dos
jovens pelo clima é um lugar teológico. Nascida no Rio de Janeiro, </i></b><b><i>casada há 55 anos, com três filhos e cinco netos, a teóloga coordenou </i></b><b><i>o
Centro Loyola de Fé e Cultura, da PUC-Rio, entre 1994 e 2004, e foi
decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas, entre 2004 e 2010.
Entre as suas obras mais recentes, editadas no Brasil, estão </i>O mistério e o mundo<i> e </i>Um rosto para Deus?</b></p>
<p><b><i>Esta entrevista, feita numa sua passagem recente por Portugal,
foi acrescentada com as três perguntas iniciais, a propósito da sua
nomeação </i></b><b><i>como consultora </i></b><b><i>da secretaria-geral do Sínodo dos Bispos.</i></b></p><br /><p><b>7MARGENS – Foi nomeada há poucas semanas como consultora </b><b>da Secretaria-Geral do Sínodo. Como reagiu a essa nomeação?</b></p>
<p>MARIA CLARA BINGEMER (MCB) – Reagi com certa surpresa. Já havia sido
sondada sobre se teria disponibilidade há um bom tempo atrás. Como não
havia recebido nenhuma comunicação a respeito, achei que era assunto
encerrado. Por isso fiquei surpresa quando o anúncio da nomeação chegou.
Mas o que mais me impressionou foi a quantidade de pessoas que me
felicitou, que me escreveu, que me disse que espera que eu, como mulher,
marque presença. Foi isso que mais me impressionou e me fez ver que o
Sínodo realmente chega às pessoas, chega ao povo de Deus, que espera que
dali saia algo novo e bom para a Igreja. Nesse sentido, recebo essa
missão com desejo de cumpri-la o melhor possível.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – Em Outubro, pela primeira vez, houve mulheres a votar na
assembleia do Sínodo dos Bispos. Havia quem quisesse mais, houve quem
criticasse o Papa por dar o voto a pessoas que não são bispos… O Papa
Francisco está de facto a abrir caminho para mais responsabilidades das
mulheres na Igreja ou isto é só aparência?</b></p>
<p>Gostaria de destacar o que o pontificado de Francisco fez em relação
às mulheres… Embora as feministas não estejam satisfeitas porque
gostariam de mais, o facto é que a presença das mulheres cresceu dentro
da Igreja. Em pontos estratégicos, especialmente nos pontos de tomada de
decisão, há uma maior visibilidade de mulheres ocupando cargos, tomando
decisões, transformando o futuro. Factos eclesiológicos foram assim
criados porque as mulheres estão começando a ocupar espaços que nunca
ocuparam antes. A face da Igreja, o rosto eclesial está se tornando mais
feminino. E isso, na minha opinião, é viver e praticar a sinodalidade.</p>
<p>O Papa Francisco não abriu a ordenação para as mulheres, embora tenha
criado e confirmado o grupo de estudos sobre o diaconado feminino. Mas
nomeou muitas mulheres para cargos importantes. Parece-me um primeiro
passo, fecundo e promissor, para ir mudando positivamente a história.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – São Paulo refere várias mulheres que deixou a liderar as
comunidades que ele fundou; muitas teólogas e teólogos defendem que nos
primeiros séculos havia mulheres diáconos e que essa experiência deve
ser retomada. Como olha para esses dois debates?</b></p>
<p>Creio que na verdade hoje continua acontecendo o que acontecia na
Igreja paulina. A mulher nunca cessou de realizar estes serviços e
ministérios. A Igreja sempre contou com elas, que são maioria dentro do
tecido eclesial. Paulo oficializou essa ministerialidade feminina.
Depois, a Igreja se tornou mais clerical e rigidamente estruturada e
esse espaço foi fechado oficialmente. Mas oficiosamente as mulheres
continuaram a atuar e servir ativamente a Igreja. As religiosas têm
feito coisas esplêndidas.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>E também as leigas. Há muitas mulheres teólogas. Em um país como o
Brasil, onde há pouco clero para o tamanho do país, as mulheres na
verdade assumem a totalidade dos serviços eclesiais: não apenas dão
catequese, mas organizam e realizam as celebrações dominicais. O padre
só passa lá uma vez ao mês, se tanto, pois tem muitas outras comunidades
que atender. Mas a comunidade não fica sem celebração. Fica apenas sem a
Eucaristia. Isso chegou a ser mencionado na reunião [da Conferência
Episcopal Latino-Americana] de Aparecida, mas afinal não foi para a
frente em termos de mudança concreta. As mulheres teólogas hoje ocupam
cada vez mais espaço. Ainda são discriminadas, mas estão aprendendo a
lutar. No Brasil acabamos de constituir uma Rede Brasileira de Teólogas
que tem quase 100 mulheres. Isso vai ajudando. A Argentina tem um
movimento chamado Teologanda que faz um trabalho maravilhoso promovendo o
trabalho da mulher na teologia.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Creio que a mulher vai ela mesma ocupando os espaços que se
apresentam e assim vai transformando a Igreja. Muitos bispos reconhecem
isso. Padres também. Outros têm mais dificuldade. Mas o facto é que sem
elas a dinâmica eclesial não caminharia por falta de pessoas.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_64792" style="width: 1210px;"><img alt="Mulheres, Sínodo, Sinodalidade, Igreja Católica" aria-describedby="caption-attachment-64792" class="size-full wp-image-64792 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/DSCF2196.jpg" height="355" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/DSCF2196.jpg" width="533" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-64792"> <span style="font-size: 10pt;">Mulheres
participantes no Sínodo sobre a sinodalidade, 7 de Outubro de 2023, à
saída de uma das sessões da assembleia. “Com Francisco, a presença das
mulheres cresceu dentro da Igreja”, diz Maria Clara Bingemer. Foto ©
António Marujo/7MARGENS</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – Numa intervenção que fez em 2019, no Porto, comparou a sua
geração, que lutou pela justiça social, com a dos jovens que hoje lutam
pelo clima. Não são lutas diferentes?</b></p>
<p>Não. Acho justamente que a entrada pelo clima vai levá-los a lutas
parecidas com as da minha geração. Por outro lado, a minha geração ainda
não estava tão consciente do problema climático…</p>
<p><b>7M –</b> <b>Nessa altura não era um problema tão grave…</b></p>
<p>Ainda não tinha emergido com a força que tem hoje. Éramos então
mobilizados contra as ditaduras, pela liberdade, contra a tortura, pelos
direitos humanos e pela justiça social. Já os meus filhos, a quem
procurei transmitir essa sensibilidade, e a sua geração, são pessoas
éticas e com sensibilidade pelos mais pobres, mas não tinham aquela
utopia… Eu dizia: aos jovens de hoje falta utopia. Os meus netos (a mais
velha vai fazer 17 anos) já nasceram manipulando o telemóvel, o <i>tablet</i>…
Mas de repente, eles morderam a questão do clima. E isso os mobiliza.
Sentem a importancia do problema e sentem que se não se priorizar essa
pauta, eles podem não ter mais uma terra habitável.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Fui muito tocada por aquela jovem alemã, Carola Rackete, que conta na
sua história: “sempre fui privilegiada, branca, de um país rico, não me
faltava dinheiro para nada, fiz três cursos superiores…” Ela começou
pelo clima, ia de barco vendo a destruição do planeta… Então decidiu
fazer alguma coisa: entrou na SeeWatch, capitaneando um barco para
salvar migrantes no mar, refugiados e enfrentando sozinha o ministro
italiano Salvini. Foi presa com o barco numa barra. Pelo clima, ela
mobilizou-se para uma causa humana.</p>
<p><b>7M – A mobilização pelo clima é também um lugar teológico?</b></p>
<p>Sim,<b> </b>pode ser um lugar teológico. Leonardo Boff chama a
atenção para isso há muito tempo. Repete sempre que temos que nos
conscientizar que a terra não é um vis a vis para nós, um outro
diferente para o qual olhamos. Nós somos terra. Quando a terra sofre,
nós sofremos. Isso tem um enorme impacto na teologia da criação.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Gostaria igualmente de dizer uma palavra sobre o ecofeminismo ,
corrente de pensamento inclusive teológico que aproxima a causa da
libertação da mulher com a da terra. Há aproximações teológicas belas a
serem feitas entre o corpo da terra e o corpo da mulher. Há toda uma
mística e uma teologia que emergem daí. Eu pessoalmente tenho trabalhado
este tema e creio que estou apenas começando.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>O facto de a causa se tornar comum, as pessoas e os jovens estarem
dispostos a ir para a rua protestar, considero tudo isso muito positivo.
O tempo de amadurecimento, do engajamento, vai ter de registar
depurações; o discernimento é muito importante. Mas a mobilização, o
impulso desse movimento é muito relevante.</p>
<p> </p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_64701" style="width: 1090px;"><img alt="Clima, manifestação, jovens" aria-describedby="caption-attachment-64701" class="size-full wp-image-64701 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/WhatsApp-Image-2023-10-10-at-17.41.08.jpeg" height="536" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/10/WhatsApp-Image-2023-10-10-at-17.41.08.jpeg" width="596" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-64701"> <span style="font-size: 10pt;">Jovens
numa manifestação pelo clima. “O facto de os jovens estarem dispostos a
ir para a rua protestar, considero tudo isso muito positivo. O tempo de
amadurecimento, do engajamento, vai ter de registar depurações; o
discernimento é muito importante. Mas a mobilização, o impulso desse
movimento é muito relevante.” Foto: Direitos reservados.</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – Como é que a teologia pode tornar essa mobilização num capítulo da reflexão teológica?<span class="Apple-converted-space"> </span></b></p>
<p>Pode fazê-lo no sentido em que lutar pela Terra é lutar pelo ser
humano. A corrente ecofeminista tem ligado muito a Terra à mulher. Mas
há outro aspecto importante que é a ligação da Terra, dos recursos
naturais à vida que começa: a infância, a adolescência, a juventude; as
pessoas em crescimento são vulneráveis.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>A Terra é vulnerável e um ser vivo em crescimento também. Há uma
afinidade que os jovens podem sentir com a Terra e os recursos naturais
que estão sendo depredados – o que pode dar uma boa pauta para a
teologia pensar.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>E temos também de fazer o resto do círculo, no sentido de que, quando
se luta pela Terra, pela ecologia, na verdade está a fazer-se um acto
de justiça social tão importante quanto distribuir comida pelos famintos
que estão na rua: está a devolver-se o cosmos ao que tem fome, agindo
para que não falte água a quem tem sede, dando um tecto ao que não tem
abrigo; no fundo, ligando tudo isto às Bem-Aventuranças, ao Evangelho.</p>
<p><b>7M –</b> <b>Na encíclica <i>Laudato Si’</i> e no Sínodo da
Amazónia, o Papa disse que é necessário aliar o problema dos pobres à
justiça climática, à espiritualidade e à mística.<span class="Apple-converted-space"> </span></b></p>
<p>Esse foi o grande contributo da <i>Laudato Si’</i>, que inaugurou um novo capítulo na doutrina social da Igreja. Começou um novo capítulo com a <i>Laudato Si</i>
– que é um documento espectacular, tendo sido muito apreciado mesmo
fora da Igreja, por pensadores como Edgar Morin, pela qualidade da sua
reflexão.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Creio que o Papa Francisco foi muito feliz com o documento, mostrando
que o problema climático é indissociável do problema da injustiça
social e da pobreza. Um acarreta o outro. Vejo que entre os jovens
católicos a <i>Laudato Si’</i> tem boa entrada. E mesmo entre intelectuais não católicos, como referi.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Acho que isso é a grande nota de novidade na LS. O problema da terra
não se dissocia do problema dos pobres. É um só problema, pois ambos
estão ligados. É a vida, é a criação de Deus que está ameaçada de
extinção. Francisco de Assis, que encabeça a encíclica, foi o que viveu
isso de forma mística e poética. Simone Weil, uma pensadora que muito
aprecio e que tenho estudado bastante, era fascinada por Francisco
justamente porque via nele uma total integração de corpo e espírito e
uma total comunhão com a criação e com cada ser vivente. Atingir
qualquer ser vivo é atingir toda a criação e isto sempre afeta o coração
de Deus.</p>
<p><span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_70922" style="width: 1210px;"><img alt="Maria Clara Bingemer no Porto, em Novembro 2019 © António Marujo/7MARGENS" aria-describedby="caption-attachment-70922" class="size-full wp-image-70922 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/IMG_20191106_181403.jpg" height="452" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/IMG_20191106_181403.jpg" width="602" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-70922"> <span style="font-size: 10pt;">Maria
Clara Bingemer no Porto, em Novembro de 2019. “Creio que a Teologia da
Libertação sempre esteve presente no falar do Papa. Ele foi formado pela
<em>Teologia del Pueblo</em>, que é inseparável da Teologia da
Libertação na verdade. Para ele a questão dos pobres, da justiça, é
primordial.” © António Marujo/7MARGENS</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – Sente que o Sínodo da Amazónia foi decisivo para uma espécie
de ressurreição da Teologia da Libertação, para trazer uma nova
credibilidade ou de reabilitação dessa corrente?<span class="Apple-converted-space"> </span></b></p>
<p>Sinto. Primeiro, pela sinodalidade em exercício: os indígenas dentro
do Vaticano, como membros do Sínodo. Isso jamais se viu na vida. E o
Papa criticando quem fez pouco dos índios…</p>
<p>Mas creio que a Teologia da Libertação sempre esteve presente no
falar do Papa. Ele foi formado pela Teologia del Pueblo, que é
inseparável da Teologia da Libertação na verdade. Para ele a questão dos
pobres, da justiça, é primordial. Sua exortação sobre a santidade, <i>Gaudete et Exultate</i>,
é clara quando menciona as obras de misericórdia corporais e
espirituais, ressaltando a importância das duas, mas explicitando a
primordialidade que devem ter as corporais.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Portanto, creio que o Sinodo da Amazónia foi uma visibilização do que
Francisco já estava fazendo desde o início do seu pontificado, já
explícito na <i>Evangelii Gaudium</i>.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – E também da Pacha Mama, a representação da divindade ligada à
terra e à mãe que foi levada por indígenas para Roma, durante o Sínodo
da Amazónia…</b></p>
<p>Exactamente. Houve uma valorização das culturas que sempre foram
menosprezadas pela Igreja, postas à margem. Havia só transmissão: ia-se
lá para salvar os índios do erro… Agora não. Eles estão contribuindo
para a construção da Igreja. Acho que este aspecto foi um ganho mesmo
espectacular. É um aspecto que, desde o seu início, a Teologia da
Libertação se propõe fazer, e alguns teólogos também fizeram, mas não
foi ainda uma coisa maior. Considero que, vinda do centro da Igreja, é
uma coisa maior. Depois também me parece que, acontecendo durante o
Sínodo da Amazónia – que considero histórico – foi importante, mas não
tanto.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Só depois é que vai repercutir-se e também foi muito importante a
reedição do Pacto das Catacumbas, [que tinha sido] feito no final do
Concílio, com dom Hélder [Câmara] que capitaneou. Mas isso é que foi
maravilhoso no Concílio [Vaticano II]: era um aspecto que estava na
sombra e que, de repente, emergiu: muitos bispos mas também outros
segmentos eclesiais, no mesmo lugar. Considero este facto com uma força
simbólica muito grande – o que é espantoso. É um documento de grande
impacto, que deve ser muito estudado, rezado, revisitado dentro da
Igreja, da teologia.</p>
<p><b>7M – O teólogo José Comblin dizia: “Nós quisemos salvar os pobres,
agora eles querem ser ricos e vão para o pentecostalismo.” O discurso
da teologia da libertação também falhou neste processo?</b></p>
<p>Certamente. A teologia da libertação também cometeu muitos erros, tal
como qualquer corrente humana. Um dos erros que teve grande impacto
sobre o que refere foi o facto de a teologia da libertação – algumas
correntes, nem todas – ter demonizado as classes médias e as elites, os
intelectuais, quando todas as revoluções do mundo acontecem pela aliança
entre as classes populares e as classes médias. Muita gente se sentiu
rejeitada na Igreja da libertação. Muitos dos que viviam em São Paulo,
por exemplo (o cardeal Paulo Evaristo Arns era um dos pilares também da
teologia da libertação) sentiam-se rejeitados. Esses, burgueses,
paulistas, ricos e endinheirados foram para movimentos
hiperconservadores – Opus Dei, Legionários de Cristo…<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>A teologia da libertação cometeu alguns pecados, no sentido de ser um
pouco dualista: não é preciso estudar, basta trabalhar com o povo, e
outras ideias assim, desvalorizavam a formação, o estudo. Acho que isto
teve um impacto negativo no sentido em que as lideranças começaram a
ficar mal preparadas e, de certo modo, insatisfeitas, começando a ser
cooptadas para outras tarefas, facto que foi decisivo.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Também o pentecostalismo entrou com força total e isso teve um grande
impacto entre as classes populares, abandonadas pela militância
deprimida com a queda do socialismo real e a derrota de Lula e de outros
candidatos de esquerda às eleições nos países latinoamericanos.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_61044" style="width: 1210px;"><img alt="Fieis em adoração, igreja evangélica. Foto © Pixabay" aria-describedby="caption-attachment-61044" class="size-full wp-image-61044 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/06/Fieis-em-adoracao-igreja-evangelica.-Foto-©-Pixabay.jpg" height="321" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2023/06/Fieis-em-adoracao-igreja-evangelica.-Foto-©-Pixabay.jpg" width="629" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-61044"> <span style="font-size: 10pt;">Fiéis
em adoração numa igreja: “Também o pentecostalismo entrou com força
total e isso teve um grande impacto entre as classes populares,
abandonadas pela militância deprimida com a queda do socialismo real e a
derrota de Lula e de outros candidatos de esquerda às eleições nos
países latinoamericanos.” Foto © Pixabay.</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – E qual foi o papel do Papa João Paulo II?</b></p>
<p>Na política do pontificado de João Paulo II – longo de 26 anos – ele
foi mudando a face do episcopado latino-americano, porque nessa marcha
da Igreja latino-americana houve muitos bispos que foram cruciais. Por
exemplo, na Argentina, que tem uma Igreja de perfil mais conservador,
houve figuras como o bispo [Enrique] Angelelli, que morreu num acidente
até hoje não esclarecido. É considerado mártir e foi beatificado por
Francisco, juntamente com outros que o acompanhavam.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Tudo isso foi mudando. A nomeação dos padres [para bispos]
brasileiros demorou um pouco mais para conseguir neutralizar [a Igreja
da teologia da libertação], porque eram muitos; havia uma importante
célula progressista, mas conseguiram [mudá-la]. Foram nomeando bispos de
outra linha e a teologia da libertação já não encontrava apoio nos
pastores, pelo contrário: ao contrário, encontrava atitudes negativas, o
que criou um vazio pastoral. Toda a pastoral que se construiu nos anos
70 – comunidades de base, círculos bíblicos – tudo isso foi sendo
neutralizado e no seu lugar foram sendo colocados movimentos
conservadores e neoconservadores. Então, os pobres ficaram de novo sem
pai nem mãe e nesse vazio entrou a proposta pentecostal.</p>
<p><b>7M – Também com o apoio financeiro dos Estados Unidos?</b></p>
<p>Os EUA tinham todo o interesse, não sei se explícito, em financiar
esses movimentos. O pentecostalismo e esse vazio pneumatológico, pelo
carisma e pelos motivos teológicos – uma pneumatologia só latente e não
patente –, emergiu como uma panela de pressão. Surge então um <i>boom</i> carismático. Não se falava muito do Espírito Santo, em algumas obras teológicas falava-se no grande desconhecido.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Era a reedição do problema que Paulo encontrou na comunidade de
Corinto. Toda a gente falava tantas línguas que já não havia assembleia,
ninguém se entendia e toda a gente brigava pelo poder. Mas o mais grave
nem foi esse primeiro momento, que foi absorvido pala hierarquia: a
música, por exemplo, é muito alienante. As liturgias são muito
“exteriores”, barulhentas e efervescentes.A <i>lex orandi</i> já não encontra a <i>lex credendi</i>: há tanto barulho, tanta agitação, tanta exterioridade, que não há uma proposta concreta, é o louvor pelo louvor.</p>
<p><b>7M –</b> <b>E isso também entrou na Igreja Católica no Brasil.<span class="Apple-converted-space"> </span></b></p>
<p>Sim, também contagiou demasiado a Igreja Católica. Há uma certa visão
da condição humana, onde é tudo meio mágico. Mas o segundo momento é
que foi mais grave, quando apareceu com muita força a teologia da
prosperidade.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Deste movimento carismático, nasceram o pentecostalismo e o
neopentecostalismo. Neste momento, acresce a questão da configuração
carismática com o problema da prosperidade, da riqueza, em que as
igrejas se tornam igrejas electrónicas; tornam-se mercados, marcas como
se fossem um mcdonald’s. Os pastores formam-se a partir da caixa e
quanto mais dinheiro trouxerem, melhor…<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Esse vazio criado pelo golpe mortal que a pastoral libertadora levou,
aliada a outros elementos, propiciou bastante o surgimento desse mundo
pentecostal. No Brasil é onde mais cresce, na Venezuela também. Mas no
Chile, na Argentina e até na Colômbia nota-se um substracto católico
forte. Chile, Argentina e o Perú são mais europeus e, nesse sentido, as
igrejas históricas têm vantagem, embora incluam esse fenómeno.</p>
<p> </p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_70923" style="width: 1210px;"><img alt="Maria Clara Bingemer. Foto: Direitos reservados." aria-describedby="caption-attachment-70923" class="size-full wp-image-70923 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Clara-Bingemer.jpeg" height="328" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Clara-Bingemer.jpeg" width="583" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-70923"> <span style="font-size: 10pt;">Maria
Clara Bingemer: “Se alguém vai fazer uma tese – sou professora e
oriento doutoramentos – e se o tema for, por exemplo, o bem comum em São
Basílio, não há problema. Mas se escolher, como uma aluna veio me
pedir, uma tese sobre o amor incondicional de Deus e a comunidade LGBT, o
tema não passa.” Foto: Direitos reservados.</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – As novas áreas de estudo da teologia da libertação –
ecofeminismo, género, ecologia, ambiente, questão indígena, diálogo
inter-religioso – são ainda olhadas com muita desconfiança, tal como a
primeira teologia da libertação. Não há o risco de criar novas zonas de
conflito entre teologia e hierarquia?</b></p>
<p>São temas desafiantes, não são temas tranquilos. Se alguém vai fazer
uma tese de doutoramento – sou professora e oriento vários doutoramentos
– e se o tema for, por exemplo, o bem comum em São Basílio, não há
problema. Mas se escolher, como uma aluna veio me pedir, uma tese sobre o
amor incondicional de Deus e a comunidade LGBT, o tema não passa na
comissão de pós-graduação. Alargando um pouco – pondo a mulher, o negro e
o homossexual – já passa.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Fora da universidade, há teólogos formados, sobretudo no meio
protestante histórico, que já estão a trabalhar muito nesses temas. Na
Igreja Católica, há toda a questão da ideologia de género, a que se tem
pavor. É uma zona meio conflituosa. O bom é que a situação, para as
mulheres, melhorou. O feminismo ficou até mais inofensivo. Tem de se
lidar com a questão gay, a questão trans… Mas na questão da mulher há a
questão dos direitos reprodutivos, dos direitos do corpo, que são muito
sensíveis, a questão do aborto, os <i>catholics for a free choice</i>, a
opção pelo aborto, a descriminalização – não a legalização –, que baixa
o índice de mortes de mulheres. Muitas teólogas estão nessa linha. E
realmente isso traz problemas sérios.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – Onde está a fronteira entre a abertura a anseios das pessoas,
sem ir apenas atrás de alguns temas só por serem moda ou um fenómeno
mediaticamente apetecível, guardando também o património do cristianismo
e da reflexão teológica – que é também uma proposta diferente, apesar
de tudo?</b></p>
<p>Tem muita razão. Na questão do género às vezes há esse risco. Não
tanto por moda, mas por tocar em temas conflitivos de uma maneira
desnecessariamente provocadora. A questão da ecologia já foi assunto, eu
penso que já não há perigo nenhum. Creio que o feminismo tem que fazer
uma autocrítica, como já é feita de certo modo, no feminismo europeu.
Houve alguns erros cometidos que agora podem ser retomados em outra
perspectiva e aprofundando mais certos conceitos.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_50188" style="width: 1034px;"><img alt="Imagem de arquivo (2010) de um grupo de “Católicos pela igualdade”, junto ao edifício do Capitólio de St. Paul, Minnesota (EUA), de apoio à igualdade de direitos para lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. Foto © Fibonacci Blue, CC BY 2.0 , via Wikimedia Commons." aria-describedby="caption-attachment-50188" class="wp-image-50188 size-large lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2022/08/Rally_for_LGBT_equality_and_same-sex_marriage_4839015972-1024x768.jpeg" height="440" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2022/08/Rally_for_LGBT_equality_and_same-sex_marriage_4839015972-1024x768.jpeg" width="586" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-50188"> <span style="font-size: 10pt;">“Na
Igreja Católica, há toda a questão da ideologia de género, a que se tem
pavor. É uma zona meio conflituosa.” Imagem de arquivo (2010) de um
grupo de “Católicos pela igualdade”, junto ao Capitólio de St. Paul,
Minnesota (EUA), de apoio a direitos para lésbicas, gays, bissexuais e
trans. Foto © Fibonacci Blue, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by/2.0" rel="noopener" target="_blank">CC BY 2.0</a>, via Wikimedia Commons.</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – Mas podemos pensar também na questão da eutanásia. Aqui em
Portugal tivemos há pouco tempo esse debate, que culimou com a aprovação
de uma lei de despenalização.</b></p>
<p>Essa não é ainda uma questão muito candente na América Latina.
Discute-se, mas não temos a população tão idosa [como na Europa]. O tema
vai chegar, mas mais devagar. Eu sei que aqui na Europa é muito forte.
Discutiu-se muito e foi muito positivo o que o Papa disse na <i>Gaudete et Exsultate</i> (escrevi um livrinho sobre o assunto com o título <a href="https://www.paulinas.com.br/produto/santidade-chamado-a-humanidade-2903" rel="noopener" target="_blank"><i>Santidade: Chamado à Humanidade</i></a> [Paulinas Brasil].<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Uma das coisas que eu comento é o que o Papa diz sobre o facto de que
devemos sempre defender a vida do nascituro, mas também há a vida dos
que já nasceram e não têm o que comer. Ele defendeu uma paternidade e
maternidade responsáveis e também colocou a questão do aborto no seu
devido lugar: não é arrancar os cabelos por causa dos fetos e não pensar
nos que já nasceram que já não são fetos.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Quanto à questão do diálogo inter-religioso tenho a impressão de que
não corre o risco de se tornar uma moda. É um assunto muito presente na
América Latina. Já com a questão dos povos originários, desde o começo
essa questão estava colocada e agora está avançando mais em termos
teológicos. Os teólogos estão a ter mais coragem de chamar as coisas
pelo nome, de dizer que na Morenita [Nossa Senhora] de Guadalupe há
elementos indígenas.</p>
<p>A questão dos afrodescendentes também cresce muito e há uma teologia
negra sobretudo no Brasil e nos países caribenhos que têm uma população
afro descendente extensa. Há toda uma teologia aí que cruza a questão
racial com a questão do diálogo interreligioso, já que crescem os casos
de dupla pertença de católicos ao candomblé e vice versa.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – Já houve muitos santos assim, não é? Canonizados e que não se sabe bem se existiram…</b></p>
<p>São Cristóvão, Santa Filomena, São Jorge… Juan Diego é mais um
[risos]. O que é bonito é que agora está a ser mais estudada na teologia
a questão dos mitos. A linguagem simbólica e mitológica não deve ser
execrada como se fosse uma mentira, uma iniquidade… Não, é muito rica! E
a linguagem da Bíblia está cheia desse tipo de linguagem. Reabilitar o
mito ajuda a dialogar com as outras tradições.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Nas religiões afro as pessoas não vão directamente a Deus. Os
ancestrais é que fazem a mediação. E nós temos os santos. O que os
africanos fizeram, sobretudo na América Latina e no Brasil, foi
perfeito: foi dar o nome dos santos católicos aos seus orixás. Mas eles
continuavam dirigindo-se aos seus orixás. Como é uma religião muito
cósmica, identificam as divindades com a água, com a terra, com a
floresta, enquanto nós exaltamos os santos pelas suas virtudes, pela
imitação de Jesus Cristo. Temos um único mediador, que é Jesus Cristo.
Mas, na verdade, no catolicismo latino-americano, a devoção é a Maria e
aos santos, Jesus Cristo fica meio na rectaguarda. Santo António é o
primeiro depois de Maria, atrás vem santo Expedito, são Judas Tadeu…<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – É verdade…</b></p>
<p>É fantástico! Querem domesticar a experiência religiosa!? Não pode
ser domesticada! Temos de dialogar, temos de integrar. Por exemplo,
trabalhei três anos na Favela da Rocinha [Rio de Janeiro], que é a maior
é quase uma cidade…</p>
<p><b>7M – Onde o Papa esteve em 2013…</b></p>
<p>Sim. É uma favela perigosa, mas quando se conhece a comunidade… Eu
nunca tive problemas. Quem me levou lá foi um jesuíta belga, muito
amigo, um belga “secularizadérrimo”. Ele trabalhava lá e eu comecei a
trabalhar na formação dos coordenadores de círculos bíblicos. Achei uma
maravilha. Às vezes, o tema era o Evangelho do domingo seguinte e quando
se falava do demónio, eu pensava: como é que hei-de fazer? Nunca houve
problema: o povo nadava de braçada nos Evangelhos.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>A partir do mês de Maio, não se podia trabalhar com os textos
bíblicos Era só Maria. Só imagens, indo de barraca em barraca, rosários…
Temos de aceitar a Virgem do Rosário, aceitar introduzir nisto a Bíblia
e não entrar em conflito por essa razão. No dia 31, há a procissão, com
anjinhos e Nossa Senhora enfeitada, à qual se faz a genuflexão. Meu
amigo, o jesuíta belga, me dizia: “respirar, respeitar, não interferir
em nada.” É isto que temos de aprender.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Penso que a teologia latino-americana está tentando integrar cada vez
mais estes elementos – o que está a mudar progressivamente a face do
ensino da mariologia que não pode se tornar “ginecológica”, que quer
saber como foi o parto, de onde veio a luz… Mas tem que recorrer mais e
redescobrir a Maria dos evangelhos, profética, primeira discípula. Até
os protestantes se estão a interessar por este tema. As tentativas de
diálogo inter-religioso já estão a incorporar estes aspectos, já não é
uma questão de modas…<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_39720" style="width: 760px;"><img alt="Papa Francisco. Rosário" aria-describedby="caption-attachment-39720" class="wp-image-39720 size-full lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2021/10/pope-and-rosary.png" height="232" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2021/10/pope-and-rosary.png" width="412" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-39720"> <span style="font-size: 10pt;">“A
partir do mês de Maio, não se podia trabalhar com os textos bíblicos
Era só Maria. Só imagens, indo de barraca em barraca, rosários… Temos de
aceitar a Virgem do Rosário, aceitar introduzir nisto a Bíblia e não
entrar em conflito por essa razão.” Na foto, o Papa Francisco a rezar o
Rosário. Foto © Vatican News</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M – Voltando ao Sínodo da Amazónia, e agora também ao Sínodo
sobre a Sinodalidade, pergunto se algumas das intuições propostas –
estou a pensar no tema da ordenação ou do diaconado para as mulheres –
podem fazer caminho no sentido de serem adquiridos para a Igreja
universal e não só para a América Latina?</b></p>
<p>Estou convencida de que se a porta for aberta – vamos ver se
Francisco vai abrir – ela começará na Amazónia. Esperava-se muito que
Francisco abrisse a ordenação dos homens casados para as comunidades
amazónicas. Ele não o fez na exortação. Mas o resultado dos grupos de
trabalho mostra claramente em todos os grupos esse desejo e essa
esperança. Não foi dessa vez que a porta se abriu. Quem sabe no Sínodo
sobre a sinodalidade acontece algo e a porta se abre?</p>
<p><b>7M </b>– <b>Há pessoas que dizem que o Papa vai abrir a porta para, a seguir, aplicar esta decisão em todo o mundo</b>…</p>
<p>Isso não aconteceu no Sínodo da Amazónia. Talvez algum passo seja
dado no sínodo sobre a sinodalidade. Se acontecer será bom. Já temos
padres casados na Igreja. Os anglicanos bateram à porta de Bento XVI e
este mandou todos entrarem, com as mulheres e seus filhos, periquitos e
papagaios [risos]. Já há ministros ordenados casados em todas as igrejas
cristãs. Nós, católicos, somos os únicos que não temos a ordenação de
homens casados. Creio que essa é uma das razões para haver pouco clero,
ficando o povo desassistido ou pelo menos assistido insuficientemente. O
povo de Deus está necessitado de mais ministros, e creio que é isso que
tem de ser contemplado em primeiro lugar.</p>
<p>As mulheres estão a virar as costas – o que é um problema – e elas já
são reconhecidas pelo povo. Um jesuíta amigo meu foi chamado uma vez,
de longíssimo, porque estava morrendo uma senhora: foi a cavalo e quando
chegou lá a senhora perguntou “por que é que foram incomodar o senhor,
eu já me confessei aqui com a irmã” [risos].<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption alignnone" id="attachment_70813" style="width: 1210px;"><img alt="Freiras Trabalho" aria-describedby="caption-attachment-70813" class="size-full wp-image-70813 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Freiras-Trabalho.jpg" height="149" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2024/03/Freiras-Trabalho.jpg" width="356" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-70813"> <span style="font-size: 10pt;">“As
mulheres estão a virar as costas – o que é um problema – e as freiras
já são reconhecidas pelo povo. Um jesuíta amigo meu foi chamado uma vez,
de longíssimo, porque estava morrendo uma senhora: foi a cavalo e
quando chegou lá a senhora perguntou “por que é que o foram incomodar,
eu já me confessei aqui com a irmã” [risos].” Foto © Pixabay</span></p></div>
<p><b>7M –</b> <b>A propósito dos seus livros, nomeadamente dos que
estão publicados em Portugal: refere que é a partir das crises ética ou
religiosa ou cultural que o cristianismo é chamado a encontrar o seu
rosto e a sua identidade. Estamos a reconhecer uma profunda crise de
identidade do cristianismo?</b></p>
<p>Sim,<b> </b>estamos falando de uma crise visceral: toda a civilização
ocidental cristã está em agonia e isso começa na Europa, que é o berço
da civilização cristã ocidental. Tudo o que nos ensinaram balança – o
que provoca uma crise profunda. Mas a crise pode ser benéfica se a
soubermos aproveitar. O cristianismo significava cristandade, um
projecto gigantesco que absorvia tudo e tudo engolia. Mas o cristianismo
é na verdade chamado pequeno rebanho, sal, fermento. Quem sabe se o
cristianismo não vai encontrar a sua verdadeira identidade. Eu acredito
nisso.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Tenho trabalhado agora sobre experiências místicas na
contemporaneidade – assunto que considero muito importante. Falaram-me
de Adília Lopes, que não estava na Igreja, mas que tinha experiências
muito fortes do transcendente e que escreveu sobre elas.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Simone Weil é uma mulher prototípica nesta esfera, uma mulher que
tinha tanto cuidado para não ser influenciada na sua liberdade
intelectual, que continuou o seu curso de Filosofia, não era conhecedora
dos grandes místicos. Gostava muito de São Francisco, leu as suas <i>Florinhas</i>,
mas numa atitude independente, até ter a experiência de ser tomada pelo
Cristo. Tinha uma sensibilidade enorme em relação à pobreza, foi
trabalhar numa fábrica. Aquando desta experiência, foi ter com um
dominicano inteligente, e este propôs-lhe o baptismo; ela não quis. Não
se sentia chamada a entrar na Igreja. No seu último texto, reafirma sua
fé em tudo o que a Igreja Católica diz. Mas ao mesmo tempo expõe suas
dificuldades com a Igreja como instituição. Ela teve uma primeira
experiência na Póvoa do Varzim. Foi o seu primeiro contacto com o
catolicismo, quando ela afirma que o catolicismo é a religião dos
escravos e que os escravos não podem senão aderir ao cristianismo e “eu
com eles”. De certa forma, ela inverte a frase de Nietzche, repetindo-a.
Nietzche diz que o cristianismo é a religião dos escravos e que por
isso fez muito mal à humanidade. Simone Weil reafirma isso, mas
reconhece que por isso mesmo é aí o seu lugar.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – E quando no seu livro <i>Experiência de Deus na Contemporaneidade</i></b><b> </b><b>se</b><b> </b><b>debruça
sobre Simone Weil, Dorothy Day ou Etty Hillesum é porque as mulheres
são mais capazes do cuidado? Onde arruma, por exemplo, Martin Luther
King, o Irmão Roger de Taizé, o Abbé Pierre, Thomas Merton, Teilhard de
Chardin, Desmond Tutu?… Por que é que escolheu aquelas três mulheres?</b></p>
<p>No livro falo também de um homem. Falo da Dorothy Day, da Simone
Weil, da Etty Hillesum e falo de um jesuíta belga, Egide van
Broeckhoeven, que queria ser cartuxo mas entrou na Companhia de Jesus e
integra os padres operários. Ele era operário e morre num acidente de
trabalho. Ele considerava a cartuxa como uma tentação. Na verdade, ele
fala “da minha sarça ardente, a fábrica”. Essas mulheres místicas são
vistas em espaços seculares, no meio de coisas que não têm nada a ver
com a religião, absolutamente profanas. E aí elas fazem uma nova
síntese.</p>
<div class="wp-caption alignleft" id="attachment_11766" style="width: 410px;"><img alt="" aria-describedby="caption-attachment-11766" class="wp-image-11766 lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2019/11/ettyHillesum-congressoCapelaRato2019-noticia-741x1024.jpg" height="553" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2019/11/ettyHillesum-congressoCapelaRato2019-noticia-741x1024.jpg" width="400" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-11766"> <span style="font-size: 10pt;">Etty Hillesum, uma das retratadas em <i>Experiência de Deus na Contemporaneidade</i>.
“A mística não se encontra só nos claustros, nos espaços construídos
para o sagrado. Não, isso é combatido pelo cristianismo que, justamente,
dessacralizou a religião!” Foto: Direitos reservados.</span></p></div>
<p><b>7M –</b> <b>É isso que propõe como a mística de olhos abertos? Essas pessoas traduzem esta mística?</b></p>
<p>Acho que sim, a mística não se encontra só nos claustros, nos espaços
construídos para o sagrado. Não, isso é combatido pelo cristianismo
que, justamente, dessacralizou a religião! Na verdade, Jesus não ficou
no templo. Ele vai ao templo, mas na verdade ele está no espaço secular,
na cidade, com as pessoas.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>A cristandade confinou tudo a espaços sagrados e, na praça pública,
aparecia a Igreja com as procissões, com o bispo ao lado do [presidente
da câmara]. Isso foi um momento, não existe mais. Quando houve o
incêndio em Notre Dame, não houve pessoa entrevistada que não chorasse
copiosamente, Notre Dame fazia parte de todos embora muitos ali não
fossem crentes. Nada vai voltar ao pré-moderno. Não, hoje deve fazer-se
uma síntese nova, e talvez hoje essa seja uma proposta mais compatível!
Devemos procurar os espaços de diálogo da nova teologia com outras
esferas.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p><b>7M – Já escreveu sobre Adélia Prado e Sophia de Mello Breyner.
Quais são as semelhanças e as diferenças entre estas duas mulheres
poetas?</b> <b><span class="Apple-converted-space"> </span></b></p>
<p>Ambas são mulheres, casadas, mães de família, católicas, totalmente
católicas (Adélia totalmente católica…), fazem poesia e vêem na poesia o
sentido das suas vidas. Adélia fala do seu meio de salvação. A Sophia
dizia que não sabia que os poemas nasciam nas pessoas, pensava que
existiam por si mesmos. São essas algumas semelhanças.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>As diferenças serão: Sophia é grega e Adélia é judaica, carnal, puxa a
transcendência para cá. Sophia é urânica, busca a beleza e tudo aquilo
de que fala – o mar, a concha, a natureza – tudo eleva, tudo é para se
ver a transcendência. Numa carta a Jorge de Sena, ela diz: “Voltei da
Grécia, mas não pense que vim de uma Grécia pagã, é uma Grécia
baptizada.” Ela vai para a Grécia enquanto cristã. Por outro lado, tem a
sua fase militante. Tem um poema que achei lindo, em que fala daquela
jovem grávida, militante comunista, Catarina Eufémia, que foi morta pela
polícia de Salazar. É muito bonito! A Sophia tem o seu engajamento
político, mas tem a poesia gratuita que é só beleza e ali faz as
experiências de Deus. Adélia diz: “É em Deus, sexo e morte que eu penso
todo o dia”. E escreve poemas onde o místico e o erótico estão juntos de
uma maneira!…<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>As diferenças fundamentais são essas: uma é telúrica, a outra é
urânica, uma é grega e a outra [judaica], mas as duas têm em comum a
poesia como se fosse o seu destino. Elas não têm como não fazer poesia. A
Adélia é o profeta que também interpela, o poeta-profeta. E Sophia tem
também momentos em que é um peso, a função poética, é uma missão.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p> </p>
<div class="wp-caption aligncenter" id="attachment_11390" style="width: 1034px;"><img alt="" aria-describedby="caption-attachment-11390" class="wp-image-11390 size-large lazyloaded" data-src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2019/11/SOPHIA-1-1024x850.jpeg" height="360" src="https://setemargens.com/wp-content/uploads/2019/11/SOPHIA-1-1024x850.jpeg" width="434" /><p class="wp-caption-text" id="caption-attachment-11390"> <span style="font-size: 10pt;">Sophia
de Mello Breyner Andresen, provavelmente nos anos 1950: “A Sophia tem o
seu engajamento político, mas tem a poesia gratuita que é só beleza e
ali faz as experiências de Deus.” Foto © Fernando Lemos/Direitos
reservados.</span></p></div>
<p> </p>
<p><b>7M –</b> <b>Como é que sendo uma mulher casada, com filhos, hoje com netos, enveredou pela teologia sem medo?</b></p>
<p>Não vou dizer que foi vontade de Deus. [risos]. Eu era jornalista,
estava contente com o jornalismo. Terminei o curso de Comunicação. Era
católica comprometida. Corria o ano de 1975, em plena ditadura militar.
Acabei o curso e recebi um convite para trabalhar no sector da
comunicação da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], que era
no Rio de Janeiro. O presidente era dom Aloísio Lorscheider e o
secretário dom Ivo Lorscheider, eram as únicas vozes que se levantavam
para denunciar as torturas…</p>
<p>Fiquei tão apaixonada por aquela Igreja que quis estudar teologia,
mas pensando em ficar na comunicação, mas com mais bases teológicas. E
achava que nunca iria ter trabalho: uma mulher, leiga… E a dada altura
começou a aparecer trabalho. O padre João Batista<b> </b>Libânio me
convidou para escrever um livro com ele, foi fundamental na minha vida. E
insistiu para eu fazer o doutoramento na [Universidade] Gregoriana [em
Roma], com o apoio do meu marido. A minha mãe morava comigo, era viúva e
eu filha única, ela ajudava-me muito. O meu marido sempre achou que eu
devia escolher a minha carreira com toda a liberdade. Se não fosse isso,
seria muito mais difícil.<span class="Apple-converted-space"> </span></p>
<p>Fui para Roma e fiquei no Colégio Pio Brasileiro. Era a única mulher
entre muitos seminaristas e padres. De noite tudo escuro, às oito da
noite cada um no seu quarto… A essa hora os meus filhos estavam na minha
cama a fazer os deveres. Foram três meses assim, difíceis…</p>
<p>Depois comecei a ensinar. Fico feliz porque sinto que eu e as minhas
colegas abrimos um caminho. Hoje, coisas que são tranquilas, não eram.
Lembro que quando saiu a [encíclica] <a href="https://www.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_18051986_dominum-et-vivificantem.html" rel="noopener" target="_blank"><i>Dominum et Vivificantem</i></a>,<span class="Apple-converted-space"> </span>de
João Paulo II, sobre o Espírito Santo, a irmã Maria Carmelita de
Freitas, uma grande amiga, que era coordenadora do grupo onde os bispos
tinham momentos de estudo e formação na CNBB, convidou-me para
apresentar o documento aos bispos em uma das reuniões do grupo. Propôs o
meu nome a dom Luciano [Mendes de Almeida, presidente da CNBB] e ele
deu um pulo, apesar de ser meu amigo e ter crismado o meu marido. “Já
viu uma mulher, leiga, para ensinar aos bispos sobre o documento do
Papa?” Ela disse que eu era doutora em Teologia, igual aos padres que
também lá iam. E foi uma experiência óptima: os bispos adoraram e a
gente sente que quebrou o gelo, que abriu caminho e contribuiu para que a
mulher estivesse presente na teologia. A mulher é necessária na
teologia, na Igreja…</p><p>Fonte: https://setemargens.com/maria-clara-bingemer-o-rosto-da-igreja-esta-a-tornar-se-mais-feminino/?utm_term=FEEDBLOCK%3Ahttps%3A%2F%2Fsetemargens.com%2Fefeed%3Degoi_rssfeed_xKnmS3HTbxoNOuINFEEDITEMS%3Acount%3D1FEEDITEM%3ATITLEENDFEEDITEMSENDFEEDBLOCK&utm_campaign=Sete%2BMargens&utm_source=e-goi&utm_medium=email <br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-12942560532109472762024-03-10T19:59:00.000-03:002024-03-10T19:59:13.532-03:00Jesus Cristo tem livre-arbítrio? <p><a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-machado-dias/">Álvaro Machado Dias</a>* </p><p></p><div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt="pintura" class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_xl.jpg 1200w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_rt.jpg 2400w " height="324" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2021/09/27/1632784902615252067087c_1632784902_3x2_md.jpg" width="486" />
</div> 'Flagelação de Cristo (Cristo na Coluna)', pintura do artista italiano Caravaggio (1571-1610)
- <span class="widget-image__credits">Artvee/Reprodução</span><p></p>
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<div class="c-content-head__wrap">
<h2 class="c-content-head__subtitle" itemprop="alternativeHeadline" style="text-align: center;">
Há uma preguiça crescente na ciência, que abre espaço para
pesquisadores dizerem que o que não sabem explicar não funciona ou não
existe
</h2>
</div>
</header>
</div></div></div></div></div><div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody"><div class="block"><div class="container"><div class="flex flex--gutter flex--col flex--md-row">
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<time class="c-more-options__published-date" datetime="2024-03-10 09:29:00" itemprop="datePublished">
10.mar.2024 às 9h29 </time>
</div><br /></div></div></div></div></div></div></div><div class="col col--md-1-1 col--lg-12-18">
<div class="c-news__content">
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody">
<p>No final do mês passado, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/">Hélio Schwartsman </a>e eu publicamos os <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2024/02/imparcialidade-no-direito-e-ilusoria-mostra-estudo.shtml" rel="" target="">resultados de um estudo que mostra</a> que o desfecho das ações afeta a nossa atribuição de intencionalidade e de responsabilidade ao seu autor.</p>
<p>Quando coisas ruins acontecem, tendemos a enxergar mais intenção de
dolo do que quando não acontecem, mesmo que estes desfechos sejam
fortemente influenciados pelo acaso.</p>
<p>Ou seja, nossa capacidade de prescrutar intenções e diferenciar
atitudes culposas e dolosas é muito menor do que parece. Isto traz
consequências importantes para o direito e para a compreensão da
intencionalidade de maneira geral.</p>
<p>Raciocínios do tipo "ele sabia que isso poderia acontecer, mas
decidiu seguir em frente, produzindo intencionalmente este desfecho
horroroso" envolvem inferências sobre conteúdo mental (presentes em
"sabia") e assunção de liberdade para agir de maneira autodeterminada.</p>
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</div>
<p>Meu objetivo com o artigo de hoje é mostrar como o raciocínio
científico atualmente dominante sobre o livre-arbítrio conduz a
conclusões pouco consistentes e, mais amplamente, argumentar que a
ciência cognitiva tem se tornado preguiçosa e dogmática. Para isto,
desenvolvi alguns jogos mentais simples que gostaria de compartilhar com
os leitores. Mas, antes, o básico.</p>
<p>Em um <a href="https://faculty.www.umb.edu/steven.levine/Courses/Action/Berlin.pdf" target="_blank">ensaio</a>
muito famoso sobre a natureza da liberdade, Isaiah Berlin propõe que
esta possui duas formas: negativa e positiva. A primeira é a que
desaparece "quando se é impedido de se atingir um objetivo por outrem". A
segunda é uma forma de consciência que "faz as pessoas quererem ser
sujeito e não objeto".</p>
<p>Liberdade positiva é o que define o paradigma clínico da psicanálise:
não há liberdade quando se é escravo do inconsciente. Em linguagem
atual, é a resultante das manifestações intelectuais emancipatórias
frente às formas compartilhadas de dogmatismo e à algoritmização do
pensamento.</p>
<p>Livre-arbítrio é a noção que assegura que a liberdade positiva seja
mais do que ilusão. Sem isso, posso viver como o príncipe Sidarta,
poderoso e integralmente orientado ao esclarecimento, e ser tão
determinado em minhas ações quanto o maior dos tolos e mesmo como alguém
em coma.</p>
<p><a href="https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2021/08/primatologo-demonstra-a-arte-de-transformar-ciencia-em-risos-lagrimas-e-compreensao.shtml" rel="" target="">Robert Sapolsky</a> vê as coisas desta maneira niilista, que é dominante entre os neurocientistas desde sempre. Em seu relativamente <a href="https://www.amazon.com.br/Determined-Science-Life-without-English-ebook/dp/B0BSKQ5ZDM" target="_blank">novo livro</a>, "Determined: a Science of Life without Free Will<i>"</i>, é taxativo: livre-arbítrio não existe.</p>
<p>Como a maioria no campo, ele diz que comportamentos são a resultante
de vetores causais encaixados uns nos outros. No nível distal, pressões
evolucionárias moldam sistemas de recompensa e punições.</p>
<p>Um passo à frente, dá-se a expressão distintiva de genes em função de
contingências ambientais, ao passo que, no nível da ampulheta, a
atividade neurológica determina o que fazemos e pensamos de dentro para
fora, ao mesmo tempo em que processamos as informações que fazem o
trajeto de fora para dentro.</p>
<div><div class="widget-image rs_skip">
<figure>
<div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt="" class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_xl.jpg 1200w, " height="329" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/05/170964965565e72ef7eb771_1709649655_3x2_md.jpg" width="493" />
</div>
<figcaption class="widget-image__subtitle">
O cientista americano Robert Sapolsky
- <span class="widget-image__credits">L.A. Cicero / Stanford News</span>
</figcaption>
</figure>
</div>
</div><p>Há dois princípios centrais na forma de determinismo defendida
por Sapolsky. O primeiro é que todo fenômeno presente é causado por um
anterior, que em si pode ser conhecido e explicado. Esse é o "princípio
da razão suficiente", que costuma ser atribuído a Gottfried Leibniz, o
qual lhe deu o mais belo verniz.</p>
<p>Para Sapolsky, a referência parece ser Spinosa, que <a href="https://iep.utm.edu/spinoza-free-will-determinsim/" target="_blank">dizia</a>
que "na mente, não há absolutos ou liberdade, posto que é determinada
causalmente a querer isto ou aquilo por algo mais e assim por diante até
o infinito".</p>
<p>O segundo princípio é que o nosso senso de direcionamento intencional
não possui papel efetivo nas decisões que tomamos. A ideia é simples:
como aquilo que surge à mente está estruturado a partir de fenômenos
biológicos, e estes emergem de cadeias moleculares, não é preciso fazer
referência à consciência para explicar o que esta parece fazer.</p>
<p>É interessante como, na terceira década do século 21, dois princípios
tão distintos entre si sejam tratados como faces da mesma moeda.
Definitivamente, eles não são!</p>
<p>O primeiro é amplamente aceito. O segundo, conhecido como
reducionismo biológico, tem um problema para resolver antes de poder
cantar vitória.</p></div></div></div><p>Desconhecemos seres vivos cujos traços fundamentais não sejam
fruto da evolução por seleção natural e, portanto, não tenham função
adaptativa. Isto acontece porque todos os traços têm custo para os
organismos, que tendem a eliminar os que produzem balanço negativo.</p>
<p>Imaginar que uma característica definitiva de uma espécie meio
estúpida, mas ainda assim dominante —como é o caso para a habilidade de
representar mentalmente aquilo que podemos fazer e, em seguida, agir da
maneira que nos parecer melhor—, não possui função adaptativa implica
rechaçar a biologia evolucionária.</p>
<p>Para isso, é preciso apresentar evidências convincentes. Não basta
dizer que a consciência não tem função alguma e que quem discorda é
incapaz de aceitar que suas vontades são determinadas e por isso é tolo.</p>
<p>Eu não tenho dúvida de que as vontades são determinadas, apenas
considero que um dos potenciais determinantes é exatamente esta
manifestação que nos surge à mente na forma de orientação intencional, a
qual dificilmente sobreviveria aos dias hostis do pleistoceno se não
cumprisse algum papel na elevação da nossa relação com o mundo.</p>
<p>O movimento é claro: porque não compreendemos para que serve isto que
nos surge à mente como orientação intencional, porque, a despeito de
todos os avanços em nível superficial, não avançamos um palmo na
compreensão da maneira como neurônios geram símbolos, ficamos
confortáveis em simplesmente rechaçar a existência do problema como um
todo, agindo como os behavioristas do miolo do século passado que
simplesmente diziam que não era importante entender o mental para se
explicar o comportamental.</p>
<p>Esta preguiça que em parte havia sido superada está voltando a ser
dominante. Como um colunista preocupado em captar fenômenos mentais,
tecnológicos e societários emergentes, este é o ponto central que eu
gostaria de compartilhar. Sapolsky é só um exemplo.</p>
<p>Não entendemos, logo, não existe. Isto vale aqui, como também longe
dos refletores e das questões mais profundas sobre o funcionamento da
mente.</p>
<p>Por exemplo, há centenas de estudos clínicos, meta-análises e assim
por diante sobre a eficácia da acupuntura. E há a experiência clínica de
quem lida com pacientes no dia a dia. Nada disso importa para se dizer
que não funciona, a partir do lugar de fala de quem nunca tocou em um
paciente na vida, nem nunca produziu um ensaio clínico no tema. Como? É
simples: de fato, a gente não sabe por quais vias a acupuntura funciona.
Logo, só pode ser que não funcione.</p>
<p>Sapolsky, reductio ad absurdum</p>
<p>Diz-se que Jesus Cristo é filho de Deus e também que foi um homem.
Apesar de não ter sido concebido pelos seus pais, nasceu da barriga de
sua mãe, sangrou na cruz e deu diversos outros sinais de humanidade
terrena. Na visão de Sapolsky, seu livre-arbítrio é equivalente ao dos
outros homens, ou seja, nulo.</p>
<p>No entanto, Jesus veio ao mundo realizar uma missão que transcende a
realidade terrena. Renegar os seres humanos nunca esteve em questão.
Isto seria contra os desígnios de Deus. Logo, a sua liberdade é menor do
que a do sujeito comum, que a princípio pode tentar descer ao inferno
para um churrasco e até mesmo esquentar o planeta como uma grelha.</p><p>Aqui, ter uma missão significa se relacionar com a realidade a
partir de um afunilamento de possibilidades. Acontece que não se trata
de um afunilamento qualquer. A missão é divina, estando assim no plano
das condições de existência, isto é, do livre-arbítrio. "As palavras que
eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim,
faz as suas obras." (<a href="https://www.bible.com/pt/bible/1608/JHN.14.10,23.ARA" target="_blank">João, 14:10</a>).</p>
<p>Não se trata de mera restrição no âmbito da liberdade negativa
(aquela que some quando alguém lhe impede, conforme a definição de
Berlin, acima), como no caso do Super-homem, que encucou em salvar a
gente, ou Bill Gates depois de rico. A consequência inescapável é que,
no sistema de Sapolsky, Jesus teria livre-arbítrio negativo.</p>
<p>Sapolsky provavelmente diria que, a despeito de ser logicamente
consistente, o argumento não é relevante, já que Deus, seu filho e o
Super-homem não existem de verdade, o que está alinhado com as minhas
intuições. Porém, não é tão simples. Há fenômenos documentados que se
encaixam como uma luva nessa categoria do livre-arbítrio negativo, o que
leva a pensar se não deveriam servir de marco zero nesta discussão.</p>
<p>O tratamento da depressão refratária, com neuroestimuladores que
identificam configurações cerebrais responsáveis pelo rebaixamento do
humor e disparam impulsos elétricos que a alteram, é cada vez mais
comum. Por meio do uso destas próteses, a capacidade de manifestar o
estado decorrente das reações biomoleculares originalmente
estabelecidas, que é o senso continuado de desespero, é achatada
sinteticamente. Resultado: livre-arbítrio negativo.</p>
<p>Outra. <a href="https://www.amazon.com/Handbook-Near-Death-Experiences-Thirty-Investigation/dp/0313358648" target="_blank">Pesquisa de 30 anos</a>,
conduzida em nove países, concluiu que parcela relevante dos pacientes
criticamente enfermos têm experiências de quase morte, nas quais seus
sinais vitais são interrompidos por um tempo. Entre os que tiveram
parada cardíaca e não morreram, a taxa pode chegar a <a href="https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/25418460/" target="_blank">9%</a>.</p>
<p>Como não faz sentido assumir que possam ser comandados por aquilo que
não está em operação, segue que, durante o período em que estão sem
sinais vitais, não têm livre arbítrio no mesmo nível (de nulidade) de
alguém com vida. Falta-lhes função biológica para tanto.</p>
<p>Com isso em mente, <a href="https://www1.folha.uol.com.br/webstories/cotidiano/2022/01/o-que-e-uma-experiencia-de-quase-morte/" rel="" target="">note que boa parte destes pacientes relata experiências sensoriais durante a inatividade funcional.</a>
Ainda que não possamos saber se são meras criações a posteriori, o fato
de existirem evidências de que pacientes ressuscitados foram capazes de
reportar o que se discutia na sala de cirurgia, enquanto "visitavam o
além", explicita o fato de que nos faltam pecinhas para montar o
quebra-cabeças que liga neurônios e mentalizações.</p>
<span class="gallery-widget__header-counter">
</span><p>Finalmente, considere que a inteligência artificial geral (AGI)
seja atingida e que robôs capazes de agir de maneira 100% indistinta de
humanos surjam. Seu livre-arbítrio certamente será zero, igual ao
nosso. Agora, imagine que um cientista instale um atuador com um isótopo
de urânio no interior de um robô. Quando este decair, o autômata
apertará um botão e irá se explodir.</p>
<p>O decaimento de um átomo radioativo é, por definição, randômico.
Logo, a ação deste robô não estará determinada, de acordo com o que
defende Sapolsky. Como a derradeira presença de experiências conscientes
de nada importa para o estabelecimento do livre-arbítrio, a conclusão
inescapável é de que este robô será a única criatura do planeta dotada
de livre-arbítrio.</p>
<p>O ponto desta exposição toda é mostrar como visões incensadas entre
os cientistas podem se mostrar dogmáticas e bem pouco científicas. É
sexy dizer que aquilo que não conseguimos explicar, por definição, não
funciona ou não existe.</p>
<p>Porém, quem afirma possui o ônus da prova. Isto vale para a
consciência, o livre-arbítrio, a capacidade de registrar experiências
enquanto os sinais vitais desapareceram, tratamentos de eficácia clínica
conhecida e demonstrada etc.</p>
<p>Sapolsky rechaça o paradigma central da evolução por seleção natural,
que é o de que traços marcantes (como as representações mentais de
natureza intencional) se mantêm justamente porque têm alguma função
adaptativa, sem oferecer evidências para tanto.</p>
<p>Em paralelo, instaura a necessidade de considerarmos um bizarro
estado de livre-arbítrio negativo e preconiza um mundo em que só robôs
poderão ser verdadeiramente livres. Isso se chama preguiça. Melhor
seguir considerando a questão em aberto. Assim como as outras que
mencionei aqui.</p><p class="c-top-columnist__bio">
*Neurocientista, professor livre-docente da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo) e sócio do Instituto Locomotiva e da
WeMind
</p>
<div class=" c-modal-drop rs_preserve" data-follow-button-check="" data-modal-drop="" data-qty-collumn="4.3" data-registered="true">
</div>
<div class="c-modal-drop__content rs_skip" data-content="">
<div class="c-modal-drop__controls u-hidden-md">
<span class="c-modal-drop__controls__title">Fonte:https://www1.folha.uol.com.br/colunas/alvaro-machado-dias/2024/03/jesus-cristo-tem-livre-arbitrio.shtml <br /></span>
</div></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-61897594865818263382024-03-10T19:49:00.003-03:002024-03-10T19:49:21.538-03:00Os liberais modernos sofrem de um orgulho político desmedido<p><a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/">Luiz Felipe Pondé</a></p><p></p><div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt=" equívoco liberal A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com pincel em tinta nanquim, com simples traços soltos, aguados e estilizados. A ilustração, na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, apresenta multidão de pessoas, como se estivessem em um show ou protesto, algumas com braços para cima, outras, com celulares nas mãos." class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_xl.jpg 1200w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_rt.jpg 2400w " height="315" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/03/09/171003156165ed02c96c184_1710031561_3x2_md.jpg" width="472" />
</div> Ricardo Cammarota
- <span class="widget-image__credits">Folhapress</span>
<p></p>
<div class="container"><div class="flex flex--gutter flex--col flex--md-row"><div class="flex-cell"><div class="row"><div class="col col--md-1-1 col--lg-10-15 col-offset--lg-5-18"><header class="c-content-head"><div class="c-content-head__wrap"><h2 class="c-content-head__subtitle" itemprop="alternativeHeadline" style="text-align: center;">
O princípio da vontade livre do indivíduo penetrou profundamente no imaginário do mundo moderno
</h2>
</div>
</header>
</div></div></div></div></div><div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody"><div class="col col--md-1-1 col--lg-12-18">
<div class="c-news__content">
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody">
<p>O pensamento liberal identificado por figuras importantes como <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/821427-no-aniversario-de-morte-de-john-locke-conheca-um-dos-pais-do-liberalismo.shtml" rel="" target="">John Locke</a>
comete um erro crasso: aposta as fichas na ideia de que o nascimento da
sociedade se deu por escolha livre das pessoas a fim de proteger suas
vidas, seus negócios e suas propriedades. É possível duvidar dessa
premissa?</p>
<p>Não precisamos ser descendentes de <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u88611.shtml#:~:text=da%20Folha%20de%20S.&text=Um%20dos%20mais%20celebrados%20teorizadores,do%20indiv%C3%ADduo%20com%20a%20comunidade%22." rel="" target="">J.J. Rousseau</a>
para discordar dessa premissa. Colocar a discordância na ideia de que
defender propriedades privadas é um equívoco de princípio porque seria
um pressuposto tipicamente da burguesia britânica desde então não é o
coração do problema.</p>
<p>Rousseau também participa da ideia da escolha autônoma dos sujeitos
como princípio do chamado contrato social, ainda que reconheça a
corrupção da vontade livre dos sujeitos uma vez que o homem natural foi
perdido. No entanto, ele acreditava na capacidade da vontade livre e
geral de refazer a sociedade a partir de um contrato social mais justo.</p>
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<div class="c-advertising__banner-area" id="banner-300x250-area-materia"></div>
</div>
<p>Mesmo <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2022/04/colecao-folha-publica-leviata-classico-da-filosofia-politica-de-thomas-hobbes.shtml" rel="" target="">Thomas Hobbes</a>,
conhecido por ser defensor do absolutismo –um equívoco acerca do seu
pensamento–, nunca defendeu a teoria do corpo "místico do Rei" –o rei é
rei porque Deus quer que seja– mas, sim, que o Estado era fruto de um
contrato livre entre as pessoas a fim de garantir a organização da
violência e, assim, diminuir a condição da vida como breve, bruta,
infeliz. Essa escolha racional, digamos, levaria a famosa concepção de
que o Estado detém o monopólio legítimo da <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/violencia/" rel="" target="">violência</a>.</p>
<div>
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<div class="gallery-widget rs_preserve gallery-widget-keydown" data-channel="luizfelipeponde" id="gallery-widget-undefined">
<div class="gallery-widget__header">
</div></div></div></div></div></div></div><p>Todos os três acima citados se encontram na noção de que
haveria um contrato social mítico, digo eu, como fundamento da vida em
sociedade e da atribuição do poder político. Esse mito está sustentado
na ideia vaga de que os seres humanos são os fundadores livres da ordem
social e política e, portanto, podem mudá-la, melhorá-la, rompê-la, na
sua totalidade ou em parte, na medida de suas decisões individuais ou
coletivas.</p>
<p>Portanto, o princípio da vontade livre do indivíduo como átomo social
está presente em todos. Esse princípio penetrou profundamente no
imaginário moral, político e econômico do mundo moderno tal como
conhecemos. <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2023/10/agricultura-nao-foi-uma-revolucao-para-os-humanos-defende-david-wengrow.shtml" rel="" target="">Capitalistas ou comunistas</a>, todos creem nessa mítica da decisão livre.</p>
<p>Não se trata de ir até Santo Agostinho para negar a existência do <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2022/02/o-livre-arbitrio-salva-deus.shtml" rel="" target="">livre arbítrio</a>,
podemos ficar nos limites da discussão política moderna e, ainda assim,
por em dúvida esse princípio liberal da vontade livre como fundamento
da sociedade.</p>
<p>Posso aceitar que, por exemplo, o sexo deva ser consensual, na medida
em que pessoas adultas "decidem" se querem transar uma com a outra ou
outras. Em casos como esse, é óbvio a validade do princípio da escolha
livre. No entanto, há toda uma gama de temas que põem em dúvida a
escolha livre e racional: o inconsciente, limites econômicos, saúde,
emoções e afins.</p>
<p>Mas, com relação a fundação da vida em sociedade, suspeito que esse
indivíduo livre do mito do contrato social não existe. Nunca existiu e
continua não existindo como fundamento da vida social.</p>
<p>Concordo mais com <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/12/1841867-livro-mostra-que-burke-pai-do-conservadorismo-segue-atual.shtml" rel="" target="">Edmund Burke</a>,
para quem a sociedade evoluiu de pequenos grupos imersos em hábitos
imemoriais, crenças religiosas, laços de bando e clã, e que lida com
formas grandes de sofrimentos, o "pelotãozinhos", "little platoons",
como ele costumava dizer. O próprio crescimento da sociedade impõe
problemas para a operação humana no cotidiano. Como decidir, como
escolher, até que ponto sei exatamente o que quero quando digo que
quero?</p>
<p>A simples ideia de que nascemos livres, bons ou maus, já é pura
especulação. O problema com posições como a de Burke é que ela parece
por limites a ação racional e consciente do ser humano que fere o
orgulho político desmedido dos modernos.</p>
<p>O autor israelense contemporâneo <a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ross-douthat/2022/09/como-um-novo-conservadorismo-quer-dominar-o-partido-republicano-nos-eua.shtml" rel="" target="">Yoram Hazony</a>
vai na mesma linha do Burke. Concorde ou não com sua defesa da ideia de
nação contra a ideia de conglomerados imperiais, como a comunidade
europeia, sua defesa de que a sociedade evoluiu organicamente e aos
trancos e barrancos de grupos menores até hoje me parece bem mais real
do que esse sujeito liberal que só se move bem no shopping.</p><p>* Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a
Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia
pela USP. </p><p>Fonte:https://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2024/03/os-liberais-modernos-sofrem-de-um-orgulho-politico-desmedido.shtml <br /></p></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-22880479905721627352024-03-09T22:23:00.006-03:002024-03-09T22:23:47.057-03:00Os evangélicos e a nova ética do trabalho<p> <span>Por </span><a href="https://www.estadao.com.br/economia/celso-ming/os-evangelicos-e-a-nova-etica-do-trabalho/#shortbio-celso-ming" title="Ir para mini biografria do autor">Celso Ming </a>* <br /></p><p></p><p><img alt="O impacto dessa mudança de mentalidade evangélica tem causado desdobramentos econômicos e políticos. " data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BE7MKQLXERHZRLNPWTRW3OE4EI.jpg?quality=80&auth=f6dfac32291d7eeb91c9da9fd00af44f1f294ef076f1b26b62a984a3e13638f5&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BE7MKQLXERHZRLNPWTRW3OE4EI.jpg?quality=80&auth=f6dfac32291d7eeb91c9da9fd00af44f1f294ef076f1b26b62a984a3e13638f5&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BE7MKQLXERHZRLNPWTRW3OE4EI.jpg?quality=80&auth=f6dfac32291d7eeb91c9da9fd00af44f1f294ef076f1b26b62a984a3e13638f5&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/BE7MKQLXERHZRLNPWTRW3OE4EI.jpg?quality=80&auth=f6dfac32291d7eeb91c9da9fd00af44f1f294ef076f1b26b62a984a3e13638f5&width=380" style="object-fit: contain;" /></p> O impacto dessa mudança de mentalidade evangélica tem causado desdobramentos econômicos e políticos. <span>Foto: Fabio Motta/Estadão</span><p></p><div style="text-align: center;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;">Movimentos evangélicos tendem a </span></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;">estimular o empreendedorismo, </span></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;">o trabalho por conta própria, e </span></span></div><div style="text-align: center;"><span style="font-size: large;"><span style="font-weight: normal;">não mais o emprego convencional</span></span></div><div class="informs"><div class="date"><div class="principal-dates"><span><time><br /></time></span></div></div></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper "></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper -paywall-parent box" id="content"><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper news-body container content template-coluna already-sliced already-checked" data-paywall-wrapper="true"><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">A <a href="https://www.estadao.com.br/economia/celso-ming/desaprovacao-a-lula-e-a-economia/" target="_blank"><strong>última coluna mencionou o segmento dos evangélicos como forte fonte de rejeição</strong></a> ao <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/pt-partido-dos-trabalhadores/"><strong>Partido dos Trabalhadores</strong></a> e ao presidente <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/lula-luiz-inacio-lula-da-silva/"><strong>Luiz Inácio Lula da Silva</strong></a>. Essa questão precisa de maior aprofundamento.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>As
esquerdas e os acadêmicos em geral limitam-se a ver os movimentos
evangélicos como fenômeno religioso ou, quando muito, midiático. Não têm
conseguido examinar seus desdobramentos econômicos e políticos, mesmo
os mais imediatos.</p><p>Quem zapeia pelos programas de TV levados ao ar
pelas maiores igrejas evangélicas do Brasil pode encontrar vastas
indicações de mudanças relevantes na maneira de encarar as relações de
trabalho.</p><p>Para
começar, o crente ou candidato a crente se sente agasalhado por uma
atmosfera quase uterina que encontra em sua igreja. Sente-se
compreendido em suas mazelas e, empurrado para uma virada por uma
profusão de depoimentos de fiéis que revelam drásticas melhorias na
qualidade de vida, imagina bem próximo o tempo de redenção. É o sujeito
que estava na pior, desempregado, largado da mulher, envolvido com
drogas. Mas, lá pelas tantas, sempre com a graça do Senhor, cai em si
mesmo – como conta a parábola do <em>Filho Pródigo</em> – dá a volta por
cima, começa com um bico ou uma viração qualquer e, a bordo dos
aplicativos, vai progredindo. E eis que já é outra pessoa, patrão de si
mesmo, com algum dinheiro no banco, carro tossindo pelas ruas e casa
decente.</p></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Enfim,
os movimentos evangélicos tendem a estimular o empreendedorismo, o
trabalho por conta própria, e não mais o emprego convencional, com
horário fixo, cartão de ponto e tudo o que vem junto.</p><div class="styles__Container-sc-1kqto0p-0 bxHqBD" height="240px" title="Economia & Negócios"><div class="box"><div class="image"><source media="(max-width:576px)"></source></div></div></div></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">É
uma mentalidade diferente do trabalhismo tradicional, que ganha
características de nova ética protestante e de um novo espírito
capitalista – para ficar com o conceito seminal do pensador alemão Max
Weber. É ocupação que dispensa muita coisa, a começar pela filiação a
sindicatos.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Não é verdade que os evangélicos se tenham tornado hostis ao PT e ao presidente Lula <a href="https://www.estadao.com.br/internacional/lula-responde-israel-e-volta-a-falar-em-genocidio-na-faixa-de-gaza/" target="_blank"><strong>apenas pelas suas declarações contundentes à ação de Israel em Gaza</strong></a>,
uma vez que prezam tudo o que está ligado à Terra Santa. Há muito,
tendem a contrariar a cartilha das esquerdas convencionais do Brasil e a
assumir valores conservadores não só em matéria de costumes, mas,
também, em política econômica.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">O
impacto dessa mudança de mentalidade sobre as áreas política e
eleitoral é imenso. Não pode ser revertido apenas com afagos do
presidente da República a um grupo de pastores e de bispos evangélicos.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">As
esquerdas brasileiras, ainda apegadas aos antigos conceitos da luta de
classes e das utopias socialistas, não conseguiram ainda entender essa
nova “vibe” e seus desdobramentos econômicos e políticos. Mas eles estão
aí, produzindo consequências.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb "> *Jornalista e comentarista de economia</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Fonte: https://www.estadao.com.br/economia/celso-ming/os-evangelicos-e-a-nova-etica-do-trabalho/<br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-81487929517565242632024-03-07T15:58:00.006-03:002024-03-07T15:58:50.004-03:00 Infocracia – digitalização e a crise da democracia<p> Por <strong>LUIZ MARQUES*</strong></p><div class="elementor-element elementor-element-2d55724 elementor-widget elementor-widget-theme-post-featured-image elementor-widget-image" data-element_type="widget" data-id="2d55724" data-widget_type="theme-post-featured-image.default"><div class="elementor-widget-container"><figure class="wp-caption"><figcaption class="widget-image-caption wp-caption-text"></figcaption></figure></div></div><div class="elementor-element elementor-element-2684028 elementor-widget elementor-widget-theme-post-content" data-element_type="widget" data-id="2684028" data-widget_type="theme-post-content.default">
<div class="elementor-widget-container"><p><img alt="" class="attachment-large size-large wp-image-37371" height="345" src="https://aterraeredonda.com.br/wp-content/uploads/2024/03/cultura-pablo-picasso.png" width="612" /></p>
<div class="sfsibeforpstwpr" style="clear: both; display: flex; justify-content: flex-start;">Pablo Picasso, Déjeuner sur l'herbe (Almoço na grama), 1962<br /><div style="clear: both;"></div></div>
<p style="text-align: center;"><em><span style="font-size: large;">Considerações sobre o livro de Byung-Chul Han</span></em></p>
<p>O arcabouço disciplinar da sociedade industrial pressupõe a
exploração dos corpos e energias. O “panóptico de Bentham” é o símbolo
do período, com as celas isoladas em torno da torre de vigilância no
centro de um presídio. A invenção funcionava com poucos guardas (dois no
máximo, por andar) na reeducação dos movimentos corporais dos
prisioneiros (<em>The Big Brother is watching you</em> / O Grande Irmão
está vigiando você). Hoje, concentra-se na coleta de dados e de
informações que, além da inspeção, asseguram o controle e o prognóstico
dos comportamentos. Os dados são fornecidos por cada criatura que
ingressar no nebuloso ciberespaço, munida com um <em>smartphone.</em></p>
<p>Daí o título do ensaio <em>Infocracia: digitalização e a crise da democracia</em>,
de Byung-Chul Han. O curioso é que pessoas submissas ao regime de
informação supõem-se livres, autênticas e criativas. Produzem-se (<em>produire</em>,
em francês, significa deixar-se ver) para performar. Antes, forçava-se
uma visibilização através das câmeras de segurança espalhadas pelas
ruas, viadutos, lojas, condomínios. Agora, de forma espontânea, as
pessoas visibilizam-se da manhã à noite por inteiras com um inocente <em>clic</em>.</p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>Das mídias eletrônicas às digitais</strong></p>
<p>Para McLuhan, as mídias eletrônicas produziam o ser humano de massa,
como o torcedor anônimo em um estádio de futebol. Então, “perfil” era
conversa de policial para a investigação de crimes e criminosos. Nas
mídias mais modernas todos fazem jus a um perfil específico. Com a lupa
da inteligência artificial, instrumentos captam o “inconsciente
digital”, para apoderar-se de camadas pré-reflexivas, pulsionais e
emotivas de condutas particulares. Eis a “psicopolítica”. Diz-se após a
Primeira Guerra que a soberania é de quem decide sobre o Estado de
exceção. Após a Segunda Guerra, é de quem dispõe das ondas espaciais com
as inovações tecnológicas. Na atualidade, o soberano é quem detém
informações em rede para garantir a dominação, na dialética do poder.</p>
<p>As mídias convencionais calam os receptores com uma emissão vertical, sequestram a discussão sobre questões relevantes da <em>polis</em>
e abstraem do imaginário social os ideais utópicos. A sociedade
posta-se na plateia para assistir ao espetáculo. A racionalidade
deteriora-se em um entretenimento. O negócio da diversão nasce em
sintonia com a decadência do juízo. A midiocracia inaugura a
teatrocracia – a medida do que usufruir para uma convivialidade. O
discurso se degrada em show e propaganda. Conteúdos vão para o ralo.
Vale a performance (Margaret Thatcher, Ronald Regan, Collor de Mello).
Os suspiros confinam-se na <em>stand-up comedy</em>, para exaltações narcísicas. Como no <em>Admirável mundo novo</em>, de Aldous Huxley, a coação à felicidade obrigatória rege a vida.</p>
<p>Nas últimas décadas do século XX, as belas almas se iludem com a
perspectiva da democracia no futuro. Sopra uma brisa de esperança
libertária na tecnologia, no incipiente neoliberalismo que abre as asas.
Passaram-se quatro decênios até a descoberta do óbvio. Os agrupamentos
construídos por algoritmos não têm autonomia para agir. Os <em>followers </em>(seguidores) nas mídias sociais “prestam-se adestrar em gado de consumo por <em>smart influencers</em> (influenciadores inteligentes)”, com a canga da despolitização e da alienação. Lucra a <em>Big Tech</em>, com receitas maiores que a de muitos países.</p>
<p>Em vez de reprimir, o objetivo passa a ser perscrutar a liberdade. O
regime de informação apresenta a dominação como libertação. As mídias
comparam-se à comunidade de uma igreja; os <em>likes</em>, a um “amém”.
Compartilhar o pão remete à comunicação. O séquito encena uma eucaristia
digital. Não é preciso temer a revolução. O termo alemão para ação (<em>handlung</em>)
significa o que é feito pelas mãos, não pelos dedos. Trata-se de um
totalitarismo sem ideologia. Se dispusesse de uma ideologia,
uniformizaria as massas; na sua ausência, singulariza os consumidores
para o deus-mercado.</p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>Fim da liberdade e da democracia</strong></p>
<p>As telas e monitores são substituídas pelo <em>touchscreen</em> (tela
sensível ao toque). Telespectadores passivos assumem o papel de
emissores ativos. Nas mídias digitais não é a diversão que ameaça a
esfera pública, mas “a propagação e proliferação viral de informação – a
infodemia”, salienta o professor da Universidade de Berlim. Acelera-se a
difusão informativa e se atropela a cognição. A infocracia não visa a
compreensão ou a conscientização, senão o convencimento de curto prazo
pelo <em>Twitter</em>. Os exércitos de <em>trolls</em> (comentários para
desestabilizar um debate) intervêm para fomentar as notícias falsas e
as teorias da conspiração – com ódio. Argumentos racionais sofrem
nocaute.</p>
<p>A verdade perde a aura que teve por milênios na coesão da civilização
humana. Programas políticos são trocados por memes, nas eleições;
imagens não fundamentam raciocínios, mobilizam afetos. As redes sociais
brotam em espaços privados e se dirigem a espaços privados. Sua ação
comunicativa bloqueia o movimento de ir e vir plural e público do <em>discursus</em>
que, em latim, significa andar ao redor. A alteridade desaparece e,
junto, a possibilidade de um pensamento. Como pondera Byung-Chul Han, “O
filtro da bolha envolve um <em>looping</em>-do-eu permanente”. A
democracia torna-se inútil, meramente decorativa. É como se voltássemos à
segunda etapa do desenvolvimento cognitivo (7 a 12 anos), da teoria de
Jean Piaget, avaliando o mundo com a potência egoica do umbigo.</p>
<p>A tribalização das redes para refatualizar o real galvaniza a extrema
direita, pela urgência desta em achar uma identidade própria para
rasgar o contrato social de pertença à modernidade. Esquisitices tipo “a
terra é plana” contribuem para o biótipo tribal; são demarcatórias.
Renunciar ao bizarro leva a uma falência identitária nas redes cujas
opiniões ungem o sagrado, não o conhecimento. O pacto dialógico é
abandonado. Os idólatras do <em>Big Data</em>, a máquina que elabora as quantidades de dados complexos, projetam um consenso sobre o <em>status quo</em> sem a luta de classes e os partidos políticos. As decisões viram uma prerrogativa exclusiva da <em>artificial intelligence</em>. Promessas individuais e coletivas de bem-estar são terceirizadas na magia algorítmica, com uma servidão voluntária.</p>
<p>Os dataístas veem na sociedade um organismo funcional. Entre órgãos
não há discursividade, o que importa é a troca eficiente de informações
entre unidades de função para um melhor desempenho. Política e governo
saem; entram em cena o controle e o condicionamento. Para os
behavioristas, a interação democrática exala obsolescência – prenuncia o
fim da liberdade e da democracia. Na contramão, Shoshana Zuboff, em <em>A era do capitalismo de vigilância</em>,
alerta: “Para renovar a democracia, precisamos de um sentimento de
indignação, uma sensibilidade para perceber o que nos está sendo tomado –
a vontade de querer e o espaço público em que age essa vontade”.</p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>Manter viva a vontade da verdade</strong></p>
<p>A refatualização prova que o ditado (“contra os fatos não adianta
brigar”) caducou. Os ditos “fatos alternativos” protegem as tribos. A
verdade já não serve de anteparo à guerra de todos contra todos, para
alçar a sociabilidade comum. O Dicionário Oxford, em 2016, escolheu a
expressão <em>post-truth</em> (pós-verdade) de emblema para um tempo em
que os fatos objetivos são menos influentes do que as emoções e as
idiossincrasias. O referendo britânico sobre a União Europeia (<em>Brexit</em>)
e a eleição de Donald Trump foram o estopim. Não faltou o simulacro
brasileiro para ilustrar o ápice do processo denunciado pelo <em>The New York Times</em> – nos idos de 2005 – ao eleger o neologismo <em>truthiness</em>, algo parecido com “veridade”, para destacar a crise da verdade e do entendimento no século XXI.</p>
<p>A ordem digital abole a solidez do fatual. A fotografia digitalizada,
idem, ao refazer a estética para o visual. Celulares costumam vir
programados para fazer maquiagens automáticas, o que estimula o <em>habitus</em>
de negação da facticidade. A sociedade informacional tem no DNA a
desconfiança. Reina a desorientação, na abundância de informações que
afirmam a contingência e a ambivalência de tudo. A verdade é outra
mercadoria sujeita às oscilações da Bolsa de Valores. As grandes
narrativas evaporam. O paradigma da comunicação discursiva é suplantado
pela brutal enxurrada de informes desencontrados. A imensa crise da
verdade conduz à crise da sociedade, incapacitada de avançar em
bloco.“Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã
filosofia”, avisa o bardo inglês.</p>
<p>O premier Benjamin Netanyahu ordena os bombardeios na Faixa de Gaza.
Depois de milhares de mulheres e crianças mortas, deduz-se que a limpeza
étnica prepara o terreno para a engenharia colonial, na região. O
genocídio obedece à gramática da acumulação capitalista. A ideia é
construir o Canal Ben-Gurion, homenagem ao pai fundador do Estado
israelense David Ben-Gurion, entre Eilat e Gaza, para multiplicar o
fluxo de navios em ambas as direções. A obra une o Mar Vermelho ao Mar
Mediterrâneo em escala gigante. Substitui o estreito Canal de Suez.
Interessa à geopolítica dos Estados Unidos e da Europa.</p>
<p>Israel faz o serviço sujo. A meta é o domínio de grande parte do
comércio mundial marítimo, pelo Ocidente. O Estado palestino inviabiliza
o projeto. É o obstáculo tático a remover. O Hamas é o mote para ativar
o antigo plano. Entende-se o “apoio incondicional” de Joe Biden (EUA) e
os rompantes de Emmanuel Macron (França) e de Olaf Scholz (Alemanha). O
acontecimento acima é a mais recente aplicação da <em>post-truth</em> para esconder as intenções.</p>
<p>A esquerda deve manter viva a “vontade da verdade”: (a) participar do espaço público e; (b) zelar pelo que os gregos chamavam <em>parrhesia,</em>
o dever de dizer a verdade. Na alegoria da Caverna, de Platão, um
prisioneiro conhece a realidade que projeta sombras no fundo da gruta.
Relata o que viu aos companheiros de infortúnio. Esse parresiasta revela
perseverança na “guerra de posição”, para dar início ao tempo da
liberdade e da democracia. Não adula a ignorância. Rompe grilhões das <em>fake news</em>.
Para Byung-Chul Han, “evidentemente a época da verdade passou”. Logo,
mais necessária é a coragem heroica para uma emancipação dos povos. O
combate à infocracia e ao neofascismo exige uma práxis ideológica
transformadora. Com o otimismo de Lula: A verdade vencerá.</p>
<p><strong>*Luiz Marques</strong><em>é professor de ciência política na UFRGS. Foi secretário estadual de cultura do Rio Grande do Sul no governo Olívio Dutra.</em></p>
<p><strong>Referência</strong></p>
<hr class="wp-block-separator has-alpha-channel-opacity" />
<p>Byung-Chul Han. <em>Infocracia: digitalização e a crise da democracia</em>. Tradução: Gabriel S. Philipson. Petrópolis, Vozes, 2022, 112 págs. [<a href="https://amzn.to/3uSfJKb" rel="noreferrer noopener" target="_blank">https://amzn.to/3uSfJKb</a>]</p>
<figure class="wp-block-image size-full"><a href="https://amzn.to/3uSfJKb"><img alt="" class="wp-image-37374" height="198" src="https://aterraeredonda.com.br/wp-content/uploads/2024/03/61TwzjRQ0TL._SY466_.jpg" width="115" /> </a></figure><figure class="wp-block-image size-full">Fonte: https://aterraeredonda.com.br/infocracia-o-digitalizacao-e-a-crise-da-democracia/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-03-07<br /></figure></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-73815089506177827452024-03-07T15:22:00.005-03:002024-03-07T15:33:21.672-03:00‘Foco na desigualdade é coisa de invejoso; o importante é reduzir a miséria’, diz historiador alem<p> <span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Por José Fucs </span></p><p></p><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 1;"><img alt="Rainer Zitelmann. Foto: Frank Nürnberger" data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/CJKUBPZBF5BRJMOY4QFNEJI6CE.JPG?quality=80&auth=e9fe5ec82e3718bb152aecb5d9c7a31f78fb9ce11ac653d5291f9755cf435f88&width=450&height=380&smart=true 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/CJKUBPZBF5BRJMOY4QFNEJI6CE.JPG?quality=80&auth=e9fe5ec82e3718bb152aecb5d9c7a31f78fb9ce11ac653d5291f9755cf435f88&width=450&height=495&smart=true 1323w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/CJKUBPZBF5BRJMOY4QFNEJI6CE.JPG?quality=80&auth=e9fe5ec82e3718bb152aecb5d9c7a31f78fb9ce11ac653d5291f9755cf435f88&width=450&height=380&smart=true" /></p><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Foto: Frank Nürnberger Entrevista comRainer ZitelmannHistoriador e sociólogo</span><p></p><p><!--[if !mso]>
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<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; text-align: center;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 18pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Para o
pesquisador, o que leva à queda sustentável da pobreza não são ações
governamentais de redistribuição de renda nem programas internacionais de
ajuda, mas o crescimento econômico, que prospera nas economias de livre mercado
e em sociedades que veem os empreendedores de sucesso como modelo e não como
bode expiatório</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">O historiador e sociólogo alemão <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/rainer-zitelmann/" target="_blank"><span style="color: blue;">Rainer Zitelmann</span></a>, de 66 anos, faz parte de uma
estirpe rara de intelectuais, que concentra seus estudos nos benefícios do
capitalismo para o desenvolvimento e a redução da miséria, e não nos males que
o sistema supostamente causa para a sociedade, como a maioria de seus pares.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Autor do livro <a href="https://www.estadao.com.br/economia/rainer-zitelmann-entrevista/" target="_blank"><i><span style="color: blue;">O capitalismo não é o problema, é a
solução</span></i></a> (Ed. Almedina), publicado no Brasil em 2022, ele acabou
de lançar uma nova obra que aborda os efeitos positivos gerados pela liberdade
econômica no desenvolvimento e na redução significativa da miséria no mundo nos
últimos 40 anos. O novo livro – cujo título provisório em português (<i>O
Milagre da economia de mercado e a riqueza das nações)</i> nada tem a ver com o
título em inglês (<i>Como as nações escapam da pobreza</i>) <i>– </i>deve ser
lançado no País em junho pela mesma editora.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Nesta entrevista ao <b>Estadão</b>, realizada
por e-mail e complementada por videoconferência, Zitelmann fala sobre a
preocupação crescente com o aumento da desigualdade social e sobre o trabalho
produzido pelo economista francês <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/thomas-piketty/" target="_blank"><span style="color: blue;">Thomas Piketty</span></a>, apresentado em detalhes no livro <i>O
capital no século 21</i>, lançado em 2014, que se tornou uma referência
internacional no assunto. “O que representou, na interpretação de Piketty, o
pior momento (em termos de desigualdade) foi, na verdade, o melhor momento da
história da humanidade, porque a pobreza nunca caiu tão rapidamente quanto nas
últimas décadas”, afirma. “Eu estou interessado na pobreza, e não na
desigualdade. O foco na desigualdade é coisa de gente invejosa.”</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 3;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 13.5pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Recomendado
para você</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Segundo Zitelmann, as sociedades que têm uma
atitude positiva em relação aos empreendedores bem-sucedidos vão alcançar o
sucesso de forma mais consistente do que as que usam os ricos como bodes
expiatórios. Confira a seguir sua entrevista ao <b>Estadão</b>.</span></p>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: medium; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Você acha que os chineses querem voltar aos
tempos de Mao, </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: medium; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">porque havia mais igualdade naquela época?</span></div>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Em seu novo
livro, o sr. afirma que a liberdade econômica, e não as ações governamentais de
redistribuição de renda e os programas internacionais de ajuda, é que promove a
redução da pobreza no mundo. O que o leva a dizer isso?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No meu livro, eu menciono vários estudos
científicos que chegaram à mesma conclusão nas últimas décadas. A ajuda ao
desenvolvimento é, na melhor hipótese, ineficaz, e muitas vezes até
contraproducente. Podemos observar isso na <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/africa-continente/" target="_blank"><span style="color: blue;">África</span></a>: nenhum continente recebeu tanta ajuda
para o desenvolvimento como a África. Mas as pessoas lá ainda são extremamente
pobres. Os países asiáticos não receberam tanta ajuda. Seguiram um caminho
diferente, permitindo mais liberdade econômica. Veja os casos da <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/coreia-do-sul-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">Coreia do Sul</span></a>, de <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/taiwan-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">Taiwan</span></a>, de <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/cingapura-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">Cingapura</span></a> e mesmo de países que se autodenominam
socialistas, como a <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/china-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">China</span></a> e o <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/vietna-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">Vietnã</span></a>. Eles fizeram enormes progressos na luta
contra a pobreza com a liberalização de suas economias.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">O sr. pode
dizer de que forma a liberdade econômica beneficia os mais pobres? Isso não é
mais uma crença ideológica do que uma conclusão baseada em fatos e na
realidade?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Eu sou historiador e sociólogo. Para mim,
apenas os fatos contam. Eu olho para a história para ver o que funciona e o que
não funciona. Antes do surgimento do <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/capitalismo/" target="_blank"><span style="color: blue;">capitalismo</span></a>, há 200 anos, 90% da população
mundial viviam na pobreza extrema. Hoje, menos de 9% vivem na miséria. Na
China, 45 milhões de pessoas morreram entre 1958 e 1962, em decorrência do
“Grande Salto Adiante” implementado por <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/mao-tse-tung/" target="_blank"><span style="color: blue;">Mao Tsé-Tung </span></a>(1893-1976), que foi a maior
experiência socialista da história. Na época da morte de Mao, 88% da população
chinesa viviam na extrema pobreza. Depois, veio o <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/deng-xiaoping/" target="_blank"><span style="color: blue;">Deng Xiaoping</span></a> (1904-1997), que introduziu a
propriedade privada e implementou a economia de mercado no país. Ele disse:
“Deixem algumas pessoas ficar ricas primeiro”. Resultado: o número de pessoas
vivendo na miséria na China hoje representa menos de 1% da população.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Como
exatamente a liberdade leva à redução da pobreza e aos resultados que o sr.
mencionou?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Liberdade econômica significa deixar os
empreendedores fazerem seus negócios, ganharem dinheiro, ficarem ricos. Quando
há liberdade na economia, o resultado é o crescimento, que é a única forma de
reduzir a pobreza. Isso é o que muita gente não entende. Não é que o governo
não precise fazer nada. Mas, se o governo não estiver tão envolvido nas coisas
e deixar os empreendedores decidirem o que produzir e os consumidores, o que
consumir, a economia vai ganhar dinamismo, o país vai crescer e a pobreza vai diminuir.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm;"><img alt="Para Zitelmann, “o caso da Venezuela é um aviso de que as nações também podem se tornar mais pobres”" data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VG3ABCKCVVGL3DWK6ISJLAYR2Y.jpg?quality=80&auth=5cd50e4ec159abffdf1cff573fddfd4a319a7871201bdb98c689e5f96df06209&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VG3ABCKCVVGL3DWK6ISJLAYR2Y.jpg?quality=80&auth=5cd50e4ec159abffdf1cff573fddfd4a319a7871201bdb98c689e5f96df06209&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VG3ABCKCVVGL3DWK6ISJLAYR2Y.jpg?quality=80&auth=5cd50e4ec159abffdf1cff573fddfd4a319a7871201bdb98c689e5f96df06209&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/VG3ABCKCVVGL3DWK6ISJLAYR2Y.jpg?quality=80&auth=5cd50e4ec159abffdf1cff573fddfd4a319a7871201bdb98c689e5f96df06209&width=380" style="object-fit: contain;" /><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"></span></p>
<div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Para Zitelmann, “o caso da Venezuela é um aviso de que as </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">nações também
podem se tornar mais pobres” </span></div><div class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin-bottom: 0cm; text-align: left;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Foto: Arquivo pessoal - Rainer Zitelmann</span></div>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Muita gente
defende a ideia de que a redistribuição de renda é essencial para reduzir a
miséria e diz que a economia de livre mercado leva a mais desigualdade. Em sua
avaliação, a redistribuição de renda não é uma forma de amenizar as
dificuldades dos mais vulneráveis?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Vou continuar no caso da China para responder
a esta pergunta: sim, a desigualdade hoje é maior do que era nos tempos de Mao.
Não havia bilionários na China naquela época. Hoje, há mais bilionários na
China do que em qualquer outro lugar do mundo, exceto nos Estados Unidos. Você
acha que os chineses querem voltar aos tempos de Mao, porque havia mais
igualdade naquela época? Durante minhas conversas na China, não encontrei
ninguém que quisesse isso. Eu estou interessado na redução da pobreza e não na
desigualdade. O foco na desigualdade é coisa de gente invejosa.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No livro <i>O
capital no século 21</i>, publicado em 2014, o economista francês Thomas
Piketty mostra, com base em dados históricos, que houve um grande aumento da
desigualdade no mundo nas últimas décadas, e faz críticas duras a esta
situação. Qual a sua opinião sobre o trabalho e as ideias de Piketty sobre o
problema da desigualdade?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">As teses de Piketty foram refutadas muitas
vezes. Muitos dos números que ele usa estão simplesmente errados, como já foi
provado repetidas vezes. Mas, mesmo que estivessem corretos, o que isso
significaria? Ele diz, em primeiro lugar, que a desigualdade diminuiu durante a
maior parte do século 20 . Aí, a partir da década de 1980, veio o que ele
considera como um momento ruim, quando a desigualdade aumentou. Mas o que, na
interpretação de Piketty, representou o pior momento foi, na verdade, o melhor
momento da história da humanidade, porque a pobreza nunca caiu tão rapidamente
como neste período. Nas últimas décadas, desde o fim do comunismo na China e em
outros países, o <a href="https://www.estadao.com.br/economia/milagre-asiatico-miseria-licoes-brasil/" target="_blank"><span style="color: blue;">declínio da pobreza </span></a>ocorreu
num ritmo inédito na história. Em 1981, 42,7% da população mundial viviam na
pobreza absoluta. Em 2000, o índice havia caído para 27,8% e hoje é inferior a
9%. Então, como você poder ver, tudo depende do foco, a desigualdade ou a
pobreza, na análise da questão.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: medium; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><b>A ajuda internacional é uma forma de manter
governos corruptos na África e sustentar as ONGs que desenvolvem projetos na
região</b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">O sr.
afirma que, nos últimos 40 anos, US$ 568 bilhões fluíram para África sem
efeitos positivos e sustentáveis na redução da pobreza. Com base no que o sr.
diz isso? As ações realizadas com esse dinheiro todo não ajudaram os mais
pobres na África?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Não. Sabemos disso pelos estudos que eu
menciono no livro. A maior parte do dinheiro vai para os chamados “projetos”,
que às vezes até melhoram as coisas no curto prazo, quando os recursos estão
entrando. Mas, quando o dinheiro para de entrar e os projetos chegam ao fim,
tudo volta a ser como antes. Além disso, grande parte do dinheiro fica nas mãos
de elites corruptas. Então, a ajuda para o desenvolvimento não é uma forma de
combater a pobreza. É uma forma de manter governos corruptos na África, com recursos
fornecidos pelos pagadores de impostos americanos e europeus. Muito desse
dinheiro vai também para as <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/ong-organizacao-nao-governamental/" target="_blank"><span style="color: blue;">ONGs</span></a> que desenvolvem os
projetos. Elas precisam crescer, para manter o grande número de pessoas que
empregam, e estão muito felizes com os relatórios que produzem, a burocracia
que produzem. Estão interessadas principalmente na própria sobrevivência.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No seu
livro, o sr. usa os casos do Vietnã e da Polônia como exemplos de países que
reduziram de forma significativa a pobreza nos últimos 20 ou 30 anos, após a
liberalização de suas economias. Na prática, como a liberalização ajudou estes
países a reduzir a miséria?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Em 1990, o Vietnã era o país mais pobre do
mundo. O que a guerra não destruiu, a economia planificada socialista destruiu.
O PIB (Produto Interno Bruto) per capita era de US$ 98, inferior até aos US$
130 da <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/somalia-africa/" target="_blank"><span style="color: blue;">Somália</span></a>. Mas, com as
reformas pró-mercado lançadas pelos vietnamitas no fim da década de 1980, o
número de pessoas vivendo na pobreza extrema caiu de cerca de 80% da população
para 5%. A <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/polonia-europa/" target="_blank"><span style="color: blue;">Polônia</span></a>, na década de 1980,
era um dos países mais pobres da Europa. Depois, com as reformas que abriram
caminho para a economia de mercado, a Polônia se tornou a campeã de crescimento
na Europa por três décadas seguidas e as condições de vida da população melhoraram
muito.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Por que o
sr. escolheu o Vietnã e a Polônia como exemplos para o seu livro? O que eles
fizeram de diferente que os levou a ter resultados positivos na redução da
miséria?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Todos os anos, desde 1995, a Heritage
Foundation, dos Estados Unidos, publica o Índice de Liberdade Econômica , que
mostra o quão livre é um país do ponto de vista econômico. Eu analisei todos os
177 países da lista para ver onde tinham ocorrido os maiores ganhos em
liberdade econômica. E em nenhum outro país de dimensões equivalentes a
liberdade aumentou tanto quanto na Polônia e no Vietnã. Isso me deixou curioso.
Aliás, o índice de 2024 acabou de ser publicado e o Vietnã ganhou 13 posições
em relação a 2023, subindo da 72.ª para a 59.ª posição, num momento em que a
liberdade econômica se deteriorou em quase todo o mundo. Isso só confirma minha
análise. Tive também uma ligação pessoal com os dois países, porque as duas
mulheres com quem tive as relações mais longas da minha vida vieram da Polônia
e do Vietnã.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Os dois
países, o Vietnã e a Polônia, tinham uma economia planificada antes da
liberalização, na qual o Estado controlava quase tudo, inclusive os preços dos
bens e serviços. Muita gente acredita que a vida das pessoas era melhor naquela
época. O que o sr. pensa sobre isso?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No meu livro, eu conto várias histórias sobre
a vida cotidiana das pessoas no Vietnã e na Polônia. Conto a história de
crianças que tinham de esperar horas na fila só para conseguir arroz – e, mesmo
assim, não recebiam o suficiente para saciar a elas e a suas famílias.
Considerando que os salários mensais das pessoas eram suficientes apenas para
garantir as despesas de subsistência de uma semana, quase todo mundo tinha de
encontrar fontes adicionais de ganho para compensar a escassez. Em Hanói, era
comum as famílias usarem um cômodo de seus apartamentos para criar porcos. A
criação de porcos era a melhor fonte de rendimento extra que havia e a maioria
das famílias destinava um quarto em um apartamento de três quartos para os
porcos, tendo de conviver com o barulho e o mau cheiro, em condições de higiene
terríveis.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No caso da
Polônia, a situação era semelhante?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Na Polônia, acontecia a mesma coisa. As
pessoas tinham de esperar horas e horas nas filas – e algumas vezes até dias –
para comprar coisas para o seu dia a dia. Muitas até pagavam para outras
pessoas ficarem para elas na fila. E, quando chegava a vez delas, acabavam
comprando coisas que nem precisavam, porque não sabiam se iriam faltar depois.
De repente, elas podiam até trocar esses produtos por outros, com outras
pessoas. As longas filas eram muito típicas do <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/socialismo/" target="_blank"><span style="color: blue;">socialismo</span></a>. Na Polônia, havia também selos para
comprar certos produtos que tinham oferta limitada. Se você perdesse o selo,
tinha de fazer uma dieta, porque não podia repor. Estes são os melhores
exemplos de que o sistema não funcionava – e isso não aconteceu nos 1950 e
1960, no pós-guerra, mas nos anos 1980.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Nestes países, eu falei com muitas pessoas e
também fiz muitas entrevistas. Não queria que meu livro fosse apenas cheio de
números, embora ele tenha muitos dados. Queria que as pessoas tivessem uma
palavra a dizer e falassem sobre suas vidas naquela época e agora. E, como no
caso da China, não conheci ninguém no Vietnã e na Polônia que quisesse voltar
aos tempos da economia socialista.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No caso da
Polônia, o país conseguiu unir a liberdade econômica com a democracia. Já o
Vietnã manteve o sistema autoritário de partido único que também se mantém na
China, em Cuba e na Coreia do Norte. De que forma isso influenciou o
desenvolvimento econômico e a redução da pobreza nos dois países?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No Vietnã, em razão do regime de partido
único, as reformas econômicas foram mais fáceis de implementar do que na
Polônia. É preciso compreender que, num primeiro momento, as reformas tendem a
piorar as coisas. Na Polônia, não foi diferente. O desemprego, por exemplo, que
era camuflado nos tempos do comunismo, ganhou visibilidade. Numa democracia,
durante o período de transição, os meios de comunicação social e os partidos
politicos que se opõem à liberalização da economia incitam as pessoas contra as
reformas e defendem mais intervenção estatal. É exatamente isso que estamos
vendo agora na <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/argentina-america-do-sul/" target="_blank"><span style="color: blue;">Argentina</span></a>, após a eleição
de <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/javier-milei/" target="_blank"><span style="color: blue;">Javier Milei</span></a> para a presidência.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; text-align: center;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: medium; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><b>A história não é um filme de Hollywood com
final feliz. As coisas também podem se tornar piores, como aconteceu na
Alemanha quando Hitler chegou ao poder</b></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">O sr.
poderia dar um exemplo de um país rico que empobreceu com a implantação de um
regime socialista, supostamente destinado a promover a redução da desigualdade
e da miséria?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Um exemplo emblemático é a <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/venezuela-america-do-sul/" target="_blank"><span style="color: blue;">Venezuela</span></a>. Nos anos 1970, a
Venezuela era um dos países mais ricos do mundo. A Venezuela era uma boa
democracia, com uma economia de mercado dinâmica, e as pessoas tinham um bom
padrão de vida. Aí, com a ascensão do <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/hugo-chavez/" target="_blank"><span style="color: blue;">Hugo Chávez</span></a> (1954-2013), tudo mudou. Os primeiros
dois ou três anos nem foram tão ruins, porque ele teve a sorte de os preços do
petróleo estarem em alta no mercado internacional, garantindo recursos para
bancar as ações sociais. Mas aí o Chávez começou com as nacionalizações, os
preços do petróeo caíram e as coisas se deterioraram rapidamente. Mais de 25%
da população da Venezuela, o equivalente a 7,5 milhões de pessoas, fugiram do
país desde então. Se isso pôde acontecer num país como a Venezuela, pode
acontecer em qualquer lugar.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Quando as
coisas chegam no ponto em que chegaram na Venezuela, a insatisfação da
população não acaba levando a uma mudança no quadro?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Algumas pessoas pensam que as coisas tem de se
tornar muito, muito ruins para surgir uma boa solução, mas isso não é verdade.
A história não é um filme de Hollywood com garantia de final feliz. As coisas
também podem se tornar piores, como aconteceu na Alemanha nos anos 1930, quando
<a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/adolph-hitler/" target="_blank"><span style="color: blue;">Adolph Hitler</span></a> chegou ao poder. Ninguém podia
imaginar que algo terrível iria acontecer, mas aconteceu. Com o Hugo Chávez,
foi a mesma coisa. Eu me lembro que os intelectuais de esquerda da Europa e dos
Estados Unidos estavam entusiasmados com o tal socialismo do século 21
defendido pelo Chávez, porque finalmente tinham um exemplo de uma nova utopia,
já que na <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/coreia-do-norte-asia/" target="_blank"><span style="color: blue;">Coreia do Norte</span></a> as coisas
não funcionaram tão bem como eles imaginavam. Mas, no fim, o resultado na
Venezuela foi o pior possível. O caso da Venezuela é um aviso de que as nações
também podem se tornar mais pobres.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Além da
Venezuela, que outro caso o sr. citaria de um país que era rico e empobreceu,
em decorrência de uma maior intervenção do Estado na economia, da perseguição
aos ricos e da implementação de uma política de distribuição de renda?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Outro exemplo que ilustra bem este fenômeno é
a Argentina. Muita gente não sabe, mas a Argentina também já foi muito rica. Há
cem anos, a Argentina era um dos países mais ricos do mundo, tanto quanto os <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/estados-unidos-america-do-norte/" target="_blank"><span style="color: blue;">Estados Unidos</span></a>. Aí eles
começaram com essa política peronista de redistribuição de renda e deu no que
deu, com um aumento considerável da pobreza ao longo do tempo. De um lado, eu
tenho dúvidas hoje se as pessoas terão um ou dois anos de paciência para
esperar os efeitos positivos das reformas que estão sendo implementadas pelo
Milei. Como eu disse há pouco, a experiência da história mostra que algumas
coisas ficam piores no começo. O desemprego cresce e às vezes há até recessão.
Mas elas foram pacientes o suficiente para esperar 80 anos para mudar, vendo a
situação do país se deteriorar cada vez mais, desde 1945. Com exceção da década
de 1990, a Argentina teve inflação de dois dígitos em todos os anos. Era algo
normal para eles.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Os problemas no Chile, que era o país mais
liberal e mais bem-sucedido da América do Sul, começaram com uma campanha
contra os ricos</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">O sr.
afirma que, em geral, os ricos são “demonizados” e não admirados em quase todo
o mundo. São vistos como “exploradores " dos pobres por muitas pessoas,
especialmente pelos intelectuais. Mas, na sua visão, ter uma atitude positive
em relação aos ricos e ao capitalismo é algo que favorece o desenvolvimento e a
redução da miséria. O que a atitude das pessoas em relação aos super-ricos tem
a ver com a diminuição da pobreza?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Eu realizei uma pesquisa sobre a imagem dos
ricos em 13 países. A inveja social dos ricos é mais acentuada na <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/franca-europa/" target="_blank"><span style="color: blue;">França</span></a> e em seguida na <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/alemanha-europa/" target="_blank"><span style="color: blue;">Alemanha</span></a>. Já os poloneses e os vietnamitas têm
uma atitude positiva em relação aos ricos. A Universidade de Comércio Exterior
de Hanói até me convidou para participar de um curso sobre o preconceito contra
os ricos e o que é possível fazer contra isso. Não consigo imaginar uma
universidade na Europa ou nos Estados Unidos realizando um <i>workshop</i> como
esse. As sociedades nas quais as pessoas consideram os empreendedores
bem-sucedidos como modelo alcançarão o sucesso de forma mais consistente do que
as que veem os ricos como bode expiatório. Quando há pessoas que querem ser
ricas e têm possibilidade de se tornarem ricas, as coisas funcionam.
Recentemente, escrevi um livro sobre o ódio aos ricos no <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/chile-america-do-sul/" target="_blank"><span style="color: blue;">Chile</span></a>, junto com o
economista chileno Axel Kaiser, chamado <i>El Odio a los Ricos </i>(O ódio aos
ricos). No livro, nós mostramos que os problemas no Chile, que era o país mais
liberal e mais bem-sucedido da <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/america-do-sul/" target="_blank"><span style="color: blue;">América do Sul</span></a>, começaram com uma campanha contra
os ricos.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto; mso-outline-level: 4;"><b><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">Muitas
pessoas acreditam que os mais ricos enriquecem à custas dos mais pobres, em
linha com as ideias propagadas por Karl Marx. Qual a sua visão sobre esta
questão?</span></b></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; mso-margin-bottom-alt: auto; mso-margin-top-alt: auto;"><span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">No coração das crenças de todos os
socialistas, há esta ideia de soma zero, de que os ricos só se tornam ricos
porque tiram dinheiro dos pobres. Mas eu sempre pergunto: como explicar que, na
China, por exemplo, o contingente de pessoas vivendo na miséria caiu de quase
90% para 1% da população em 40 anos, enquanto o número de bilionários aumentou
de 0 para 600? Não é lógico. Isso aconteceu no mundo inteiro. A população
mundial vivendo na pobreza extrema passou de 43% do total em 1980 para 9% hoje,
enquanto o número de bilionários aumentou de 500 para 2.700. A razão que leva à
redução da pobreza e torna algumas pessoas muito ricas é a mesma: o crescimento
econômico. Este é meu principal argumento contra o pensamento de soma zero.
Essas pessoas pensam a mesma coisa em relação ao mundo: que os países ricos têm
de dar dinheiro para os pobres, para eles melhorarem sua situação. Também é um
tipo de pensamento de soma zero. Elas não entendem que não é assim que
funciona.</span></p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h4 class="interview-question">Na
China, o presidente Xi Jinping e o Partido Comunista começaram a falar
há alguns anos sobre “prosperidade comum”, em razão do aumento do número
de bilionários e do crescimento da desigualdade. Isso levou também o
regime a adotar medidas para controlar mais a livre iniciativa e
estimular as doações e a redistribuição de renda. Qual a sua avaliação
sobre esta questão?</h4></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Em 2019, um relatório de trabalho do <a href="https://www.estadao.com.br/tudo-sobre/forum-economico-mundial/" target="_blank">Fórum Económico Mundial</a>
afirmava que “o setor privado da China – que vem se recuperando desde a
crise financeira global de 2008– agora é o principal motor do
crescimento econômico do país”. O relatório mencionava também a
combinação dos números 60, 70, 80 e 90, que é frequentemente utilizada
para descrever o papel do setor privado para a economia chinesa. O setor
privado chinês contribui com 60% do PIB do país e é responsável por 70%
da inovação, 80% da mão de obra urbana e 90% dos novos empregos. A
riqueza privada também é responsável por 70% do investimento e 90%das
exportações.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">A
ascensão da China resultou totalmente da introdução da propriedade
privada e das reformas capitalistas que fizeram recuar a influência do
Estado. Nos últimos anos, contudo, a tendência começou a se inverter. O
Estado voltou a interferir muito mais na economia e isso já levou a um
abrandamento do crescimento econômico chinês.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h4 class="interview-question">Na
sua opinião, o que pode ter um impacto negativo no combate à pobreza e
na melhoria da qualidade de vida da população mundial nas próximas
décadas?</h4></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">O
esquecimento das pessoas. Vemos isso acontecer em todos os lugares.
Depois de um tempo, as nações esquecem por que tiveram sucesso. Acabei
de dar o exemplo da China, mas há muitos outros. Durante anos, em quase
todo o mundo, os países estão indo na direção de uma economia mais
planificada. Os socialistas, hoje, controlam quase toda a América Latina
– a vitória de Javier Milei é a única exceção em anos. Os Estados
Unidos e a Europa também estão caminhando cada vez mais para uma
economia planificada. No seu grande discurso em Davos, em janeiro, o
Milei enfatizou que, em geral, o socialismo moderno já não promove a
nacionalização dos meios de produção. Segundo ele, isso não é mais
necessário. O mercado livre está sendo cada vez mais sufocado pela
intervenção governamental na economia, pela regulamentação cada vez
maior, pelo aumento da tributação e pelas políticas dos bancos centrais.
Os meios de produção e os ativos imobiliários até podem continuar a ser
considerados como propriedade privada no papel. Mas só os títulos
formais de propriedade se mantêm, porque os supostos proprietários
perdem cada vez mais o controle sobre seus ativos, na medida em que o
Estado é que lhes diz o que fazer (e o que não fazer) com eles.</p>
<p class="MsoNormal">Fonte: <a href="https://www.estadao.com.br/economia/desigualdade-inveja-reducao-miseria-entrevista-rainer-zitelmann/">https://www.estadao.com.br/economia/desigualdade-inveja-reducao-miseria-entrevista-rainer-zitelmann/</a> -
<span style="font-family: "Times New Roman",serif; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;">07/03/2024 | 12h30</span></p>
Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-17399236898520428762024-03-06T11:32:00.002-03:002024-03-06T11:32:26.225-03:00O que o 8 de Março tem a ver com as meninas?<p><a class="assinaturas" href="https://lunetas.com.br/author/viviane-santiago/">Viviana Santiago</a> <span class="data">Publicado em 08.03.2021</span></p><h3 class="m-0 mt-3 mt-md-4"><img alt="Duas meninas pequenas brincam na areia com o mar ao fundo" class="w-100 entered lazyloaded" data-lazy-src="https://lunetas.com.br/wp-content/uploads/2021/03/8-de-marco-meninas-portal-lunetas.jpg" data-ll-status="loaded" height="219" src="https://lunetas.com.br/wp-content/uploads/2021/03/8-de-marco-meninas-portal-lunetas.jpg" title="8-de-marco-meninas-portal-lunetas" width="389" /><br /></h3> <p class="m-0 linha-fina mt-3" style="text-align: center;">A
violação de direitos enfrentada pelas mulheres começa na infância,
quando meninas são vítimas da violência de gênero e não podem viver o
desenvolvimento pleno</p><div class="post-conteudo__resumo my-5" style="--bg-color: #ffd6d1;"><div class="d-flex"><div class="resumo-texto d-flex flex-column" style="--bg-color: #ffd6d1;"><p class="m-0 d-flex" style="--bg-color: #ffd6d1; text-align: right;">Viviana
Santiago reflete sobre as violências e as desigualdades de gênero, que
começam a ser vivenciadas ainda na infância: as meninas são vistas como
“mulheres em miniatura” e a elas são negados os direitos básicos à
educação, saúde, segurança e pleno desenvolvimento. </p> </div> </div> </div> <p><span style="font-weight: 400;">O dia <strong>8 de março</strong>
existe no nosso imaginário principalmente a partir de dois sentidos:
aquele que traz a perspectiva de luta internacional das mulheres por
igualdade de direitos, rememorando </span><a href="https://azmina.com.br/reportagens/esqueca-o-incendio-na-fabrica-esta-e-a-verdadeira-historia-do-8-de-marco/" rel="noopener noreferrer" target="_blank"><span style="font-weight: 400;">o massacre de 130 operárias</span></a><span style="font-weight: 400;">
de uma fábrica têxtil de Nova Iorque, em 1911; e outro que utiliza o
dia como plataforma para homenagens e celebrações, deixando em segundo
plano a discussão sobre os desafios enfrentados pelas mulheres</span></p> <blockquote><p>As
mulheres vivenciam todos os dias, conscientemente ou não, situações de
violação de direitos, somente pelo fato de serem mulheres.</p></blockquote> <p><span style="font-weight: 400;">Tais
violações marcam suas histórias mas não as resumem a isso: mulheres são
força, resistência, potência e vêm criando e colaborando para que toda a
humanidade tenha chegado até aqui. O problema é o custo dessa
caminhada, sentida com muita dor, e a invisibilização de seu papel na
contribuição histórica e cotidiana.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Uma
mulher é morta a cada sete horas por ser mulher. Uma mulher sofre
violência doméstica a cada dois minutos. Segundo a Organização Mundial
da Saúde, o Brasil está em quinto lugar nos países que mais matam
mulheres no mundo. Mulheres também são a maioria das trabalhadoras
informais e desempregadas na pandemia: 8,5 milhões de mulheres deixaram a
força de trabalho no último trimestre de 2020. E esses são apenas
alguns dados que expressam o tamanho da violência aos nossos corpos e à
nossa existência. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">O fato é
que muitas violências que atravessam a vida das mulheres adultas já
estão presentes no cotidiano das meninas. Eu costumo dizer que as
meninas são as mulheres no começo de sua vida. Contudo, essa sociedade
não as reconhece enquanto meninas, enquanto pessoas em uma condição
específica de desenvolvimento. </span></p> <blockquote><p>As meninas são
vistas como mulheres em miniatura e recebem tratamentos semelhantes
àqueles dados às mulheres, sem que ninguém se espante ou questione a
violência: é como se fosse seu destino começar a vida sofrendo.</p></blockquote> <p><span style="font-weight: 400;">Se falamos de <a href="https://lunetas.com.br/o-combate-de-violencias-a-infancia-comeca-com-a-educacao-sexual/" rel="noopener noreferrer" target="_blank">assédio</a>
enquanto mulheres, as meninas também relatam que é perigoso andar na
rua ou ir à escola. Desde pequenas, o assédio as incomoda e limita seus
movimentos, muitas vezes impedindo também seu direito à educação. Lembro
quando conversei com uma menina de Teresina (PI), que me contou faltar
aulas todas as vezes em que o pai não podia levá-la até a escola, pois
tinha medo do assédio nos bares localizados no caminho.</span></p> <blockquote><p>A
ausência de mulheres em determinados espaços da sociedade está
profundamente relacionada à falta de acesso à educação para as meninas.</p></blockquote> <p><span style="font-weight: 400;">A
violência sexual interdita a vida das mulheres. Em 2018, o Brasil bateu
recordes de estupro: foram 66.041 casos, em uma média de 180 crimes por
dia; a cada 15 minutos uma menina com menos de 13 anos de idade foi
estuprada (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). Em 2019, 124 pessoas
trans foram assassinadas: 94% mulheres, 88% negras e as notícias não nos
deixam negar que muitas delas eram meninas adolescentes, mortas aos 15,
16 ou 17 anos de idade.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Precisamos
compreender que o 8 de Março nos apresenta uma trajetória de violações
de direitos que está presente desde o início da vida das mulheres. </span></p> <blockquote><p>É
preciso uma análise urgente de gênero articulada à infância para que
possamos entender as violências que meninas vivenciam simplesmente por
serem meninas.</p></blockquote> <p><span style="font-weight: 400;">Precisamos
também compreender que se queremos um mundo em que as mulheres ocupem
todos os lugares, precisamos educar meninas para ocupá-los e eliminar as
barreiras existentes ao longo de seu ciclo de vida que limitam suas
oportunidades.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Em resumo, é
urgente a prevenção à violência, o investimento em políticas públicas
pela igualdade de gênero e a promoção de práticas de educação que
liberem o potencial das meninas. Educação esta que compreenda e estimule
seu interesse pelas ciências exatas e da natureza, que lhes permita
desenvolver sua capacidade de escrita (e valorize seus escritos) e que
mostre a importâncias de meninas e mulheres como sujeitas construtoras
da história. </span></p> <blockquote><p>Que nenhuma menina seja proibida
de fazer qualquer coisa por ser menina, que nenhuma menina seja
obrigada a fazer qualquer coisa por ser menina.</p></blockquote> <p><span style="font-weight: 400;">Que
as meninas possam crescer livres de violência, indo ao encontro do
desenvolvimento pleno de seu potencial e que, quando mulheres, possam
olhar para trás e não ver nada a não ser um caminho de realizações e
crescimento rumo às mulheres incríveis que se tornaram ou se tornarão.</span></p><p><span style="font-weight: 400;">Fonte: https://lunetas.com.br/8-de-marco-meninas/ <br /></span></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-60557898453595632492024-03-04T21:21:00.002-03:002024-03-04T21:21:26.569-03:00Para outro sistema social, outro ser humano<p> por <a href="https://outraspalavras.net/author/daniellemosjeziorny/" rel="author" title="Posts de Daniel Lemos Jeziorny">Daniel Lemos Jeziorny</a></p><p><img alt="" class="wp-image-3092624" height="330" src="https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2024/03/tal-kidsthesedays-keithnegley-1024x576.jpg" width="587" /> </p><p>Imagem: Keith Negle/This American Life</p>
<div class="row row-small">
<div class="column large-12 small-12 text-center mb-30 " id="single-the-excerpt">
<div class="post-excerpt"><p style="text-align: center;">Capitalismo inventou uma ideia particular
de “natureza humana” e esmagou todas as demais. Daí sua identidade com o
racismo e o patriarcado. Também por isso, mudar o mundo exigirá outras
mulheres e homens — que, no entanto, teremos de ser nós mesmos…</p>
</div>
</div>
</div><div class="outra-boletimop" id="outra-1192716808"><div id="boletimop" style="margin-bottom: 20px; margin-left: auto; margin-right: auto; margin-top: 20px; text-align: center;"><div class="ml-form-embedContainer ml-subscribe-form ml-subscribe-form-5648451" id="mlb2-5648451"><div class="ml-form-align-center"><div class="ml-form-embedWrapper embedForm"><div class="ml-form-embedBody ml-form-embedBodyHorizontal row-form"><form action="https://static.mailerlite.com/webforms/submit/z3h6l4" class="ml-block-form" data-code="z3h6l4" method="post" target="_blank"><div class="ml-form-formContent horozintalForm"><div class="ml-form-horizontalRow"><div class="ml-button-horizontal primary">
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</div>
</div>
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</div>
</div>
</div>
</div>
<img alt="." border="0" height="1" src="https://track.mailerlite.com/webforms/o/5648451/z3h6l4?v1693074564" style="display: block; margin: 0; max-height: 1px; max-width: 1px; padding: 0; visibility: hidden;" width="1" />
</div></div><p>A humanidade também modifica a si mesma quando interage e
transforma a natureza da qual faz parte. Conforme elucidado por Marx, o
trabalho é um processo que diferencia os seres humanos das demais
partes da trama da vida pois somente à espécie humana ele pode ser um
processo teleológico. Isto é, mediante o qual os seres humanos
concretizam a sua relação metabólica com a natureza a partir de projetos
prévios; ações volitivas, planejadas e de reordenamento de seu
substrato material e condição inalienável de existência, mas também de
desenvolvimento de certas potencialidades humanas. Historicamente, é
pelo processo de trabalho que os humanos desenvolvem, ou, ao menos,
podem criar condições objetivas ao desenvolvimento de aptidões próprias
de sua espécie, como a criatividade e a inteligência. Sem maiores
ressalvas, portanto, parece razoável asseverar-se que é pelo processo de
trabalho que os seres humanos criam condições objetivas ao
desenvolvimento subjetivo.</p>
<p>Por detrás desse raciocínio, repercute o reconhecimento do caráter
pedagógico e social do processo de trabalho enquanto constituinte de
humanidade. Mas também de que distintas formas sócio-históricas
atribuídas à força social de trabalho forjam particulares versões de
seres humanos distintos, assentes em mapas cognitivos diferentes. Grosso
modo, essas orientações cognitivas – também chamadas cosmovisões –
emanam das formas pelas quais nos organizamos em sociedade para nos
reproduzirmos enquanto espécie. Contudo, isso tampouco as impede de
responder por um particular sistema de conhecimento e de compreensão de
mundo que é também de construção de mundo. Na medida em que integra um
determinando projeto civilizacional, toda cosmovisão encerra também uma
dimensão construtivista. Ainda que imanentes das relações sociais de
produção, modelos civilizacionais costumam recorrer a algum tipo de
sistema de conhecimento que funcione como uma forma de consciência, a
exemplo da ciência ou da religião. Mesmo quando invertidas,
mistificadoras ou absurdas, estas formas de consciência não deixam de
ser objetivas, pois orientam a ação humana na medida em que lhe
significam.</p>
<p>Quando lançou as bases do liberalismo econômico em contraposição ao
que entendia como amarras da regulamentação mercantilista, Adam Smith
apoiou-se na doutrina do direito natural. Para o filósofo escocês, o
sistema econômico era governado por leis naturais que não seriam mais do
que a extrapolação de uma suposta natureza humana. Ontologicamente
entendendo a sociedade como a soma mecânica de indivíduos natural e
racionalmente egoístas, Smith deu vazão a epistemologia do
individualismo metodológico à apreensão do funcionamento do sistema
econômico. Fundava-se, assim, a Ciência Econômica, como um campo
autônomo e supostamente neutro do conhecimento científico. Na proposição
teórica de Adam Smith, os fenômenos econômicos possuem regularidade
natural pois são nada mais do que reflexos de inclinações naturais e
imutáveis do indivíduo. Dessa forma, se o sucesso ou o fracasso
econômico atrelava-se ao cumprimento ou à violação dos imperativos do
direito natural, era simplesmente porque havia uma suposta natureza
humana que não deveria ser obstaculizada por interferências artificiais.
Como corolário, para a escola de pensamento econômico fundada por Adam
Smith é preciso liberar as leis da economia dos grilhões da política,
pois somente assim o progresso econômico pode abrir uma via para si
mesmo.</p>
<p>O pensamento de Smith era progressista para sua época, assim como a
burguesia europeia ascendente que naquele momento lutava contra o poder
aristocrático do antigo regime e cujos interesses o pensador escocês
defendia. Contudo, o que Smith, posteriormente David Ricardo e outros
acólitos do liberalismo econômico não perceberam era simplesmente que
aquilo que entendiam como natureza humana imutável, logo, supostamente
a-histórica, não era senão produto de uma determinada forma
sócio-histórica de se organizar a sociedade. A divisão social do
trabalho – que trazia fenomenais ganhos à produtividade e “riqueza” às
nações – não era a manifestação de uma imutável essência dos seres
humanos, mas resultado da forma histórica pela qual estes concretizavam
sua relação metabólica com a natureza. Definitivamente, no sistema de
conhecimento do liberalismo econômico impera uma inversão da realidade.
Seus defensores não percebem que se os seres humanos têm “inclinação à
troca” é porque vivem numa sociedade cujo comércio de mercadorias
funciona como principal elo social; não o contrário, como
equivocadamente aparece em sua teorização da realidade. No entanto,
mesmo invertida, essa forma de consciência não deixa de ter sua
objetividade – por mais distorcida que esteja.</p>
<p>Ideologicamente orientada por uma forma de consciência invertida
desde a raiz, o modelo europeu e ocidental de civilização moderna se
desenvolve consoante à visão de mundo de que os seres humanos seriam
senhores de uma grande fonte de “recursos naturais”, disponíveis ao seu
bel prazer e cuja melhor forma de aproveitamento seria a sua
transformação em dinheiro. Para a razão instrumental, própria da
modernidade, a natureza não é muito mais do que uma inesgotável fonte de
recursos naturais, aproveitáveis em processos de transformação cujo
objetivo principal é a obtenção de lucro. É claro que a natureza importa
nessa visão de mundo, especialmente enquanto puder ser transformada
numa relação social de exploração chamada capital. Todavia, vale lembrar
que essa transformação requer a mercantilização de suas partes
arrancadas do todo, e de que isso acontece, no mais das vezes, sem
maiores considerações quanto ao bom funcionamento desse todo. Para
especialistas de proa – como Enrique Leff – a emergência climática que
atravessamos emana justamente dessa episteme.</p>
<p>Necessário recordar, contudo, que a ampla mercantilização da natureza
não é um processo viabilizado apenas mediante a transformação da
natureza externa aos seres humanos em mercadorias, mas também a partir
da transformação de sua natureza interna – especialmente a sua força de
trabalho. Aí reside o fundamento do capitalismo: na transformação da
natureza inorgânica, mas também orgânica dos seres humanos em
mercadorias. Porém, se esse processo só poderia completar-se a partir de
um modelo de organização social da produção que hegemonizasse a
mercadoria enquanto forma da força social de trabalho, vale atentar que
ele só tomou lugar em nossas vidas a partir de muita violência. Uma
série de agressões, acometimentos e espoliações capitaneadas pela ação
decisiva de Estados capitalistas que não renunciaram ao monopólio da
violência para subjugar outras versões de humanidade, subjetivamente
projetadas como subalternas e/ou incivilizadas. Como muito bem
demonstrou – dentre outros – o historiador britânico Eric Williams, o
racismo e o colonialismo estão inscritos em letras garrafais na história
do capitalismo desde os seus albores, quando o próprio tráfico de
pessoas escravizadas do sistema colonial serviu para conformar uma
economia triangular ultramarina (Europa, África e América) que alimentou
a acumulação do capital comercial que mais tarde impulsionaria a
Revolução Industrial. Não fosse a colonização, muito provavelmente a
Europa não teria reunido forças para se tornar o centro hegemônico da
economia-mundo capitalista em seu estágio inicial.</p>
<p>Mas não é apenas na transformação da natureza orgânica e inorgânica
do ser humano em mercadoria que reside o fundamento do capitalismo. Pelo
menos desde que Marx desmistificou o processo de acumulação originária
sabemos que a violência também o é. Porém, a violência aberta contra
formas de sentir e de pensar – ou seja, de existir – diferentes daquela
que compõe o núcleo da forma sujeito moderno parece ter cristalizado
nessa mesma forma sujeito de maneira a forjar-se uma versão de ser
humano que tende a ser complacente com ações violentas, naturalizando-as
em muitos casos. Sobretudo quando estas ações são dirigidas contra
seres humanos relegados a uma existência subalternizada no estatuto de
sujeito moderno. Quanto a isso, importa destacar que se o ideal moderno
tem uma matriz ocidental, masculina e branca, tudo aquilo que destoa
desse cânone precisou ser arrancado desse modelo ideal de sujeito para
constituir a alteridade que lhe reafirma.</p>
<p>Há, portanto, sempre um outro a ser negado, uma alteridade construída
de forma negativa e que reforça a subjetividade humana que se forja em
meio à inversão da realidade que caracteriza o projeto de civilização
europeu ocidental que muitos chamam modernidade. Se por um lado a
constituição do estatuto de sujeito moderno requer necessariamente a
negação de um outro que é tido como menos evoluído; é imperioso
reconhecer-se, por outro, que essa estigmatização carrega a violência e o
controle não apenas sobre corpos humanos oprimidos e formas de
existência relegadas a uma condição subalterna, mas também que isso
acontece com o claro objetivo de esbulho dos <em>comuns </em>e da
própria energia vital dessas formas de existência, cujos territórios
deixam de existir enquanto expressões alternativas do metabolismo
humanidade/natureza para servir à acumulação capitalista, portadora do
modelo de civilização europeu ocidental em seu afã universalista. De
fato, não é nenhuma novidade que o racismo contenha razões econômicas. E
a história do colonialismo, da subjugação e escravização de pessoas não
brancas – que é também de constituição da economia-mundo capitalista –
atesta essa triste realidade. O que costuma ser muito menos abordado é
como a doutrina do liberalismo escamoteou essa situação, flagrantemente
antagônica ao seu discurso de liberdade e emancipação humana.</p>
<p>Porém, não foi apenas aos relegados à condição de selvagem e/ou
desalmado que a doutrina do liberalismo mostrou o lado mais cruento da
civilização burguesa. Basta lembrar que foi combinado à corrida
imperialista por parte das grandes potências que o <em>laissez-faire </em>dogmático
conduziu as sociedades capitalistas a duas guerras mundiais e a uma
profunda depressão econômica (1929). Consequentemente, está muito longe
de um disparate afirmar-se que as políticas do liberalismo econômico
também falharam quando tiveram que entregar o que prometiam para pessoas
que tampouco destoavam do ideal de sujeito da modernidade. E talvez
seja oportuno relembrar que cerca de um ano antes do estouro da Segunda
Guerra Mundial, mais precisamente no dia 26 de agosto de 1938, em Paris,
o Congresso Walter Lippman reuniu um conjunto de destacadas
inteligências com a missão de encontrar soluções ao insucesso de seus
dogmas liberais. Desde então, foi como uma espécie de força dormente que
os defensores do liberalismo espreitaram vigilantemente o momento
oportuno de se reerguer, que sobreveio justamente em meados dos anos
1970. Ante a patinada das economias capitalistas, voltaram a ressonar
com vigor as trombetas dogmáticas do <em>laissez-faire</em>, que não
titubearam em anunciar o principal responsável pela derrubada das taxas
de lucro e a escalada da inflação: o Estado de bem-estar social. Além de
produzir o monstro da estagflação, o <em>Welfare State</em> onerava
demasiadamente a sociedade com suas políticas redistributivas e seu
sistema de garantias sociais, ao passo que desincentivava o trabalho e
incentivava a preguiça na classe trabalhadora – bradavam os defensores
do mais “novo” dogma neoliberal.</p>
<p>Então renascidos do ostracismo em que haviam mergulhado depois de que
seu ideal de sociedade se concretizara em duas guerras mundiais, os
defensores da ideologia liberal voltavam à carga justamente contra o
regime de regulação que resgatara as economias capitalistas dos
escombros. A artilharia liberal apontava especialmente ao sistema de
garantias sociais e contra todas as formas de organização da classe
trabalhadora. Através de uma narrativa requentada, os ideólogos
neoliberais não se cansavam em tentar transformar em obstáculo do
progresso o Estado-providência, que se tornara uma espécie de doença ou
mal a ser combatido sem tréguas. E talvez um dos ataques mais
estrategicamente elaborado da reinvestida (neo)liberal veio sob a forma
de discurso normativo, que assumiu desde muito cedo ares de mantra. A
ascensão de Volcker, Thatcher e Reagan ao centro do poder político não
trouxe à cena (ou ao campo de batalha) apenas a diplomacia do dólar
forte e um impulso decisivo à mundialização financeira a partir das
reformas estruturantes (leia-se neoliberais), recomendadas pelo Consenso
de Washington e impostas por organizações “multilaterais” como o Fundo
Monetário Internacional e o Bando Mundial. Subjugada aos interesses dos
detentores da riqueza mundial que se tornara cada vez mais concentrada
sob a forma monetária, a “virada conservadora” que partiu do sistema
nervoso central do capitalismo tampouco deixou de apelar fortemente para
um discurso normativo e moral, inapelável sob pena de obstruir-se o
caminho natural do progresso (dizia-se mais uma vez).</p>
<p>Com base em diligente trabalho de propaganda, rapidamente os <em>think tanks</em>
do neoliberalismo difundiram um carcomido, porém repaginado mapa
cognitivo no imaginário não apenas de economistas, políticos e
formuladores de políticas públicas, mas também de pessoas vulneráveis,
por vezes perdidas, muitas vezes sem emprego e carentes de um discurso
que lhe explicasse o mundo em “mutação” – e neste a desgraça
socioeconômica que lhes acometia.Exaustivamente repetido para que se
tornasse uma verdade, o mantra afirmava que era urgentemente necessário
reduzir o “custo do trabalho” para o empregador, mas também que não
existia “almoço grátis” e que a pobreza era o justo castigo pela
indolência ou pela falta de iniciativa individual empreendedora.
Fortemente recomendada como conhecimento de ponta por instituições como o
Banco Mundial, ganha terreno uma ideologia que vinha em elaboração
desde os anos 1960 por economistas neoliberais afiliados à Escola de
Chicago: a “teoria” do “capital humano”. Primeiramente como explicação
para o sucesso e riqueza econômica da economia estadunidense no
pós-guerra, posteriormente a ideologia do ser humano como uma espécie de
empresa de si mesmo desponta como modelo explicativo para as diferenças
entre economias liberais avançadas e economias atrasadas do chamado
Terceiro Mundo.</p>
<p>É necessário reconhecer, portanto, que ademais da defesa de uma ação
estatal em favor da concorrência (especialmente no mercado de trabalho),
da liberalização comercial e financeira e do sistema de preços de
mercado como única via para o cálculo econômico capaz de apontar o
melhor caminho para o progresso, o neoliberalismo apela à constituição
de um modelo de ser humano supostamente tido como ideal ou mais
“eficiente”. Tal qual o velho liberalismo de Adam Smith, David Ricardo e
outros, o neoliberalismo de Hayek, Friedman e companhia também se apoia
em um discurso moral, que sub-repticiamente não deixa de ser de
conformação de um determinado mapa cognitivo. Conforme apontam os
franceses Dardot e Laval, é enquanto nova razão de mundo que o
neoliberalismo forja o “sujeito empresarial”, a partir de um conjunto de
sanções, estímulos e comprometimentos que visam produzir funcionamentos
psíquicos próprios – que devem ser sobretudo competitivos, ademais de
essencialmente individualistas.</p>
<p>Ora, parece por demais óbvio que se o sujeito neoliberal é
inteiramente imerso na competição, entendendo-a como norma
comportamental exigível em todas as esferas da vida, é porque essa
ideologia serve aos interesses de uma elite que concentra boa parte da
riqueza mundial sob a forma patrimonial, orientando-a ao rendimento em
mercados financeiros conectados mundialmente pelo poder jurisdicional de
Estados aparelhados por representantes dessa mesma elite. A rigor, é
através do sequestro da democracia representativa por parte do poder
econômico e pelo aparelhamento dos Estados capitalistas que se conforma
um mecanismo pelo qual o excedente extraído localmente de trabalhadores
cada vez mais precarizados (explorados e concorrentes entre si) pode ser
apropriado globalmente pelos detentores da riqueza mundial. Isto,
mediante uma relação que é sobretudo jurídica. Uma relação externalizada
da esfera produtiva, restrita à esfera da circulação (do valor) e pela
qual uma parcela cada vez maior da riqueza social produzida pela
humanidade é apropriada privadamente. Contudo, o que fica mais uma vez
escamoteado por detrás de um discurso liberalista de Estado mínimo e de
demonização das esferas política e pública, é que foi justamente através
de um projeto de atuação política que uma elite econômica mundial
logrou o objetivo de convencer os próprios trabalhadores de que era
necessário reorientar tanto a ação estatal quanto o seu mapa cognitivo
contra seus próprios interesses, chancelando a privatização do orçamento
público pelos detentores do dinheiro, que o convertem em mercadoria já
como capital, ou seja, como uma soma de valor cujo valor de uso é gerar
mais-valor e que, a rigor, só existe no processo de circulação.
Trata-se, então, da forma mais mistificada de capital, o <em>capital portador de juros</em>,
aquela na qual o fetiche assume sua máxima expressão, na ideia de que o
dinheiro é capaz de gerar dinheiro a partir de si próprio. E que não
deixa de estar ancorada na ideia completamente absurda de que o
trabalhador é um empreendedor de si mesmo.</p>
<p>Se, a partir da esfera política, o neoliberalismo repaginou uma ideia
desastrosa do ponto de vista humanista, para vincular uma equivocada
ontologia de humanidade a um conjunto de objetivos dos detentores da
riqueza mundial cada vez mais concentrada e estéril do ponto de vista
produtivo, talvez a superação das contradições que faz emergir requeira
necessariamente uma revogação dessa ontologia. Mas também uma
reavaliação criteriosa e séria das ideologias que – disfarçadas de
ciência – se erguem a partir do individualismo metodológico e que não
deixam de escamotear questões como o racismo estrutural e a crescente
mortificação das condições físicas e psíquicas da classe trabalhadora.
Além disso, talvez seja conveniente um reexame do estatuto da política
na quadra histórica que atravessamos, bem como das reais, necessárias e
possíveis funções do Estado na sociedade capitalista. Quem sabe o debate
em torno da eficácia das políticas de austeridade fiscal não venha a
ser um bom de partida para tanto? Quiçá quanto a sua capacidade de
estimular a construção de uma relação metabólica humanidade/natureza que
nos afaste do contexto de guerras e emergência ecológica que
atravessamos e da qual possa surgir uma versão de humanidade menos
assombrada pelo fruto de suas próprias mãos e menos iludida por uma
falsa ideia de si e do mundo que transforma, a partir da forma de
organização social do processo de trabalho.</p><div class="first-line img-item">
<div class="channel"><strong class="text-outraspalavras">Outras</strong>Palavras</div>
<div class="category"><a href="https://outraspalavras.net/category/alemdamercadoria/" rel="category tag">Além da Mercadoria</a></div><div class="category">Fonte: https://outraspalavras.net/alemdamercadoria/para-outro-sistema-social-outro-ser-humano/ <br /></div>
</div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-88683994235958270932024-03-04T10:40:00.006-03:002024-03-04T10:40:27.274-03:00‘Geração digital’ tem dificuldade ao usar computadores e enfrenta desafios no mercado de trabalho <p><span>Por </span><span>Alice Labate </span></p><div class="informs"><div class="date"><div class="principal-dates"><span><time>04/03/2024 | 09h00</time></span></div><div class="principal-dates"><img alt="Bianca Andrade é engenheira de materiais e faz curso de Excel para melhorar suas habilidades" data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/US4EONVXXNFLJODAVX3L4FHERQ.jpg?quality=80&auth=6896d30dd9a9d25ab69c4fcb669d9fb0af7687430dcade25e61d161881f08ef0&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/US4EONVXXNFLJODAVX3L4FHERQ.jpg?quality=80&auth=6896d30dd9a9d25ab69c4fcb669d9fb0af7687430dcade25e61d161881f08ef0&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/US4EONVXXNFLJODAVX3L4FHERQ.jpg?quality=80&auth=6896d30dd9a9d25ab69c4fcb669d9fb0af7687430dcade25e61d161881f08ef0&width=1200 1322w" height="220" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/US4EONVXXNFLJODAVX3L4FHERQ.jpg?quality=80&auth=6896d30dd9a9d25ab69c4fcb669d9fb0af7687430dcade25e61d161881f08ef0&width=380" style="object-fit: contain;" width="294" /><span><time> </time></span><time> </time></div><div class="principal-dates"><time>Bianca Andrade é engenheira de materiais e faz </time></div><div class="principal-dates"><time>curso de Excel para melhorar suas habilidades</time></div><div class="principal-dates"><time><span>Foto: Bianca Andrade/Acervo Pessoal</span></time></div></div></div><div class="container-news-informs" style="text-align: center;"><h2>Acostumados com a internet, jovens da geração Z ‘apanham’ do bom e velho PC </h2></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper "></div><div class="styles__ContentWrapperContainerStyled-sc-1ehbu6v-0 klsZKo content-wrapper news-body container content template-reportagem already-sliced already-checked" data-paywall-wrapper="true"><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Chamada de <strong>“geração da tecnologia”</strong>, a <strong>geração Z </strong>é
conhecida por ser conectada desde cedo, já que os nascidos entre 1995 e
2010 experimentaram o mundo digital desde muito crianças. Ainda assim,
ao iniciar no mercado de trabalho, esses jovens vêm surpreendendo
empregadores e recrutadores por apresentarem dificuldades básicas ao
mexer com computadores.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>“Durante
processos seletivos para vagas, nós fomos observando dificuldade por
parte dos jovens no uso de algumas ferramentas pelo computador, até para
acessar chamadas de vídeo”, diz Vitoria Ribeiro, recrutadora da agência
de integração Nube. “Achei que era só impressão minha, mas comecei a
ver as pessoas comentando nas redes sociais e percebi que é algo que
realmente acontece”, conta.</p><p style="text-align: center;">De fato, nos últimos meses, diversos
usuários nas redes sociais - em sua maioria, Millennials, nascidos entre
1980 e 1994 - têm compartilhado suas experiências trabalhando com
pessoas da geração Z, e todos reclamam da mesma coisa: a falta de
habilidade desses jovens ao usar computadores de mesa, desses que têm
Windows como sistema operacional e que exigem tarefas em processadores
de texto e planilhas.</p></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Geralmente,
vagas de estágio ou de jovem aprendiz não tem requisitos focados em ter
habilidades com plataformas muito complexas, porém mesmo as mais comuns
podem ser desafiadoras para esses jovens. “As empresas exigem
conhecimento, não necessariamente cursos, mas conhecimento de algumas
plataformas, principalmente ferramentas como Excel, esse é o mais
comum”, completa Vitoria.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">A
estudante de administração Larissa Menegasso, 23, conta que até
conseguir a sua atual vaga de estágio teve dificuldades em processos
seletivos anteriores. “Hoje eu tenho facilidade com os programas que uso
para trabalhar, mas no começo eu não sabia nada. Quando eu via
requisitos de conhecimento em Excel, para mexer com planilha, eu
desistia da vaga, aquilo me assustava, eu achava que seria humilhada por
não saber usar”, diz.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Dependendo
do tipo de vaga que está sendo disputada, os processos seletivos tem
fases que testam na prática os programas que estão como requisito. “Nem
todas as empresas fazem testes práticos, mas quando fazem, muitas vezes
os resultados não são satisfatórios”, explicou Almiro Neto, supervisor
do CIEE no Ceará.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Vitória
também contou que já passou por uma situação engraçada em que uma
candidata fugiu de um teste prático: “Uma vez estávamos fazendo a
aplicação de um teste para uma vaga de design gráfico, então os
candidatos precisavam saber mexer em ferramentas de edição de imagem,
como o Photoshop, mas na hora do teste uma candidata pediu para ir ao
banheiro e nunca mais voltou”.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper "><h3 id="">Quais as principais dificuldades?</h3></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">As
dificuldades com computadores e ferramentas comuns como as do Pacote
Office variam, mas, geralmente, são dificuldades com funções mais
básicas ou com a própria aplicação dessas habilidades. “O grande desafio
desses jovens é aplicar as funções de um programa no dia a dia, ou
seja, saber como e quais funções aplicar para resolver situações do
cotidiano de trabalho”, explica João Martins, sócio-fundador da Hashtag
Treinamentos, que oferece cursos de uso de Excel e programação.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">“Hoje
estou fazendo curso de Excel para melhorar minhas habilidades, já que
meu trabalho exige, e consigo mexer com mais facilidade. Antes de
começar as aulas, eu até sabia o básico, sabia o que eu precisava fazer,
só não sabia aplicar as funções pra chegar no resultado necessário”,
explicou Bianca Andrade, 24, formada em engenharia de materiais e aluna
da Hashtag Treinamentos.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">“Eu
vejo que a dificuldade maior por aqui é com o Gmail, que é a plataforma
que mais usamos”, explica Roberta de Santana, supervisora do Instituto
Saber Aprendizes. “Para gente é muito fácil e básico, mas para os
estagiários, por exemplo, temos que ensinar a usar algumas funções, como
organizar a caixa de entrada com tags”.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Os
jovens que ainda nem chegaram ao mercado de trabalho também enfrentam
desafios. Daniel Proença é coordenador de Tecnologia Educacional no
Colégio Presbiteriano Mackenzie Tamboré - Internacional e dá aulas para
alunos do ensino médio, com idades entre 14 e 17 anos. O coordenador
explicou que, apesar de sempre conectados, eles têm dificuldades com a
tecnologia.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>“Embora
muitas vezes vistos como “nativos digitais”, os jovens também enfrentam
desafios ao interagir com plataformas tecnológicas”, diz Proença. “As
dificuldades enfrentadas ao usar softwares específicos são
multifatoriais, abrangendo desde o desenvolvimento cognitivo e
psicomotor até experiências limitadas com tecnologia, interfaces não
intuitivas, excesso de informações, variações nas motivações e no
engajamento, diferenças individuais em estilos de aprendizagem, e a
falta de acessibilidade e design universal nos softwares”, detalhou.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper " style="margin: 0px 0px 24px;"><h3 id="">Por que a ‘geração da tecnologia’ não tem facilidade com PCs?</h3></div><p>Apesar
da geração Z estar sempre conectada, nem sempre isso acontece por meio
de um PC - o celular, claro, ganha com folga. E mesmo quando esses
jovens utilizam um computador, o acesso não é focado nas ferramentas
mais exigidas para vagas de emprego.</p><p>“Sempre usei bastante o
computador, mas não esses programas voltados para trabalho. Eu não
precisava na época, então não me preocupei em aprender lá atrás”, diz
Bianca Andrade.</p></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb " style="text-align: center;">De
acordo com a pesquisa TIC Domicílios em 2023, 95% das pessoas entre 16 e
24 anos se conectam à internet. Dentro desse grupo, 100% das pessoas
acessam a internet pelo celular, 63% acessam pela TV e 49% acessam pelo
computador - aqui, a preferência pela TV indica o streaming de vídeo
como uma atividade mais elevada do que atividades realizadas no PC.<img alt="Excel é a plataforma mais exigida em processos seletivos de vagas de emprego" data-srcset="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/53IZNHEWMBDKJIMDXRSFI2XDPQ.jpg?quality=80&auth=6ef28a15afb3380c623665a807814ef47e4628eda57f4c7067b4164db18f2fec&width=380 768w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/53IZNHEWMBDKJIMDXRSFI2XDPQ.jpg?quality=80&auth=6ef28a15afb3380c623665a807814ef47e4628eda57f4c7067b4164db18f2fec&width=768 1024w, https://www.estadao.com.br/resizer/v2/53IZNHEWMBDKJIMDXRSFI2XDPQ.jpg?quality=80&auth=6ef28a15afb3380c623665a807814ef47e4628eda57f4c7067b4164db18f2fec&width=1200 1322w" src="https://www.estadao.com.br/resizer/v2/53IZNHEWMBDKJIMDXRSFI2XDPQ.jpg?quality=80&auth=6ef28a15afb3380c623665a807814ef47e4628eda57f4c7067b4164db18f2fec&width=380" style="object-fit: contain;" /></p><figure class="styles__FigureImageWrapper-sc-1qk1vbn-0 hssUbx figure-image-wrapper "><figcaption>Excel é a plataforma mais exigida em processos seletivos de vagas de emprego <span>Foto: Bianca Andrade/Acervo Pessoal</span></figcaption></figure><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">Já
o público mais adulto, entre 25 e 34 anos, 94% estão conectados à
internet - desses, 52% acessam a internet pelo PC. “Vimos que o pessoal
mais velho, perto dos 30 ou 40 anos, apresentam mais afinidade com o
computador, geralmente se vê que eles fazem mais cursos e vão atrás de
aprender a usar esses programas, o que é menos observado no público mais
jovem”, explica Vitoria.</p><div class="styles__MultiParagraphAdStyled-sc-1yb8ue6-0 dArwXb"><div class="paragraph"><p>Larissa,
por sua vez, explicou que apesar de ter computador em casa, não
utilizava muito por conta da sua rotina de trabalho - mesmo no ambiente
profissional, o eletrônico não era necessário. “Quando consegui minha
vaga atual foi um choque, porque na empresa que eu trabalhava antes nós
não usávamos tecnologia para praticamente nada, até pra fazer o balanço
financeiro pediam para que fosse feito por escrito em um caderno”, diz.</p><div class="styles__IntertitleWrapper-sc-vje7ac-0 dyYLdX intertitle-wrapper " style="margin: 0px 0px 24px;"><h3 id="">Cursos</h3></div><p>Com
o aumento da procura, atualmente há diversos cursos específicos que
ensinam como usar essas ferramentas, com foco para o mundo profissional -
é como se depois de tudo o que a tecnologia evoluiu, a sociedade
tivesse voltado para a era do “cursinho de informática”, popular nos
anos 1980 e 1990. “No final do ano, como a demanda cai bastante por
conta das férias, nos disponibilizaram cursos gratuitos para aprender a
usar Excel. Participei e isso me ajudou muito, hoje eu consigo montar
uma planilha sem problemas, e antes isso era um medo”, conta Larissa.</p><p>Apesar
do foco no mercado de trabalho, as motivações para realizar esses
cursos variam. João Martins explica que no Hashtag Treinamentos, alunos
de 16 a 25 anos tem como principal motivação conseguir estágio ou vaga
de trainee, já os de 26 a 35 anos, geralmente já estão inseridos no
mercado de trabalho e tem objetivo de fazer uma transição de carreira,
enquanto alunos a partir dos 36 anos normalmente são os que querem
apenas aprender a usar esses programas para se sentirem atualizados em
relação a tecnologia.</p><p>“Fui concorrer para uma vaga, porque vi que
alguns requisitos eu já tinha, mas quando perguntaram do Excel e eu
disse que sabia só o básico, me desclassificaram de cara, por isso fui
atrás de um curso”, conta Bianca.</p><p>“O Excel é um pré requisito para
praticamente todas as vagas no mercado de trabalho, mas nas escolas e
faculdades isso não é muito ensinado e nem praticado, então esses alunos
depois acabam precisando fazer cursos”, explica Martins. “O ideal seria
ensinar essas habilidades nas etapas anteriores da formação do aluno”,
completou.</p></div></div><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb ">“Eu
costumo dizer que os jovens aprendem muito fácil. Quando eles passam a
utilizar uma plataforma, eles aprendem rápido”, diz Almiro Neto, do
CIEE. “O que falta é oportunidade e orientação”.</p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb "><em>*Alice Labate é estagiária sob supervisão do editor Bruno Romani</em></p><p class="styles__ParagraphStyled-sc-6adecn-0 dvANKb "><em>Fonte: https://www.estadao.com.br/link/cultura-digital/geracao-digital-tem-dificuldade-ao-usar-computadores-e-enfrenta-desafios-no-mercado-de-trabalho/ <br /></em></p></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-20958692790601582024-03-03T20:59:00.001-03:002024-03-03T20:59:07.036-03:00Por uma história social da IA<p>Por <a href="https://outraspalavras.net/author/matteopasquinelli/" rel="author" title="Posts de Matteo Pasquinelli">Matteo Pasquinelli</a></p><div class="first-line img-item"><strong class="text-outraspalavras">Outras</strong>Palavras
<div class="category"><a href="https://outraspalavras.net/category/tecnologiaemdisputa/" rel="category tag">Tecnologia em Disputa</a></div><div class="category"><img alt="" class="wp-image-3092606" height="408" src="https://outraspalavras.net/wp-content/uploads/2024/03/Sem-titulo-2.jpeg" width="574" /> </div><div class="category">Ilustração: March of Intellect (1828), de Robert Seymour</div>
</div><p> </p>
<div class="row row-small">
<div class="column large-12 small-12 text-center mb-30 " id="single-the-excerpt">
<div class="post-excerpt"><p style="text-align: center;">Filósofo investiga as ideias de automação –
do Intelecto Geral de Marx ao ChatGPT. Para ele, o capital não visa
eliminar trabalho humano, mas subjugá-lo. E contra corpos que viram
fábricas, é possível uma cultura de invenção que vise o coletivo</p>
</div>
</div>
</div><div class="outra-boletimop" id="outra-176703024"><div id="boletimop" style="margin-bottom: 20px; margin-left: auto; margin-right: auto; margin-top: 20px; text-align: center;"></div></div><p>Por <strong>Matteo Pasquinelli</strong> | Tradução: <strong>Leonardo Foletto </strong>e <strong>Leonardo Palma</strong></p>
<p>No final de 2023, não lembro onde nem como, fiquei sabendo de <em>The Eye of the Master</em>, novo livro do <a href="https://matteopasquinelli.com/">Matteo Pasquinelli</a>
sobre IA. Fiquei na hora empolgado. Primeiro porque a proposta do livro
é a de contar uma “história social” da IA, indo desde Charles Babbage
até hoje, passando e destrinchando o conceito de <em>general intellect</em>
de Marx (hoje bastante usado nos estudos tecnopolíticos) e a
onipresente cibernética, também uma área de estudos bastante retomada
nos últimos anos por Yuk Hui, Letícia Cesarino e diversos outros
pesquisadores, até chegar as IAs generativas de hoje. Tudo uma abordagem
rigorosa, por vezes densa, cheia de referências saborosas, e marxista –
com várias aberturas típicas do autonomismo italiano e do
pós-operaísmo, influências do autor.</p>
<p>Segundo porque Pasquinelli, professor de filosofia da ciência na Universidade Foscari, em Veneza, tem, ele próprio, um <a href="https://matteopasquinelli.com/">belo histórico</a>
em se debruçar nos estudos da filosofia da técnica. Eu o conheci pela
primeira vez há cerca de 10 anos atrás, quando o artigo “A ideologia da
cultura livre e a gramática da sabotagem” saiu como capítulo do <a href="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/154340333-Copyfight.pdf"><em>Copyfight</em></a>,
importante livro organizado por Bruno Tarin e Adriano Belisário.
Depois, outros textos de Pasquinelli foram publicados em português pelo
coletivo Universidade Nômade; um deles, “<a href="https://uninomade.net/um-diagrama-do-capitalismo-cognitivo-e-da-exploracao-da-inteligencia-social-geral/">O algoritmo do PageRank do Google: Um diagrama do capitalismo cognitivo e da exploração da inteligência social geral</a>”,
já em 2012 apontava para a exploração da “inteligência social geral”
por algoritmos das big techs – o que hoje, com IAs generativas, virou um
consenso global.</p>
<p>Ainda estou digerindo a leitura da obra e me debruçando sobre alguns
tópicos e referências citados, enquanto espero minha cópia impressa do
original chegar para rabiscar e estudar com mais calma. Encharcado de
uma saborosa empolgação intelectual, daquelas que nos deixam ao mesmo
tempo animado pelas descobertas e ansioso em compartilhar esses achados,
fui ao texto que Pasquinelli publicou no E-Flux, em dezembro de 2023, “<a href="https://www.e-flux.com/journal/141/577253/the-automation-of-general-intelligence/">The Automation of General Intelligence</a>”
e traduzi para o português. O texto publicado é uma versão do posfácio
do livro, onde o italiano sintetiza alguns pontos da obra e aponta
caminhos tanto para a discussão teórica quanto para a disputa ativista.
Com a ajuda do amigo Leonardo Palma, busquei traduzir cotejando e
adaptando alguns conceitos para o português brasileiro, tentando quando
possível trazer referências às obras já publicadas por aqui. </p>
<p>Para acompanhar o texto, trouxe as imagens que ilustram a publicação
no E-Flux. Disponibilizo também o livro inteiro em inglês, publicado
pela <a href="https://www.versobooks.com/en-gb/products/735-the-eye-of-the-master">Verso Books</a>
(edições em outros idiomas estão vindo) – “The Eye of the Master: A
Social History of Artificial Intelligence” – para baixar – mas você
sabe, <strong><a href="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/Matteo-Pasquinelli-The-Eye-of-the-Master_-A-Social-History-of-Artificial-Intelligence-Verso-2023.pdf">não é para espalhar</a>.</strong> [Apresentação: <strong>Leonardo Foletto</strong>]</p>
<h2 class="wp-block-heading"><strong>A automação da Inteligência geral (General Intelligence)</strong></h2>
<p>Por <strong>Matteo Pasquinelli</strong></p>
<p class="has-text-align-right"><em>Queremos fazer as perguntas certas.
Como as ferramentas funcionam? Quem as financia e as constrói, e como
são usadas? A quem elas enriquecem e a quem elas empobrecem? Que futuros
elas tornam viáveis e quais excluem? Não estamos procurando respostas.
Estamos procurando por lógica.<br /></em>—Logic Magazine Manifesto, 2017[¹]</p>
<p class="has-text-align-right"><em>Vivemos na era dos dados digitais e,
nessa era, a matemática se tornou o parlamento da política. A lei
social se entrelaçou com modelos, teoremas e algoritmos. Com os dados
digitais, a matemática se tornou o meio dominante pelo qual os seres
humanos se coordenam com a tecnologia… Afinal, a matemática é uma
atividade humana. Como qualquer outra atividade humana, ela traz consigo
as possibilidades tanto de emancipação quanto de opressão.<br /></em>—Politically Mathematics manifesto, 2019[²]</p>
<p class="has-text-align-right"><em>“A mesma importância que as relíquias de ossos têm para o conhecimento da organização das espécies de animais extintas têm </em><em>também
as relíquias de meios de trabalho para a compreensão de formações
socioeconômicas extintas. O que diferencia as épocas econômicas não é “o
que” é produzido, mas “como”, “com que meios de trabalho”. Estes não
apenas fornecem uma medida do grau de desenvolvimento da força de
trabalho, mas também indicam as condições sociais nas quais se
trabalha”.<br /></em>—Karl Marx, Capital, 1867[³]</p>
<p><strong><br /></strong>Haverá um dia no futuro em que a IA atual será
considerada um arcaísmo, um fóssil técnico a estudar entre outros. Na
passagem de <em>O Capital </em>citada acima, Marx sugeriu uma analogia
semelhante que ressoa nos estudos científicos e tecnológicos atuais: da
mesma forma que os ossos fósseis revelam a natureza das espécies antigas
e os ecossistemas em que viviam, os artefatos técnicos revelam a forma
da sociedade que os rodeia e gere. A analogia é relevante, penso eu,
para todas as máquinas e também para a aprendizagem automática, cujos
modelos abstratos codificam, na realidade, uma concretização de relações
sociais e comportamentos coletivos, como este livro tentou demonstrar
ao reformular a teoria laboral da automação do século XIX para a era da
IA.</p>
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<figure class="aligncenter"><img alt="" class="wp-image-15588" src="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/pasquinelli-2.png" /></figure></div>
<p>Este livro [<em>O Olho do Mestre</em>] começou com uma pergunta
simples: Que relação existe entre o trabalho, as regras e a automação,
ou seja, a invenção de novas tecnologias? Para responder a esta questão,
iluminou práticas, máquinas e algoritmos a partir de diferentes
perspectivas – da dimensão “concreta” da produção e da dimensão
“abstrata” de disciplinas como a matemática e a informática. A
preocupação, no entanto, não tem sido repetir a separação dos domínios
concreto e abstrato, mas ver a sua coevolução ao longo da história:
eventualmente, investigar o trabalho, as regras e a automação,
dialeticamente, como abstrações materiais. O capítulo inicial sublinha
este aspecto, destacando como os rituais antigos, os instrumentos de
contagem e os “algoritmos sociais” contribuíram para a elaboração das
ideias matemáticas. Afirmar, como o fez a introdução, que o trabalho é
uma atividade lógica não é uma forma de abdicar da mentalidade das
máquinas industriais e dos algoritmos empresariais, mas antes reconhecer
que a práxis humana exprime a sua própria lógica (uma anti-lógica,
poderia se dizer) – um poder de especulação e invenção, antes de a
tecnociência o capturar e alienar [4].</p>
<p>A tese de que o trabalho tem de se tornar “mecânico” por si só, antes
que a maquinaria o substitua, é um velho princípio fundamental que foi
simplesmente esquecido. Remonta, pelo menos, à exposição de Adam Smith
em <em>A Riqueza das Nações </em>(1776), que Hegel também comentou já
nas suas conferências de Jena (1805-6). A noção de Hegel de “trabalho
abstrato” como o trabalho que dá “forma” à maquinaria já estava em
dívida para com a economia política britânica antes de Marx contribuir
com a sua própria crítica radical ao conceito. Coube a Charles Babbage
sistematizar a visão de Adam Smith numa consistente “teoria do trabalho
da automação”. Babbage complementou esta teoria com o “princípio do
cálculo do trabalho” (conhecido desde então como o “princípio de
Babbage”) para indicar que a divisão do trabalho também permite o
cálculo exato dos custos do trabalho. Este livro pode ser considerado
uma exegese dos dois “princípios de análise do trabalho” de Babbage e da
sua influência na história comum da economia política, da computação
automatizada e da inteligência das máquinas. Embora possa parecer
anacrônico, a teoria da automatização e da extração de mais-valia
relativa de Marx partilha postulados comuns com os primeiros projetos de
inteligência artificial.</p>
<p>Marx derrubou a perspetiva industrialista – “o olho do mestre” – que era inerente aos princípios de Babbage. Em <em>O Capital</em>,
argumentou que as “relações sociais de produção” (a divisão do trabalho
no sistema salarial) impulsionam o desenvolvimento dos “meios de
produção” (máquinas-ferramentas, motores a vapor, etc.) e não o
contrário, como as leituras tecno-deterministas têm vindo a afirmar,
centrando a revolução industrial apenas na inovação tecnológica. Destes
princípios de análise do trabalho, Marx fez ainda outra coisa:
considerou a cooperação do trabalho não só como um princípio para
explicar o design das máquinas, mas também para definir a centralidade
política daquilo a que chamou o “<em>Gesamtarbeiter</em>“, o
“trabalhador geral”. A figura do trabalhador geral era uma forma de
reconhecer a dimensão maquínica do trabalho vivo e de confrontar o
“vasto autômato” da fábrica industrial com a mesma escala de
complexidade. Eventualmente, foi também uma figura necessária para
fundamentar, numa política mais sólida, a ideia ambivalente do
“intelecto geral” (<em>general intellect)</em> que os socialistas ricardianos, como William Thompson e Thomas Hodgskin, perseguiam.</p>
<h3 class="wp-block-heading"><strong>Das linhas de montagem ao reconhecimento de padrões</strong></h3>
<p>Este livro apresentou uma história alargada da divisão do trabalho e
das suas métricas como forma de identificar o princípio operativo da IA a
longo prazo. Como vimos, na virada do século XIX, quanto mais a divisão
do trabalho se estendia a um mundo globalizado, mais problemática se
tornava a sua gestão, exigindo novas técnicas de comunicação, controle e
“inteligência”. Se, no interior da fábrica a gestão do trabalho podia
ainda ser esboçada num simples fluxograma e medida por um relógio, era
muito complicado visualizar e quantificar aquilo que Émile Durkheim, já
em 1893, definia como “a divisão do trabalho social“[5]. A
“inteligência” do patrão da fábrica já não podia vigiar todo o processo
de produção num único olhar; agora, só as infraestruturas de comunicação
podiam desempenhar esse papel de supervisão e quantificação. Os novos
meios de comunicação de massas, como o telégrafo, o telefone, a rádio e
as redes de televisão, tornaram possível a comunicação entre países e
continentes, mas também abriram novas perspectivas sobre a sociedade e
os comportamentos coletivos. James Beniger descreveu corretamente a
ascensão das tecnologias da informação como uma “revolução do controle”
que se revelou necessária nesse período para governar o boom econômico e
o excedente comercial do Norte Global. Após a Segunda Guerra Mundial, o
controle desta logística alargada passou a ser preocupação de uma nova
disciplina militar que fazia a ponte entre a matemática e a gestão: a
pesquisa operacional (<em>Operations Research</em>). No entanto, há que
ter em conta que as transformações da classe trabalhadora no interior de
cada país e entre países, marcadas por ciclos de conflitos urbanos e
lutas descoloniais, foram também um dos fatores que levaram ao
aparecimento destas novas tecnologias de controle.</p>
<p>A mudança de escala da composição do trabalho do século XIX para o século XX também afetou a<em> lógica da automatização</em>,
ou seja, os paradigmas científicos envolvidos nesta transformação. A
divisão industrial do trabalho relativamente simples e as suas linhas de
montagem aparentemente retilíneas podem ser facilmente comparadas a um
simples algoritmo, um procedimento baseado em regras com uma estrutura “<em>se/então</em>“(<em>if/then</em>) que tem o seu equivalente na forma lógica da <em>dedução</em>.
A dedução, não por coincidência, é a forma lógica que, através de
Leibniz, Babbage, Shannon e Turing, se inervou na computação
eletromecânica e, eventualmente, na IA simbólica. A lógica dedutiva é
útil para modelar processos simples, mas não sistemas com uma
multiplicidade de agentes autônomos, como a sociedade, o mercado ou o
cérebro. Nestes casos, a lógica dedutiva é inadequada porque explodiria
qualquer procedimento, máquina ou algoritmo num número exponencial de
instruções. A partir de preocupações semelhantes, a cibernética começou a
investigar a auto-organização em seres vivos e máquinas para simular a
ordem em sistemas de alta complexidade que não podiam ser facilmente
organizados de acordo com métodos hierárquicos e centralizados. Esta foi
fundamentalmente a razão de ser do conexionismo e das redes neurais
artificiais, bem como da investigação inicial sobre redes de comunicação
distribuídas, como a Arpanet (a progenitora da Internet).</p>
<p>Ao longo do século XX, muitas outras disciplinas registaram a
crescente complexidade das relações sociais. Os conceitos gêmeos de “<em>Gestalt</em>” e “padrão” (<em>“pattern</em>”),
por exemplo, utilizados respectivamente por Kurt Lewin e Friedrich
Hayek, foram um exemplo da forma como a psicologia e a economia
responderam a uma nova composição da sociedade. Lewin introduziu noções
holísticas como “campo de forças”(<em>“force field</em>”) e “espaço hodológico” (“<em>hodological space”</em>) para mapear a dinâmica de grupo a diferentes escalas entre o indivíduo e a sociedade de massas[6].</p>
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<figure class="aligncenter"><img alt="" class="wp-image-15589" height="412" src="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/MEYERHOLD.png" width="568" /></figure></div>
<p>O pensamento francês tem sido particularmente fértil e progressivo
nesta direção. Os filósofos Gaston Bachelard e Henri Lefebvre
propuseram, por exemplo, o método da “ritmanálise” (“<em>rhythmanalysis</em>”)
como estudo dos ritmos sociais no espaço urbano (que Lefebvre descreveu
de acordo com as quatro tipologias de arritmia, polirritmia, eurritmia e
isorritmia [7]). De forma semelhante, a arqueologia francesa dedicou-se
ao estudo de formas alargadas de comportamento social nas civilizações
antigas. Por exemplo, o paleoantropólogo André Leroi-Gourhan, juntamente
com outros, introduziu a ideia de cadeia operacional (“<em>chaîne opératoire</em>”)
para explicar a forma como os humanos pré-históricos produziam
utensílios [8]. No culminar desta longa tradição de “diagramatização”
dos comportamentos sociais no pensamento francês, Gilles Deleuze
escreveu o seu célebre “Pós-escrito sobre a Sociedade de Controle”, no
qual afirmava que o poder já não se preocupava com a disciplina dos
indivíduos, mas com o controle dos “dividuais”, ou seja, dos fragmentos
de um corpo alargado e desconstruído [9].</p>
<p>Os campos de força de Lewin, os ritmos urbanos de Lefebvre e os
dividuais de Deleuze podem ser vistos como previsões dos princípios de
“governação algorítmica” que se estabeleceram com a sociedade em rede e
os seus vastos centros de dados desde o final da década de 1990. O
lançamento em 1998 do algoritmo PageRank da Google – um método para
organizar e pesquisar o hipertexto caótico da Web – é considerado, por
convenção, a primeira elaboração em grande escala de “grandes dados” das
redes digitais [10]. Atualmente, estas técnicas de mapeamento de redes
tornaram-se onipresentes: O Facebook, por exemplo, utiliza o protocolo <em>Open Graph</em>
para quantificar as redes de relações humanas que alimentam a economia
da atenção da sua plataforma [11]. O exército dos EUA tem utilizado as
suas próprias técnicas controversas de “análise de padrões de vida” para
mapear redes sociais em zonas de guerra e identificar alvos de ataques
de drones que, como é sabido, mataram civis inocentes [12]. Mais
recentemente, as plataformas da gig economy (“Economia do Bico”) e os
gigantes da logística, como a Uber, a Deliveroo, a Wolt e a Amazon,
começaram a localizar a sua frota de passageiros e condutores através de
aplicações de geolocalização [13]. Todas estas técnicas fazem parte do
novo domínio da “análise de pessoas” (também conhecida como “física
social” ou “psicografia”), que é a aplicação da estatística, da análise
de dados e da aprendizagem automática ao problema da força de trabalho
na sociedade pós-industrial [14].</p>
<p><strong>A automação da psicometria, ou inteligência geral (</strong><strong><em>general intellect</em></strong><strong>)</strong></p>
<p>A divisão do trabalho, tal como o design das máquinas e dos
algoritmos, não é uma forma abstrata em si, mas um meio de medir o
trabalho e os comportamentos sociais e de diferenciar as pessoas em
função da sua capacidade produtiva. Tal como os princípios de Babbage
indicam, qualquer divisão do trabalho implica uma métrica: uma medição
da performatividade e da eficiência dos trabalhadores, mas também um
juízo sobre as classes de competências, o que implica uma hierarquia
social implícita. A métrica do trabalho foi introduzida para avaliar o
que é e o que não é produtivo, para manipular uma assimetria social e,
ao mesmo tempo, declarar uma equivalência ao sistema monetário. Durante a
era moderna, as fábricas, os quartéis e os hospitais têm procurado
disciplinar e organizar os corpos e as mentes com métodos semelhantes,
tal como Michel Foucault, entre outros, pressentiu.</p>
<p>No final do século XIX, a metrologia do trabalho e dos comportamentos encontrou um aliado num novo campo da estatística: a <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Psicometria_(psicologia)">psicometria</a>.
A psicometria tinha como objetivo medir as competências da população na
resolução de tarefas básicas, fazendo comparações estatísticas em
testes cognitivos em vez de medir o desempenho físico, como no campo
anterior da psicofísica [15]. Como parte do legado controverso de Alfred
Binet, Charles Spearman e Louis Thurstone, a psicometria pode ser
considerada uma das principais genealogias da estatística, que nunca foi
uma disciplina neutra, mas sim uma disciplina preocupada com a “medida
do homem”, a instituição de normas de comportamento e a repressão de
anomalias [16]. <em>A transformação da métrica do trabalho em
psicometria do trabalho é uma passagem fundamental tanto para a gestão
como para o desenvolvimento tecnológico no século XX</em>. É revelador que, ao conceber o primeiro <em>perceptron</em>
de rede neural artificial, Frank Rosenblatt tenha se inspirado não só
nas teorias da neuroplasticidade, mas também nas ferramentas de análise
multivariável que a psicometria importou para a psicologia
norte-americana na década de 1950.</p>
<p>Nesta perspetiva, este livro tenta esclarecer como o projeto de IA surgiu, na realidade, da <em>automação da psicometria do trabalho e dos comportamentos sociais – e não da procura da solução do “enigma” da inteligência</em>. Num resumo conciso da história da IA, pode se dizer que a mecanização do “intelecto geral” (“<em>general intellect”</em>)
da era industrial na “inteligência artificial” do século XXI foi
possível graças à medição estatística da competência, como o fator de
“inteligência geral” de Spearman, e à sua posterior automatização em
redes neurais artificiais. Se na era industrial a máquina era
considerada uma encarnação da ciência, do conhecimento e do “intelecto
geral” (“<em>general intellect”</em>) dos trabalhadores, na era da
informação as redes neurais artificiais tornaram-se as primeiras
máquinas a codificar a “inteligência geral” em ferramentas estatísticas –
no início, especificamente, para automatizar o reconhecimento de
padrões como uma das tarefas-chave da “inteligência artificial”. Em
suma, a forma atual de IA, a aprendizagem automática, é a automatização
das métricas estatísticas que foram originalmente introduzidas para
quantificar as capacidades cognitivas, sociais e relacionadas com o
trabalho. A aplicação da psicometria através das tecnologias da
informação não é um fenômeno exclusivo da aprendizagem automática. O
escândalo de dados de 2018 entre o Facebook e a Cambridge Analytica, em
que a empresa de consultoria conseguiu recolher os dados pessoais de
milhões de pessoas sem o seu consentimento, é um lembrete de como a
psicometria em grande escala continua a ser utilizada por empresas e
atores estatais numa tentativa de prever e manipular comportamentos
coletivos [17].</p>
<div class="wp-block-image">
<figure class="aligncenter"><img alt="" class="wp-image-15590" height="393" src="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/pasquinelli-3.png" width="517" /></figure></div>
<p>Dado o seu legado nas ferramentas estatísticas da biometria do século
XIX, também não é surpreendente que as redes neurais artificiais
profundas tenham recentemente se desdobrado em técnicas avançadas de
vigilância, como o reconhecimento facial e a análise de padrões de vida.
Acadêmicos críticos da IA, como Ruha Benjamin e Wendy Chun, entre
outros, expuseram as origens racistas destas técnicas de identificação e
definição de perfis que, tal como a psicometria, quase representam uma
prova técnica do viés social (“<em>social bias”)</em> da IA [18].
Identificaram, com razão, o poder da discriminação no cerne da
aprendizagem automática e a forma como esta se alinha com os aparelhos
de normatividade da era moderna, incluindo as taxonomias questionáveis
da medicina, da psiquiatria e do direito penal [19].<br /><br />A metrologia
da inteligência iniciada nos finais do século XIX, com a sua agenda
implícita e explícita de segregação social e racial, continua a
funcionar no cerne da IA para disciplinar o trabalho e reproduzir as
hierarquias produtivas do conhecimento. Por conseguinte, a lógica da IA
não é apenas a automação do trabalho, mas o reforço destas hierarquias
sociais de uma forma indireta. Ao declarar implicitamente o que pode ser
automatizado e o que não pode, a IA impôs uma nova métrica da
inteligência em cada fase do seu desenvolvimento. Mas comparar a
inteligência humana e a inteligência das máquinas implica também um
julgamento sobre que comportamento humano ou grupo social é mais
inteligente do que outro, que trabalhadores podem ser substituídos e
quais não podem. Em última análise, <em>a IA não é apenas um instrumento
para automatizar o trabalho, mas também para impor padrões de
inteligência mecânica que propagam, de forma mais ou menos invisível,
hierarquias sociais de conhecimentos e competências.</em> Tal como
acontece com qualquer forma anterior de automatização, a IA não se
limita a substituir trabalhadores, mas desloca-os e reestrutura-os numa
nova ordem social.</p>
<h3 class="wp-block-heading"><strong>A automação da automação</strong></h3>
<p>Se observarmos atentamente como os instrumentos estatísticos
concebidos para avaliar as competências cognitivas e discriminar a
produtividade das pessoas se transformaram em algoritmos, torna-se
evidente um aspecto mais profundo da automação. De fato, o estudo da
metrologia do trabalho e dos comportamentos revela que a automação
emerge, em alguns casos, da transformação dos próprios instrumentos de
medição em tecnologias cinéticas. Os instrumentos de quantificação do
trabalho e de discriminação social tornaram-se “robôs” por direito
próprio. Antes da psicometria, se poderia referir a forma como o relógio
utilizado para medir o tempo de trabalho na fábrica foi mais tarde
implementado por Babbage para a automatização do trabalho mental na <a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1quina_diferencial">Máquina Diferencial</a>.
Os cibernéticos, como Norbert Wiener, continuaram a considerar o
relógio como um modelo-chave tanto para o cérebro como para o
computador. A este respeito, o historiador da ciência Henning Schmidgen
observou como a cronometria dos estímulos nervosos contribuiu para a
consolidação da metrologia cerebral e também para o modelo de redes
neurais de McCulloch e Pitts [20]. A teoria da automação que este livro
ilustrou não aponta, portanto, apenas para a emergência de máquinas a
partir da lógica da gestão do trabalho, mas também a partir dos
instrumentos e métricas para quantificar a vida humana em geral e
torná-la produtiva.</p>
<div class="wp-block-image">
<figure class="aligncenter"><img alt="" class="wp-image-15591" height="359" src="https://baixacultura.org/wp-content/uploads/2024/02/pasquinelli-4.png" width="567" /></figure></div>
<p>Este livro procurou mostrar que a IA é o culminar da longa evolução
da automação do trabalho e da quantificação da sociedade. Os modelos
estatísticos da aprendizagem automática não parecem, de fato, ser
radicalmente diferentes da concepção das máquinas industriais, mas antes
homólogos a elas: são, de fato, constituídos pela mesma inteligência
analítica das tarefas e dos comportamentos coletivos, embora com um grau
de complexidade mais elevado (isto é, número de parâmetros). Tal como
as máquinas industriais, cuja concepção surgiu gradualmente através de
tarefas de rotina e de ajustes por tentativa e erro, os algoritmos de
aprendizagem automática adaptam o seu modelo interno aos padrões dos
dados de treino através de um processo comparável de tentativa e erro.
Pode dizer-se que a concepção de uma máquina, bem como a de um modelo de
um algoritmo estatístico, seguem uma lógica semelhante: ambos se
baseiam na imitação de uma configuração externa de espaço, tempo,
relações e operações. Na história da IA, isto era tão verdadeiro para o<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Perceptron"> perceptron de Rosenblatt</a>
(que visava registar os movimentos do olhar e as relações espaciais do
campo visual) como para qualquer outro algoritmo de aprendizagem de
máquinas atual (por exemplo, máquinas de vetores de apoio, redes
bayesianas, modelos de transformadores).</p>
<p>Enquanto a máquina industrial incorpora o diagrama da divisão do
trabalho de uma forma determinada (pensemos nos componentes e nos “graus
de liberdade” limitados de um tear têxtil, de um torno ou de uma
escavadora mineira), os algoritmos de aprendizagem automática
(especialmente os modelos recentes de IA com um vasto número de
parâmetros) podem imitar atividades humanas complexas [21]. Embora com
níveis problemáticos de aproximação e enviesamento, um modelo de
aprendizagem automática é um artefato adaptativo que pode codificar e
reproduzir as mais diversas configurações de tarefas. Por exemplo, um
mesmo modelo de aprendizagem automática pode imitar tanto o movimento de
braços robóticos em linhas de montagem como as operações do condutor de
um automóvel autônomo; o mesmo modelo pode também traduzir entre
línguas tanto como descrever imagens com palavras coloquiais.</p>
<p>O surgimento de grandes modelos de base nos últimos anos (por
exemplo, BERT, GPT, CLIP, Codex) demonstra como um único algoritmo de
aprendizagem profunda pode ser treinado num vasto conjunto de dados
integrado (incluindo texto, imagens, fala, dados estruturados e sinais
3D) e utilizado para automatizar uma vasta gama das chamadas tarefas a
jusante (resposta a perguntas, análise de sentimentos, extração de
informações, geração de texto, legendagem de imagens, geração de
imagens, transferência de estilos, reconhecimento de objetos, seguimento
de instruções, etc.) [22]. Pela forma como foram construídos com base
em grandes repositórios de patrimônio cultural, conhecimento coletivo e
dados sociais, os grandes modelos de base são a aproximação mais próxima
da mecanização do “intelecto geral” que foi prevista na era industrial.
Um aspecto importante da aprendizagem automática que os modelos de base
demonstram é que a automação de tarefas individuais, a codificação do
patrimônio cultural e a análise de comportamentos sociais não têm
qualquer distinção técnica: podem ser realizadas por um único e mesmo
processo de modelação estatística.</p>
<p>Em conclusão, a aprendizagem automática pode ser vista como o projeto
de automatizar o próprio processo de concepção de máquinas e de criação
de modelos – ou seja, a automação da teoria laboral da própria
automação. Neste sentido, a aprendizagem automática e, especificamente,
os modelos de grandes fundações representam uma nova definição de
Máquina Universal, pois a sua capacidade não se limita a executar
tarefas computacionais, mas a imitar o trabalho e os comportamentos
coletivos em geral. O avanço que a aprendizagem automática passou a
representar não é, portanto, apenas a “automação da estatística”, como a
aprendizagem automática é por vezes descrita, mas a automação da
automação, trazendo este processo para a escala do conhecimento coletivo
e do patrimônio cultural [23]. Além disso, a aprendizagem automática
pode ser considerada como a prova técnica da integração progressiva da
automação do trabalho e da governação social. Emergindo da imitação da
divisão do trabalho e da psicometria, os modelos de aprendizagem
automática evoluíram gradualmente para um paradigma integrado de
governança que a análise de dados empresariais e os seus vastos centros
de dados bem exemplificam.</p>
<p><strong>Desfazendo o Algoritmo Mestre</strong></p>
<p>Tendo em conta a dimensão crescente dos conjuntos de dados, os custos
de formação dos grandes modelos e o monopólio da infraestrutura de
computação em nuvem que é necessário para que algumas empresas como a
Amazon, a Google e a Microsoft (e as suas congéneres asiáticas Alibaba e
Tencent) hospedarem esses modelos, tornou-se evidente para todos que a
soberania da IA continua a ser um assunto difícil à escala geopolítica.
Além disso, a confluência de diferentes aparelhos de governança (ciência
climática, logística global e até cuidados de saúde) para o mesmo
hardware (computação em nuvem) e software (aprendizagem de máquina)
assinala uma tendência ainda mais forte para a monopolização. Para além
da notória questão da acumulação de poder, a ascensão dos monopólios de
dados aponta para um fenômeno de convergência técnica que é fundamental
para este livro: os meios de trabalho tornaram-se os mesmos meios de
medição e, do mesmo modo, os meios de gestão e logística tornaram-se os
mesmos meios de planejamento econômico.</p>
<p>Isto também se tornou evidente durante a pandemia de Covid-19, quando
foi criada uma grande infraestrutura para acompanhar, medir e prever os
comportamentos sociais [24]. Esta infraestrutura, sem precedentes na
história dos cuidados de saúde e da biopolítica, não foi, no entanto,
criada <em>ex nihilo</em>, mas construída a partir de plataformas
digitais existentes que orquestram a maior parte das nossas relações
sociais. Sobretudo durante os períodos de confinamento, o mesmo meio
digital foi utilizado para trabalhar, fazer compras, comunicar com a
família e os amigos e, eventualmente, para os cuidados de saúde. As
métricas digitais do corpo social, como a geolocalização e outros
metadados, foram fundamentais para os modelos preditivos do contágio
global, mas elas são usadas há muito tempo para acompanhar o trabalho, a
logística, o comércio e a educação. Filósofos como Giorgio Agamben
afirmaram que esta infraestrutura prolongou o estado de emergência da
pandemia, quando, na verdade, a sua utilização nos cuidados de saúde e
na biopolítica dá continuidade a décadas de monitorização da
produtividade econômica do corpo social, que passou despercebida a
muitos [25].</p>
<p>A convergência técnica das infraestruturas de dados revela também que
a automação contemporânea não se limita à automação do trabalhador
individual, como na imagem estereotipada do robô humanoide, mas à
automação dos patrões e gestores da fábrica, como acontece nas
plataformas da<em> gig economy</em>. Dos gigantes de logística (Amazon,
Alibaba, DHL, UPS, etc.) e da mobilidade (Uber, Share Now, Foodora,
Deliveroo) às redes sociais (Facebook, TikTok, Twitter),<em> o
capitalismo de plataforma é uma forma de automação que, na realidade,
não substitui os trabalhadores, mas multiplica-os e governa-os de novo</em>.
Desta vez, não se trata tanto da automação do trabalho, mas sim da
automação da gestão. Sob esta nova forma de gestão algorítmica, todos
nós passamos a ser trabalhadores individuais de um vasto autômato
composto por utilizadores globais, “<em>turkers</em>“, prestadores de
cuidados, condutores e cavaleiros de muitos tipos. O debate sobre o
receio de que a IA venha a substituir totalmente os empregos é errôneo:
na chamada economia das plataformas, os algoritmos substituem a gestão e
multiplicam os empregos precários. Embora as receitas da<em> gig economy </em>continuem
a ser pequenas em relação aos setores locais tradicionais, ao
utilizarem a mesma infraestrutura a nível mundial, estas plataformas
estabeleceram posições de monopólio. O poder do novo “mestre” não está
na automatização de tarefas individuais, mas na gestão da divisão social
do trabalho. Contra a previsão de Alan Turing, é o mestre, e não o
trabalhador, que o robô veio substituir em primeiro lugar [26].</p>
<p>Nos perguntamos qual seria a possibilidade de intervenção política
num espaço tão tecnologicamente integrado e se o apelo ao “redesign da
IA” que as iniciativas populares e institucionais defendem é razoável ou
praticável. Este apelo deveria começar por responder a uma questão mais
premente: Como é que é possível “redesenhar” os monopólios de dados e
conhecimento em grande escala [27]? À medida que grandes empresas como a
Amazon, a Walmart e a Google conquistaram um acesso único às
necessidades e aos problemas de todo o corpo social, um movimento
crescente pede não só que estas infraestruturas se tornem mais
transparentes e responsáveis, mas também que sejam coletivizadas como
serviços públicos (como sugeriu Fredric Jameson, entre outros), ou que
sejam substituídas por alternativas públicas (como defendeu Nick Srnicek
[28]). Mas qual seria uma forma diferente de projetar essas
alternativas?</p>
<p>Tal como a teoria da automação deste livro sugere, qualquer aparelho tecnológico e institucional, incluindo a IA, <em>é uma cristalização de um processo social produtivo</em>.<em> Os problemas surgem porque essa cristalização “ossifica”</em> <em>e
reitera estruturas, hierarquias e desigualdades do passado. Para
criticar e desconstruir artefatos complexos como os monopólios de IA,
devemos começar por fazer o trabalho meticuloso do desconexão
(“deconnectionism”)</em> <em>, desfazendo – passo a passo, arquivo a
arquivo, conjunto de dados a conjunto de dados, metadado a metadado,
correlação a correlação, padrão a padrão – o tecido social e econômico
que os constitui na origem</em>. Este trabalho já está sendo
desenvolvido por uma nova geração de acadêmicos que estão a dissecar a
cadeia de produção global de IA, especialmente os que utilizam métodos
de “pesquisa-ação”. Destacam-se, entre muitos outros, a plataforma <a href="https://turkopticon.net/">Turkopticon</a>
de Lilly Irani, utilizada para “interromper a invisibilidade do
trabalhador” na plataforma de trabalho temporário Amazon Mechanical
Turk; <a href="http://exposing.ai">a investigação de Adam Harvey</a>
sobre conjuntos de dados de treino para reconhecimento facial, que expôs
as violações maciças da privacidade das empresas de IA e da
investigação acadêmica; e o trabalho do coletivo <a href="http://politicallymath.in">Politically Mathematics</a>
da Índia, que analisou o impacto econômico dos modelos preditivos da
Covid-19 nas populações mais pobres e recuperou a matemática como um
espaço de luta política (ver o seu manifesto citado no início deste
texto).<br /><br />A teoria laboral da automação é um princípio analítico
para estudar o novo “olho do mestre” que os monopólios de IA encarnam.
No entanto, precisamente devido à sua ênfase no processo de trabalho e
nas relações sociais que constituem os sistemas técnicos, é também um
princípio sintético e “sociogênico” (para utilizar o termo programático
de Frantz Fanon e Sylvia Wynter [29]). O que está no cerne da teoria
laboral da automação é, em última análise, uma prática de autonomia
social. <em>As tecnologias só podem ser julgadas, contestadas,
reapropriadas e reinventadas se se inserirem na matriz das relações
sociais que originalmente as constituíram</em>. As tecnologias
alternativas devem situar-se nestas relações sociais, de uma forma não
muito diferente do que os movimentos cooperativos fizeram nos séculos
passados. Mas construir algoritmos alternativos não significa torná-los
mais éticos. Por exemplo, a proposta de codificação de regras éticas na
IA e nos robôs parece altamente insuficiente e incompleta, porque não
aborda diretamente a função política geral da automação no seu cerne
[30].</p>
<p>O que é necessário não é nem o tecnosolucionismo nem o tecnopauperismo, mas sim <em>uma
cultura de invenção, concepção e planejamento que se preocupe com as
comunidades e o coletivo, sem nunca ceder totalmente a agência e a
inteligência à automação</em>. O primeiro passo da tecnopolítica não é
tecnológico, mas político. Trata-se de emancipar e descolonizar, quando
não de abolir na totalidade, a organização do trabalho e das relações
sociais em que se baseiam os sistemas técnicos complexos, os robôs
industriais e os algoritmos sociais – especificamente o sistema
salarial, os direitos de propriedade e as políticas de identidade que
lhes estão subjacentes. As novas tecnologias do trabalho e da sociedade
só podem se basear nesta transformação política. É evidente que este
processo se desenrola através do desenvolvimento de conhecimentos não só
técnicos mas também políticos. Um dos efeitos problemáticos da IA na
sociedade é a sua influência epistêmica – a forma como transforma a
inteligência em inteligência de máquina e promove implicitamente o
conhecimento como conhecimento processual. O projeto de uma
epistemologia política que transcenda a IA terá, no entanto, de
transmutar as formas históricas do pensamento abstrato (matemático,
mecânico, algorítmico e estatístico) e integrá-las como parte da caixa
de ferramentas do próprio pensamento crítico. Ao confrontar a
epistemologia da IA e o seu regime de extrativismo do conhecimento, é
necessário aprender uma mentalidade técnica diferente, uma
“contra-inteligência” coletiva.</p>
<hr class="wp-block-separator has-alpha-channel-opacity" />
<p><strong>Notas:</strong></p>
<p>[1]: “Disruption: A Manifesto,” <a href="https://logicmag.io/intelligence/disruption-a-manifesto/">Logic Magazine, no. 1, março de 2017</a>.<br />[2]: Politically Mathematics collective,<a href="https://politicallymath.in/manifesto/"> “Politically Mathematics Manifesto,” 2019</a><br />[3]: Karl Marx, Capital, Livro 1: O processo de produção do capital, p.330. Trad. Rubens Enderle. Boitempo, 2013<br />[4]: Veja
o debate sobre o processo trabalhista em: Harry Braverman, Labor and
Monopoly Capital: The Degradation of Work in the Twentieth Century
(Monthly Review Press, 1974); David Noble, Forces of Production: A
Social History of Industrial Automation (Oxford University Press, 1984).<br />[5]: Émile Durkheim, “Da Divisão do Trabalho Social” (1893), publicado no Brasil com esse título, por entre outras, <a href="https://www.martinsfontespaulista.com.br/da-divisao-do-trabalho-social-866831/p">a WMF Martins Fontes</a>, em tradução de Eduardo Brandão.<br />[6]:
Kurt Lewin, “Die Sozialisierung des Taylorsystems: Eine grundsätzliche
Untersuchung zur Arbeits- und Berufspsychologie,” Schriftenreihe
Praktischer Sozialismus, vol. 4 (1920) – sem tradução para o português.
Também ver Simon Schaupp, “Taylorismus oder Kybernetik? Eine kurze
ideengeschichte der algorithmischen arbeitssteuerung,” WSI-Mitteilungen
73, no. 3, (2020).<br />[7]: Gaston Bachelard, “La dialectique de la
durée” (Boivin & Cie, 1936), traduzido no Brasil para “A Dialética
da Duração”, <a href="https://www.estantevirtual.com.br/livros/gaston-bachelard/a-dialetica-da-duracao/140430442">publicado pela Editora Ática em 1993</a>.
Henri Lefebvre, “Éléments de rythmanalyse” (Éditions Syllepse, 1992),
último livro do autor, publicado no Brasil como “Elementos de
Ritmanálise e outros Ensaios” pela <a href="http://www.consequenciaeditora.net.br/p-11235177-ELEMENTOS-DE-RITMANALISE-E-outros-escritos-sobre-temporalidades.HENRI-LEFEBVRE-(Autor).-">Editora Consequência em 2021</a>.<br />[8]:
Frederic Sellet, “Chaîne Opératoire: The Concept and Its Applications,”
Lithic Technology 18, no. 1–2 (1993). Sem tradução no Brasil<br />[9]: Gilles Deleuze, “Postscript on the Society of Control,” October, no. 59 (1992). Publicado no Brasil em DELEUZE, Gilles. <a href="https://grupodeestudosdeleuze.files.wordpress.com/2016/05/deleuze-g-conversac3a7c3b5es.pdf">Conversações: 1972-1990</a>.
Rio de Janeiro: Ed. 34,1992. Ver também David Savat, “Deleuze’s
Objectile: From Discipline to Modulation,” in Deleuze and New
Technology, ed. Mark Poster and David Savat (Edinburgh University Press,
2009).<br />[10]: Matthew L. Jones, “Querying the Archive: Data Mining
from Apriori to PageRank,” in Science in the Archives, ed. Lorraine
Daston (University of Chicago Press, 2017); Matteo Pasquinelli,
“Google’s PageRank Algorithm: A Diagram of Cognitive Capitalism and the
Rentier of the Common Intellect,” in Deep Search, ed. Konrad Becker and
Felix Stalder (Transaction Publishers, 2009).<br />[11]: Irina Kaldrack
and Theo Röhle, “Divide and Share: Taxonomies, Orders, and Masses in
Facebook’s Open Graph,” Computational Culture, no. 4 (November 2014);
Tiziana Terranova, “Securing the Social: Foucault and Social Networks,”
in Foucault and the History of Our Present, ed. S. Fuggle, Y. Lanci, and
M. Tazzioli (Palgrave Macmillan, 2015).<br />[12]: Grégoire Chamayou,
“Pattern-of-Life Analysis,” chap. 5 in A Theory of the Drone (New Press,
2014). Publicado no Brasil como “<a href="https://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_do_Drone">Teoria do Drone</a>”, pela Cosac & Naify em 2015. Veja também Matteo Pasquinelli, “<a href="https://www.academia.edu/20946038/Metadata_Society">Metadata Society</a>,”
keyword entry in Posthuman Glossary, ed. Rosi Braidotti and Maria
Hlavajova (Bloomsbury, 2018), e “Arcana Mathematica Imperii: The
Evolution of Western Computational Norms,” in Former West, ed. Maria
Hlavajova and Simon Sheikh (MIT Press, 2017).<br />[13]: Andrea Brighenti
and Andrea Pavoni, “On Urban Trajectology: Algorithmic Mobilities and
Atmocultural Navigation,” Distinktion: Journal of Social Theory 24, no. 1
(2001).<br />[14]: M. Giermindl et al., “The Dark Sides of People
Analytics: Reviewing the Perils for Organisations and Employees,”
European Journal of Information Systems 33, no. 3 (2022). Veja também
Alex Pentland, “Social Physics: How Social Networks Can Make Us Smarter”
(Penguin, 2015).<br />[15]: A palavra “estatística” significava
originalmente o conhecimento que o Estado possuía sobre seus próprios
assuntos e territórios: um conhecimento que tinha de ser mantido em
segredo. Em: Michel Foucault, Security, Territory, Population
(Segurança, Território, População): Lectures at the Collège de France
1977-1978, trans. Graham Burchell (Palgrave Macmillan, 2009).<br />[16]:
Sobre a influência da metrologia cerebral na história da IA, ver Simon
Schaffer: “Os julgamentos de que as máquinas são inteligentes envolveram
técnicas para medir os resultados do cérebro. Essas técnicas mostram
como o comportamento discricionário está ligado ao status daqueles que
dependem da inteligência para sua legitimidade social.” Schaffer, “OK
Computer”, em Ansichten der Wissenschaftsgeschichte, ed., Michael Hagner
(Fischer, 2001) Michael Hagner (Fischer, 2001). Sobre a metrologia
inicial do sistema nervoso, veja Henning Schmidgen, The Helmholtz
Curves: Tracing Lost Times (Fordham University Press, 2014).<br />[17]: Luke Stark, “Algorithmic Psychometrics and the Scalable Subject,” Social Studies of Science 48, no. 2 (2018).<br />[18]:
Ruha Benjamin, Race after Technology: Abolitionist Tools for the New
Jim Code (Polity, 2019); Wendy Chun, Discriminating Data: Correlation,
Neighborhoods, and the New Politics of Recognition (MIT Press, 2021).
Tarcízio Silva fez uma <a href="https://tarciziosilva.com.br/blog/raca-depois-da-tecnologia-ferramentas-abolicionistas-contra-os-novos-racismos/#:~:text=Publicado%20em%20junho%20deste%20ano,um%20futuro%20mais%20justo%20poss%C3%ADvel.">boa análise deste livro em seu blog</a>.<br />[19]:
Sobre a imbricação de colonialismo, racismo e tecnologias digitais,
veja Jonathan Beller, The World Computer: Derivative Conditions of
Racial Capitalism (Duke University Press, 2021); Seb Franklin, The
Digitally Disposed: Racial Capitalism and the Informatics of Value
(University of Minnesota Press, 2021). No Brasil, ver “<a href="https://racismo-algoritmico.pubpub.org/">Racismo Algorítmico</a>: Inteligência Artificial e Discriminação nas Redes Digitais”, de Tarcízio SIlva, lançado pelas Edições Sesc em 2022;“<a href="https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2022/06/colonialismodedados_fpa_WEB.pdf">Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neolibera</a>l“”, org. de Sérgio Amadeu, Joyce Souza e Rodolfo Avelino lançada em 2021 pela Autonomia Literária; e “<a href="https://baixacultura.org/2023/07/21/colonialismo-digital-em-critica-hacker-fanoniana/">Colonialismo Digital: Por uma crítica hacker-fanoniana</a>”, de Deivison Faustino e Walter Lippold, publicado pela Boitempo em 2023.<br />[20]:
Henning Schmidgen, “Cybernetic Times: Norbert Wiener, John Stroud, and
the ‘Brain Clock’ Hypothesis”, History of the Human Sciences 33, no. 1
(2020). Sobre a cibernética e a “medição da racionalidade”, veja Orit
Halpern, “Beautiful Data: A History of Vision and Reason since 1945”
(Duke University Press, 2015), 173.<br />[21]: Em mecânica, os graus de
liberdade (DOF) de um sistema, como uma máquina, um robô ou um veículo,
são o número de parâmetros independentes que definem sua configuração ou
estado. Normalmente, diz-se que as bicicletas têm dois graus de
liberdade. Um braço robótico pode ter muitos. Um modelo grande de
aprendizado de máquina, como o GPT, pode ter mais de um trilhão.<br />[22]: Rishi Bommasani et al., <a href="https://crfm.stanford.edu/report.html">On the Opportunities and Risks of Foundation Models</a>, Center for Research on Foundation Models at the Stanford Institute for Human-Centered Artificial Intelligence, 2021<br />[23]:
Para uma leitura diferente sobre a automação da automação, ver Pedro
Domingos, The Master Algorithm: How the Quest for the Ultimate Learning
Machine Will Remake Our World (Basic Books, 2015); Luciana Parisi,
“Critical Computation: Digital Automata and General Artificial
Thinking,” Theory, Culture, and Society 36, no. 2 (March 2019).<br />[24]:
“Breaking Models: Data Governance and New Metrics of Knowledge in the
Time of the Pandemic,” workshop, Max Planck Institute for the History of
Science, Berlin, and KIM research group, University of Arts and Design,
Karlsruhe, September 24, 2021.<br />[25]: Giorgio Agamben, Where Are We
Now? The Epidemic as Politics, trans. V. Dani (Rowman & Littlefield,
2021). Publicado no Brasil como “Em que ponto estamos?”, <a href="https://www.n-1edicoes.org/shop/9786586941555-em-que-ponto-estamos-agamben-giorgio-n-1-edicoes-phi000000-122115#attr=">pela n-1 edições em 2021</a>.<br />[26]:
Min Kyung Lee et al., “Working with Machines: The Impact of Algorithmic
and Data-Driven Management on Human Workers,” in Proceedings of the
33rd Annual ACM Conference on Human Factors in Computing Systems,
Association for Computing Machinery, New York, 2015; Sarah O’Connor,
“When Your Boss Is an Algorithm,” Financial Times, September 8, 2016.
See also Alex Wood, “Algorithmic Management Consequences for Work
Organisation and Working Conditions,” no. 2021/07, European Commission
JRC Technical Report, Working Papers Series on Labour, Education, and
Technology, 2021.<br />[27]: Redesigning AI, ed. Daron Acemoglu (MIT Press), 2021.<br />[28]:
Leigh Phillips and Michal Rozworski, The People’s Republic of Walmart:
How the World’s Biggest Corporations Are Laying the Foundation for
Socialism (Verso, 2019); Frederic Jameson, Archaeologies of the Future:
The Desire Called Utopia and Other Science Fictions (Verso, 2005),
153n22; Nick Srnicek, Platform Capitalism (Polity Press, 2017), 128.<br />[29]:
Sylvia Wynter, “Towards the Sociogenic Principle: Fanon, Identity, the
Puzzle of Conscious Experience, and What It Is Like to Be ‘Black,’” in
National Identities and Sociopolitical Changes in Latin America, ed.
Antonio Gomez-Moriana, Mercedes Duran-Cogan (Routledge, 2001). Veja
também Luciana Parisi, “Interactive Computation and Artificial
Epistemologies,” Theory, Culture, and Society 38, no. 7–8 (October
2021).<br />[30]: Frank Pasquale, New Laws of Robotics: Defending Human
Expertise in the Age of AI (Harvard University Press, 2020); Dan
McQuillan, “People’s Councils for Ethical Machine Learning,” Social
Media+ Society 4, no. 2 (2018).</p><p>Fonte: https://outraspalavras.net/tecnologiaemdisputa/por-uma-historia-social-da-ia/ <br /></p>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-55962997993959841922024-03-03T20:53:00.004-03:002024-03-03T20:53:32.685-03:00Neurodireitos: o cérebro é a nova fronteira <p><a href="https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ronaldolemos/">Ronaldo Lemos</a>* </p><p></p><div class="c-image-aspect-ratio c-image-aspect-ratio--3x2">
<img alt="Elon Musk aparece detrás de logo da Neuralink, exebido em tela de computador" class="img-responsive c-image-aspect-ratio__image c-lazyload--loaded" data-sizes="(min-width: 1024px) 850px, 100vw" data-src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_md.jpg" data-srcset=" https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_th.jpg 100w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_xs.jpg 320w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_sm.jpg 480w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_md.jpg 768w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_lg.jpg 1024w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_xl.jpg 1200w, https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_rt.jpg 2400w " height="253" src="https://f.i.uol.com.br/fotografia/2024/01/29/170657099965b834f754c61_1706570999_3x2_md.jpg" width="379" />
</div><p></p><div style="text-align: left;">O bilionário Elon Musk, fundador da empresa de 'neurotecnologia' N</div><div style="text-align: left;">euralink
- <span class="widget-image__credits">Dado Ruvic/Reuters</span></div><h2 class="c-content-head__subtitle" itemprop="alternativeHeadline" style="text-align: center;">Estamos próximos do momento em que aparelhos poderão interpretar o que se passa na nossa cabeça diretamente
</h2>
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody"><div class="col col--md-1-1 col--lg-12-18">
<div class="c-news__content">
<div class="c-news__body" data-age-rating="" data-continue-reading-hide-others=".js-continue-reading-hidden" data-continue-reading="" data-disable-copy="" data-news-content-text="" itemprop="articleBody">
<p>Nas últimas semanas a <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2024/03/nao-se-pode-bloquear-o-progresso-diz-neurocientista-sobre-implantes-da-neuralink.shtml" rel="" target="">empresa Neuralink anunciou sucesso em implantar o primeiro chip funcional no cérebro de uma pessoa</a>. O <a href="https://www1.folha.uol.com.br/tec/2024/02/musk-diz-que-paciente-que-recebeu-chip-cerebral-controlou-mouse-com-o-pensamento.shtml" rel="" target="">paciente agora consegue controlar um cursor na tela diretamente com o cérebro</a>. Apesar de o crédito recair em <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/elon-musk/">Elon Musk</a>, é importante lembrar que <a href="https://www1.folha.uol.com.br/tec/2024/01/chip-de-musk-e-invasivo-e-ficcao-cientifica-de-segunda-categoria-diz-nicolelis.shtml" rel="" target="">esse tipo de pesquisa tem como pioneiro o cientista brasileiro Miguel Nicolelis</a>, que deveria junto com seus colegas ser mais lembrado quando se fala desse tema.</p>
<p>A <a href="https://www1.folha.uol.com.br/tec/2024/02/entusiasmo-com-neuralink-de-musk-irrita-concorrencia-mas-lanca-luz-sobre-tecnologias-do-cerebro.shtml" rel="" target="">tecnologia da Neuralink está longe de ser a única</a>
a avançar na colonização cerebral. Há uma verdadeira corrida do ouro
nesse sentido. Há várias tecnologias que não requerem cirurgia nem
intervenções físicas. A <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/apple/">Apple</a> está desenvolvendo uma versão futura dos seus fones de ouvido Airpods que consegue ler sinais cerebrais através do ouvido.</p>
<p>É possível hoje comprar uma bandana que faz eletroencefalograma em
tempo real. O produto custa cerca de R$ 1.500 e é utilizado para fins de
meditação. Enquanto medita o usuário vai recebendo um sinal sonoro
indicando seu grau de relaxamento conforme suas ondas cerebrais. É como
um guia de meditação que dá feedback baseado na leitura direta do
cérebro.</p>
<div class="c-advertising c-advertising--300x250 u-hidden-xs rs_skip">
<div class="c-advertising__banner-area" id="banner-300x250-area-materia"></div>
</div>
<p>E, é claro, a chegada da <a href="https://www1.folha.uol.com.br/folha-topicos/inteligencia-artificial/">inteligência artificial</a>
está levando ao desenvolvimento de sensores que traduzem pensamento
diretamente em texto. A Universidade de Austin tem sido protagonista
nesse tema. Apesar de ainda não haver um produto específico, o resultado
da pesquisa saiu na revista Nature com o pomposo título de
"reconstrução semântica de linguagem contínua a partir de gravações não
invasivas do cérebro".</p>
<p>Em suma, não estamos distantes do momento em que nossos aparelhos
serão capazes de interpretar o que se passa na nossa cabeça diretamente.
Nesse cenário, o que fazer?</p>
<p>A resposta tem acontecido principalmente no campo do direito. E, vale
notar, nossa América Latina tem sido pioneira em avançar nos chamados <a href="https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2020/08/os-neurodireitos-sao-os-novos-direitos-humanos.shtml" rel="" target="">neurodireitos,
um conjunto de direitos e obrigações que buscam proteger cada pessoa
contra as diferentes possibilidades de manipulação cerebral</a>.</p>
</div></div></div><p>O pioneiro nesse novo tipo de direitos foi o Chile. O país
aprovou em 2021 uma emenda modificando sua Constituição para proteger a
atividade cerebral e as informações relacionadas a ela. Curiosamente, a
Suprema Corte do país decidiu o primeiro caso sobre o tema no ano
passado. Nele, um cidadão chileno processou a empresa Insight, que
vendia dispositivos portáteis de monitoramento cerebral no país. A
decisão determinou que a empresa não protegia adequadamente a
privacidade dos usuários e, na prática, consagrou a importância dos
neurodireitos.</p>
<p>Vale notar que no Brasil há um projeto de emenda constitucional de
2023 que quer colocar o "direito à integridade mental" na Constituição.
Além disso, há um projeto de lei de 2022 para alterar a lei de proteção
de dados definindo o conceito de "dado neural", criando uma série de
proteções. Argentina e México também estão tratando do tema. Nos EUA, o
Colorado já aprovou uma lei sobre o tema, com amplo suporte
bipartidário. Outros estão seguindo o mesmo caminho. Esse assunto veio
para ficar. Vamos cada vez mais ouvir falar de neurodireitos. Ainda bem.</p>
<div data-clone-component=""><div class="widget-infographic js-widget-infographic rs_skip" data-infographic-id="infographic-1" data-url="https://arte.folha.uol.com.br/mercado/2024/01/30/como-funciona-o-implante-de-chip-em-humanos/" id="infographic-1"></div>
</div><h3 class="c-news__subtitle" id="reader">Reader</h3>
<p><strong>Já era</strong> Dumb phones</p>
<p><strong>Já é</strong> Smartphones</p>
<p><strong>Já vem</strong> AI Phones</p><p>* Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
</p></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-9822270558272892502024-03-02T20:37:00.000-03:002024-03-02T20:37:38.399-03:00Ser humano: ser sexuado<p>Por MARIA CLARA BINGEMER*</p><h3> <img alt="Sexualidade humana: o que se estuda na especialização" class="YQ4gaf" data-atf="4" data-csiid="84" data-deferred="3" data-ilt="1709422434841" height="188" id="dimg_305" src="https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQLdZI0nH6jQvp32T8y80SAqZzU8RznqR0rqA&s" style="object-position: 63% 25%;" width="268" /></h3>
<p class="publicacao" style="line-height: 15px; margin: 8px auto;"><br /></p>
<div style="align-items: center; display: flex; flex-direction: column; margin: auto; max-width: min-content;">
<img alt="" src="https://www.jb.com.br/brasil/opiniao/artigos/2024/02/1048930-ser-humano-ser-sexuado.html" style="max-width: -webkit-fill-available; width: auto;" />
<span class="texto-foto"> <b></b></span>
</div>
<div class="materia-corpo">
<p class="texto">A sexualidade é uma dimensão constitutiva do ser
humano e, ao mesmo tempo, algo que sempre o questionou ao longo dos
tempos. Por atingir todas as dimensões da identidade humana, levantou
questões conflitivas e críticas, assim como inspirou as mais belas
produções poéticas e artísticas da humanidade. Com relação à religião, a
sexualidade tem uma história de diálogo e confronto que até hoje marca a
vivência de fé das pessoas e das comunidades religiosas.</p>
<p class="texto">Alguns autores refletiram sobre essa dimensão
antropológica fundamental, seja na história geral ou na história
específica do cristianismo, religião predominante no Ocidente. O
britânico Peter Brown em seus inúmeros e importantes trabalhos ressalta a
importância da questão da sexualidade na complexa construção do poder
dentro da organização do Cristianismo. Em sua reflexão encontram-se
elementos tais como a relação entre sexualidade e espiritualidade,
incluindo aí tudo que diz respeito à continência sexual, jejum, ascese e
penitência. Um de seus argumentos é que a desconfiança dos Padres da
Igreja em relação à sexualidade nos primeiros séculos foi uma reação
contra a libertinagem do Império Romano tardio, onde o cristianismo
viveu seus primeiros momentos e se organizou como proposta.</p>
<p class="texto">Santo Agostinho foi um dos pensadores cristãos que
desenvolveu o tema da religião e da sexualidade. Seus escritos trouxeram
algo novo à visão dominante nos círculos intra-eclesiais. Tratou de
questões delicadas, como a virgindade, castidade, fornicação e casamento
elaborando elementos de uma moral sexual cristã. Seu pensamento
influenciou e moldou teoria e prática da Igreja. Da mesma forma, a visão
agostiniana, embora tenha predominado até os dias de hoje na teologia
moral e no pensamento eclesial, recebeu diferentes interpretações ao
longo do tempo.</p>
<p class="texto">A Reforma Protestante trouxe novidades significativas
para a compreensão da sexualidade que existia na Idade Média. A
recuperação do significado original da prática da castidade e da
virgindade enraizadas no texto bíblico e com ela a valorização e a
aceitação do casamento tanto para leigos quanto para clérigos, foi uma
das mudanças mais significativas que a Reforma introduziu na vida cristã
nas fronteiras entre a Idade Média e a Modernidade. Nesse aspecto,
Martinho Lutero faz uma importante contribuição para a compreensão
teológica cristã da sexualidade humana, ampliando-a para além de sua
compreensão anterior.</p>
<p class="texto">A corrente dominante no Ocidente hoje concebe a
sexualidade como um direito individual: entre adultos que consentem com o
contato e a relação sexual entre si e vivem um código em que a libido é
lícita. A moral cristã, diante dessa concepção, adota uma posição
contracorrente, ao continuar sustentando que existem leis naturais e
divinas - que também seriam objetivas e cognoscíveis - que delimitam o
espaço do permitido e do proibido no que diz respeito à sexualidade. O
consentimento individual não seria suficiente para delimitar uma prática
proibida por essas leis. Devido a isso, muitos cristãos se sentem
rejeitados ou excluídos de uma Igreja que lhes propõe práticas nas quais
eles não se veem contemplados. Ou então sentem-se desconfortáveis
diante de uma concepção quase que meramente jurídica da prática da
sexualidade que não se coadunam de forma positiva com a vivência
existencial da fé e a experiência espiritual da Transcendência Divina
como experiência de amor e misericórdia.</p>
<p class="texto">Diante disso, é urgente voltar, parece-nos, ao texto
bíblico do relato da Criação que possibilita uma reflexão teológica
sobre a condição humana sexuada. O texto do Gênesis diz que Deus criou o
homem macho e fêmea: "Ele os criou à imagem de Deus e os criou macho e
fêmea "ish ischah” (Gn 1:27), mas é preciso observar que a sexualidade
no texto bíblico não se refere apenas à genitalidade. A diferença sexual
afeta todos os elementos da corporeidade humana. Ela não afeta apenas o
corpo, mas caracteriza o ser humano como um todo. Não são as glândulas
que têm demandas sexuais, mas todo o ser humano. Os apetites sexuais não
são direcionados apenas para os órgãos sexuais do outro sexo, mas para a
outra pessoa como um todo, como portadora da determinação sexual. A
diferenciação sexual não se limita à esfera biofísica, mas também atinge
a esfera psicológica, pois é um constitutivo antropológico. A
sexualidade é uma parte ineludível de todo ser humano, mas o ser humano
não se reduz à sua sexualidade. É Eros, não logos. e encontra a raiz de
sua compreensão no impulso vital que lança o indivíduo humano em direção
ao outro por meio do desejo, da proximidade, do contato, da
comunicação, a fim de alcançar a comunhão.</p>
<p class="texto">A sexualidade orienta o homem em direção à alteridade:
"Não é bom que o homem esteja só; eu lhe darei uma companheira como ele"
(Gn 2:18). O ser humano único encontra sua plenitude na enriquecedora
diferença e reciprocidade a ele dadas pelo outro. Essa reciprocidade no
amor é expressa na doação sexual: "Adão conheceu Eva, sua mulher" (Gn
4:1). A diferenciação sexual na verdade pertence à semelhança do humano
com o divino, ou seja, ela o torna capaz de amar e ser amado. Como parte
da criação, a sexualidade, por um lado, é distinta da divindade e, por
outro lado, é caracterizada como a vontade e a marca de Deus em Sua
criação.</p>
<p class="texto">O ser humano é sexuado e isso revela sua
relacionalidade marcada pela alteridade. Essa alteridade que o configura
em sua identidade constitutiva é o que revela sua vocação para ser a
imagem de Deus, que é comunhão em seu ser mais íntimo. O próprio termo -
comunhão - fala da identidade de Deus Pai, Filho e Espírito Santo e da
identidade do ser humano, criatura desse Deus, criado à sua imagem e
semelhança. Ser humano é ser um filho da comunhão e não da solidão, é
ser chamado e destinado à comunhão.</p>
<p class="texto">A criatura humana é relacional e transcendente, aberta
ao mundo, aos outros, a Deus. É criatura destinada à comunhão. Por isso
não se pode falar das núpcias entre o barro e o sopro, entre a terra e o
céu, entre a argila e o espírito sem evocar a sexualidade. Esta não
deve ser temida ou rejeitada como perigo ou lugar de tentação, mas
acolhida como constitutiva de humanidade e caminho de plenitude.</p>
<p class="texto"> <strong>*Maria Clara Bingemer é professora do
Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de “O mistério e o mundo:
Paixão por Deus em tempos de descrença” (Editora Rocco), entre outros
livros.</strong></p><p class="texto"><strong>Fonte: https://www.jb.com.br/brasil/opiniao/artigos/2024/02/1048930-ser-humano-ser-sexuado.html <br /></strong></p> </div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1573693655200632246.post-19666420448375156532024-03-02T16:05:00.001-03:002024-03-02T16:05:10.969-03:00Albert Camus<p> Por <strong>ARTHUR GROHS*</strong></p><div class="elementor-element elementor-element-2d55724 elementor-widget elementor-widget-theme-post-featured-image elementor-widget-image" data-element_type="widget" data-id="2d55724" data-widget_type="theme-post-featured-image.default">
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<img alt="" class="attachment-large size-large wp-image-21327" height="285" src="https://aterraeredonda.com.br/wp-content/uploads/2022/04/IMAGEM-900.png" width="507" /> <figcaption class="widget-image-caption wp-caption-text">“Jazz” (1954), de Yoshida Chizuko.</figcaption>
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<p style="text-align: center;"><b><span style="font-size: x-large;">O revisionismo sobre a figura do escritor e pensador francês</span></b></p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>1.</strong>O lançamento de um livro chamado <em>Oublier Camus</em> (<em>Esqueça Camus</em>) causou repercussão internacional, sobretudo, após uma entrevista concedida ao tradicional jornal espanhol <em>El País</em>. Formado em literatura comparada (<em>Columbia University</em>), com mestrado e doutorado em Estudos Românticos (<em>Duke University</em>), Oliver Gloag, que é professor da <em>University of North Carolina</em>,
acusa Albert Camus de machista e colonialista. Uma polêmica, com
exceção da primeira acusação, que não possui qualquer elemento inédito
e, em certo sentido, apenas reacende um pleito que, de tempos em tempos,
retorna à pauta do debate intelectual.</p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>2.</strong>Entendo que há a necessidade, para que seja possível elaborar
inferências sobre o assunto, resgatar alguns pontos dessa oscilante
cronologia hostil a Albert Camus. Assim, lembro que essa controvérsia
nasce, na realidade, com a cisão entre Albert Camus e Jean-Paul Sartre,
em 1952. Após a publicação do ensaio camusiano <em>O homem revoltado</em>, a revista de Sartre, <em>Les Temps Modernes</em>,
publicou uma resenha, assinada pelo acólito sartriano Francis Jeanson, a
qual não foi bem recebida por Albert Camus. A recensão, aliás, demorou a
sair por omissão dos colaboradores da publicação (ninguém se
voluntariava a emitir juízo sobre a obra). Todas as manifestações
tiveram tom pessoal, o que foi, grosso modo, pior para Albert Camus, que
acabou sendo escanteado.</p>
<p>Isso posto, passo ao segundo momento da polêmica, ocorrida na década
de 1970, através de Conor Cruise O’Brien e Edward Said. Ocorre que ambos
autores empreendem uma leitura pobre e absolutamente insuficiente.
Ambos fazem inferências sem ter, de fato, ido a fundo no espólio do
autor. Edward Said, inclusive, diz que Albert Camus é um autor “cuja
mentalidade colonial não era simpática à revolução ou aos árabes”. Algo
que <em>a priori</em> dever-se-ia provar é tido como ponto pacífico.</p>
<p>Mas essa leitura foi trabalhada de maneira mais extensa, por Edward Said, na década de 1990, na obra <em>Cultura e imperialismo</em>.
Nela, Edward Said interpreta os romances de Albert Camus (os quais
possuem propósitos específicos dentro de sua cosmovisão) como “elementos
na geografia política da Argélia metodicamente construída pela França”,
funcionando, então, como álibis de um colonialismo por, dentre outras
razões, não dar nome ao árabe assassinado em <em>O estrangeiro</em>.</p>
<p>Há uma espécie de contorcionismo argumentativo, com o perdão da
ironia, para o objeto (no caso, a obra camusiana) caber no argumento.
Edward Said realiza uma peneira à procura de elementos que comprovariam
sua hipótese, ao invés de pô-la à prova. Há, amiúde, uma projeção das
vontades políticas particulares de Said nos autores que ele estuda. Isso
se vê principalmente no caso que acabo de descrever: para ele, o fato
de que Albert Camus “omitiu” a estrutura colonial – algo que, diga-se de
passagem, não é tão simples no território argelino – deporiam a favor
de sua tese. Sem me alongar, os argumentos de Edward Said são
ilustrações que se perpetuaram sobre a posição política de Albert Camus e
não estão isolados; ao contrário, tornaram-se frequentes a partir da
segunda metade do século XX, com raras exceções, incontestadas.</p>
<p style="font-size: 24px;"><strong>3.</strong>Finalmente, chego a Oliver Gloag. Por conta de se tratar de um
lançamento recente e da obra em questão não estar circulando além da
França, não pude entrar em contato com os argumentos do autor. Contudo,
consegui ler sua entrevista na qual ele mesmo declara que decidiu, assim
como Edward Said, interpretar a obra de Albert Camus com base naquilo
que confirmaria sua tese. Quer dizer, expressamente, lê-se o seguinte
acerca do romance <em>A peste</em>: “proponho uma leitura diferente. A
peste não é a Alemanha ou os alemães, é a resistência do povo argelino à
ocupação francesa, um fenômeno intermitente, mas inelutável, que é
equiparado a uma doença fatal do ponto de vista dos colonos”.</p>
<p>A motivação do revisionismo sobre a figura de Albert Camus, ainda segundo o autor de <em>Oublier Camus</em>,
é o fato de que “existe atualmente um uso permanente” da imagem do
escritor. Assim, “serve para justificar tudo e nada, temos que nos
livrar disso” e, à luz de sua interpretação, seria possível desprender o
verdadeiro homem do mito, que é moldado de modo abusivo e complacente,
de acordo com Gloag.</p>
<p>Minha tese é que, da década de 1970 em diante, pouco se leu Camus
seriamente – ou, pelo menos, pouco se leu Albert Camus seriamente em
relação ao conflito de independência argelino. Enquanto estava à frente
do <em>Combat</em>, por exemplo, mostrou-se bastante crítico quanto à
política colonial francesa, acreditando em uma dívida da França com a
Argélia e afirmando que “a Europa deveria se [auto]acusar, uma vez que
suas constantes convulsões e contradições, ela [a Europa] tem conseguido
produzir o mais longevo e o mais terrível reino de barbarismo que o
mundo já conheceu”. A primeira série de textos que dedicou à Argélia,
aliás, foi motivada por um texto de outro jornalista, que pedia punições
exemplares aos independentistas que haviam feito ataques contra
descendentes de europeus.</p>
<p>Na década de 1950, quando Albert Camus era colunista do <em>L’Express</em>,
ele procurou salientar que os, assim chamados, franceses argelinos, não
tinham as mesmas condições daqueles que moravam na França. Eram, na
realidade, em esmagadora maioria, trabalhadores. Responsabilizando,
primeiro, os sucessivos governos franceses que não se mobilizaram para
evitar que o sangue fosse derramado em solo argelino. A lista de
evidências presente nos ensaios de Albert Camus segue… e poderia seguir
ainda mais. Todavia, parece-me que a grande implicância, se é que posso
chamar assim, se dá pelo fato de que Camus também via responsabilidade
por parte dos árabes. Algumas pessoas parecem convenientemente esquecer
que houveram ataques terroristas os quais vitimaram cidadãos comuns.
Esses, segundo Albert Camus, pouco ou nada tinham a ver com os problemas
entre muçulmanos e a metrópole.</p>
<p>Julgo que Albert Camus parece ser tratado como um autor simplório.
Ainda que a obra de Albert Camus não seja impune e tenha, de fato,
fragilidades, não é um autor desprezível, como aparenta ser tratado por
seus detratores. Tanto por reconhecidamente contribuir na denúncia das
arbitrariedades do sistema colonial na Argélia (não somente quando era
um repórter em sua terra natal, mas também durante sua estadia na
França), quanto pelo fato de que obteve massiva adesão do público
francês quando liderava o <em>Combat</em>. Além, por óbvio, de sua influência literária, perene e vencedora do Nobel de Literatura.</p>
<p>Há, hoje, algo recorrente, que é a tentativa de destruição de
reputações, como parece ser o caso. Com alguma frequência, surgem
movimentos que procuram pôr, à força, nomes no ostracismo, partindo de
uma prerrogativa moralista. Contudo, sem o devido argumento, trata-se de
um moralismo oco. Observar o passado e julgar com os valores do
presente é uma das formas mais pobres de anacronismo, pois lhe escapa a
mínima noção do trabalho em perspectiva histórica.</p>
<p>Isso posto, para citar alguns dos personagens envolvidos nessa disputa, basta lembrar do prefácio de Jean-Paul Sartre a <em>Os condenados da terra</em>,
de Frantz Fanon. Esse foi vetado por Josie Fanon, esposa do autor. A
censura ocorreu por entender que Jean-Paul Sartre contrariou o legado de
seu marido ao apoiar o avanço beligerante do Estado de Israel sobre os
palestinos. Fosse o fato reavivado, talvez as acusações mudassem de
direção.</p>
<p>O “moralismo de Cruz Vermelha”, como Jeanson ironizou a visão
pacifista de Albert Camus, reflete, na origem dessa velha polêmica, uma
característica (por vezes, problemática) do jornalismo e do debate
público: a temperatura. No calor do momento, desprezam-se elementos que o
bom trabalho historiográfico recupera no futuro. No caso de Camus, é um
intelectual que (i) tornou-se órfão por conta da I Guerra Mundial e
(ii) foi testemunha ocular da seguinte. Ao ler, por exemplo, sua famosa
série <em>Ni victimes, ni bourreaux</em> (<em>Nem vítimas, nem carrascos</em>),
é inconfundível que sua maior preocupação é a manutenção da paz e uma
nova ordem da política internacional em torno do bem-estar coletivo.</p>
<p>A deturpação de suas preocupações e suas posições resulta no mais
baixo ataque a alguém que, é evidente, não pode se defender. Resta, ao
fim e ao cabo, o bom senso e o comprometimento daqueles que permanecem
vivos. Desse modo, devem agir preocupados em refutar a desinformação em
nome da verdade, impondo-a acima, inclusive, de seu ideário político.</p>
<p><strong>*Arthur Grohs</strong> <em>é doutorando em Comunicação na PUC-RS</em>.</p><p>Fonte: https://aterraeredonda.com.br/albert-camus/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=novas_publicacoes&utm_term=2024-03-02 <br /></p></div></div>Zelmar Guiottohttp://www.blogger.com/profile/10579134129139610201noreply@blogger.com0