sexta-feira, 2 de março de 2012

Jornalismo calcinha

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER
É sabido que os franceses gostam de polêmica, de queijo podre e de conceitos sofisticados. Um sociólogo francês cria mais rótulos do que um publicitário. Os jornalistas não ficam atrás. Luc Le Vaillant, repórter do prestigioso jornal Libération, acaba de criar um conceito capital: "jornalismo fundo de calcinha". Ou, quem sabe, fundilho. Faz sentido. Descobre-se cada coisa. Busca-se o que cheira mal. Jornalismo não é contar sobre alguém o que esse alguém deseja que contem, mas o oposto. Há mais coisas entre o fundilho de uma calcinha e o céu dos poderosos do que pode imaginar um eleitor desavisado. A obrigação da mídia seria rastrear tudo o que acontece nesse universo secreto, erótico e, por vezes, trepidante.
Vaillant criou o seu conceito para atacar a posição do seu colega Jean Quatremer em defesa da transparência total. Esse Quatremer, pelo jeito, entende que tudo o que se esconde sob as calças de um homem público ou sob o vestido de uma mulher de poder deve ser revelado. Já se descobriu, por exemplo, que sob a calça de um político pode se esconder uma calcinha, assim como sob o vestido de um dama de alto poder político pode se abrigar uma cueca. Qual é o problema? Essa polêmica tem a ver com a recente nova prisão de DSK, ex-diretor-geral do FMI, acusado desta vez de participar de bacanais com prostitutas. Na primeira vez, nos Estados Unidos, a questão era estupro. Agora, sexo consentido, mas pago.
DSK - feito Ronaldo Fenômeno, que levou 4 horas num motel para perceber que estava com homens - declarou não saber que as moças cobravam pelos seus favores. É um rapaz inocente. Vaillant bateu com o peru na mesa: um político deve prestar contas sobre seus atos no governo ou sobre uma suspeita de enriquecimento ilícito, mas é seu direito espiar saunas, participar de surubas ou fazer xixi sentado sem que a população tenha de ser avisada ou consultada. Uau! O resto, segundo ele, é puritanismo no pior estilo norte-americano. Exceto, bem entendido, se o político fizer discurso moralista ou se eleger defendendo os valores sagrados da família e dos costumes?
Não. Vaillant acha que um político pode fumar maconha e ser contra a sua legalização, posicionar-se contra uniões legais de homossexuais e ser gay, adotar posturas individuais que contrariem escolhas políticas. Complexo esse Vaillant. Parece ter muito bom-senso até certo ponto e depois resvalar numa casca de banana. Mas o seu raciocínio está baseado na ideia de que cobrar perfeição moral de alguém é hipocrisia e de que coisas íntimas que não afetam o público devem permanecer íntimas. O caro jornalista prega o direito à contradição entre a esfera privada e a esfera pública. Define: jornalista nem é policial nem juiz. Muito menos um preceptor de moral. Deve deixar as calcinhas em paz. O jornalismo, sugere ele, virou uma brigada de costumes.
Boa polêmica. O Brasil não é diferente da França nessa área. Nossos jornalistas não costumam bisbilhotar o cesto de roupas sujas dos nossos poderosos. Será que o jornalismo fundilho de calcinha vai pegar entre nós?
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Cronista do Correio do Povo
Fonte: Correio do Povo on line, 02/03/2012

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