Lucas Mendes*
Fazendo as malas é um bom livro com um péssimo título. Gerúndio? Por favor...
São dezoito depoimentos de brasileiros
brilhantes que vivem fora do Brasil, mas têm conexões fortes com suas
raízes e acham que, de fora, podem contribuir para a arrancada
brasileira no século 21.
Um dos organizadores do livro,
Sidney Nakahodo, "nascido e criado no interior de São Paulo, estudou
engenharia na USP e se especializou em economia e política internacional
em ambos os lados do Atlântico", como está no livro.
Sidney vê o Brasil diante de uma nova
encruzilhada de contradições como no fim do século 19, quando estávamos
nas portas da modernidade e caímos na Gerra de Canudos, o maior conflito
civil da história do país, com 25 mil mortos.
"Somos a sexta economia mundial e apresentamos
uma das piores distribuições de renda; desenvolvemos tecnologia para
explorar petróleo em profundezas recordes e ostentamos baixos níveis de
escolaridade; nos orgulhamos da fama universal de simpatia e bom humor,
mas amargamos índices intoleráveis de violência" é um dos melhores
resumos do Sidney sobre o Brasil.
Outro depoimento fascinante é de Paulo da Silva,
de Bebedouro, São Paulo, a ex-capital brasileira da laranja. Na escola,
para os colegas, Paulo era macaco, tiziu, beiçola, filhote de urubu. Se
refugiou nos livros e, graças a eles, se tornou o melhor aluno da
escola e o favorito dos professores.
Bem informado, nunca mais ficou para trás nem
enrustido. Fez mestrado e doutorado na Columbia, vive em Nova York onde é
especialista em políticas públicas na educação e tenta decifrar as
conexões de raça e classe nas universidades brasileiras.
Outro educador que ainda jovem já tem pinta de
ministro da educação é o gênio Paulo Blikstein, que tive o prazer de
conhecer quando participou do nosso programa Manhattan Connection. Infelizmente acho que suas ideias revolucionárias seriam rapida e brutalmente rejeitadas pelos educadores brasileiros.
Ele é contra prova, livro didático, nota ou
currículo pré-determinado, como era na escola Madalena Freire, filha do
educador Paulo Freire, em que o paulistano Paulo se sentiu iluminado e
salvo da chatice das salas de aula. Apesar da chatice, fez engenharia e
saiu doutor em educação da USP.
Nos Estados Unidos, foi para uma escola menos
convencional, o Midia Lab do Massachussets Institute of Technology
(MIT), e fez doutorado na convencional Northwestern University.
Disputado pelas melhores universidades
americanas, foi parar em Stanford, onde pesquisa e cria novas
tecnologias para educação. Fundou e dirige o Centro Lemann para o
Empreendedorismo e Inovação na Educação Brasileira.
Também conheci no programa a jovem cineasta carioca, judia e libanesa Julia Bacha. Ela começou com o documentário Control Room, uma visão independente e crítica da cobertura da guerra no Iraque em 2003.
Depois fez Encounter Point e, meu favorito, o premiado Budrus,
sobre a resistência pacífica de palestinos liderados por uma mulher
contra a construção de uma estrada israelense que destruiria parte do
vilarejo e a fonte de renda dos moradores.
Budrus, nome do vilarejo, foi um dos
quinze filmes premiados no importante festival de Sundance criado por
Robert Redford. Esta é uma opção que Julia vê para o cinema brasileiro,
muito dependente do Estado com a lei Rouanet. Uma fundação ou instituto,
como o Sundance, arrecadaria contribuições de ricos e de empresas e
distribuiria para diretores independentes e financiaria projetos mais
arriscados.
Meu colega jornalista Gustavo Chacra é um modelo
do repórter moderno, um antieu. Ele bloga, tuíta, entrevista, faz
reportagem, salta do computador para a Globonews.
Homem multimídia, descendente de libaneses, esta
à vontade em Nova York e no Oriente Médio. Também com mestrado da
Columbia, tem um depoimento interessante sobre a conexão com o Brasil:
"aprendemos que a saudade se torna tão rotineira que penetra na nossa
personalidade. Vivemos em um passado. A São Paulo de nós que moramos
fora se congelou no dia em que demos adeus a quem gostamos, no aeroporto
de Cumbica. Voltamos para visitar..."
Não há espaço para os outros 14 depoimentos do
livro, mas há uma extraordinária coincidência de livros sobre a
"encruzilhada brasileira com a modernidade" e com brasileiros que saíram
do Brasil para estudar.
Em 1873, duas décadas antes da Guerra de
Canudos, o primeiro grupo de brasileiros veio estudar na recém-fundada
universidade de Cornell, em Ithaca, Nova York. Eram 21 filhos de
fazendeiros ricos, quase todos cafeeiros paulistas, a maioria estudantes
de engenharia.
Outro brasileiro, o professor Marcus Vinicius de
Freitas, professor de teoria da literatura da UFMG, descobriu esta
turma quando fazia o doutorado dele na Universidade Brown, em Rhode
Island. Marcus Freitas voltou para o Brasil e acaba de lançar um livro
sobre o jornal Aurora Brasileira, publicado pelos estudantes brasileiros.
O título do livro é Contradições da Modernidade.
Há 140 anos, nossos estudantes brilhantes publicavam textos e ensaios
sobre os conflitos de interesse entre a cidade e o campo, a indústria e a
lavoura, a escravidão, educação feminina (não havia nenhuma mulher
entre eles), ensino tecnológico, centralização do ensino superior no Rio
de Janeiro e ensino particular na agricultura.
Discutiam também democracia vs monarquia e isto
não está mais no nosso debate, nem escravidão, mas racismo e outras
contradições nossas do século 19 estão vivíssimas no seculo 21.
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* De Nova York para a BBC Brasil
Atualizado em 13 de setembro, 2012 - 07:28 (Brasília) 10:28 GMT
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