sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Novos tremores à vista?


 Bloomberg / Bloomberg
 Johnson inspirou-se na leitura de dois livros de
 Paulo Coelho, bastante populares, que 
o inspiraram a fazer a peregrinação 
de Santiago de Compostela, em 1999, 
para dar nome a seu fundo.

Desde o começo dos anos 2000, o mundo enfrenta uma constante batalha entre forças deflacionárias e inflacionárias. As forças de mercado, se deixadas livres, certamente puxariam os preços para baixo de forma acentuada, promovendo o que para alguns é um necessário ajuste de contas depois de anos de crescimento baseado em endividamento e uma desregulamentação financeira que permitiu a criação e concessão de crédito "do nada".
No entanto, os mercados não são completamente livres de influências. Os bancos centrais do mundo lutam contra essa força deflacionária. Sua resposta tem sido justamente a inflação, sob as mais variadas formas: inflam seus balanços, e tentam inflar os preços de ativos, a demanda, a concessão de crédito. Tanto quanto podem, procuram influir sobre a confiança do consumidor e do empresariado.

O presidente de um novo fundo de hedge, Santiago Capital, baseado em San Francisco, encontrou uma forma interessante de ilustrar essa batalha. Em um vídeo (disponível em http://www.zerohedge.com/news/gold-and-grand-theft-economics), Brent Johnson, que tem 40 anos, metade dos quais vividos no setor financeiro, com passagem pelo Credit Suisse e outras casas especializadas em gerenciamento de grandes fortunas, mostra que as forças de deflação e inflação são como placas tectônicas. Estão sempre se atritando e, de quando em quando, sem o menor aviso, uma se sobrepõe à outra e o resultado é um terremoto de proporções devastadoras.

Um exemplo é a crise de 2008. As autoridade monetárias acreditavam que tinham tudo sob controle. "Este é um sistema bancário seguro, um sistema forte. Esta é uma situação bastante gerenciável", disse Hank Paulson, então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, em 20 de julho de 2008.

De repente, as coisas mudaram: "O mercado de crédito ainda está frágil e congelado. A segurança financeira de todos os americanos depende da nossa capacidade de restabelecer nossas instituições financeiras". A frase é do mesmo Paulson, em 19 de setembro de 2008.
Paulson já saiu de cena, mas é possível dar outro exemplo de alguém que ainda está na ativa. Ben Bernanke, presidente do Federal Reserve (Fed), dizia em 16 de julho de 2008: "Fannie Mae e Freddie Mac [grandes instituições do sistema hipotecário americano] vão passar pela tempestade, sem perigo de tombar. Estão adequadamente capitalizados". Em 8 de setembro, as manchetes anunciavam que Fannie Mae e Freddie Mac tinham sido nacionalizadas.

O que Johnson faz em seu vídeo é lembrar que terremotos massivos não são precedidos por alarmes ou avisos prévios. Não é o caso de acreditar que "desta vez é diferente", título com um toque de ironia do livro em que Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart recontam 800 anos de insensatez financeira. Os dados sobre a Grécia são particularmente interessantes.

Na avaliação de Johnson, o sistema financeiro não foi projetado para lidar com deflações, ou seja, aumentos expressivos nos balanços dos bancos centrais, resultado de injeções de recursos na economia, têm de continuar indefinidamente, para manter o sistema acima da linha d'água. "Vivemos em um tempo no qual o balanço dos oito maiores bancos centrais subiu para US$ 7 trilhões e a base monetária, em dólares, subiu 300% em quatro anos", diz.
Só ó Fed, desde 2008, ampliou seu balanço em US$ 2,5 trilhões. E o mercado está sempre na expectativa de nova elevação, porque a economia continua mostrando fraco dinamismo. Além do Fed, o Banco Central Europeu (BCE) anunciou no começo de setembro que também fará uso da impressora de euros para lidar com distorções no mercado secundário de dívida governamental.

A pergunta que se coloca é: qual força tectônica será mais poderosa?

Para Johnson, basta entender que a inflação é necessária para o sistema sobreviver, e a resposta se torna um pouco mais fácil. "Redesenhar o sistema para um ambiente deflacionário seria admitir o fracasso", justifica, lembrando que uma deflação acentuada no preço dos ativos seria o mesmo que decretar a falência do sistema.

A posição de Johnson pode ser tachada de radical, mas há outros agentes de mercado com visão semelhante. O expoente é Kyle Bass, que ganhou fama ao apostar contra o sistema "subprime" americano [créditos hipotecários de alto risco] e ficar rico, junto com seus investidores do fundo Hayman Capital. Bass também previu, ainda em 2008, o colapso da Grécia.

Como Johnson, Bass acredita que as coisas vão piorar muito e ambos têm a mesma resposta para a pergunta: como se proteger disso tudo? Simples: compre ouro. Bass também recomenda a compra de armas de fogo, pois acredita que a dissolução do sistema vai gerar tumulto social sem precedentes. Ele é uma figura um tanto polêmica. Há uma interessante descrição sua num livro de Michael Lewis - "Boomerang: Travels in the New Third World" -, no qual a autor passeia pelos países europeus em crise e traz boas explicações sobre o que levou a zona do euro para a beira do abismo.

  "As coisas podem se mover 
do impossível 
ao inevitável 
sem nunca parar 
no provável".
 -  filósofo Alexis de Tocqueville -

Voltando a Johnson, da Santiago, seu argumento é simples. O ouro serve de proteção tanto no caso de uma explosão inflacionária quanto em um terremoto deflacionário. Além de ativo real, o metal é a forma de dinheiro mais antiga. Seu preço já subiu cerca de 500% nos últimos 12 anos, exatamente a janela de tempo no qual essa briga entre inflação e deflação está mais evidente.

Outra vantagem do ouro, neste momento, é a relação entre risco e retorno. Há de se tomar mais risco para ter maior retorno. No momento, Johnson avalia, essa relação foi quebrada. O ouro pe o ativo de maior retorno potencial, embora seja o de menor risco conhecido.

"É simples: você acredita em mágica ou em matemática? É impossível sair de uma crise de dívida tomando mais dinheiro emprestado." Com essa proposta, Johnson montou seu fundo no começo de 2012 e já tem cerca de US$ 7 milhões de investidores individuais. O fundo tem sempre 50% de seu capital em ouro físico. A outra metade é distribuída entre prata física, ações de mineradoras e dinheiro. O ouro e a prata ficam em cofres na Suiça e em Cingapura.

Bass, do Hayman Capital, também tem simpatia pelo ouro. Em seu livro, Michael Lewis ilustra bem o que se quer dizer com "ouro físico". Ao perguntar o que sua mãe deveria comprar para se proteger da tempestade vislumbrada pelo gestor, Bass abre a gaveta e joga sobre a mesa uma barra de ouro.

Como americano, Johnson jamais teve contato com a hiperinflação que ele prevê, mas diz ter uma boa ideia do que seja isso, pelos relatos de um "amigo carioca", que contou a ele como se relacionavam o recebimento do salário e a ida ao supermercado nos anos 1980 aqui no Brasil.

Johnson inspirou-se na leitura de dois livros de Paulo Coelho, bastante populares, que o inspiraram a fazer a peregrinação de Santiago de Compostela, em 1999, para dar nome a seu fundo. Mas o lema da casa tem origem mais nobre. Vem de palavras do filósofo Alexis de Tocqueville: "As coisas podem se mover do impossível ao inevitável sem nunca parar no provável".
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Reportagem Por Eduardo Campos | De São Paulo
Fonte: http://www.valor.com.br/cultura/2829164/novos-tremores-vista#ixzz26Qa2Up5j

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