sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Silvio Santos personificou o atraso do nosso capitalismo inconcluso

 Por José de Souza Martins*

 — Foto: Carvall

— Foto: Carvall

A morte do empresário e comunicador Silvio Santos tem tido a previsível repercussão que deve ter o desaparecimento de uma pessoa com extraordinária influência na alteração de costumes mercantis. De certo modo, ele foi o criador de uma versão da pós-modernidade brasileira.

Desmercantilizou a mercadoria, separou-a das relações de compra e venda, situou-a no terreno antimercantil da incerteza, da sorte e mesmo do acaso. Sobretudo o de um imaginário de festa.

Despiu-a da fria racionalidade própria do mercado para dotá-la de uma racionalidade tropical e calorosa, numa sociedade em que o dinheiro e a mercadoria, historicamente, são excepcionais, usados como se destituídos de seus atributos próprios, mesmo na vida cotidiana como se cotidianos não fossem. Silvio Santos chegou a isso de maneira meramente intuitiva.

Fez do comprador um cúmplice, em vez de mero freguês, aliciado através de recursos próprios da televisão, em que é reduzido à condição de coadjuvante das relações de compra e venda, espectador e ator de um enredo de teatro e não de mercado.

Seus programas domingueiros tinham muito de um encontro de feira livre, dominado pela performance teatral do camelô, que reveste a mercadoria de características de um imaginário complexo. O que mobiliza o comprador, muito mais do que é próprio do ato da compra e da venda.

Uma obra fascinante de artimanhas para incluir multidões no mercado de consumo. Uma forma peculiar de inclusão social fantasiosa do comprador realmente excluído pelas insuficiências da sua relação com a mercadoria e o dinheiro. Em particular pela protelação e a demora em fazer do pagador o dono do bem comprado. Em vez de pagar as prestações depois da obtenção do que foi comprado, pagá-las antes de tê-las, usá-las ou consumi-las, como se fosse um investimento.

Silvio Santos recalibrou o capitalismo mercantil do varejo, ajustou-o às limitações de um país atrasado, cujo modelo de economia possível é dominado por insuficiências. Ele conseguiu transformar em grande negócio a economia do pequeno negócio.

Há cerca de 50 anos, presenciei quase na esquina da rua Nova Barão com a Barão de Itapetininga, em São Paulo, um encontro casual de Silvio Santos com uma espectadora de seus programas. No meio da multidão, uma mulher de meia-idade exclamou bem alto, falando com ninguém: “Olha o Silvio!”. E foi na direção dele para cumprimentá-lo, como se fosse velho conhecido. Ele reagiu como ator bajulado por admiradora. Nem frio nem empolgado, cortesmente, de maneira a não estimular nela nem a confirmação da proximidade nem a desilusão da distância.

São poucas as sociedades que dispõem de personagens capazes de semelhante proeza. Porque o fenômeno Silvio Santos só é possível em sociedades economicamente atrasadas. Ele personificou e disfarçou o atraso do nosso capitalismo inconcluso.

Ocorre com Silvio Santos a mesma coisa que ocorreu com Francesco Matarazzo, imigrante vindo para o Brasil nos finais do século XIX, que aqui se tornaria um dos nossos maiores empresários industriais. Benito Mussolini comia na sua mão, a quem fizera generosas doações pessoais, sem contar suas contribuições financeiras para o movimento fascista. Foi o que lhe valeu o título de conde.

Nos anos 1930, poucos anos antes de sua morte, já circulava sua biografia pronta e acabada, que remontava à história de sua família aos tempos de Carlos Magno. O mesmo está acontecendo nestes dias com a biografia de Silvio Santos.

Quem morreu não foi o camelô de extraordinário sucesso, mas o descendente de um judeu rico, Abravanel, do fim da Idade Média. O milionário do passado é a esponja que remove da biografia do falecido de agora a mácula de alguém que se fez pelo trabalho duro como comerciante tosco e esperto.

Esse é o lado fascinante da história pessoal de muitos novos ricos no Brasil. Expressão de um capitalismo de desenvolvimento anômalo e lento, muito distante do capitalismo propriamente dito.

Já não é o camelô vulgar das ruas de São Paulo, que comprava quinquilharias baratas para vender um pouco mais caras, obrigado a artimanhas para escapar da polícia pelo comércio ilegal. Na época, morador no porão da Pensão Maria Teresa, da família Fiora, no que é hoje um belo casarão de um sindicato na avenida Duque de Caxias.

O camelô era uma combinação estranha e muito popular de pequeno comerciante, artista de circo e trapaceiro, que mais vendia ilusões do que objetos. Precisava enganar para vender.

Silvio Santos foi ator de uma versão brasileira do que clássicos dos estudos econômicos chamavam, no século XIX, de fetichismo da mercadoria. O dinheiro e a mercadoria despojados do pe ado original da cobiça e da acumulação.

Silvio Santos foi ator de uma versão brasileira do que clássicos dos estudos econômicos chamavam, no século XIX, de fetichismo da mercadoria. O dinheiro e a mercadoria despojados do pecado original da cobiça e da acumulação.

*José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Professor da Cátedra Simón Bolivar, da Universidade de Cambridge, e fellow de Trinity Hall (1993-94). Pesquisador Emérito do CNPq. Membro da Academia Paulista de Letras. Entre outros livros, é autor de “Sociologia do desconhecimento - Ensaios sobre a incerteza do instante” (Editora Unesp, São Paulo, 2022).

FONTE: https://valor.globo.com/eu-e/coluna/jose-de-souza-martins-silvio-santos-personificou-o-atraso-do-nosso-capitalismo-inconcluso.ghtml

Inteligência artificial pode aumentar a produtividade, o problema é a estupidez humana, diz o economista ‘Dr. Catástrofe’

 Por Diego Viana — para o Valor, de São Paulo

 “O futuro da economia depende muito de quem será eleito [nos EUA] em novembro”, diz Nouriel Roubini — Foto: Hollie Adams/Bloomberg 

 “O futuro da economia depende muito de quem será eleito [nos EUA] em novembro”, diz Nouriel Roubini — Foto: Hollie Adams/Bloomberg

A incerteza sobre a capacidade de comando em escala mundial é uma das maiores preocupações de Nouriel Roubini

29/08/2024

 

Nouriel Roubini se expressa como Charles Dickens (1812-1870) para falar do mundo atual: é o melhor dos tempos e o pior dos tempos. Se o romancista inglês se referia ao século XVIII da Revolução Francesa, o economista ítalo-iraniano-americano está falando de uma era marcada por automação e inteligência artificial, situação geopolítica fragmentada, mudança climática, extremismo político e protecionismo comercial.

Roubini veio ao Brasil neste mês para participar da série de palestras Fronteiras do Pensamento. Neste ano, o evento sugere aos participantes que respondam à seguinte pergunta: “Quem está no controle”? A incerteza sobre a capacidade de comando em escala mundial é uma das maiores preocupações do economista. A falta de uma potência hegemônica neste século, afirma, reduz o incentivo para ofertar bens públicos globais, principalmente a segurança. Como consequência, o perigo de conflitos internacionais se amplifica.

Ainda assim, pelo menos no curto prazo, o autor do livro “Mega-ameaças” (2022, ed. Crítica), que ficou conhecido como “Dr. Catástrofe” por prever a crise de 2008, enxerga um cenário benigno. Apesar do recente solavanco nos mercados, a economia americana segue crescendo, com reflexos no resto do planeta. Mas a expansão também envolve perigos: se o  Federal Reserve contrariar as expectativas e se vir obrigado a manter os juros altos por mais tempo, empresas podem começar a quebrar, provocando uma recessão. Trechos da entrevista de Roubini ao Valor:

Valor: A pergunta “Quem está no controle?” sugere que rumamos para um mundo anárquico. É o caso?

Nouriel Roubini: É uma pergunta importante. A estabilidade da ordem geopolítica requer a hegemonia de um poder que esteja, de fato, no comando do mundo. Esse poder provê bens públicos globais, porque seus interesses são tais que está disposto a fornecer segurança, livre comércio, coisas assim. O século XIX foi do Império Britânico, com a Pax  Britannica. O século XX foi, em grande parte, o século da Pax Americana. Tivemos a Guerra Fria, claro, com a rivalidade entre Estados Unidos e União Soviética, mas a URSS estava desconectada da economia global. O colapso soviético levou a um momento unipolar. Parecia que os EUA seriam o único país hegemônico. Hoje, a ascensão da China sugere a vinda de um mundo bipolar, mas tudo aponta, na verdade, para a multipolaridade. Há outras potências, como a União Europeia, que é fragmentada, mas ainda um importante ator econômico global. Existem novas potências emergentes, como a Índia. Há também os Estados médios do Sul global, importantes tanto regionalmente quanto, até certo ponto, para os assuntos globais. O poder dos EUA está reduzido, então fornecer bens públicos globais talvez não seja tão fácil.

Valor: É um estado transitório, rumo à “Pax Sinica”? Ou a ausência de hegemonia será prolongada?

Roubini: Por um tempo, pensou-se que o século XXI seria o século chinês. A China crescia a 10% e seu PIB parecia a caminho de ultrapassar o americano. Mas o motor de crescimento chinês estagnou. Estava em 7% antes da covid, depois passou a 5%. Estudos sugerem que, sem mudar suas políticas, a China pode chegar à taxa potencial de apenas 3% até o fim da década. Por outro lado, por causa da tecnologia, alguns argumentam que o crescimento potencial dos EUA, que anda em 1,8%, até o final da década pode ser de 3% ou mais. Acho que o século americano pode perdurar. O poder americano, seja comercial, financeiro, bancário, tecnológico, econômico, político, geopolítico ou militar, ainda é incomparável. Apesar do mau funcionamento de seu sistema político, o crescimento americano pode acelerar bastante. Já a China, com o capitalismo de Estado e o excesso de dívidas, com a crise no setor imobiliário e o estrangulamento do setor privado, pode acabar em uma armadilha de renda média.

O problema é a estupidez: vivemos no mundo de conflitos geopolíticos, reação contra a democracia e a globalização
— Nouriel Roubini

Valor: Os mercados passaram por um solavanco recentemente, com começo no Japão e reflexos nos Estados Unidos. Depois, a situação se estabilizou. Ainda podemos classificar o cenário econômico global como benigno?

Roubini: O cenário é benigno, apesar de alguns riscos importantes.

Valor: Que riscos são esses?

Roubini: A desaceleração americana tem sido bem mais lenta do que o Fed previa. No momento, espera-se que sejam feitos cortes em setembro e dezembro, mas depois disso é possível que o afrouxamento não prossiga. Com isso, as condições financeiras continuariam apertadas. Dado o forte endividamento público e privado, altas taxas de juros podem prejudicar as empresas que dependem de dinheiro barato. Paradoxalmente, passamos do risco de pouso forçado para o pouso suave, depois o não pouso, o que reintroduz o perigo de cair em recessão.

Valor: Sendo assim, o que é o mais importante a observar neste momento?

Roubini: O futuro da economia depende muito de quem será eleito em novembro. A política econômica seria bem diferente com Donald Trump ou Kamala Harris. Algumas políticas que Trump pretende implementar são inflacionárias, com protecionismo, enfraquecimento do dólar, interferência na política monetária, cortes permanentes de impostos. Isso aumentaria os déficits ainda mais, tornando-os menos sustentáveis, o que traz consigo o risco de que os juros sejam empurrados para cima. Não estamos fora de perigo. Primeiro, porque o Fed talvez não possa reduzir muito os juros. Segundo, porque, dependendo da política econômica do ano que vem, pode haver tormentas.

Valor: O sr. disse que o potencial de crescimento dos EUA será maior, graças à tecnologia. Mas a adoção de tecnologia tem sido bastante rápida. É possível que o crescimento esteja acontecendo com inflação em queda porque esse potencial maior já entrou em cena?

Roubini: É uma possibilidade. A empolgação com a inteligência artificial generativa levou a uma onda importante de investimentos nos EUA. Todo mundo está entrando na IA. Os produtores desses modelos estão comprando mais chips, mais bancos de dados, mais eletricidade. Além disso, nos EUA, as leis de infraestrutura, da indústria de chips e da redução da inflação (IRA) levaram a um boom de investimentos industriais, com centenas de bilhões de dólares em nova capacidade manufatureira prometidos para a próxima década. A antiga infraestrutura dos EUA começa a ser renovada e há incentivos à energia renovável. São coisas grandes, que provavelmente atuam tanto no lado da oferta quanto da demanda. Elas podem explicar por que o crescimento tem sido forte.

Valor: Pelo prisma do mundo em desenvolvimento, os juros altos nos EUA preocupam porque reduzem o fluxo de capital e desvalorizam as moedas. Como é o cenário para o Sul global?

Roubini: Se prevalecer o cenário benigno e o Fed mantiver os juros no nível atual, há problemas. Um país que tenha tomado emprestado em dólar vai ter um custo de serviço da dívida mais alto. Isso vale também para quem tomou emprestado em moeda local, porque quando os juros em dólar estão altos, os juros em moeda doméstica têm que ser ainda mais elevados, para evitar a depreciação. Essa depreciação de moedas pode ser útil para a exportação desses países, mas é inflacionária. Além disso, o câmbio também eleva o preço em dólar das commodities, o que é uma desvantagem para exportadores. Essa combinação de fatores implica ventos contrários significativos para muitos mercados emergentes.

Valor: Na reunião do G20, houve avanços na ideia da taxa global sobre os mais ricos. Impostos internacionais são discutidos desde a taxa Tobin. É uma ideia eficaz?

Roubini: As últimas décadas trouxeram um aumento na desigualdade ao redor do mundo. Isto provocou reações contra a democracia liberal e o capitalismo, porque muitas pessoas se sentem deixadas para trás. Há grande insegurança econômica. As reações são variadas, mas todas levam a algum grau de populismo. Por isso, precisamos fazer algo quanto à desigualdade. Aumentar o bolo econômico, dando mais oportunidades para as pessoas se educarem e desenvolverem habilidades, é sempre a melhor política. Mas faz sentido argumentar que é preciso taxar os vencedores, em termos de renda ou riqueza. É preciso chegar a um acordo global, assim como a OCDE obteve um acordo sobre o imposto corporativo mínimo. Só a  cooperação internacional pode evitar esse problema.

Valor: A política americana tem tudo, menos tédio. Um candidato foi baleado, outro desistiu da corrida. Nunca sabemos o que vai acontecer a seguir. Como um investidor navega essa situação?

Roubini: É difícil prever aonde essa eleição vai conduzir. Agora os democratas têm uma candidata jovem, uma mulher afro-americana que pode energizar a militância. Há o risco de que ambos os lados se declarem vencedores, levando a decisão até a Suprema Corte, mais ou menos como em 2000. Podemos até repetir janeiro de 2021, só que de um jeito ainda mais caótico, com violência nas ruas se Trump perder. Tudo pode acontecer. Os mercados sabem que haverá diferenças na política externa entre Trump e os democratas, mas tendem a desconsiderá-las, porque nesse campo as variações não costumam ser grandes. No Oriente Médio, Trump deve pressionar os palestinos por um acordo de paz com Israel. Há preocupação de que ele abandone a Ucrânia, mas se fizer isso, haverá um efeito dominó. A China se veria em condições de assumir Taiwan sem reação. Mas a relação com a China é um ponto de concordância entre republicanos e democratas, são ambos agressivos. Sabemos muito pouco do que virá. Há algumas ideias, mas é difícil precificá-las nos mercados.

Valor: Como alocar os investimentos perante esse quadro?

Roubini: Não é nada fácil. Esse ponto sobre a política externa ajuda, e algumas coisas são legíveis na política fiscal. O risco para a democracia é real, o que bagunça tudo. Acho que os mercados vão caminhar passo a passo, esperando para ver o que vem a cada momento. Há potenciais impactos ainda maiores, como a escalada da guerra no Oriente Médio ou na Ucrânia. Mas os mercados estão ignorando essas coisas, como se fossem um risco secundário. A melhor coisa é esperar para ver, em vez de se apressar em tomar alguma posição.

Valor: O sr. mencionou três iniciativas econômicas de Biden: leis de infraestrutura, de chips, de redução da inflação. Elas foram consideradas o retorno da política industrial ao centro da economia do planeta. Sem Biden, a política industrial permanece?

Roubini: A política industrial voltou de vez, não só nos EUA. Os chineses a praticam há tempos, os europeus estão tentando. Em um mundo onde o crescimento é impulsionado pela tecnologia, dados, conhecimento e inovação, não posso deixar o mercado fazer tudo. Tenho que usar políticas industriais com inteligência para afetar a economia. Já nos  afastamos do laissez-faire. Os governos estão pensando em como garantir a manufatura, como atrair ou resguardar empregos de qualidade. No processo, muitos erros podem ser cometidos, mas também há coisas boas que podem ser feitas. O resultado final pode ser bom ou ruim, ainda não sabemos. Mas todo mundo está fazendo.

Valor: O sr. citou a Europa como um dos polos do mundo fragmentado. Há debates na Europa sobre a derrocada do continente. Ela será ainda um grande ator na cena global?

Roubini: Isso depende de fazer as reformas estruturais e concluir o mercado único. Hoje, a perspectiva não está boa para a Europa. Há problemas na vizinhança, com ameaças vindas do Oriente Médio e da Rússia. Os EUA têm dois grandes oceanos e vizinhos amigáveis. Os EUA são independentes em energia, a Europa não. Os EUA são um mercado totalmente integrado, enquanto a Europa ainda não concluiu a união economicamente, nem politicamente. A Europa envelhece mais do que os EUA, que recebe mais imigrantes. A Europa está sujeita ao risco de que a Guerra Fria entre EUA e China piore. Ela exporta muito para a China e tem investimentos diretos lá. Está próxima do Oriente Médio, onde há turbulência, que pode levar a um choque energético como o da década de 1970, se houver guerra entre Israel e o Irã. Os desafios são todos solucionáveis, mas é preciso que a Comissão Europeia seja enérgica e aprove legislação para mudar os incentivos na direção de mais inovação, competitividade, dinamismo econômico e empreendedorismo. A Europa começa o jogo com grande capital humano, instituições fortes, renda alta. É rica, mas não se pode viver dos louros do passado.

Valor: Um ativo que a Europa preza muito é o “efeito Bruxelas”, pelo qual as regulações europeias são adotadas no resto do mundo. Pode ser o caso da lei de IA recém-aprovada?

Roubini: Os europeus alegam que um dos seus papéis é fornecer parâmetros regulatórios, graças ao tamanho e importância de seu mercado. Mas é um comportamento complacente. Os grandes líderes em IA hoje são os EUA e a China, além de bolsões de excelência em Israel, Reino Unido e Japão. A Europa tem ambições nesse campo, mas não é tão forte. Mesmo antes da revolução da IA, os europeus não foram capazes de ocupar mercados com inovação. E se você não está inovando, tentar regular é ingênuo. Um: porque sua regulamentação pode ser demais e sufocar até mesmo o mínimo de investimento que você poderia obter. Dois: você pode errar. E três: não é óbvio que os outros vão adotar suas regras. Eu gastaria mais tempo tentando criar inovações em IA na Europa, em vez de regulá-la de uma forma que dá ainda menos incentivo para fazer parte dessa pesquisa.

Valor: Em resumo, que falta faz ter alguém “no controle”?

Roubini: Remeto ao título de um artigo que escrevi: “Inteligência artificial vs. estupidez humana”. Se bem usada, a IA pode aumentar o crescimento, a produtividade, o bolo econômico. Mesmo se a maior parte da renda gerada for para poucos, sempre se pode taxá-los e redistribuir. O problema é a estupidez: não vivemos no mundo das máquinas inteligentes, mas de conflitos geopolíticos, reação contra a democracia e a globalização, relocalização da manufatura, nacionalismo econômico e mudanças climáticas. Essa mesma tecnologia pode ser usada para criar falsificações profundas, aumentar a desigualdade, aprofundar o desemprego e inclusive construir mais armas, para lutar guerras maiores. Vivemos no melhor dos tempos, porque a tecnologia pode nos fazer viver mais, melhor e com mais renda. E vivemos no pior dos tempos, com as mega-ameaças impulsionadas pelo comportamento humano. Podemos sobreviver aos próximos 20 anos sem guerra global, sem outra pandemia, sem catástrofe climática, sem crises financeiras? Se conseguirmos, o futuro será brilhante, usando a tecnologia para melhorar a situação de todos.

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2024/08/29/inteligencia-artificial-pode-aumentar-a-produtividade-o-problema-e-a-estupidez-humana-diz-o-economista-dr-catastrofe.ghtml

Com as mudanças da sociedade hoje, o que faz de um homem um homem?

 Por João Luiz Rosa — De São Paulo

“O Pensador”, de Auguste Rodin: reflexão mais crítica sobre privilégios obtidos com a violência — Foto: Heritage Art/Heritage Images via Getty Images

 “O Pensador”, de Auguste Rodin: reflexão mais crítica sobre privilégios obtidos com a violência — Foto: Heritage Art/Heritage Images via Getty Imagens

 

Debate sobre a condição masculina ganha novos elementos na busca por uma repactuação social


30/08/2024

Os vídeos estão por toda parte nas redes sociais. Para saber o sexo do bebê e compartilhar a novidade com amigos e familiares, casais estouram balões, explodem bombas de fumaça, cortam bolos recheados. Se for menino, prevalece a cor azul; menina, rosa. São os chás-revelação, que se tornaram mania em vários países, inclusive no Brasil.

Essas celebrações têm chamado a atenção de especialistas, que observam que, até os anos 70, os enxovais tinham cores neutras - branco, bege, verde - porque o ultrassom não estava disponível. Atribuir gênero antes do nascimento, dizem, denota e reforça uma lógica binária - é um ou outro - e demarca territórios bem definidos. Garotos são muitas vezes associados à energia, força e determinação atribuídas ao azul; às meninas cabe a beleza, delicadeza e fragilidade do rosa.

“Existe uma progressão contínua dos debates de gênero pela sociedade, que ganharam força com os movimentos feministas, principalmente a partir dos anos 1960, e, mais tarde, pela movimentação política para colocar o tema em pauta”, diz Tulio Custodio, membro do conselho consultivo do Pacto Global da ONU e sócio da Inesplorato, de curadoria de conhecimento para empresas.

Ligia Diniz: “Na literatura, o homem tem inteligência mais cínica; é o elogio da seriedade ” — Foto: Luciana Whitaker/Valor

Ligia Diniz: “Na literatura, o homem tem inteligência mais cínica; é o elogio da seriedade ” — Foto: Luciana Whitaker/Valor

Em 1975, ressalta o sociólogo, as Nações Unidas deram início à “Década das Mulheres”, com um plano para destacar a equidade de gênero nos dez anos seguintes. Nos anos 90 e 2000, governos de vários países passaram a fazer mudanças jurídicas para proteger os direitos das mulheres.

No Brasil, foram aprovadas legislações como a Lei Maria da Penha (2006), que enquadra a violência doméstica como crime; a Lei do Feminicídio (2015), que tipificou os casos de mulheres assassinadas por serem mulheres; e a Lei do Minuto Seguinte (2022), que estabeleceu o atendimento obrigatório a vítimas de violência sexual imediatamente depois de serem atacadas.

Mais recentemente, o debate de gênero ganhou ôlego com movimentos em diversas áreas: da visibilidade dada a casais do mesmo sexo pela TV e a publicidade - “RuPaul’s Drag Race, um reality show de drag queens, tornou-se um dos programas mais populares nos Estados Unidos, com 29 prêmios Emmy - às políticas de contratação nas empresas para admitir mais pessoas transexuais.

Tulio Custodio, sociólogo: “Colonização europeia definiu quem é sujeito e quem não é” — Foto: Rogerio Vieira/Valor

Tulio Custodio, sociólogo: “Colonização europeia definiu quem é sujeito e quem não é” — Foto: Rogerio Vieira/Valor

E o homem?

Todas essas mudanças têm levado as fileiras masculinas, ou pelo menos parte delas, a refletirem de maneira mais crítica sobre sua condição: afinal, o que faz de um homem um homem?

A facilidade de comunicação proporcionada pelas tecnologias digitais e a livre troca de ideias na internet têm ajudado a ampliar as discussões, com o ingresso de novas vozes. “As redes sociais amplificam múltiplas expressões de masculinidades ao oferecer visibilidade a representações diversas e desafiar narrativas dominantes. Elas também promovem um processo de responsabilização necessário ao expor comportamentos machistas e preconceituosos”, diz Guilherme Valadares, diretor de pesquisa do Instituto PDH e fundador do portal PapodeHomem. “Masculinidade, no singular, perde espaço. Entram em cena as masculinidades, no plural.”

A visão dominante de masculinidade, afirma Custodio, é a expressão de um projeto hegemônico, de caráter patriarcal, cuja origem é fonte de dúvida na sociologia - entre as possibilidades estão a época de sedentarização do homem no Neolítico e da invenção da escrita. Para o sociólogo, a hipótese mais provável remonta aos processos europeus de colonização, que enfatizaram a autoridade masculina.

“É um projeto que se organiza eticamente e está baseado em dois pontos: binaridade e hierarquia”, diz Custodio. Ao atribuir ao homem características consideradas desejadas - força, agressividade, noção de autoridade, exercício da honra -, a condição feminina ficou restrita ao campo do que é frágil, sensível ou vulnerável. “A colonização definiu quem é e quem não é sujeito. Quem é fica em cima; quem não é, em baixo.”

Biologia vs. história

Uma das polêmicas da Olimpíada de Paris, encerrada há pouco mais de duas semanas, envolveu a boxeadora argelina Imane Khelif, alvo de uma campanha de fake news segundo a qual teria vantagem sobre as adversárias por ser uma mulher transexual. Medalha de ouro em sua categoria, a atleta é cisgênero - se identifica com o gênero que nasceu -, e, segundo o Comitê Olímpico de seu país, tem altos índices de hormônio masculino por uma condição médica.

O episódio dividiu opiniões e ultrapassou a fronteira das regras esportivas ao levantar discussão sobre o quanto o comportamento de homens e mulheres é determinado pela biologia. Características como resiliência e iniciativa são comumente atribuídas ao homem como parte de sua constituição genética, como se fosse algo intrínseco e inevitável. Mas essa posição tem sido contestada como parte de um processo para legitimar os privilégios masculinos.

“O discurso de que competir é da natureza humana, da mesma maneira como é natural para o homem bater [nos outros], é uma leitura ideológica da realidade”, diz Pedro Ambra, doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e em psicanálise e psicopatologia pela Universidade de Paris. “Qualquer tentativa de aproximar um traço de caráter de uma característica biológica é terraplanismo”, afirma o psicanalista e professor da PUC-SP.

Nos anos 1930, estudos feitos pela antropóloga americana Margaret Mead (1901-1978) com habitantes na Papua Nova Guiné já mostravam comunidades onde a mulher controlava a economia e o homem cuidava do lar, assim como grupos nos quais tanto homens como mulheres eram muito agressivos ou extremamente pacíficos, cita Ambra.

“A História tem um impacto muito maior na construção psíquica do indivíduo do que o elemento biológico. Não existe gene de hétero top, assim como não existe gene de racismo”, diz o psicanalista. “Projetamos no biológico aquilo que não queremos assumir que é histórico, mas o fato de não ser biológico não significa que não tenha permanência [na sociedade].”

 

Perda ilusória

Seja na conversa de bar ou na internet, são comuns as queixas de homens sobre a perda de atributos ou direitos do passado, embora não seja nítido o que, de fato, teria se perdido.

 

Boa parte das reclamações é sobre a competição da mulher por vagas de trabalho e restrições legais que estariam deixando o homem mais vulnerável, como a obrigatoriedade  de pagar pensão, sob pena de prisão. Na internet, proliferam grupos como os “red pills”, que acreditam que as normas sociais protegem as mulheres e punem os homens, e os “incels”, que se declaram celibatários involuntários porque não se acham atraentes ou pensam que as mulheres simplesmente não valem a pena.

Ambra observa que os homens continuam ganhando mais que as mulheres [em média, 19% mais, podendo chegar a 25%, segundo estudo dos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego], e a exercitar a força bruta e a violência. Matam mais, morrem mais, são mais presos (ver infográfico). A percepção de que “antes era bom” apela para um passado idealizado, que não corresponde à realidade. “É a fantasia de algo que já se teve e se perdeu”, diz o psicanalista.

Essa postura mostra que não há compreensão de que as vantagens acumuladas pelos homens em séculos de história foram obtidas à custa de muita violência e que se requer, agora, uma repactuação social para responder aos dilemas contemporâneos. Não se trata de perseguição, perda de direitos naturais ou crise de valores.

O mesmo mecanismo alimenta as críticas de grupos que defendem regimes políticos mais autoritários, de cunho conservador, por acreditarem que ao longo do processo democrático a sociedade perdeu princípios tradicionais, formadores da nação, que precisam ser recuperados. Há uma confluência entre a defesa da masculinidade hegemônica e o alinhamento a ideologias autoritárias. O retrato dessa comunhão, diz Ambra, é o extremista americano Jacob Chansley, o “Xamã Qanon”, que costumava participar de manifestações políticas sem camisa, com pinturas de guerra e chifres de búfalo, mesmo figurino que usou na invasão do Capitólio, em Washington, em 2021.

Obsessão pelo pênis

A discussão sobre masculinidade não afeta só os homens. Para as mulheres também é um desafio compreender para onde caminha o debate e que efeitos as transformações no universo masculino terão na condição feminina.

A escritora e crítica literária Ligia Gonçalves Diniz diz que passou a ser vista como uma especialista em masculinidade, embora não o seja. A razão é seu mais recente livro, “O homem não existe: Masculinidade, desejo e ficção” (Editora Zahar, 2024), em que aborda as complexidades do homem a partir de personagens da ficção.

Na maior parte de sua formação, Diniz afirma ter lido livros escritos por homens, sobre homens e para homens, que representam a maior parte do cânone ocidental. “Fui educada culturalmente para sentir coisas [de homem] que o mundo acha estranho que eu sinta”, diz.

O título da obra, explica a autora, que é professora de literatura na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), brinca com a frase polêmica do psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981), “a mulher não existe”, sobre a ausência de algo que pudesse definir o prazer feminino do ponto de vista psicanalítico.

Nas páginas do livro desfilam personagens sedutores, apesar de machistas ou misóginos, como Nathan Zuckerman, do americano Philip Roth (1933-2018), e o capitão Ahab, o antagonista de “Moby Dick”, obra-prima de Herman Melville (1819-1891). Entre seus preferidos está Julien Sorel, o ambicioso protagonista de “O vermelho e o negro”, do francês Stendhal (1783-1842). “Ele acha que é um herói romântico, mas vive em um mundo mais cínico que ele. É um personagem muito masculino, mas que sofre com os revezes do universo dos homens.”

A literatura não é um espelho da realidade, mas tem efeito sobre as pessoas, ressalta a escritora. Desde a “Odisseia”, de Homero, o homem é ensinado a se aventurar como fez Ulisses, rei de Ítaca e protagonista do poema, que passa dez anos na Guerra de Troia e mais dez tentando voltar para casa. Enquanto isso, sua mulher, Penélope, permanece no palácio real. A obra, diz ela, define a esfera pública como lugar masculino por excelência, deixando à mulher o domínio íntimo da casa.

Um terço do livro aventurar como fez Ulisses, rei de Ítaca e protagonista do poema, que passa dez anos na Guerra de Troia e mais dez tentando voltar para casa. Enquanto isso, sua mulher, Penélope, permanece no palácio real. A obra, diz ela, define a esfera pública como lugar masculino por excelência, deixando à mulher o domínio íntimo da casa.

Um terço do livro de Diniz aborda uma obsessão masculina: o pênis. “É impressionante como esse assunto sempre aparece. Vários autores trataram do tema, incluindo Platão, Santo Agostinho e Montaigne”, diz ela.

Fora do campo ficcional, o órgão masculino também foi abordado em clássicos da psicanálise. No livro “O segundo sexo”, Simone de Beauvoir (1908-1986) rebate a tese de Freud de que a mulher sentiria inveja do pênis. Em vez disso, afirmou, a inveja era das vantagens que ter um pênis dava ao homem.

A abordagem mais comum na literatura é a do membro masculino com vontade própria, quase como se fosse um organismo separado. O pano de fundo, explica a escritora, é a perturbação que o desejo sexual provoca na racionalidade masculina.

“[Na literatura ocidental] o homem é sério, tem uma inteligência mais cínica, desconfiada. É o elogio da seriedade”, diz a professora. O pênis visto como ente autônomo, que nem sempre cumpre as expectativas, faz do homem um ser dividido entre duas vontades. Também indica que a ausência de desejo e a impotência estão sempre rondando, o que ameaça a figura do herói, mesmo que o indivíduo cumpra os requisitos dominantes: ascendência europeia, independência econômica, status social etc.

Para pessoas que fogem a esse molde de alguma maneira, como homens negros ou moradores da periferia, a questão da masculinidade e do desejo é pontuada por outros marcadores sociais, como preconceito racial e desigualdade econômica, diz Custodio.

No caso do homem negro, as características físicas costumam ser superestimadas e erotizadas. A imagem que vem à mente é a do “negão”, que remete a um homem alto, viril, musculoso, descreve o sociólogo. Soa lisonjeiro, mas não é.

“Isso está associado ao processo de escravização. Uma das coisas que o racismo faz é atribuir ao outro aquilo que nega em si mesmo”, afirma Custodio. A potência física foi atribuída ao negro africano como forma de valorizar a capacidade intelectual do senhor de terras e destacar seu estrato superior. Como ao homem escravizado já estava reservado o trabalho físico, braçal, essa projeção conferiu uma aura de animalidade ao negro, incluindo uma disposição extrema para o sexo. “A forma como esse corpo é visto e desejado não lhe atribui humanidade. Existe para dar prazer ao outro. É o pênis sem falo”, diz o sociólogo.

Na periferia urbana, o fenômeno que trespassa a representação da masculinidade é de ordem econômica. Sem poder exercer plenamente o poder de compra - uma condição do modelo hegemônico -, alguns homens da “quebrada” aderiram à persona do “gangsta”. Essa estética, frequentemente associada ao universo do rap e do hip hop, é caracterizada por uma profusão de acessórios como correntes e anéis, sempre grandes e brilhantes, além de bonés, cortes de cabelo e roupas de destaque. A ideia é exacerbar aquilo que está disponível para demonstrar domínio. “Não é rico, mas parece rico”, diz Custodio.

Um sexo só

À medida que ficam mais conhecidas, diferentes vivências de gênero - como a transexualidade e a assexualidade, quando a pessoa não sente desejo erótico, nem tem vida sexual ativa - vêm despertando reações diferentes. Para parte da sociedade, há uma aceitação dessa experiência, mesmo que não seja imediata ou total. A palavra “travesti”, por exemplo, perdeu o tom pejorativo e passou a ser usada como sinônimo de trans, uma pessoa que não se identifica com o gênero a ela atribuída no nascimento. Outra parte reage, com ataques verbais e, no extremo, violência física.

De maneira geral, no entanto, é aceita a lógica binária, de que existem dois sexos, homem e mulher. Mas nem sempre foi assim, diz Ambra. Segundo o psicanalista, houve épocas e contextos históricos específicos em que praticamente só havia um sexo - o masculino.

Era essa, por exemplo, a concepção dos gregos antigos, que consideravam o homem a medida da perfeição. A literatura comprova. Na “Ilíada”, comenta Diniz, Aquiles é descrito em detalhes, enquanto Helena, a despeito de sua beleza extraordinária, só recebe adjetivos vagos. As mulheres não eram vistas como um sexo diferente, mas como “quase homens”.

Na Era Moderna, quando os europeus começaram a dissecar corpos humanos para estudar anatomia, os órgãos de homens e mulheres eram vistos como semelhantes. No livro “Inventando o sexo” (Relume-Dumerá, 2001), de Thomas Laqueur, são apresentadas imagens da Renascença em que o aparelho reprodutor feminino é mostrado como uma versão dos órgãos masculinos - a vagina era um pênis e o útero, um escroto. E isso não advinha de erro ou imprecisão. Era como os cientistas viam e traduziam a anatomia à luz de suas convicções.

Coletivo, não individual

Nos últimos anos, o mundo da moda tem embaralhado os guarda-roupas masculino e feminino, com as passarelas mostrando homens de saia, blusas curtas, acessórios coloridos. A indústria da beleza surfa na mesma onda, com mais cosméticos para o público masculino, inclusive maquiagem.

Astros como o britânico Harry Styles encarnam essa nova postura. Heterossexual, branco, rico e atraente - o ideal de macho top -, ele já subiu as escadas do MET Gala, em Nova York, com uma blusa transparente da Gucci, adornada com babados, e calça de cintura alta. Também já usou vestidos e saias.

 

Em suas aulas de literatura, Diniz diz que são perceptíveis as mudanças no comportamento dos alunos homens. “Eles estão mais atentos aos clichês da masculinidade, sobretudo o machismo, e se sentem com mais liberdade para explorar outros modelos. Às vezes, percebo até um autopoliciamento excessivo”, relata a professora.

Exemplos individuais são importantes porque indicam possibilidades de mudança no código comportamental, mas a questão de gênero, mais especificamente do poder hegemônico dos homens, precisa ser tratada sob uma perspectiva coletiva, afirma Custodio, como reação a um sistema criado para perpetuar essa situação. “A atitude de um homem usar saia não faz a mulher passar a ganhar mais, da mesma forma que usar maquiagem não reduz os feminicídios.”

O que falta, diz o sociólogo, é um processo de educação amplo e profundo. “Se o debate continuar superficial, e não for acompanhado de educação, os erros tendem a se aprofundar, o que vai mais confundir que ajudar.”

Fonte: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2024/08/30/com-as-mudancas-da-sociedade-hoje-o-que-faz-de-um-homem-um-homem.ghtml