quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Éticas públicas e privadas

Roberto Romano*


No artigo anterior examinei o ataque do sr. César Benjamin à pessoa que ocupa o ápice do poder brasileiro. O caso exemplifica, de maneira perfeita, certos problemas éticos. O governante não recebeu, no escrito de Benjamin, um quinhão de fel devido às suas virtudes ou deméritos administrativos. A virulência, ali, foi empregada na forma do argumento ad hominem. O presidente recebe marca infamante subjetiva, como se ele fosse essencialmente perverso, perversor, pervertido. Atacar um companheiro, jovem e inexperiente, para dele usufruir prazer sexual, é algo atribuível a celerados. Após semelhante patamar, nada pode ser acrescido em termos de ignomínia. Se verdade a grave acusação, somos dirigidos por uma variante do shakespereano Ricardo 3. Se mentira, os limites de qualquer decorum foram transgredidos por Benjamin. A situação alarma, pois se o chefe de Estado não merece respeito à sua subjetividade, nenhum cidadão pode esperar algo melhor dos seus iguais.

A verrina de Benjamin parte de algo usitado no mundo político. Da arrogância nasce a fragilidade dos poderosos. Os gregos deram a tal forma de comportamento um nome expressivo: hybris. A palavra significa o insulto ou insolência contra outras pessoas, as quais, por conseguinte, são postas em desgraça pública. Mas tal significado não é único. Nele está incluída a extrema arrogância dos nobres gregos que, por seu egoísmo exacerbado, cometem injustiças contra os pobres e desprovidos de poder. A hybris está na origem das sedições contra a tirania.

Lula é conhecido como arrogante, mas isto não o situa em plano de exceção na ordem estatal brasileira. As hostes oposicionistas abrigam orgulhosos e dogmáticos que, longe de respeitar os governados, os desprezam e oprimem. O que fez, então, Benjamin, contra o presidente? O correto seria comparar os ditos (eivados de lamentável hybris) de Luiz Inácio da Silva e os fatos, positivos e negativos, de seu governo. Atacar a subjetividade do presidente foi um desvio tático. Essa inflexão de rota é sempre usada nas guerras de todos contra todos, que define a vida nacional. Em vez de criticar a prática administrativa, ideológica, política dos adversários, a via mais fácil encontra-se em tarefa ignóbil: revirar os segredos das subjetividades. A tarefa tisna a honra pública dos atacados, mas não enaltece os atacantes. Nada, em tais procedimentos, melhora a ordem coletiva. Tais ataques servem para vingança pessoal ou buscam alcançar fins inconfessáveis.

Nos dois casos, temos outro segmento de ética distorcida a que os gregos chamam kakourgia: o gosto de fazer e observar o mal. Dirigir suspeitas contra a moralidade subjetiva de alguém, famoso ou poderoso, incentiva o vicio, tanto do atacante, quanto dos que só vivem para gozar as delícias da ruína alheia. Plutarco, no De curiositate, expõe o baixo erotismo de quem espalha o mal. É evidente esse traço no artigo de Benjamin, incluindo palavras chulas para designar a genitália feminina. Conhecemos vários casos lamentáveis de escândalo encomendado. Ibsen Pinheiro foi atingido por ataques que impediram sua carreira. Acusações, viu-se depois, cujas bases eram mais do que frágeis. Cada “revelação”, na vida oficial ou privada, ativa as paixões baixas, presentes nos milhões que habitam os cantos obscuros da sociedade. Todos os perdedores alegram-se com a desgraça real ou fictícia dos bem sucedidos.

Por uma hybris imprudente, Luiz Inácio da Silva é endeusado como vencedor imbatível pelos seus adeptos. Mas a propaganda triunfalista funciona em dois planos: atrai aplausos fanáticos e sentimentos baixos dos não contemplados pelas vitórias, reais ou alardeadas. A hybris atrai a kakourgia, de maneira inevitável. Nenhuma delas melhora o convívio cidadão. É por tal motivo que me levantei contra o texto de Benjamin. Ele deixou intocados os aspectos negativos do governo Lula. Mas forneceu alimento para os mais baixos instintos da massa nacional. Levemos o debate às coisas, sem estuprar subjetividades, nos arcanos da vida privada.

*Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp
FONTE: http://cpopular.cosmo.uol.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1665424&area=2190&authent=3EBF80441DBFF2062DB8D6252DCA94 09/12/2009

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