sábado, 16 de janeiro de 2010

O mundo pós-aniversário

Autora de 'Precisamos falar sobre Kevin' lança seu novo romance



RIO - Um talvez norteia o mais recente livro de Lionel Shriver. A perspicaz autora de Precisamos falar sobre Kevin confessa estar mais branda em seu romance O mundo do pós-aniversário, mas não menos intensa. Se, no primeiro, a indiferença materna choca por seu realismo, neste a possibilidade de uma vida alternativa mina um relacionamento sólido.

Conhecida por seus impecáveis retratos psicológicos, a escritora americana conta a história de um casal radicado em Londres. Ramsey é um disciplinado pesquisador e Irina, uma ilustradora profissional. Os dois vivem felizes até que Irina, de uma hora para outra, se vê com uma vontade incontrolável de beijar outro homem. O outro homem é Lawrence, um velho amigo do casal, jogador de sinuca profissional.

Depois do beijo, Shriver compõe dois destinos possíveis para Irina: ficar com o metódico Ramsey ou se aventurar com Lawrence, com quem se dá muito bem, apesar de ter pouco em comum. As consequências e motivações mais íntimas dessa escolha vão sendo reveladas capítulo a capítulo, a partir de duas perspectivas diferentes. Sempre no limiar do talvez, Irina se vê entre duas possibilidades: trair ou não? Dilema pelo qual a própria autora já sentiu na pele.

Em Precisamos falar sobre Kevin, você conta a história de uma mãe que é indiferente ao próprio filho. Em O mundo pós-aniversário, é perceptível a mudança em relação ao livro anterior. É um romance mais leve nesse sentido?
O mundo pós-aniversário não pretende quebrar qualquer tabu no mesmo nível que Precisamos falar sobre Kevin fez. O que o livro faz, ao contrário, é quebrar regras. Este romance se vale da estrutura de um universo paralelo, alternativo. É um exame minucioso entre dois amores. Na minha experiência, um romance não pode ser engraçado. O amor é muito sério, e ele pode te matar (no sentido figurativo, mas também literal, como Romeu e Julieta). É curioso que, quando muitos autores escrevem sobre sexo, por exemplo, eles não estão escrevendo realmente sobre sexo. É uma visão estereotipada. Da mesma forma, os que escrevem sobre o amor não escrevem realmente sobre o amor, não escrevem sobre o quanto o amor pode machucar.

Como é escrever um romance baseado em sua própria vida?
Em um momento da minha vida também fiquei em dúvida entre dois homens. Eram duas pessoas maravilhosas, mas muito diferentes. O romance apenas deu forma ao que havia em minha mente quando tive que decidir entre os dois. É o mesmo quando precisamos escolher entre dois empregos ou entre duas cidades para se morar. Sempre tentamos imaginar como seria nosso futuro a partir da escolha A ou B. E o livro deixe claro que não há como prever nossos destinos. As coisas acontecem e não podemos antecipar. Mas eu não tive obviamente a oportunidade de viver duas vidas paralelas como no romance. Mas sei quanto dano você causa quando trai alguém que você ama. Ainda hoje sinto pontadas em meu estômago quando lembro isso. Sempre sentirei, talvez. Eu o deixei por outra pessoa. Talvez eu nunca tenha me perdoado. Ironicamente, a pessoa me perdoou, mas perdoar-se é diferente.

Você já afirmou que trair é pior que ser traído. Como você retrata a infidelidade no livro?
Poucos escritores parecem escrever sobre isso de maneira honesta. A verdade é que poucos de nós somos genuinamente leais, totalmente leais. Quando você ofende seu parceiro, mesmo que não faça sexo com ninguém, já é uma forma de traição. No livro, escrevo sobre as várias formas de traição, seja literal ou meramente mental. E, definitivamente, é pior trair. Quando você é traído, você está do lado certo. É mais fácil se recuperar. Mas quando você trai alguém – principalmente alguém que você estima e não merece isso – a experiência é moralmente suja. E essa sensação pode perdurar por um longo tempo.

A personagem Irina está em dúvida entre dois homens. Você acha que essa escolha pode afetar a vida dela ou a pessoa que ela pode ser?
No romance a vida de Irina não depende totalmente de com que homem ela vai viver. Mas a pessoa que ela escolhe faz diferença. Sua escolha afeta suas amizades, seu relacionamento com a mãe, sua carreira profissional, ou talvez, o mais importante: como ela acorda pela manhã. Irina ainda mantém sua personalidade, mas diferentes parceiros podem colocá-la longe ou perto de si mesma.

Nesse sentido, O mundo pós-aniversário é sobre identidade também?
Bem observado. É sobre identidade. Acho que nossos parceiros exercem alguma influência em nossas características, e certamente em nosso comportamento. Por exemplo, se você vive com alguém que é moralista com bebida, você tende a beber menos. Mas nossos parceiros são apenas uma influência, não podem determinar quem nós somos em um sentido mais profundo.

Há uma escolha “certa” para sua personagem?
Isso é o leitor que vai decidir. Escolher qual desses destinos é o melhor para Irina é tarefa do leitor. É questão de gosto. Alguns preferem Lawrence; outros Ramsey. Gosto de pensar que atingi um senso de equilíbrio.

Reportagem de Taynée Mendes, Jornal do Brasil
FONTE: JB online - 15/01/201

2 comentários:

  1. Os nomes dos personagens estão trocados. Lawrence é o marido e Ramsey é o outro.

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  2. Este livro é divino. Amei. O melhor livro da minha vida. Sério. Todos deveriam lê-lo: as mulheres porque se identificarão prontamente com a personagem, os homens porque ganharão muito lendo este livro. Ele é real, emocionante e pertubador. E tenho minha opinião sobre qual foi a melhor escolha...

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