domingo, 10 de janeiro de 2010

Repentistas

Entre poesia , cerveja e tira-gosto

Repentistas se reúnem todos os domingos na Feira da Guariroba
para desafios e muita cantoria

Repente é a poesia improvisada; é o verso elaborado na hora, por provocação de um assunto escolhido. Ele pode ser entoado em “desafio”, quando dois poetas populares ensaiam uma espécie de disputa em cantoria. Por isso, assim que se depara com um grupo desses artistas, o que mais impressiona é a velocidade de raciocínio e a sagacidade na hora de versar. Religiosamente, um grupo de repentistas e cantadores de Brasília se reúne todos os domingo no Recanto dos Poetas, na Feira da Guariroba, em Ceilândia, um dos principais redutos nordestinos do DF. Além de Francisco das Chagas e Chico de Assis, participam os poetas repentistas Zé do Cerrado, 45 anos, Valdenor de Almeida, 45, José Mílson Ferreira, 59, Cícero Monteiro, 55, Geraldo Queiroga, 49, Messias de Oliveira, 50, e Francisco Félix da Silva, 61.
É um encontro informal em que, entre uma cervejinha e um tira-gosto, eles contam causos, e claro, fazem repentes e muita cantoria. “Não temos um mercado muito bom em Brasília para a nossa classe. Há uma evasão muito grande desses profissionais. Quase não temos eventos por aqui e, por isso, a gente acaba se reunindo de vez em quando”, conta o repentista paraibano Zé do Cerrado.
Não é muito comum também encontrar um repentista na cidade que vive exclusivamente desse ofício, justamente por falta dessa opção de eventos. O cearense Messias de Oliveira, 50, é um desses raros exemplos. Ele revela que é cada vez mais difícil se deparar com esses poetas em lugares públicos como praças, ruas e praias, e que, para muitos, nesses locais não se encontra uma cantoria e uma poesia de qualidade. “A gente viaja muito sim, somos nômades, participamos de feiras, encontros, festivais do setor. Eu, particularmente, acho que se apresentar em praia é vulgar”, diz.
“Apresentações em locais públicos só acontecem quando somos convidados, por exemplo, a participar de alguma manifestação ou algo do gênero”, acrescenta o poeta repentista Valdenor de Almeida, há 20 anos na estrada.

Assuntos

Ele acrescenta que, ao longo do tempo, as temáticas dos repentes foram mudando e que saíram do campo antropológico para o sociológico. Segundo Valdenor, antes se falava muito de história geral, sobre a Bíblia, e hoje os assuntos são mais do cotidiano e atuais. “A cantoria era muito de autoelogio, de ‘puxa-saquismo’ mesmo, e hoje não. O poeta repentista fala do amor, das dores do mundo, de política, do sertão, da cultura nordestina, das mazelas da vida. Os assuntos mudaram, mas a essência se mantém e é por isso que ele conquista tanta gente”, diz.

Os amigos Augusto César, 42 anos, e Manuel Valdson, 31, frequentadores da feira, são assíduos nos encontros dos poetas e grandes admiradores da arte repentista. “Eu acho muito legal esta coisa de a gente dar um tema e eles criarem algo em cima disso, com muita rapidez e criatividade. Isso é mágico”, destaca Augusto. “A gente, que é nordestino e tem as raízes lá, faz questão de vir aqui, com os amigos, a família, para matar um pouco a saudade da terra. Não tem nada mais nordestino do que isso aqui”, complementa Manuel.

Conheça alguns versos desses cantadores

Chico de Assis

“Quem nasceu com pouca sorte
Com nada se acostuma
Uns têm castelos de areia
Outros castelos de espuma
As dádivas já são contadas
Feliz de quem ganha uma”

Francisco das Chagas

“Não encontro adjetivo
Para minha mãe querida
Ela é o ar que eu respiro
Meu mundo, minha guarida
A minha mãe não é Deus
Mas foi quem me deu a vida”

Messias de Oliveira cita um dos repentes mais conhecidos: o do
Cego Aderaldo, explicando por que nunca quis se casar.

“Já pensei em me casar. Falo a verdade, não nego.
Mas com a minha experiência, batata quente eu não pego.
Quem enxerga leva chifre. Imagina eu que sou cego”

CURIOSIDADES

Como os repentistas criam uma grande quantidade de versos e numa velocidade muito rápida, é raro se lembrarem dos repentes. “ Nossos repentes são meio descartáveis, a não ser que algum amigo lembre, ou você grave ou escreva”, explica Zé do Cerrado.

Como O repente possui diversos modelos de métrica e rima, e seu canto costuma ser acompanhado de instrumento musical, no caso a viola. Quando o instrumento usado é o pandeiro, o repente é chamado de coco de embolada.
Origem do desafio
Os violeiros nordestinos formam um repente, que é a habilidade que o poeta tem de compor versos na hora, geralmente em resposta à provocação anterior criada pelo outro violeiro da dupla. Essa atividade, a de um criar uma estrofe e o outro responder em versos, é conhecida como desafio. Os versos, conforme sua metrificação, são conhecidos por nomes, como quadra, quadrão, sextilha, mourão, martelo agalopado, galope à beira-mar. A sextilha, talvez por ser mais fácil, é o gênero preferido dos repentistas, principalmente no início de suas apresentações – os chamados desafios. O martelo agalopado é considerado o mais nobre. O martelo é composto de estrofes de 10 versos, em decassílabos. O galope à beira-mar é assim chamado porque sempre discorre sobre temas praieiros.

Parte da Reportagem de Ana Clara BrantFonte: Correio Braziliense online, 10/01/2010

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