Martha Medeiros*
Escultura não era algo que me chamava atenção na adolescência,
até que um dia tomei conhecimento da célebre resposta que Michelangelo deu a
alguém que lhe perguntou como fazia para criar obras tão sublimes como, por
exemplo, o Davi.
“É simples, basta pegar o martelo e o
cinzel e tirar do mármore tudo o que não interessa”. E dessa forma genial ele
explicou que escultura é a arte de retirar excessos até que libertemos o que dentro se esconde.
A partir daí, comecei a dar um valor extraordinário
às esculturas, a enxergá-las como o resultado de um trabalho minucioso de
libertação. Toda escultura nasceu de uma matéria bruta, até ter sua essência
revelada.
Uma coisa puxa a outra: o que é um ser
humano, senão matéria bruta a ser esculpida? Passamos a vida tentando nos livrar
dos excessos que escondem o que temos de mais belo. Fico me perguntando quem
seria nosso escultor.
Uma turma vai reivindicar que é Deus, mas
por mais que Ele ande com a reputação em alta, discordo. Tampouco creio que
seja pai e mãe, apesar da bela mãozinha que eles dão ao escultor principal: o
tempo, claro. Não sou a primeira a declarar isso, mas faço coro.
Pai e mãe começam o trabalho, mas é o
tempo que nos esculpe, e ele não tem pressa alguma em terminar o serviço, até
porque sabe que todo ser humano é uma obra inacabada. Se Michelangelo levou três
anos para terminar o Davi que hoje está exposto em Florença, levamos décadas
até chegarmos a um rascunho bem acabado de nós mesmos, que é o máximo que
podemos almejar.
Quando jovens, temos a arrogância de achar
que sabemos muito, e, no entanto, é justamente esse “muito” que precisa ser
desbastado pelo tempo até que se chegue no cerne, na parte mais central da nossa identidade, naquilo que fundamentalmente
nos caracteriza.
Amadurecer é passar por esse refinamento, deixando para trás o
que for gordura, o que for pastoso, o que for desnecessário, tudo aquilo que
pesa e aprisiona, a matéria inútil que impede a visão do essencial, que camufla
a nossa verdade.
O que o tempo garimpa em nós? O verdadeiro sentido da nossa
vida.
Michelangelo deixou algumas obras aparentemente
inconclusas porque sabia que não há um fim para a arte de esculpir, porém em
algum momento é preciso dar o trabalho como encerrado.
O tempo, escultor de
todos nós, age da mesma forma: de uma hora para a outra, dá seu trabalho por encerrado. Mas enquanto ele ainda está
a nossa serviço, que o ajudemos na tarefa de deixar de lado os nossos excessos
de vaidade, de narcisismo, de futilidade.
Que finalmente possamos expor o que há de mais precioso em você,
em mim, em qualquer pessoa: nosso afeto e generosidade.
Essa é a obra-prima de
cada um, extraída em meio ao entulho que nos cerca.
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 05/05/2013
Imagem reprodução da Internet
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