"CLASSES DIFERENTES DEVEM SE MISTURAR NO ESPAÇO PÚBLICO"
A palestra desta segunda-feira no Fronteiras do Pensamento é um
programa de casal. Se não para o público, para os palestrantes Saskia
Sassen e Richard Sennett, sociólogos, autores de livros sobre os rumos
do capitalismo e o modo como a gestão urbana molda a vida dos cidadãos
contemporâneos – e casados desde 1987.
Holandesa, Saskia é a intelectual responsável por pôr em
circulação o termo "cidade global" em obras que discutem o papel das
metrópoles contemporâneas na economia. Para ela, a cidade global é
alimentada "pela desregulamentação dos mercados financeiros, a
ascendência das finanças e dos serviços especializados e a integração
aos mercados mundiais".
O americano Sennett, por sua vez, vem se dedicando a investigar a
relação do capitalismo com as condições de cooperação e associação -
tema que aborda na trilogia O Artífice (2008), sobre a ética do trabalho manual na era da automação, Juntos (2012), sobre formas de cooperação na sociedade capitalista, e em The Open City, livro previsto para sair no ano que vem.
O senhor está vindo para um seminário com o tema Como Viver
Juntos. Vemos, atualmente, crise social e financeira, ataques
terroristas etc. Estamos mais próximos ou mais distantes de um projeto
de “viver juntos”?
No trabalho que faço, lido mais com aspectos econômicos, estou
interessado em como a nova economia dita global tornou mais difícil para
as pessoas trabalharem juntas, no cenário do que se costuma chamar de
neoliberalismo. Não sei bem até onde se espalhou a mudança das políticas
de trabalho no Brasil, mas, aqui em Nova York, os trabalhadores já
estão tendo que lidar com a realidade de turnos de trabalho mais curtos e
mais flexíveis, com menos garantias legais, e sabemos muito bem que o
resultado disso é tornar cada vez mais difícil para as pessoas
trabalharem juntas. O trabalho se tornou individualista, e as empresas
encorajam muito pouco a cooperação mútua. É nisso que eu foco meu
trabalho. O terrorismo é uma horrível ameaça, mas, na esfera cotidiana,
as alterações no ambiente de trabalho são mais significativas.
Nas grandes cidades, de modo geral, a mobilidade é um
problema para o trabalhador, e alguns já defendem que uma solução seria o
uso da tecnologia para que se trabalhe de casa. A tendência é que o
trabalho se torne algo ainda mais isolado?
Não acho que esse seja um futuro necessário e inevitável. O problema
das cidades, como você apontou, diz muito respeito à comunicação física,
ao deslocamento. Todas as vezes em que estive no Brasil, fiquei preso
em engarrafamentos que pareciam durar uma vida. Mas há uma série de
estratégias que podemos adotar, até mesmo restringindo o tamanho das
cidades. Mas acho que a grande questão é que esta nova face do
capitalismo que vivemos tem sido apresentada como inevitável. E não é.
Os alemães, por exemplo, têm sido muito bons em combinar flexibilidade
no trabalho com um sentido de cooperação. Os escandinavos têm conseguido
aliar empresas de ponta muito eficientes com solidariedade social.
Logo, não é necessário que seja como temos visto nos Estados Unidos ou
na Inglaterra ou em países nos quais essa doutrina ainda está se
consolidando. Você pode ter modernização sem isolamento.
O senhor mencionou a Alemanha, atual timoneira da União
Europeia, um dos principais projetos de “viver junto” na história
recende. Como o senhor vê o caso da Grécia e as consequências dos
recentes embates para a UE?
Tenho ouvido muito essa pergunta nos últimos tempos. Acho que a
Alemanha está se comportando de modo vergonhoso. Se eu fosse grego,
provavelmente não aceitaria continuar na União Europeia neste momento.
Porque a UE se tornou uma espécie de máfia dos Estados europeus do
Norte. Não é mais um projeto político no qual os fortes podem colaborar e
ajudar os fracos. A Alemanha está impondo condições à Grécia que vão
condenar gerações à pobreza. De um ponto de vista político, creio
basicamente que a Alemanha destruiu a União Europeia, não os gregos. Ela
está aplicando um tipo de fascismo econômico, em que os fortes predam
os fracos. Uma das consequências na Grã-Bretanha do modo como a Alemanha
conduziu a questão grega é que muitos que antes não contemplavam a
possibilidade de deixar a UE agora declaram: “Temos que nos livrar do
domínio alemão”.
"A Alemanha está aplicando na União Europeia uma espécie de fascismo econômico em que os mais fortes
predam os mais fracos"
O resultado da crise foi uma perda da noção de colaboração?
Completamente. Um dos elementos fundamentais da colaboração é que os
parceiros queiram se apoiar, e não apenas o mais forte obter vantagem. O
elemento desta situação que eu acho chocante é que muito do dinheiro
que a Alemanha investiu na Grécia não foi para as pessoas comuns, e sim
para financiar os bancos. Então, essencialmente, nesta terrível
austeridade que está sendo imposta à Grécia e a Portugal, outro parceiro
em situação fraca, quem está recebendo dinheiro são os banqueiros, e
não os cidadãos que sofrem o maior impacto da crise. É hipnótico pensar
como lutamos duas guerras mundiais contra a Alemanha e agora ela impõe
uma dominação pelo aspecto econômico e por uma espécie de fascismo
financeiro no qual os mais ricos estão espremendo os mais pobres – algo
com que vocês no Brasil com certeza estão familiarizados.
Por que, em cidades modernas com pessoas de procedências e
culturas diferentes, o impulso de cooperação parece cada vez mais árduo?
Eu não diria que o problema aí seja de cooperação, e sim a existência
de um certo isolamento cultural, a noção de que pessoas diferentes não
podem viver juntas. A grande questão em colaborar é mais física,
particularmente ter classes diferentes de pessoas misturadas no espaço
público. As cidades já foram locais tradicionais de mescla entre pessoas
de diferentes origens, estratos econômicos e visões políticas. Hoje
lidamos com uma questão prática: se tivermos uma cidade em que isolamos
todas as diferentes classes de habitantes, você perde uma espécie de
sinergia natural que se forma quando há pessoas diferentes no mesmo
espaço.
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