sábado, 10 de outubro de 2009

A natureza: mestra da justa medida

Leonardo Boff*




Por natureza entendemos o conjunto dos seres orgânicos e inorgânicos, os campos energéticos e morfogenéticos que existem como subsistemas de outros sistemas maiores, sejam ou não afetados pela intervenção humana, constituindo um todo orgânico, com um equilíbrio dinâmico. O ser humano é parte da natureza e co-pilota o processo de evolução junto com as forças diretivas da Terra.

A natureza é uma realidade tão complexa que não pode ser encerrada em nenhuma definição. Ela permanece um mistério, como mistério é o ser e o nada. O que possuímos são discursos culturais sobre a natureza: das culturas ancestrais, das modernas e das várias ciências. Em nome de cada compreensão, decide-se qual é o nosso lugar nela e que tipo de intervenção é adequado, ou não.

Quando contemplamos a natureza salta logo aos olhos uma medida imanente a ela que resulta não das partes tomadas isoladamente, mas do todo orgânico e vivo. Há harmonia e equilíbrio. Ela não é biocentrada como se a vida fosse tudo, mas no equilíbrio dinâmico entre vida e morte.

Para os contemporâneos a natureza resulta de um imenso processo de evolução que vai além do modelo de Charles Darwin (1809-1882) que fundamentalmente a restringia à biosfera sem incluir o cosmos. Tudo começou com o big-bang num processo não linear que conhece saltos, flutuações e bifurcações. Não só se expande; mas, cria e organiza possibilidades novas. Significa que as leis naturais não possuem caráter determinístico; mas, probabilístico.

Os conhecimentos da termodinâmica nos sinalizam que a vida e qualquer novidade no universo surgem a partir de certa ruptura do equilíbrio. Essa quebra da medida é só um momento, pois provoca em seguida a autoorganização que cria um novo equilíbrio dinâmico. É dinâmico porque, continuamente, se refaz, não pela reprodução do equilíbrio anterior, mas pela criação de um novo. A lógica da natureza em evolução é esta: organização-desorganização-interação-nova organização. E assim sucessivamente.

Isso não significa que a natureza não possua uma medida (leis da natureza); o que ela não possui é uma medida estática e mecânica, mas dinâmica e flutuante, caracterizada por constâncias e variações. Há fases de ruptura para logo em seguida gestar nova regularidade. O clima da Terra, por exemplo, há bilhões de anos atrás, passou por turbulências e terríveis devastações. A Terra já foi quase duas vezes mais quente que hoje; mas, apesar disso, mostrou ao longo das eras um incrível equilíbrio dinâmico que tem favorecido benevolamente a vida em sua diversidade.

A natureza vista como um todo não impõe prescrições. Aponta para tendências e regularidades que podem ir em várias direções. Cabe ao ser humano, auscultando a natureza e com fina percepção, escolher uma que lhe pareça mais adequada. Então, ele surge como um ser responsável e ético.

O ser humano deve seguir a lógica da natureza: fazer e refazer continuamente o equilíbrio. Não de uma vez por todas, mas sempre em atenção ao que está ocorrendo no ambiente, na história e nele mesmo. A justa medida muda, o que não muda, é a permanente busca da justa medida.

O ser humano capta essa medida multidimensional na proporção de sua escuta e do diálogo com a natureza. Quanto mais mergulha nela e respeita seus ritmos, mais sente quando deve mudar e quando deve conservar.

Os povos indígenas nos dão disso o melhor exemplo. Por uma afinidade profunda com a natureza, os solos, as nuvens, os ventos e outros eventos naturais sabem, de golpe, o que vai acontecer e o que fazer. A natureza fala com eles e por eles porque ambos formam um todo só.

Investigações recentes mostraram que as pessoas não mudam por causa de informações sobre o aquecimento global, mas quando sofrem na pele com a degradação ambiental. Isso comprova que o motor que move as pessoas é menos o intelecto que o sentimento profundo, raiz do novo paradigma de convivência com a Terra. Sem esse sentimento não ouviremos a grande voz da Terra a nos convidar para sinergia, a compaixão, a coexistência pacífica com todos os seres. A partir desse ‘pathos’ se torna absurdo querer subordinar o novo conhecimento genético à obtenção de lucros, como se a vida não valesse por si mesma, sem ser reduzida a uma simples mercadoria no balcão de negócios.

Se esta sintonia fina com a natureza em nós e também ao nosso redor não se transformar numa cultura, então estaremos sempre às voltas com a busca da justa medida a ser encontrada e aplicada. Viveremos reconciliados conosco mesmo e com a natureza. Eis um caminho a seguir.

* Teólogo, filósofo e escritor
Adital, 09/10/2009

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