terça-feira, 13 de outubro de 2009

A saída é política.

André Comte-Sponville*
não vê sentido na moralização do capitalismo
Nesta entrevista à Carta Capital,
Comte-Sponville interpreta a crise financeira
como o esgotamento do ultraliberalismo e
aponta a urgência de, neste cenário,
resgatar a política.
Ele diz que o mercado produz riqueza,
mas só o Estado,
entidade eminentemente política,
produz justiça.
A moral só age na sociedade por meio de leis
que bloqueiam os piores impulsos do capitalismo:
monopólios, exploração do trabalho, especulação.



Carta Capital: Faz sentido moralizar o capitalismo?
André Comte-Sponville: O que entendemos por “moralizar” o capitalismo? É torná-lo intrinsecamente moral, movido não pelo interesse, mas pela generosidade? Isto é pura ilusão. Já fixar limites externos, políticos e jurídicos para combater defeitos morais não só é possível e necessário, algo que se faz há 200 anos. Quando proibimos o trabalho infantil, garantimos as liberdades sindicais ou impedimos abusos de posição dominante, moralizamos o capitalismo. Sarkozy produz bravatas. A social-democracia nada mais é senão aceitar a economia de mercado – a mais eficaz – com limites externos.
CC: Os últimos vinte anos rejeitaram esse pensamento.
ACS: E, no entanto, a edição atual do meu livro é mais lida que a original. Os economistas dizem se tratar de um livro premonitório. Não fiz previsões. A vantagem do filósofo sobre o economista é não precisar delas. O que a crise confirmou foi a amoralidade, não imoralidade, do capitalismo. Depois, a incapacidade do mercado de se regular de modo social e moralmente aceitável. A crise é uma autorregulação com resultados deploráveis. E a moral tampouco é capaz de regular a economia. Se contássemos com a moral dos financistas para organizar a sociedade, ainda estaríamos no tempo do (escritor do século XIX Émile) Zola. Se o mercado é incapaz de se regular e a moral incapaz de regular o mercado, o que resta? Só a lei e a política. A crise confirma que os ultraliberais estavam errados. Num país em que o Estado não toma conta nenhuma da economia, o pleno emprego está garantido apenas para os sobreviventes.
(...)
CC: Se grupos transnacionais forem mais fortes que os Estados, sobre lugar para moral e política?
ACS: É preciso que os Estados impeçam os monopólios e eles têm as ferramentas para isso, ao menos nos países ricos. Nenhuma empresa é mais forte que um Estado desenvolvido. Se o povo americano quiser nacionalizar a Microsoft, pode. A França quis nacionalizar os bancos, a esquerda assumiu o poder e o fez. Mas logo vimos que eles funcionaram pior. Para criar riqueza, o mercado é mais eficiente. A dificuldade para o Estado é cumprir o seu papel. Ele deve garantir, não gerir a economia. A esquerda já renunciou à nacionalização. Entendeu que o Estado não é bom para gerir riqueza. Agora, a direita precisa entender que o mercado não serve para criar justiça. Precisamos do mercado para o que está à venda, e do Estado para o que não está.
CC: A publicidade, ao usar a ideia utilitarista da busca pela felicidade, seria uma resposta econômica à questão moral?
ACS: Sim, uma falsa resposta. A publicidade mente, pois nos diz que seremos mais felizes com tal produto que sem ele. Meus filhos compraram cinco celulares nos últimos anos e não são mais felizes por isso. A publicidade também é movida a novidade, como se ela significasse tudo na vida.
CC: E isso acontece também na arte...
ACS: Toda época tem a arte que merece. A nossa é a do mercado triunfante e da publicidade. Ambos se fundam sobre o novo. Na arte, a única forma de produzir o novo é ser radical. O fim do processo é fazer obras sem sentido. A busca louca pelo novo na arte é uma contaminação da lógica do capitalismo e da publicidade.
CC: Se a publicidade responde à moral, parece difícil criar algo à parte.
ACS: Claro. Por isso educamos as crianças. Se o capitalismo fosse moral, a publicidade também seria. Não precisaríamos educar as crianças. Bastaria colocá-las diante da tevê. Mas é bem o contrário Temos de arrancá-las de lá para lhes ensinar qualquer coisa. Não sou “publífobo”. A publicidade tem sua importância econômica. Mas um adolescente, hoje, pensa que a felicidade depende do que possui.É a mentira publicitária, amar a novidade, ser in. Mas o essencial está no longo prazo. Vale mais ler Aristóteles e Montaigne que revistas da semana passada. Tudo nelas está defasado, mas o essencial dos filósofos segue vivo. Prefiro uma velha verdade a uma nova mentira.
CC: O senhor disse que não quer mais falar de moral. Qual vai ser o seu próximo tema?
ACS: Vou me dedicar à reabilitação da política. Estávamos errados, nos anos 60 e 70, de achar que ela podia tomar o lugar da moral e estamos errados hoje de achar que a moral pode tomar o lugar dela.
*André Comte-Sponville (1952, Paris) é um filósofo materialista ateu francês. Estudou na École Normale Supérieure.
Sponville utiliza o referencial de
Jean Paul Sartre que já havia dito que "todos somos responsáveis por todos" e de Dostoievsky, "somos todos responsáveis por tudo, diante de todos".Foi membro do clube de Roma entre 1989 a 1997. E atualmente é professor na Universidade de Paris.
Criticou a entrada de
Mikhail Gorbatchev no Clube de Roma, em 1994.
Revista Carta Capital nº567 – 14 de outubro de 2009 – pp.106/107.

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