segunda-feira, 14 de junho de 2010

Formação de talentos

Recursos humanos:
Para CEO da Hays, companhia global de recrutamento,
país deve seguir o exemplo da Índia.
Segundo Cox,
o país tem de criar habilidades domesticamente
para suprir demandas que
surgirão daqui a 25 anos


Brasil precisa investir mais na formação de talentos

O Brasil não dispõe de um número suficiente de profissionais qualificados para acompanhar seu desenvolvimento econômico nos próximos anos e existem poucas saídas para esta situação. Investir na formação educacional domesticamente, atrair os brasileiros que estão fora e incentivar as indústrias a contratá-los são algumas delas. "Foi o que a Índia fez e deu certo", diz Alistair Cox, CEO da Hays, uma das maiores recrutadoras globais de talentos, de origem inglesa.
No Brasil há apenas quatro anos, a Hays tem planos ambiciosos para o país, que já é sua sétima operação mais lucrativa. A primeira é a Austrália, seguida da Alemanha e do Reino Unido. O grupo está presente em 28 países e faturou no ano passado R$ 1,7 bilhões, com um lucro operacional de R$ 422,5 milhões. A empresa, de capital aberto, tem seu valor de mercado estimado em R$ 4 bilhões.
O objetivo no Brasil, segundo o CEO, é ampliar o número do efetivo de 80 para 120 nos próximos meses e inaugurar uma unidade a cada ano nos próximos seis anos. "Queremos aproveitar a onda de crescimento. O país. precisará de pessoas em diversos setores", diz. Em rápida passagem por São Paulo, Cox concedeu uma entrevista exclusiva ao Valor. A seguir, os principais trechos:

Valor: Como anda o mercado de recrutamento mundial hoje?
Alistair Cox: O mundo viveu em uma montanha russa nos últimos 18 meses, o que, obviamente impactou a área de recrutamento. Foi provavelmente a primeira vez que vimos todas as economias, setores e países serem afetados. Por volta de julho de 2009, porém, alguns países começaram a se recuperar. Foi a primeira vez também que a Ásia ajudou o mundo a sair da recessão e nossos negócios por lá estão se recuperando. Espero que nos próximos seis meses nossos negócios aumentem em torno de 10%. Contrataremos cerca de cem pessoas na região.

Valor: Onde o mercado ainda está ruim para o setor?
Cox: Na Europa, algumas regiões como a Espanha ainda estão mal. A Itália está estável, embora não mostre sinais de melhora. Por outro lado, temos a Alemanha que está indo bem tanto no recrutamento sênior como no profissional. Eles precisam, por exemplo, de engenheiros altamente qualificados de TI. No Reino Unido, onde começamos o negócio e que responde a 20% do nosso lucro, a recessão está profunda. O setor privado foi duramente afetado, mas está começando a ficar mais confiante e a criar empregos. No nosso negócio a confiança do candidato é fundamental. A pessoa que está em um emprego precisa estar querendo ir para outro. Em uma recessão, ninguém tem coragem de mudar.

Valor: Como o senhor vê o mercado brasileiro?
Cox: O Brasil está voando de novo. A recessão no país foi curta e não tão profunda. Devemos crescer 10% no fechamento do nosso ano fiscal em junho, lembrando que ainda estamos contabilizando um pedaço da crise. Em 2011, espero crescer 50%. Hoje temos 80 pessoas no Brasil. Nos próximos meses, espero chegar a 120. Esse número pode crescer ainda mais se o mercado continuar acelerado.

Valor: Quanto o Brasil representa para os negócios da Hays?
Cox: Quase 90% do nosso lucro vem de três países: Austrália, Alemanha e Reino Unido. Todos os outros países juntos respondem por 10%. O Brasil ocupa o sétimo lugar no nosso negócio. Estamos focando no recrutamento profissional técnico qualificado, que é um novo conceito no Brasil. Um aspecto interessante dos nossos trabalhos no Brasil é que ele nos anima a operar na América Latina. A experiência que tivemos aqui foi tão positiva que estamos começando a olhar países como México, Colômbia e Argentina e Chile.

Valor: Quais setores do Brasil demandarão mais profissionais nos próximos anos?
Cox: Nos próximos cinco anos, 25 milhões de pessoas estarão saindo da pobreza para a classe média, podendo comprar casa, carro e produtos de consumo. Então, devemos esperar um aumento na demanda nas área de bens de consumo, varejo, energia e petróleo e gás, por exemplo. O setor de manufatura teve um momento ruim na recessão, mas já vimos que a indústria pesada está voltando. O setor de construção ligado à infraestrutura também deve contratar por conta da Olimpíada e da Copa. As farmacêuticas também devem crescer, pois as pessoas estão vivendo mais, existe uma preocupação maior em cuidar da saúde e mais acesso a medicamentos. A única área que não está se recuperando ainda talvez seja a de mineração. O câmbio forte e a redução no preço das commodities talvez ainda atrapalhem temporariamente. Os bancos domésticos estão tendo de absorver as integrações então vão perder pessoas nestes processos. Eles estarão focados nisso agora, antes de pensar em crescer novamente.

"Nos próximos cinco anos,
25 milhões de pessoas estarão saindo da pobreza
para a classe média,
podendo comprar casa, carro e produtos de consumo.
Então, devemos esperar um aumento na
demanda nas área de bens de consumo,
 varejo, energia e
petróleo e gás, por exemplo"


Valor: Qual o perfil dos profissionais recrutados no Brasil?
Cox: Há um ano, a maioria das pessoas que estávamos colocando em um novo emprego estava desempregada, pois tinha sido demitida. Hoje, 80% dos candidatos recrutados têm um emprego. Essa é uma boa notícia, significa que elas têm confiança para mudar.

Valor: Em termos salariais, como anda o recrutamento?
Cox: Em qualquer parte do mundo os pagamentos foram reduzidos na recessão. Agora, generalizando, os pagamentos subiram 10% além da inflação no Brasil. É um sinal encorajador. As pessoas que estão mudando estão recebendo um aumento de salário. No Brasil, para que as coisas continuem assim é preciso manter a inflação baixa.

Valor: Que tipo de executivo o mercado procura agora?
Cox: Existem muitas oportunidades na área de contabilidade, afinal, as empresas estão precisando de analistas e planejadores financeiros. Elas querem pessoas que entendam e façam a gestão do risco. Controle e administração de crédito e planejamento tributário também estão em alta. Os bancos precisam de quem entenda de processos de fusões e aquisições. Na área de vendas e marketing, muitas das pessoas que foram dispensadas na crise estão sendo recontratadas agora. Engenharia é uma parte muito importante da economia brasileira. O país necessita de gerentes de projetos e operacionais. Com a retomada da economia as coisas começaram a se movimentar. A área de logística é um exemplo.

Valor: O país dispõe de profissionais para atender a demanda em todas essas áreas?
Cox: Não existem pessoas suficientes para alimentar todas as indústrias. Talvez seja preciso atrair brasileiros que estão lá fora ou até mesmo estrangeiros. O Brasil tem de enfrentar esse desafio para manter a economia se movendo como agora. É um país massivo, grande e com uma crescente população consumidora. Existem boas condições para que ele se torne uma potência mundial. O setor de automóveis no Brasil, por exemplo, é provavelmente um dos melhores mercados do mundo.

Valor: O que pode comprometer este crescimento?
Cox: O que poderia fazer o Brasil não ter sucesso seria uma instabilidade na condução da economia, além da falta de investimentos em infraestrutura e educação. É preciso criar habilidades domesticamente para preencher as posições que as indústrias vão precisar daqui a 25 anos. A educação é uma área que não teve atenção devida no Brasil. Vocês têm universidades, mas acredito não têm a quantidade necessária de pessoas com a qualidade que precisam. Ainda não existe um mercado global de talentos. O Brasil precisa dos melhores engenheiros. Se o país quiser ser importante em TI, por exemplo, tem de fazer o que a Índia fez nos últimos 15 anos, investindo internamente para abastecer a indústria. Foi um trabalho fantástico. Ela elevou o nível da educação, atraindo os indianos de volta para casa, criando oportunidades e dando incentivos para as indústrias recrutarem essas pessoas. Assim, o país criou uma indústria de TI fenomenal. Para competir com a China, Índia e com outros países da América Latina, Europa e Estados Unidos, o Brasil precisa ter talentos.
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Por Stela Campos, de São Paulo
Fonte: Valor Econômico online, 14/06/2010

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