quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nada é tão triste quanto uma rodoviária

Henrique Nunes*

Nada é tão triste quanto uma rodoviária. Estado terminal de despedidas súbitas, de reencontros fugazes que não olham para trás, de idas e vindas de quem vive sob o vaivém das caravanas que percorrem a nossa própria estrada, elas são sempre tristes, eternamente tristes.

Rodoviárias não são apenas o ponto de partida de quem sempre vai e de quem jamais veio ou foi pela primeira e última vez. Com seu solo esmigalhado pela sola pragmática dos viajantes, é também o campo de batalha entre o entusiasmo e o cansaço, entre a euforia da chegada e o gelo do adeus acenado da janela.

E não adianta procurar na literatura ou na ciência qualquer argumento que alivie a consciência: jamais haverá autenticidade em uma rodoviária. São, no máximo, ambíguas. Quando estão cheias, nos enchem de tédio. Quando estão vazias, esvaziam o nosso ânimo. Só há uma coisa que perpetua-se em todas elas, quase como uma receita para não nos acolher como deveria: em todas, mas em todas mesmo, há sempre uma flor murcha de descaso, dois ou mais sanitários fétidos e incontáveis cafés mornos requentados pela pressa de quem tem de partir.

"Nada é tão triste quanto
uma rodoviária".

Mas é no tráfego de gente que as rodoviárias se tornam ainda mais céticas. Ao som estridente de vozes anônimas, não há esbarrão capaz de interromper o uníssono de homens e máquinas. Anda-se conforme a música, sempre sem tempo de pensar nas horas perdidas à espera da próxima viagem ou em qualquer outra coisa que nos faça esquecer as furtivas horas que se aproximam. Reconhecer fulano ou beltrano e esperar algum consolo, então, é praticamente impossível.

É por isso que, de uma forma ou de outra, conhecer alguém na rodoviária é o maior dos equívocos humanos. Lugar de corações desabrigados, de futuros incertos e almas deslavadas de solidão, as rodoviárias já nascem para não atender as expectativas dos casais apaixonados. Amor de rodoviária é apenas a angústia ou o alívio de ver ou rever alguém. Mas isso só dura o tempo corriqueiro do reencontro ou da despedida. Logo todos partem sem sequer sentir saudades. E quem disser que se deu bem num banco de rodoviária está mentindo. Pois seja em Ouro Verde ou Ouro Fino, em Pouso Alegre ou Porto Feliz, só se ama antes ou depois da rodoviária. E não importa o destino: em toda e qualquer viagem, as cidades ficam e as rodoviárias se apagam na memória.

Se demos sorte, alguém de boa índole tentará algum contato. Mas isso não quer dizer que nos tornaremos íntimos. Conversaremos sobre o tempo, a suposta embriaguez do motorista, a senhora que não para de falar ao nosso lado e, se as ideias fluírem, trocaremos chicletes e até telefones. E só. Jamais voltaremos a nos ver e, a bem da verdade, jamais deveríamos ter nos aproximado.

As rodoviárias não são como os bares em que criamos vínculo pelas pessoas que o frequentam. Na verdade, as rodoviárias são como agências bancárias, com seus seguranças mal encarados que parecem orientados a não nos dar bom dia e também com seus inúmeros guichês enfileirados. Admitamos, sua gente impaciente à espera de atendimento reforça ainda mais o nosso desassossego.

De certo modo, nos incomoda falar de rodoviária. Por mais que se esforcem, elas sempre serão templos de tristeza, uma tristeza movida pelo diesel dos ônibus que nos levam tanta coisa embora.
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*Henrique Nunes é jornalista da Agência Anhanguera de Notícias (henrique.nunes@rac.com.br)
Fonte: Correio Popular online, 16/06/2010

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto! É exatamente isso que me impressiona, a morbidez das rodoviárias, os olhos tristes e cansados das pessoas que vão e vêm, os assuntos com desconhecidos (os quais jamais veremos novamente), os ônibus que embarcam e desembarcam, os amores que desaparecem nos degraus e deixam por lá inúmeras histórias. Tenho essa nostalgia por rodoviárias pelos momentos bons que passei por nelas e que hoje são apenas tristes recordações! Excelente texto, ótimas expressões!

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