quinta-feira, 17 de junho de 2010

“A pessoa pública tem de ser muito mais exposta a críticas”

ENTREVISTA
Marcelo Hallake Advogado especialista em liberdade de informaçãoAdvogado brasileiro radicado em Nova York, Marcello Hallake, 40 anos, foi um dos destaques do seminário Liberdade e Democracia no Século 21 – Um desafio de todos, realizado ontem no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre. Promovido pela revista Voto e pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), o evento reuniu estudiosos, empresários, políticos e jornalistas.
Enquanto um grupo de manifestantes contrários à atual gestão do DCE e ao governo Yeda Crusius (PSDB) protestava do lado de fora do prédio, Hallake discorreu sobre a dimensão político-jurídica da liberdade de expressão, comparando os modelos em curso em países como Estados Unidos e Brasil. Mais tarde, concedeu entrevista a ZH.

Zero Hora – Como o senhor avalia a liberdade de imprensa no Brasil, em comparação com os Estados Unidos, um país reconhecido mundialmente por valorizar esse princípio?
Marcello Hallake – É difícil fazer essa comparação, porque os Estados Unidos dão um valor extremo à liberdade de imprensa. Lá, desde o início, os fundadores da Constituição e os grandes pensadores consideraram que a coisa mais importante para uma democracia era garantir essa liberdade. Tanto assim que é praticamente impossível haver censura prévia à publicação de um livro ou de uma reportagem. No Brasil, ao contrário, sabemos que isso acontece e que não é algo raro.

ZH – Aqui, temos o caso do jornal O Estado de S. Paulo, que foi judicialmente proibido de publicar uma reportagem envolvendo a família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Como o senhor vê esse tipo de censura?
Hallake – É uma visão diferente da americana. Nos Estados Unidos, uma pessoa pública que se considera difamada pode entrar com uma ação na Justiça, mas a jurisprudência coloca muitas barreiras. Essa pessoa precisa provar que o jornal agiu de maneira maliciosa, que houve falhas.

ZH – No Brasil, existe a indústria da indenização contra os jornais. Isso acontece nos EUA?
Hallake – Lá, esse problema foi resolvido em 1961. Na época, o jornal New York Times quase foi à falência depois de ter feito uma publicação sobre Martin Luther King e ser processado. A Corte Suprema interveio e determinou que a pessoa pública, justamente por ser pública, tem de ser muito mais exposta a críticas e só pode prevalecer (judicialmente sua posição) se provar que a matéria é falsa, que tem intenção maliciosa de mentir e que o jornalista cometeu uma falta. A mudança significou uma revolução, porque deu coragem aos jornalistas para criticar o governo. Os jornalistas perderam o medo. Isso deveria acontecer no Brasil.

ZH – O senhor acredita que a crise pela qual passam os jornais impressos pode resultar em prejuízo à democracia?
Hallake – Pode ser um fato triste para pessoas como eu, que gostam de ler seu jornal impresso pela manhã, mas acho que é uma questão geracional. Os mais novos não veem assim. O jornal impresso está sendo substituído pelo digital. Nesse sentido, não há um perigo para a democracia, pelo contrário, porque aumentam as possibilidades de discussão.

ZH – O que o Brasil pode aprender com a experiência americana?
Hallake – Não sugiro que o modelo norte-americano seja o modelo para o Brasil, porque cada país é diferente. Os Estados Unidos são muito absolutos na sua posição quanto à liberdade de expressão. Lá, as pessoas não são proibidas de falar coisas classificadas como muito ofensivas, por exemplo. Mas acho que o Brasil deveria considerar pelo menos a intenção de dar mais liberdade à mídia para criticar o governo e as pessoas públicas. Isso é fundamental em uma democracia.
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Reportagem de:JULIANA BUBLITZ
Fonte: ZH online, 17/06/2010

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