segunda-feira, 9 de maio de 2011

Sábato

LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL*
Imagem da Internet
Este artigo, iniciado há duas semanas para comemorar cem anos de Ernesto Sábato, transformou-se em seu necrológio. Não cabe um levantamento de vida e obra, o que será realizado, em maior folga de linhas, noutros espaços dos periódicos jornalísticos e acadêmicos. Cabe aqui uma diretriz de pensamento: o de ressaltar um livro emblemático, capaz de levar-nos à conclusão de que o grande escritor argentino preparava-se, e nos preparava, para acolher sua morte: trata-se de Antes do Fim, saída no Brasil há 10 anos.
Espírito trágico e pessimista, autor de célebres aforismos acerca do absurdo da existência, Sábato construiu uma obra que o incluiu entre os grandes mestres da língua espanhola e da literatura mundial, e da qual O Túnel impôs-se como o principal junto ao público e à crítica; esse reconhecimento dos contemporâneos, entretanto, de nada o ajudou pessoalmente, pois em Antes do Fim ele adianta sua morte e reflete sobre a vida, tudo sob o domínio da desesperança. Tecnicamente, e está no subtítulo, trata-se de “memórias”, isto é, trechos soltos que percorrem o fio de uma vida desde o nascimento até o ponto em que o autor deixou de escrevê-las. Mas não nos enganemos. Antes do Fim é uma coletânea de pequenos ensaios, e que abrangem quase 90 anos.
"Na realidade estou humanizando-me;
 é uma das consequências
do sofrimento.
Seria isso uma justificação
 da dor?” .
Melhor do que demos a palavra ao próprio Sábato.
Diz ele que é um desvalido que põe no papel uma espécie de testamento, “escrito no período mais triste” de sua vida – eis aí um verdadeiro programa de escritura, através do qual ele nos passa a ideia de que tudo o que viveu foi um erro; apenas na velhice e na doença que surge um miserável consolo: “As pessoas que me querem bem suplicam que eu não me levante tão cedo, temem por minha saúde; os médicos me examinam, fazem análises. Na realidade estou humanizando-me; é uma das consequências do sofrimento. Seria isso uma justificação da dor?” .
A redenção está no final do livro, e vem de uma forma espantosa, em se tratando de Sábato: “Quando o mundo hiperdesenvolvido vier abaixo, com todos seus siderantropos e sua tecnologia, nas terras do exílio há de se resgatar o homem em sua dignidade perdida”.
Ernesto Sábato: brilhante, triste, apaixonado pelo ser humano, transformador de seu tempo, está a pedir um exame em pormenor acerca dos caminhos da fragilidade do homo sapiens. Quem sabe essa fragilidade não será sua maior glória?
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* Escritor gaúcho. Prof. Universitário. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 09/05/2011

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