Christian Albini*
Hoje, parece prevalecer, muitas vezes,
uma religiosidade conformista,
ritual,
sem alma.
É importante voltar a exemplos
de radicalidade evangélica que
não estão tão longe de nós.
"Por que esse vergonhoso silêncio e apatia por parte dos católicos, do clero, da hierarquia, dos leigos, sobre essa terrível questão da guerra nuclear, da qual depende a real continuação da raça humana?"
Há coincidências que surpreendem. Ontem, eu havia publicado uma anedota de um livro de Thomas Merton, figura fundamental para mim e sobre a qual estou refletindo para um livro sobre o qual estou trabalhando, e hoje o jornal Avvenire dedica um artigo às correspondências trocadas entre Merton e Dorothy Day, ela também protagonista do catolicismo norte-americano do século XX.
A frase de Merton que eu citei é uma carta dos anos 1960, quando ele se empenhou a fundo sobre o tema da paz e do desarmamento atômico, apesar das censuras e dos ataques. Para ele, monge trapista, a oração e a espiritualidade não eram evasões do mundo, mas sim profundo envolvimento nos seus problemas.
"Em consciência, sinto que não posso, em um momento como este, continuar escrevendo só sobre questões como a meditação. Acho que devo me confrontar com as grandes questões, as questões de vida-e-morte."
Naquele tempo, a posição de Merton era difícil, já que custava ostracismos e incompreensões. Em clima de Guerra Fria, sobretudo nos EUA, os católicos não criticavam certas escolhas políticas, porque estavam também eles prisioneiros da lógica "ou isto ou aquilo".
Merton não aceitava isso, significaria fechar os olhos diante de um mal evidente. É o Evangelho, que não é um estímulo a se refugiar em recintos religiosos, mas se torna contestação dos poderes e dos seus interesses, eles se tornam forças da morte. Vale hoje para o silêncio e a indiferença reservadas aos pobres que se afogam no Mediterrâneo.
"Tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes" (Mateus 25, 40).
"Quem salva uma vida salva o mundo inteiro" (Talmud babilônico).
"Quem salvar um só homem será tratado como se tivesse salvo toda a humanidade" (Alcorão 5, 32).
A preocupação com os outros não pode ser uma imagem a ser mostrada, um hábito que costuramos ao redor do nosso "eu" para embelezá-lo e nos congratularmos. É sentir uma comunhão, um laço, uma identificação com o outro. Eu não existo sozinho no mundo, com os meus desejos, as minhas histórias, as minhas preocupações, que são algo passageiro. Existimos eu e os outros, eu e o mundo, eu e Deus.
Não é uma questão de regras morais. É como se a substância, o verdadeiro tecido do existir, fosse algo que escapa dos nossos olhos a um olhar superficial, enquanto a fé pode intuir uma realidade mais ampla da qual eu faço parte, mas que não acaba em mim. O amor autêntico, que não se deixa conter pelos padrões e convenções, é um "tocar com a mão" essa realidade mais ampla.
Hoje, parece prevalecer, muitas vezes, uma religiosidade conformista, ritual, sem alma. É importante voltar a exemplos de radicalidade evangélica que não estão tão longe de nós. Uma redescoberta que deve ser acompanhada por uma renovação interior, por uma "evangelização do profundo", para ser autêntica.
-------------------*Teólogo italiano Christian Albini, publicada em seu blog Sperare per Tutti, 17-06-2011.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: IHU on line, 21/06/2011
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