terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Consumo e espiritualidade: A relação entre marcas e valores

Imagem da Internet

O consumidor transcende sua relação
funcional com as mercadorias, obtendo das marcas uma dimensão espiritual. Essa é uma das abordagens do livro
Brandscendência – O espírito das marcas,
lançado  pela Editora Saraiva.
O autor, Mario René Schweriner*

O que é o espírito das marcas?
Chamei o livro de Brandscendência. Isso significa uma confluência dos termos transcendência e brand [marca, em inglês]. Temos três grandes fatores que explicam uma dimensão espiritual das marcas. Quando falamos de religião ou espiritualidade, estamos condicionados a pensar em igreja, sinagoga, templo, Jesus Cristo ou no filme O manto sagrado, nos dez mandamentos, entre outros. Mas, na realidade, a espiritualidade é algo que tem graus. Quando se fala em uma dimensão espiritual, trata-se de um grau. É algo maior do que uma relação psicológica, é mais elevado. Está mais ligado à realização pessoal. O primeiro componente é o desejo por algo. Ele é ilimitado por definição, infinito, não pode ser saciado. Sempre irá restar desejo por algo mais. O segundo fator se chama transcendência, que é o “ir além”, não se satisfazer com um limite. Significa superar fronteiras e procurar novas visões e realidades. Ela é um dos pilares da espiritualidade, que não é dogmática. E está intimamente relacionada ao consumo. O terceiro fator é o branding [termo que equivale à gestão de marcas]. Espiritualidade é um modo de se sentir, que ocorre pela tomada de consciência de uma dimensão transcendente. É caracterizada por valores identificados em relação a si mesmo e aos outros, à natureza e ao que quer que se considere o último. Isso tudo está relacionado ao consumo, pela sensação de que o computador, o carro que comprei estará superado. Vou buscar algo além. Isso é o branding, trabalhando a imagem da marca, algo mental e simbólico, que está cada vez mais distante das características tangíveis do produto.

Como exemplificar essa relação?
Antigamente, nos anos 1920, por exemplo, o talco tinha algumas características específicas. No anúncio aparecia para o que ele se destinava. Nos dias de hoje se fala muito mais do que as pessoas vão sentir usando o produto e como elas irão se sentir. Se analisar computadores, a diferença real entre os produtos é cada vez menor, mas ainda há diferenças sensíveis. Porém, quando o consumidor compra produtos como geleia, xampu ou talco, e optar por um, está comprando a imagem de marca. Uma que tem mais qualidade na imagem, outro que você confia. Produtos ligados à moda, automóveis, restaurantes, bebidas estão relacionados ao intangível, como o status.

Na divulgação do livro, aparece a frase: “É peculiar a semelhança entre as atitudes de um devoto e de um consumidor ao venerar uma marca”. O senhor comprovou isso em sua pesquisa?
Principalmente se analisar isso com um estudo de Neurociências realizado com consumidores que se consideram espiritualizados, elevados em uma escala de religião, e gostam de marcas. O experimento, traduzido para o português em 2009, foi feito por um consultor nos Estados Unidos. Ele colocou 65 voluntários dentro de um aparelho de ressonância magnética e verificou a reação cerebral perante estímulos religiosos e de ícones de marcas fortes. Ficou surpreso ao perceber que as áreas cerebrais que respondiam ativamente perante as figuras religiosas eram as mesmas que respondiam diante das de marcas. Ele também fez com símbolos de ídolos esportivos e acreditava que a resposta seria a mesma, mas isso não ocorreu. O experimento iniciou porque, certa vez, ele viu, no porto de Nova Iorque, o descarregamento de água do Rio Jordão e terra de Israel. Pensou que as pessoas pagavam a mais por terra e água, pois a percebiam como sagrada e iniciou sua pesquisa. Esse caso comprova o que levantei também em pesquisa bibliográfica.

Como são os consumidores brasileiros se comparados aos de outros países?
É difícil analisar, mas onde há diferenças mais perceptíveis é com o consumidor de produtos de luxo. O brasileiro ainda apresenta uma dimensão mais ostentatória. Recentemente li um livro de conto de fadas e percebi que eles estão recheados de produtos, ofertas, vestidos, coroas, castelos, cavalos, armaduras. Eles marcam a criança leitora. É um entendimento meu, a realização das pessoas com produtos foi sempre mal estudada. Por isso, é necessário ser continuado.

Como funciona na comunicação de um produto neste sentido?
Posso anunciar que um xampu é hipoalergênico. Esse, por exemplo, é um atributo. O outro aspecto são os benefícios objetivos, como: “Lava melhor do que o da concorrência”. Depois, há o benefício subjetivo: “Você pode lavar todos os dias”. São os valores e aí entra a dimensão espiritual, que é o que a pessoa vai sentir por ter comprado o produto. Vai se sentir mais sensual, feminina, criança, com autoestima mais alta, mais segura, são sentimentos. Isso tudo é pensado na comunicação das marcas.

A dimensão é positiva sempre?
Ela pode ser em forma de fetiche, o que leva a uma dimensão negativa, pois a pessoa atribui ao produto poderes que ele não possui. Produtos de alto luxo, que custam mais, não necessariamente têm qualidade melhor.

O poder de uma marca tem relação com conseguir alcançar essa dimensão espiritual?
Sim, porque é algo mais forte. A dimensão espiritual está ligada aos valores.

Como uma empresa ou marca pode se beneficiar da informação como as expostas em seu estudo, de que o consumo pode ser espiritualizado?
Na junção de desejo e transcendência, com marca, há o que se chama a fragilização do sagrado nos dias de hoje. Há duas correntes que convergem, a secularização do sagrado e a sacralização do mercado. Na primeira, os exemplos são trazer os seriados religiosos para algo muito concreto, mundano. O Natal e a Páscoa não sendo mais uma celebração religiosa, mas de consumo, além do marketing presente em algumas igrejas. A sacralização do mercado passa por existirem denominações como “deus mercado”, “catedrais do consumo”, “apóstolos das marcas” ou shopping centers com ambientações de igrejas. Há uma dimensão espiritual que dá “sentido para a vida”. Não para todos os consumidores, mas alguns, por adquirirem certas marcas, acabam se sentindo melhor. As empresas poderiam se aproveitar disso aproximando suas marcas das realizações espirituais dos consumidores.

Quando as marcas passam por transformações ou deixam de existir, como se sente o consumidor?
Há tempos, a Coca-Cola tentou mudar o sabor e vários consumidores reclamaram. Quando isso ocorre, há um problema, pois o cliente se sente um “órfão” da marca. Temos memórias, alguns produtos consumidos quando fomos crianças ou adolescentes têm relação com vivências e nos fazem lembrar de uma época que, às vezes, temos saudade. Esse significado muda para cada pessoa.

Criar essa relação de espiritualidade entre a marca e o consumidor demanda tempo?
Leva muito tempo ou a marca usa estratégias muito bem feitas para essa aproximação. Assim como há pessoas que vão à igreja somente por ir, há quem vá por ser profundamente religiosa. Nesse sentido, o ambiente que trouxer ao consumidor a sensação de estar “elevado” irá conquistá-lo mais rapidamente.
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* Doutor em Teologia Prática, psicólogo e mestre em Psicologia, além de administrador de empresas. Atualmente, é coordenador do curso de pós-graduação em Ciências do Consumo Aplicadas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e fala à revista Posto Avançado
Fonte:
http://www.coopetrol.com.br/novo/sulpetro/jornal/-Acesso 13/12/2011

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