sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Polifonia jesuítica sobre Steve Jobs

Antonio Spadaro, SJ*

Regra número um do jornalismo: criar oposição, colocar um contra o outro. Assim se faz a notícia. E Giacomo Galeazzi aplicou essa regra com pontualidade e decoro no Vatican Insider, proclamando que Steve Jobs racha a Companhia de Jesus¹


Feita a notícia, e desfrutado o título tão cativante, vemos o que aconteceu e se Steve Jobs², ao morrer, provocou verdadeiramente esse incurável rachamento jesuítico. Mas Galeazzi pulou uma passagem importante... e corre o risco de perder de vista o ponto. Tentemos entender.
Galeazzi cita um post meu neste blog³ (e não na La Civiltà Cattolica!) no qual eu faria "o elogio fúnebre" do CEO da Apple. E ele o contrapõe diretamente a um artigo publicado na America Magazine, a revista dos jesuítas dos EUA, intitulado The Cathedral of Steve Jobs(4), assinado pelo padre Raymond Schroth.
Eu, no meu post, escrito pouco depois da divulgação da notícia da morte de Jobs, queria recordar um famoso discurso seu, no qual ele, já consciente da sua doença, dizia coisas que eu considero válidas, também à luz de algumas intuições de Inácio de Loyola que fazem parte da minha espiritualidade. A minha intenção era simplesmente a de ler a experiência de Jobs a partir de uma série de considerações fundamentais sobre a vida, sobre a morte e sobre as disposições com relação ao que verdadeiramente importa.
Não, a minha intenção não era nem uma piada, nem um exagero, nem a declaração de uma filiação, mas sim uma simples reflexão no calor dos fatos. Aquele meu post foi compartilhado nas redes sociais por cerca de 2.000 pessoas.
No dia seguinte, a America Magazine publicava, assinado pelo jesuíta James Martin, editor de cultura da revista, um artigo intitulado Steve Jobs and the Saints. O Pe. James Martin, em seu post, escreve algo como: "Não estou sugerindo que ele foi um santo, mas sim que se levem em consideração algumas características que o unem aos santos...".
No fundo, o post do Pe. Martin e o meu estão plenamente em sintonia: captam no CEO da Apple um ícone pop da "santidade" com elementos que afetaram profundamente as pessoas do nosso tempo. Aqui não estamos discutindo o homem e o que ele fez com o seu sucesso, com o seu dinheiro ou com as coisas em geral, todos assuntos que mereceriam uma discussão à parte e bem articulada.
Aqui, discutimos algo que vai muito além e toca a sensibilidade do homem contemporânea. Assinalo somente que o sítio Vinonuovo.it retomou o meu texto e o do Pe. Martin em uma síntese(5) eficaz, captando o sentido do discurso.
Com a distância do tempo, foi publicada a reflexão do Pe. Schroth, que lê de forma decisidamente mais crítica a experiência de Jobs e da Apple, e vê em Jobs um homem sem escrúpulos. E, portanto, Galeazzi tem razão ao perceber uma diferença. Em vez de elogiar a expressão de uma pluralidade de opiniões na mesma publicação (America Magazine), ele pegou a bola no ar e relançou jornalisticamente a notícia do racha da Companhia de Jesus, opondo as duas margens do Atlântico.
Galeazzi não tinha conhecimento do artigo de Martin, visto que nunca faz menção a ele. E provoca um deslize (inevitável), atribuindo diretamente à revista La Civiltà Cattolica a posição sobre Jobs, o que não é verdadeiro, e atribuindo a mim uma citação de três apelativos de Jobs da qual não há nenhum rastro no meu post.
Agora, deixando ao Vatican Insider Galeazzi o seu trabalho de "fazer" a notícia (republicada também pelo sítio Dagospia.com), fiquemos atentos para não nos perdermos em discussões. Pode-se brincar com "os jesuítas" assim como se brinca com "os soldadinhos". Mas atenção para não fechar os olhos diante de um fato relevante que deve nos fazer refletir: tempos atrás, jamais se imaginaria que se poderia assistir à "canonização" em massa do administrador de uma empresa que produz máquinas. E isso é um fato: são mais de 300 milhões as páginas eletrônicas que discutem a "santidade" do CEO da Apple. Por que isso aconteceu?
É nesse plano que o discurso se torna sério e sai da boutade jornalística. Eu proponho uma resposta: porque essas "máquinas" (computadores, tablets, smartphones...) estão assumindo cada vez mais um valor que alcança as dimensões mais elevadas do homem: pensar, se expressar, comunicar, compreender o mundo.
Steve Jobs deve ser entendido dentro dessa mudança epocal como um dos seus maiores fatores evolutivos e como um símbolo, um ícone. E é esse o ponto sobre o qual ainda vale a pena refletir.

Para consultar

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*A opinião é de Antonio Spadaro, SJ, diretor da revista La Civiltà Cattolica, em nota publicada em seu blog, Cyberteologia, 07-12-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU on line, 09/12/2011

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