Luiz Fernando Veríssimo *

Na investigação desse atentado em Boston, a
polícia e o FBI têm a sua disposição as imagens de dezenas de câmeras de
circuito fechado dispostas em postes, frentes de lojas e portarias de
edifícios ao longo do percurso da maratona. E contarão com as imagens
gravadas nos celulares e câmeras portáteis de participantes e
assistentes da maratona, num número incalculável. Talvez esta
megacobertura não ajude em nada, mas o fato é que vivemos na era do
registro universal, em que, pelo menos em tese, nenhum movimento do
cidadão de uma cidade moderna deixa de ser captado ou – se for um
criminoso – flagrado. Cheguei a imaginar como seria um filme que
contasse a vida de algum representante da nossa espécie e da nossa época
apenas através de registros selecionados, do teipe do seu parto,
gravado pelo pai, através de todos os super-8 da sua infância e
juventude, até a gravação da sua posse como ministro ou do seu assalto a
uma mercearia abanando para a câmera, a escolher.
Também se pode
especular como teria sido a história do mundo se detalhes dos seus
grandes momentos ou de suas passagens mais terríveis tivessem o
escrutínio eletrônico de hoje. Na ausência da câmera onipresente, os
acontecimentos eram conhecidos por testemunhos pouco confiáveis, que
transformavam banalidades em feitos heroicos e barbaridades em mitos.
Hoje se sabe que o repúdio do público americano à guerra no Vietnã
cresceu porque aquela foi a primeira guerra com cobertura instantânea da
História, a primeira que não foi mostrada em filmes desatualizados, mas
gravada e despejada diariamente pela TV no tapete da sala. E não é
preciso ir muito longe. Imagine se na tropa que acompanhava dom Pedro I
às margens do Ipiranga houvesse uns quatro ou cinco celulares gravando
tudo. A cena da proclamação da nossa independência certamente não seria
tão retumbante. A cena retratada na pintura famosa é mais bonita, mas é
falsa. Ou – para quem acha que entre o fato e a lenda deve-se sempre
publicar a lenda – é falsa, mas é mais bonita.
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