domingo, 8 de setembro de 2013

“Da Escravidão Contemporânea” – Provocações nietzschianas de Oswaldo Giacóia Jr.

rat race

“Se hoje Nietzsche pode ainda nos auxiliar, em alguma medida, a pensar o problema da barbárie e da civilização, é justamente na clareza com que discerne as coisas, na probidade de sua consciência intelectual, na denúncia impiedosa da edulcoração hipócrita.

(…) Não se trata, para Nietzsche, de legitimar filosoficamente a escravidão, mas de desmascarar a hipocrisia da dominação dissimulada, da reificação social edulcorada. Ao insistir que a escravidão está presente na essência da civilização, Nietzsche visa produzir um efeito de provocação: nossa moralidade cristã, laicizada em democracia e socialismo, concebe o trabalho, o rendimento e a produção, assim como a igualdade burguesa de direitos, como a única modalidade de instituição de uma sociedade verdadeiramente humana, o que implica, ao menos no plano ideológico, uma condenação moral absoluta da escravidão e da diferença de valor entre homem e homem.

Entretanto, de acordo com a denúncia de Nietzsche, a modernidade política – ao privar o trabalhador do sentido de seu trabalho; ao transformá-lo em peça na engrenagem da produção e do consumo; ao promover a administração econômica global da terra e transformar o indivíduo em espécimen de uma coletividade degradada, que tem as características de um rebanho uniforme… – de fato preserva uma modalidade de escravidão que ela mesma, genericamente, proscreve de direito, de acordo com um cândido credo humanitário, inconsciente de sua má fé.

Nossa moderna barbárie civilizada mergulha a sociedade dos últimos homens na fruição de anódinos prazeres idênticos e acessíveis a todos, a serem gozados com moderação e prudência. (…) Civilizadamente, degradamos o ideal de felicidade na falsa moedagem ideológica do bem-estar, da segurança, do conforto, da ausência de tensão, de atrito, de conflito, na espiral intensificada do consumo ininterrupto, onde nos oferecemos em sacrifício voluntário ao ídolo Mercado, no templo profano dos shopping centers, o sucedâneo atual do desejo bovino de felicidade na calmaria das verdes pastagens…”

OSWALDO GIACÓIA JR.
“Antigos e Novos Bárbaros”

Artigo presente no livro de ensaios:
“Nietzsche e Deleuze – Bárbaros, Civilizados” 
Sâo Paulo: Annablume, 2004. Pg. 195-97.
-------------------
Fonte:  http://acasadevidro.com/2013/09/07/da-escravidao-contemporanea-provocacoes-nietzschianas-de-oswaldo-giacoia-jr/

Nenhum comentário:

Postar um comentário