Rui Tavares*
Quando Donald J. Trump ganhou as eleições prometeu que com ele se deixaria de dizer “Boas Festas!” para se passar a dizer “Feliz Natal!”. É que para os agitadores que rodeiam o presidente-eleito dos EUA, a primeira saudação representa uma forma da “Guerra contra o Natal” que se tornou obsessão deles há cerca de uma década, ao passo que a segunda representaria um regresso à boa ordem cristã.
Aproximando-se o Natal, porém, com que presente decidiu Trump brindar
a humanidade? Anunciando que “os EUA têm de reforçar e expandir
grandemente a sua capacidade nuclear” até que o resto do mundo “ganhe
juízo” em relação à supremacia da balística norte-americana. Perguntado
por uma TV se isto não significaria regressar a uma corrida ao
armamento, a sua resposta foi “pois que haja uma corrida ao armamento! —
nós aguentamos mais do que os outros todos”. Temos portanto um suposto
cristão devoto que, chegado o dia do nascimento do seu salvador,
envereda por uma ameaça de destruição a toda a criação divina.
Não
é o único. O seu amigo e aliado Vladimir Putin não só transformou a
antiga União Soviética revolucionária e ateia no grande pólo do
conservadorismo cultural no mundo como o fez posando como aliado da
Igreja Ortodoxa e grande defensor da Cristandade a partir dessa
“Terceira Roma” que é Moscovo.
Putin é também um tipo especial de cristão devoto: aquele que não se
preocupa com as exigências da compaixão ou da piedade como não se
incomoda com a hipocrisia. Enquanto bombardeou os habitantes de Alepo —
incluindo muitos cristãos ortodoxos — deixou o ISIS regressar a Palmira,
que foi a sua primeira operação de propaganda quando chegou à Síria
para supostamente combater “os terroristas”. Por respeito para com a
centena de pessoas que a Rússia perdeu num acidente aéreo com um dos
aparelhos mais inseguros da aviação moderna, deixemos Putin de lado
hoje. De outra forma, muito haveria para dizer sobre a desvalorização
com que Putin trata também a vida dos soldados russos e das suas
famílias, desde o tempo em que — nos seus primeiros meses no poder, no
ano de 2000 — abandonou os marinheiros do submarino Kursk no fundo do
mar, recusando apoio de países terceiros para os salvar.
Passemos
então a outro bom defensor das tradições e liberdades religiosas, desta
feita da Igreja Anglicana, à qual credita pelo sucesso em forjar uma
identidade britânica distinta da do continente europeu. Trata-se, é
claro, de Nigel Farage, o fundador e líder do UKIP, também ele um adepto
da fantasiosa tese da “Guerra contra o Natal”. No ano passado insistia
que o Natal deveria ser mantido como “um festival cristão” numa “nação
cristã, com uma constituição cristã e um monarca cristão”. Este ano, que
diz ele? Os seus desejos de Bom Natal vieram precedidos de um aviso aos
crentes para que desconsiderassem as palavras do líder clerical da
Igreja Anglicana. Porquê? Porque este se atreveu a mencionar na missa de
Natal a tragédia dos refugiados e a falar da “divisão e do medo” que se
vivem no mundo atualmente. A resposta de Farage: “ignorem todas as
mensagens negativas do Arcebispo de Cantuária”.
Desde o seu início
há dois mil anos, o cristianismo teve crentes que tentaram ser sábios
usando a religião. Também teve homens que usaram a religião para tentar
ganhar poder. Os segundos, em geral, odeiam os primeiros. Não é por
acaso que estes auto-proclamados defensores políticos e militares da
cristandade rejeitam o Papa Francisco e pelos vistos também o Arcebispo
de Cantuária, como detestam qualquer líder espiritual ou laico que lhes
lembre as suas obrigações morais perante os refugiados, o planeta ou a
humanidade.
Ora, qualquer outra pessoa, mesmo que de outra (ou
nenhuma) religião, tem por seu lado também uma obrigação moral: a de
tentar não confundir qualquer destes três homens com qualquer vestígio
do cristianismo que eles por vezes tentam alegar defender.
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* Jornalista português.
Fonte: https://www.publico.pt/2016/12/26/mundo/noticia/a-cristandade-esta-mal-entregue-1756084
Imagem da Internet
Pós verdade na veia, o texto. Para quem não sabe bulhufas sobre a guerra na Síria, sugiro uma breve passada de olho no Hispan TV, aquela edição em espanhol, de uma agência de notícias do governo do Irã, para se informar mais sobre o assunto. Isso mesmo, do governo do Irã! Quem não sabe mesmo nada sobre o Irã, a não ser o que é dito pela CNN, pode mesmo acessar o Press TV. Pode-se tentar entender a explicação do senador americano Richard Black. Muito boa.
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