Roberto DaMatta*
Fila em seção eleitoral do complexo de favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro Foto: Marcos de Paula/Estadão
É preciso que o eleitor constitua com o eleito um elo político sólido e não laço efêmero de obrigação eleitoral
Somos nós, eleitores, deuses ou Messias salvacionistas? Faz tempo que deveríamos saber que todos somos responsáveis pela nossa comunidade. Nenhuma divindade vai cair do céu para ensinar ou cobrar nossas responsabilidades ou o nosso papel na construção democrática.
Como mostra a pesquisa publicada neste jornal, no dia 13, o eleitor diz querer uma renovação no Congresso, mas não se lembra em quem votou!
Ora, não há “políticas públicas” capazes de enfiar na cabeça dos eleitores o dever cívico de conhecer bem os candidatos. E isso não surge por decreto ou canetada! É preciso que o eleitor constitua com o eleito um elo político sólido e não um laço efêmero que somente surge por obrigação eleitoral.
Sobre isso, conheço uma história exemplar. Um amigo americano tinha duas filhas que se afeiçoaram por uma arara que, de filhote, passou a ser uma ave de estimação. No retorno aos Estados Unidos, descobriram que araras eram proibidas de entrar no país. Meu amigo, porém, não hesitou: diante de nossos olhos incrédulos, escreveu uma carta ao senador do seu estado (Vermont) e usou sua influência para permitir que o “pet” do seu eleitor entrasse legalmente na América.
Esse é um caso expressivo daquilo que o cientista político G. O’Donnell chama de “democracia representativa”. Nela, há um laço, fundado no território residencial comum. Um laço que remete ao voto distrital, hoje esquecido, mas que, como revela a importante matéria do Estadão, tem que ser retomado. Porque é no âmbito do distrito que o véu do poder à brasileira se esfumaria e eventuais privilégios seriam revelados.
A pesquisa igualmente sugere que é muito mais fácil saber em quem se votou, quando existem partidos políticos institucionalizados e não agrupados por interesses ou engajados num vale tudo eleitoral, no qual a ética do vencer a qualquer custo é dominante. Desdenhar do voto, elegendo um amigo de um amigo ou um Messias e salvador da pátria que, conforme sabemos, sempre dá errado, é misturar o campo do político com o da religião. Algo explosivo e perigoso, propenso a resultar em tiranias, jamais em democracias.
Seria preciso remediar pelo voto distrital o fenômeno rotineiro do filhotismo e do compadrio eleitoral; dos candidatos que “puxam” votos e distorcem a importância dos eleitos para outros cargos que são igualmente vitais para a democracia.
Votos conscientes dependem do elo que baliza a “posse” do cargo e o seu exercício como um serviço a sua comunidade. Sem o elo com as bases, nossos votos serão delegativos, levando o País a esse insulto de votar no menos pior.
* Antropólogo, conferencista, filósofo, consultor, colunista de jornal e produtor brasileiro de TV.
Fonte: https://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,quem-faz-a-democracia,70004118324
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