Por Paulo Fernando Silvestre Jr.*
Adivinhar o futuro é um sonho antigo da humanidade. Ao longo da História, tentou-se fazer isso observando os astros, lendo mãos, jogando cartas e runas, consultando oráculos e até analisando entranhas de animais. Mais recentemente, métodos estatísticos e tecnologias digitais prometem algo semelhante, porém com bases científicas. Agora a inteligência artificial entra no jogo, chegando a propor a prevenção de crimes.
Mas até que ponto devemos “prever o futuro”?
Obviamente a IA não possui nada de sobrenatural! Mas tem, entre suas maiores forças, a habilidade de identificar padrões e criar relações a partir de gigantescos volumes de informação. A princípio, nós, humanos, também podemos fazer isso, mas a máquina, pela sua absurda capacidade de processamento e por trabalhar com toda a informação disponível (e não apenas com uma amostra), acaba sendo muito mais rápida e eficiente que nós.
Isso ajuda enormemente em aspectos probabilísticos. Esse é, aliás, o “segredo” da inteligência artificial generativa, que assombra o mundo há 21 meses, desde que o ChatGPT foi lançado. Todas essas plataformas não têm a menor ideia do que criam: apenas encadeiam elementos de conteúdo que são estatisticamente mais prováveis. Sua eficiência fabulosa se deve justamente a esse recurso e à força bruta de processamento.
Tal capacidade vem sendo aproveitada nas mais diversas áreas, como prevenção de doenças, análise de crédito e até para saber como uma equipe esportiva joga. Tudo isso já é feito há anos, com análises estatísticas convencionais. O que a IA acrescenta é o volume de processamento, encontrando correlações no mínimo inusitadas, como a empresa financeira que, no ano passado, usou essa tecnologia para descobrir que pessoas que mantêm seus celulares com a bateria mais carregada costumam ser melhores pagadores.
Nenhum ser humano conseguiria concluir algo assim: esse vínculo é completamente inesperado! Mas a IA, com suas análises sobre-humanas, consegue.
Agora as autoridades tentem se aproveitar disso para prevenir crimes. O uso mais comum é realizar reconhecimento facial das pessoas em locais públicos. Mas há propostas mais ambiciosas, como implantar a inteligência artificial no projeto da polícia espanhola VioGén, que há anos tenta calcular estatisticamente atos de violência de gênero.
Mas prever crimes é algo complexo! A ficção já explorou o tema à exaustão. Talvez o melhor exemplo seja “Minority Report” (2002), estrelado por Tom Cruise. No filme, uma combinação de tecnologia com paranormalidade permitia que a polícia literalmente previsse assassinatos, prendendo os possíveis criminosos antes que os cometessem.
O filme se tornou um case do Direito: afinal, alguém pode ser preso por um crime futuro que provavelmente cometerá?
Apesar de ter acabado com os assassinatos, descobriu-se que o sistema era falho e –pior– podia ser manipulado. Assim, todos os presos acabaram sendo libertados e o projeto foi abandonado.
Isos pode nos ensinar muito! Por exemplo, apesar de alegadamente ter diminuído a violência de gênero, o VioGén também já cometeu erros graves, que podem ter levado dezenas de mulheres à morte.
A inteligência artificial também é imperfeita. E assim como na ficção, pode ser manipulada.
Nós nos vemos, portanto, diante de um dilema: podemos confiar em uma tecnologia que promete diminuir os crimes, mas que pode eventualmente levar alguém à prisão ou à morte por suas falhas?
Não tenho como responder isso. Mas fica claro que, em uma sociedade que anseia por métodos de combate à criminalidade (até quando podem criar outras formas de violência), propostas como essas tendem a prosperar.
O que posso dizer, com segurança, é que, qualquer que seja a tecnologia, ela deve apenas apoiar nossas decisões. O maior erro que podemos cometer, especialmente em situações críticas, como prisão e morte, é confiar na máquina sem refletirmos.
Não importa a atividade: a decisão deve sempre continuar com os seres humanos.
* Mestre e Doutorando em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, LinkedIn Top Voice e Creator, Consultor de customer experience, mídia, cultura, reputação e transformação digital, Professor, Jornalista
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