Ivo Lima*
Suponho aqui que, para bem calar não basta fechar a boca e não falar;
mas é preciso saber governar a língua,
considerar os momentos convenientes para retê-la ou
dar-lhe uma liberdade moderada
Abade Dinouart – A arte de calar
Vivemos em um mundo adornado por discursos falaciosos, onde quem detém o poder da fala grita mais alto, usa argumentos sofisticados e ardilosos para atingir os ouvintes e convencê-los, custe o que custar.
É nessa dinâmica de falas jogadas aos quatro ventos que muita gente dispara seus discursos afinados, mas de conteúdo oco, porque são desprovidos de verdade e repletos de ingredientes que geram desavenças.
Diante dos apelos constantes para que falemos o tempo todo, mesmo que seja para importunar os ouvidos alheios com pilhérias, é importante que coloquemos freio em nossa língua afiada, para evitar estragos em nossas relações.
É nessa hora que devemos resistir bravamente à tentação de falar a esmo, feito papagaio tagarela, que não faz outra coisa a não ser repetir as palavras decoradas que aprendeu, quando não, para disparar jatos venenosos sobre os semelhantes.
Mas calar por quê? Para quê?
A todo momento, em nossas vidas, temos a oportunidade de falar até pelos cotovelos e calar pouco, sem, muitas vezes, nos preocuparmos com o teor de nossa fala; e aí, haja ouvidos para suportar tantas conversas sem conteúdo.
Portanto, para calar, primeiro precisamos aprender a dominar nossa língua, porque, se descuidarmos, ela despeja palavras malignas que cortam feito navalha.
Mas, diante das circunstâncias, saber falar ou calar na hora certa não é algo tão simples que aprendemos num estalar de dedos. É um desafio que requer um exercício permanente, porque exige conhecimento da realidade em que estamos inseridos; é necessário agir com sensibilidade, bom senso, preocupação, por causa das consequências que uma fala mal proferida pode acarretar para nós e para os outros.
Então, a partir do exercício, é que vamos aprendendo a nos calar. Em contrapartida, passamos a falar menos e com melhor qualidade, o que significa dizer aquilo que realmente interessa.
Dessa forma, gastamos menos saliva com falas vazias e entediantes, que, às vezes, podem semear aborrecimentos e intrigas entre as pessoas.
Falar o que é proveitoso nos resguarda de cair nas armadilhas das conversas indevidas, que em nada contribuem e ainda causam problemas; assim, se houver uma vigilância em nossos pronunciamentos, evitaremos muitos fatos desagradáveis.
Se nos preocuparmos em falar o que realmente interessa a nós e vai ser bom para o outro, agiremos com sensatez, tornando-nos pessoas mais interessantes e, consequentemente, mais felizes.
Oxalá nossas falas sejam proveitosas: uma fonte que jorra a verdade, a justiça e o bem para nós e para os outros.
Se estamos dispostos a apostar nessa empreitada, só o tempo irá dizer, porque “o silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem reter alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as cobrir de mentiras”, recomenda o Abade Dinouart.
*Ivo Lima é escritor e professor de Filosofia
FONTE: Correio Popular online, 08/01/2010
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