Gaudêncio Torquato*
Em 2009, o Brasil continuou a azeitar o motor econômico, percorreu bons quilômetros na via social e andou alguns metros na estrada política. As visões sobre a trajetória do País, ao passarem pelo caleidoscópio social, adquirem dimensões diferentes, a partir dos benefícios contabilizados nas planilhas de recursos investidos nos estratos populacionais. Sob o prisma de investimentos na cobertura social, as classes da base da pirâmide foram contempladas com as maiores fatias. São, por isso, as mais satisfeitas. Os efeitos da política de distribuição de renda, mesmo sob claros sinais de viés eleitoreiro-populista, fazem-se ver na inserção de cerca de 20 milhões de pessoas que ascenderam à classe C e, pelos cálculos do governo, de cerca de 30 milhões que deixaram o fundão da miséria absoluta. Esse é o patrimônio mais significativo do governo Lula. A corrida rumo ao progresso leva em conta, ainda, a boa performance do País na curva da crise internacional.
Com a economia sob controle, amplos programas de distribuição de renda, confiança social no governo e sólido sistema financeiro, o País passou a ser ouvido com atenção em palcos internacionais. Se passou bem em testes das áreas econômica e assistencialista, o País teve notas insuficientes em setores fundamentais. A estrutura da saúde é plena de imensas carências. E a violência não tem diminuído, apesar do acesso ao consumo de milhões de marginalizados. Diante desse quadro, em que 2010 poderá ser diferente para os brasileiros, além de propiciar o pleito que se desenha como um dos mais contundentes de sua história?
Na frente política, o que se pode esperar é uma reversão de expectativas. Reformar a política de modo substantivo é tarefa que leva tempo. Em ano eleitoral, o conservadorismo impera em matéria de mudança de padrões. Na esfera econômica, decisões que possam vir de encontro ao interesse dos entes federativos — compressão da cadeia tributária, por exemplo — também se mostram inviáveis. Ninguém quer perder. Já na área social a tendência é de expansão dos programas voltados para melhorar a vida das margens carentes e desapertar as classes médias. O desafio será combinar política econômica, investimentos na agenda social e, ainda, ajustar o consumo, exacerbado pelo próprio presidente, com ameaça de volta da inflação.
2010 será efervescente. A retórica eleitoral dominará o ano. O Brasil será festejado como potência emergente. O discurso nacional terá maior peso que o discurso regional. O petismo/lulismo aparecerá como modelo de gestão. A crônica já anunciada é a de que a dinâmica social jamais foi tão intensa. Lula aparecerá como o grande divisor de águas. A polêmica resvalará pelo perigoso terreno do conflito de classes. As conquistas, na visão dos governistas, só foram possíveis porque gestadas pelo PT, sigla comprometida com a revolução socialista. Nesse ponto, a conotação aponta para a luta de classes, de pobres contra ricos, de oprimidos contra opressores, de éticos contra antiéticos. O que vislumbramos é a figura de Zaratustra, ao abrir os olhos após sete dias enfermo na caverna. Ali, ele ouviu de seus animais: “És o mestre do eterno retorno; ensinas que há um ano descomunal de grande, que deve, qual ampulheta, virar-se e revirar-se sem cessar, a fim de começar e acabar de escoar-se; de tal sorte que esses anos todos são iguais a si mesmos, nas coisas maiores e nas coisas menores”. Entramos em 2010 sob as bênçãos do profeta de Nietzsche.
*Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político e de comunicação
FONTE: Correio Popular online, 08/01/2010
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