Jung Mo Sung*
São
da teologia da libertação todas as pessoas que, em nome da fé cristã, se
indignam com a injustiça social e se colocam ao lado das pessoas pobres? Não,
porque isso seria dizer que a teologia da libertação ou cristianismo de
libertação têm monopólio da opção pelos pobres.Como se todas as pessoas cristãs
que optam pelos pobres fossem consciente ou inconscientemente da teologia da
libertação. O que seria muita pretensão ou ignorância da história e da
teologia.
Se
a teologia da libertação não tem esse monopólio, a sua metodologia teológica
faz diferença ou tanto faz assumir qualquer tipo de reflexão teológica desde
que se faça opção pelos pobres? Isto é, qual é a relevância ou contribuição da
TL hoje no momento em que a Igreja Católica tem um papa que viveu, vive e que
quer exercer o seu papado em solidariedade com os pobres?
Em
primeiro lugar, é preciso lembrar que a opção pelos pobres não é a única
característica da TL. Junto com essa opção vem outras "rupturas
epistemológicas” (rupturas com a forma anterior de fazer a teologia) e uma
delas é a compreensão de que os problemas de injustiça e do mal não são frutos
apenas da má vontade ou má intenção dos poderosos, mas frutos também da própria
dinâmica da estrutura econômica e social. Em outras palavras, não basta mudar a
consciência e o coração das pessoas, mas é preciso também mudar as estruturas
injustas e o próprio espírito que move essas estruturas. Para se referir a
essas questões, a TL utilizou-se da expressão "pecado estrutural” –pecado que
se comete ao cumprir as leis e exigências da estrutura social e econômica (Um
livro importante da TL sobre essa questão hoje é "A maldição que pesa sobre a
lei”, de Franz Hinkelammert)– e a noção de idolatria.
Outra
característica marcante da TL foi a afirmação de que não se pode fazer a Teologia
da Libertação sem a libertação da teologia (tese desenvolvida principalmente por
Juan Luis Segundo), isto é, a crítica da injustiça do mundo pressupõe a crítica
da teologia cristã e da própria Igreja porque essas tem sido, em muitas
ocasiões, cúmplices da injustiça e do pecado. É assumir explicita e
conscientemente a antiga noção de que a Igreja é santa e pecadora, que ela
também precisa se converter continuamente. Em termos da teologia protestante, é
a Igreja reformada sempre em reforma.
Feita
essa "recordação” de alguns dos princípios da TL, voltemos à pergunta: em que
sentido a Igreja Católica (aqui me refiro explicitamente a Igreja Católica, mas
o raciocínio vale também para todas as igrejas cristãs) pode contribuir na luta
pela vida digna de todas as pessoas e preservação do meio ambiente? Neste
desafio, é claro que a pessoa e a postura do papa Francisco traz novos alentos
e esperanças a Igreja Católica e também para cristãos de outras denominações e
pessoas que, não sendo (mais) cristãs, ainda se simpatizam com essa tradição
espiritual. Contudo, se as reflexões da TL tem algum valor, precisamos recordar
que para superar as injustiças e o pecado do mundo não bastam novas
consciências, novas pessoas, é preciso mudar também as estruturas sociais e
econômicas, assim como as principais instituições da ordem global.
E
para que a Igreja e as teologias possam contribuir nessa luta, é preciso fazer
autocrítica que questione também as leis e estruturas que regem e estabelecem
os limites das ações das igrejas. Só na medida em que conseguirmos, no interior
da própria igreja, distinguir a lei (que implica também em estruturas
institucionais) –que é necessária e boa, mas que mata (segundo o ensinamento do
apóstolo Paulo), e que por isso precisam ser sempre reformadas– do Espírito que
nos move a lutar pela Vida é que nossas críticas à ordem social serão
percebidas como coerentes e "autênticas”. Em outras palavras, um papa humilde
que se solidariza com os pobres e as vítimas das injustiças é muito
significativo e importante para a Igreja e o mundo hoje, mas sem uma reforma
profunda nas estruturas e leis da Igreja não poderemos criticar de modo radical
as leis e estruturas do capitalismo global. Só assim podemos mostrar ao mundo
que nem as leis da igreja são eternas e imutáveis, e por isso os neoliberais também
não podem pretender que as leis do mercado capitalistas sejam eternas e
imutáveis (idolatria do mercado).
E,
é claro, a reforma da Igreja não pode se restringir à reforma da burocracia do
Vaticano, mas também aos temas ainda considerados tabus, como o papel das
mulheres na Igreja e a distinção ainda tão radical entre o clero e o laicato.
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* Diretor da Faculdade de Humanidades e Direito da Univ. Metodista de S. Paulo. Autor,
com J. Rieger e N. Míguez, do livro "Para além do Espírito do Império”, Paulus.
Twitter: @jungmosung].
Fonte: Adital, 03/05/2013.
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