Entrevista com Michael Löwy*
Vários governos e sociedades de países da América Latina, como a Venezuela e o Equador, porém, sobretudo, a Bolívia,
começam a dar importância à problemática ecológica e ao chamado
ecossocialismo, que se tornará uma das questões centrais para qualquer
movimento antissistêmico no século XXI, diz na entrevista o sociólogo e
filósofo franco-brasileiro Michael Löwy.
Adverte que o capitalismo, em sua etapa neoliberal, nos está levando
com uma rapidez terrível a uma catástrofe ecológica sem precedentes na
história da humanidade: o aquecimento global e a mudança climática.
Enfrentar isso é enfrentar o capitalismo. Por isso, essa problemática
permitiu o surgimento do ecossocialismo, já que um socialismo ecológico é
a alternativa à destruição capitalista do meio ambiente.
Receberá a Medalha ao Mérito da Universidad Veracruzana
Löwy (Brasil, 1938) receberá, na segunda-feira (29), a Medalha ao Mérito da Universidad Veracruzana, em uma cerimônia na sede dessa casa de estudos, em Jalapa, México. A distinção será entregue a Carlos Prieto, Pablo Rudomín e Emilio Gidi. Nesse domingo (28), o filósofo franco-brasileiro apresentará sua obra Sociología y religión, aproximaciones intempestivas, editado pela Universidad Veracruzana, na Feira Internacional do Livro Universitário.
Investigador emérito e diretor do Centro Nacional de Investigações Científicas de París,
Löwy se sente muito distinguido com o prêmio e diz que é uma ocasião
para conhecer Veracruz. "O único que conheço desse Estado é o western Veracruz (1954, com Gary Cooper, Burt Lancaster, Denise Darcel e Sarita Montiel), de Robert Albricht, obra prima bastante radical que lhe rendeu perseguição durante o macarthismo”.
Cauteloso, no início, de falar sobre a situação no México, lança, em um primeiro momento: "Como dizia Lampedusa,
em O Leopardo: ‘Para que as coisas permaneçam iguais, é preciso que
tudo mude’”. Depois, mais como uma esperança do que como uma análise do
presente:
"Na história do século XX, o México esteve muitas vezes na vanguarda
dos processos revolucionários na América Latina e no mundo, a Revolução Mexicana
foi a primeira do século XX. O governo de Cárdenas foi o mais
progressista da América Latina nos anos 30; o levante zapatista, nos
anos 90, foi o primeiro sinal de uma onda de luta antineoliberal após a
queda do Muro de Berlin, do suposto fim da história. Em
muitos momentos da história do século XX, o México esteve na vanguarda.
A nossa esperança, como latino-americanos e anticapitalistas é que isso
continue a acontecer no futuro.
No México, há potencial de protesto; desejo de mudança; porém, até
agora, a oligarquia conseguiu manter-se, utilizando um sistema de
controle dos movimentos sociais há quase um século; é o mais
aperfeiçoado.
Ele fala de maneira ampla da América Latina, onde se "conseguiu mudar
um pouco as estruturas de poder; alguns governos identificados com o
neoliberalismo caíram; não em todos os países, como o México e a Colômbia,
às vezes por verdadeiras insurreições populares, como na Argentina e na
Bolívia; e, outras vezes, pelos dirigentes. Sem indignação, não
mudaremos nada. Essa é a primeira condição. Como diz meu amigo e
companheiro recém falecido, Daniel Bensaïd: as pessoas se indignam, se
levantam e começam a caminhar”.
– O que representam hoje e por que são uma constante os atuais movimentos sociais no mundo?
– Há um vetor comum do que vemos na Europa, no Oriente Médio, nos Estados Unidos
ou na América Latina: a indignação, ou como dizem os zapatistas, a
digna raiva. Há um sentimento muito poderoso nas pessoas, na juventude,
nos trabalhadores, nos desempregados, nas mulheres e nos indígenas, de
injustiça social, de opressão, de tirania não pessoal –mesmo que às
vezes sim- das estruturas sociais, econômicas e políticas. E essa
indignação é o início de tudo; depois podem vir demandas,
reivindicações, programas, talvez até partidos políticos.
– Chama a atenção que esses processos de mudança na América
Latina, sobretudo se levamos em consideração a época das ditaduras, se
dão mediante eleições. Qual é a reflexão?
– Depois que as ditaduras caíram, de uma forma ou de outra, abriu-se um espaço democrático. E como dizia o próprio Che Guevara,
onde existe um mínimo de democracia, não está proposta a luta armada;
então, os instrumentos democráticos têm que ser utilizados. A esquerda
em geral, com algumas exceções, como os casos colombiano e mexicano, que
são um tanto especiais, optou pela via eleitoral, e com resultados
positivos.
"Claro, essa via eleitoral foi precedida na maior parte dos países por verdadeiros levantes populares, como o ‘caracazo’ na Venezuela; em Buenos Aires, em 2001, onde a Casa Rosada
foi cercada e o presidente teve que fugir em helicóptero; outro exemplo
é a Bolívia. As eleições foram precedidas de verdadeiras semi
insurreições populares. Algo parecido aconteceu em Oaxaca; porém, não exatamente o mesmo.
"As mudanças aconteceram pela via eleitoral, com governos de
centro-esquerda na maioria dos países; formas que eu chamaria de ‘social
liberalismo’, uma variante mais social, mais progressista das mesmas
políticas neoliberais: Brasil, Uruguai, Chile, há uns anos.
"E o outro exemplo são os governos mais radicais, antioligárquicos,
anti-imperialistas, propondo pelo menos como horizonte histórico o
socialismo do século XXI: Venezuela, com a revolução bolivariana; a
Bolívia, com o socialismo de Evo Morales;
e o Equador, com Rafael Correa e a revolução cidadã. Estão muito longe
do socialismo; porém, pelo menos propõem essa perspectiva. Têm seus
próprios limites, contradições, problemas; porém, até agora são o mais
avançado que existe na América Latina.
Agora, os movimentos sociais continuam tendo um papel muito
importante em nossos países, às vezes enfrentando-se com o governo,
pressionando-o, criticando-o; talvez, em certo momento, apoiando-o
contra as ofensivas da direita. O importante é que os movimentos sociais
continuam tendo autonomia. Caso se submetessem à política dos governos,
mesmo dos governos de esquerda, isso seria muito negativo.
Para Löwy, o Equador, a Bolívia e a Venezuela
constituem-se no mais avançado como experiência social, econômica e
política. "De alguma forma, são um exemplo que permite às pessoas de
esquerda criticar aos governos do Brasil, do Uruguai e da Argentina,
dizendo-lhes: ‘Vejam, é possível utilizar a renda do petróleo para
melhorar a condição dos pobres, expropriar as riquezas naturais,
expulsar as bases militares yanquis etc.’. É um exemplo positivo, mas
com suas limitações”.
Acerca do ecossocialismo, comenta: "Evo Morales tem jogado um papel positivo nisso. Foi o único mandatário que, na Conferência de Copenhague,
em 2009, se solidarizou com o protesto dos movimentos sociais, em uma
grande manifestação de 100 mil pessoas; eu estive lá, com a consigna
‘Mudemos o sistema, não o clima’. E Evo saiu dizendo: ‘Estou com vocês’.
E depois, na Bolívia, foi convocada uma conferência internacional dos
povos contra o capitalismo e a mudança climática, em defesa da Mãe
Terra, com 30 mil delegados”.
Também menciona a Venezuela e o Equador e diz que, apesar de certas
contradições, devido a uma realidade marcada por problemas de
contaminação, já começam a situar-se nas propostas do ecossocialismo.
– Que risco implica para a Venezuela não contar com a figura de Hugo Chávez?
– Chávez era a grande força e a grande debilidade da
revolução bolivariana. A grande força porque ele, com seu carisma, com
sua radicalidade, foi o impulsionador de todo esse processo. E a
debilidade porque tudo dependia dele; ele criou o partido; o sindicato
foi uma decisão de cima para baixo; tudo impulsionado do gabinete de
Chávez, e tudo baseado em seu carisma pessoal. Então, quando ele
desapareceu, o movimento se debilitou; e isso é muito negativo, ao
contrário de outros países onde há uma estrutura social e política
autônoma e que pode ter sua expressão política. Por exemplo, o processo
na Bolívia não depende tanto da pessoa de Evo, apesar
de que ele também é uma figura carismática. O desafio da Venezuela é dar
continuidade ao processo, para que este avance, porque as revoluções
que não avançam, retrocedem; essa é uma lei da história.
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* A entrevista é de Arturo Jiménez e Emir Olivares, publicada no jornal mexicano La Jornada e reproduzida site da Adital, 03-05-2013.
Fonte: IHU on line, 09/05/2013
Imagem da Internet
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