Daniel Aarão Reis*
Cubana confere notícia da morte de Fidel - STRINGER /
REUTERS
Superar
a servidão voluntária será a conta maior e
mais difícil de ser ajustada
Desde
o triunfo da revolução, a sociedade cubana construiu-se como um Estado nacional
soberano, uma utopia histórica. É verdade que houve a dependência da União
Soviética, mas sempre com margens de manobra que os cubanos souberam preservar.
Uma
outra aspiração realizada diz respeito às mudanças sociais, expressas em sistemas
de saúde e de educação públicos cujo valor é atestado por instituições
internacionais.
Foram
vitórias de todo um povo.
Entretanto,
como é comum entre os humanos, os cubanos tenderam a personalizar os
acontecimentos político-sociais. Assim, as vitórias forjadas pela sociedade
foram, em larga medida, atribuídas ao seu “líder máximo”, Fidel Castro, que, de
fato, associou-se intimamente à história contemporânea da Ilha. Agora, ao
prantearem o “seu” ditador, os milhões de cubanos chorarão pelos próprios êxitos
e fracassos.
E
é por isso que, para a sociedade cubana, será um desafio viver sem ele.
Mas
poderá ser um alívio porque, talvez, se abram novos horizontes para construir
um regime democrático, um outro sonho da história deste povo generoso e
rebelde. Ao contrário do que se esperava e a revolução prometia, a liberdade e
a democracia não foram construídas em Cuba. Ao contrário, ignorou-se e
usurpou-se esta esperança e aí é muito clara a responsabilidade pessoal de
Fidel Castro, um revolucionário que se tornou um ditador, no alto de uma
ditadura que, de revolucionária, foi-se tornando cada vez mais conservadora, ao
longo das décadas.
Também
neste caso não se pode ignorar a participação consciente de amplas maiorias,
respaldando e apoiando o ditador e a ditadura a quem ofertaram suas vidas e a
quem resolveram voluntariamente servir.
Superar
a servidão voluntária, diagnosticada há séculos por Etienne de la Boétie: esta
será a conta maior e mais difícil de ser ajustada. Saldá-la é condição para
alcançar a autonomia e a liberdade, os mais belos bens a que pode aspirar a
Humanidade.
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*Daniel
Aarão Reis é Professor de História Contemporânea da UFF
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