O estético, o ético e o sacro representam a evidência
simbólica da consciência crente na sua tematização estética e ética. De
acordo com a hermenêutica gadameriana, a arte e religião, o belo e
mito, estão na base da experiência hermenêutica originária (Verdade e Método).
Esta manifestação do sentido originário presente nas coisas interpela o
sujeito humano que vive na história segundo o dinamismo interior.
Assim «a interioridade torna-se tema de reflexão e apropriação
precisamente através da qualidade espiritual à qual a exterioridade
sensível, mediante a ressonância do sentimento e o simbolismo da
imaginação, dirige a consciência» (P. Sequeri). A qualidade estética da
experiência crente está profundamente relacionada com a descoberta da
interioridade no processo de hominização e humanização.
Os estados interiores, as imagens que povoam a nossa
mente, resultantes de representações, pensamentos e ideias, provêm do
sentimento das emoções que influenciam de algo modo o nível de
confiança que o ser humano atribui a si mesmo e aos outros. A
interioridade – que aqui podemos estabelecer paralelamente com a mente –
ganha qualidade espiritual na medida em que é capaz de aliar a si a
sensibilidade cristalizada no sentimento e na imaginação. A qualidade
espiritual, o sentimento e a imaginação não são apenas componentes
constitutivos da consciência mas a sua condição cognoscitivo-prática. A
consciência cristalizada na emoção, no sentimento, no desejo, no afeto
funda a dimensão estética que é o âmbito da sensibilidade da
consciência.
A perceção do sentir, ou perceção da emoção, dá-se na consciência estética enquanto categoria que explicita o affectus fidei,
o afecto da fé, ou a reapropriação teórica e prática dos diversos
modos em que se percepciona o manifestar-se de Deus. A estética
teológica assim entendida estabelece a «relação entre o teológico e o
modo da percepção. Porque não basta olhar, há modos e modos de olhar;
não basta tocar, há modos e modos de tocar» (P. Sequeri). Isto supõe
que à experiência estética, à experiência da beleza evocativa da
justiça originária que conduz ao cumprimento da promessa de sentido
último, seja subjacente à inteligência e à vontade humana. É neste
contexto que emerge a percepção do sacro que institui uma relação
diferenciadora com a realidade. Esta percepção do sacro insere-se na
justiça da afeição de Deus «porque sem nenhuma referência a uma origem
divina não posso ser perfeitamente justo, porque sem este referimento,
sem uma não apropriação do género, colocar-me-ei no lugar de juiz
supremo, de mestre da justiça e isto é início de toda a espoliação» (F.
Hadjadj).
A consciência estética supõe portanto a consciência
crente e a consciência ética. Sem estas instâncias não é possível
colher a experiência estética no seu núcleo metafísico e universal. O
perigo subjacente é a degeneração do belo em sedução, do medo em pânico,
da alegria em histerismo, e assim por diante. Portanto, a experiência
de beleza que o sujeito faz está profundamente ligada ao sentido da
justiça e da verdade, isto é ao saber originário da consciência, a uma
metafísica dos afectos, que subtrai o humano ao útil, ao funcional e ao
poder sedutor incontrolável da imediateza. É verdade quando Pierre
Levy afirma que «se o mundo humano subsistiu até hoje é porque sempre
houve justos suficientes. Porque as práticas de acolhimento, de ajuda,
de abertura, de atenção, de reconhecimento, de construção, acabam por
ser mais numerosas ou mais fortes do que as práticas de exclusão, de
indiferença, de negligência, de ressentimento, de destruição».
Na verdade, a autêntica experiência estética situa-se
ao nível da qualidade espiritual do humano e não no sentido primário do
usufruto, do gozo sentimental. A beleza sem a bondade e a inteligência
é um estéril sentimento, momento sedutor que afasta a verdade das
coisas, colocando-a ao nível de um simples jogo de sedução. A
consciência estética está profundamente ligada à experiência religiosa e
não tanto ao gozo imediato de uma obra de arte. Se a beleza não invoca
a justiça e a verdade originária inscrita no coração humano
converte-se em banal encantamento, sedução sentimental, aparência de
bem, auto-referencial. À estética teológica caberá fazer apelo à
interioridade humana, mantendo em relação a dimensão corpórea
(cognitiva) e a dimensão espiritual (afectiva) do sentir. Por exemplo, a
música enquanto «ciência da anima» tem a missão de explicitar, invocar e
discernir a qualidade sensível e espiritual da experiência humana e
religiosa. A música surge como a evidência simbólica da consciência
crente. A música como síntese do sensível leva o humano a sentir uma
experiência originária vital, libertando o seu imaginário
frequentemente preso às palavras e gestos, a ritos e representações.
Há portanto, aqui uma ressonância afectiva e cognitiva
que liberta a interioridade humana e a predispõe para o acolhimento da
Revelação. A «fé é, substancialmente, escuta emocionada da palavra de
Deus» (Ricotta), ou melhor: «reconhecimento que se nutre de
agradecimento» (Sequeri). A razão teológica apresenta uma evidência
simbólica (ético, símbolo e rito) que faz apelo ao reconhecimento a
partir da interioridade do sujeito mas ao mesmo tempo o dispõe para uma
abertura re-memorativa à Tradição, a um existir que o precede e funda. Em parte, poder-se-ia ver neste reconhecer-se (sentir-se) reconhecido
uma certa receptividade passiva do sujeito. Mas a evidência simbólica
da razão teológica é mais do que uma ideia ou uma representação de um
ideal. Ela assume, na verdade, uma figuração ontológico-hermenêutica do
princípio verdade/justiça da ordem afectiva instaura pelo ágape livremente oferecido de Deus.
O «dar-se da Vida como autoafeição pática cruza-se com o próprio poder da incarnação» (Viola), visibilidade do invisível, o Logos crístico que revela,
na sua configuração histórico-hermenêutica. A consciência estética
(beleza) desenvolve uma evidência simbólica (rito, símbolo, ethos)
capaz de ordenar os afectos, de manifestar a vida invisível,
inconsciente, ao si humano consciente, restituindo-o a sua afectividade
originária. Na verdade, uma «semelhante fenomenologia do
espírito-vida, no corpo-mundo, poderá chegar a tocar a realidade da
vida espiritual, porém, somente aonde o espírito seja compreendido, na
sua acepção mais originária, como vida gerada no logos da afeição e libertada pela justiça do sentido»
(Sequeri). Sem racionalidade, sem afecto e sem o justo sentido da
existência a mente humana permanece à deriva de si e dos outros. Fica a
interrogação apelativa: «aquilo que se comunica na Igreja, o que se
transmite na sua Tradição viva é a luz nova que nasce do encontro com o
Deus vivo, uma luz que toca a pessoa no seu íntimo, no coração,
envolvendo a sua mente, vontade e afectividade, abrindo-a a relações vivas na comunhão com Deus e com os outros»? (Carta Encíclica Lumen Fidei, 40).
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Texto de João Paulo Costa
© SNPC | 29.07.13
© SNPC | 29.07.13
Fonte: http://www.snpcultura.org/o_estetico_o_etico_o_sacro_luz_da_fe.html - Site de Portugal.
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