terça-feira, 14 de junho de 2016

JORGE LUIS BORGES - Conferências perdidas sobre tango saem nos 30 anos da morte de Borges

ORG XMIT: 081201_1.tif Argentine writer Jorge Luis Borges (C) with his wife Maria Kodama arrives at the Elysée Palace, in Paris 19 January 1983, before being awarded with the Legion of Honor by French President Franñois Mitterrand. AFP PHOTO JOEL ROBINE
 O escritor Jorge Luis Borges e sua mulher, María Kodama, em 1983

No dia 30 de setembro de 1965, um pequeno anúncio no jornal "La Nación" avisava que "durante todas as segundas-feiras de outubro, às 19h, o escritor Jorge Luis Borges dará conferências sobre tango, no primeiro andar do prédio número 82 da rua general Hornos (Buenos Aires)". 

O conteúdo dessas aulas permaneceu desconhecido até que um dos que as havia assistido, um jovem galego que logo depois partira para a Espanha, entregou a um escritor amigo que viajava a Buenos Aires, em 2002, um pacote de cassetes contendo as conferências.

As gravações foram ouvidas por editores, estudiosos, pela viúva do escritor, María Kodama, e por seu principal biógrafo, o britânico Edwin Williamson, que confirmaram sua autenticidade.

O inédito "El Tango - Cuatro Conferencias" (editorial Sudamericana), reunindo as quatro palestras consideradas perdidas, é o principal lançamento deste aniversário de 30 anos da morte de Jorge Luis Borges (1899-1986), que se celebra nesta terça (14). 

Outras homenagens terão lugar, como o concerto-performance do cantor Pedro Aznar com a atriz Graciela Borges, que interpretarão alguns de seus poemas e textos na Usina del Arte, e uma exposição no Centro Cultural Néstor Kirchner, ambos em Buenos Aires, assim como relançamentos de seus textos mais famosos e novos ensaios, como os do crítico Carlos Gamerro. 

Nada, porém, se equipara a edição de uma obra inédita, que vem sendo bem recebida pela crítica, por desconstruir alguns mitos tanto sobre Borges como sobre o tango. 

"Se consolidou que era um escritor mais universal que argentino, mas sua visão sobre o mundo era portenha antes de tudo", diz o escritor e amigo do autor, Alberto Manguel. 

De fato, os textos remontam à história do tango desde seus princípios como um gênero típico da geografia física e humana da região do Rio da Prata. Borges explica que se interessou pelo tema nos anos 20 "quando não havia a quantidade de livros que existem hoje sobre o tango, mas quando ainda era possível conversar com pioneiros." 

De cara, Borges se contrapõe à ideia, que considera romantizada e que logo se celebrizou, de que o tango era um gênero de pobres que se impôs sobre os ricos. O caminho, ele mostra nas palestras, foi um pouco mais tortuoso. 

De fato, o escritor coloca o "compadrito" –como se chamavam os membros da classe média baixa, que viviam nos bairros às margens do rio– como um protagonista. 

Era nos bordéis e casas noturnas frequentados por eles que o gênero começou a ser divulgado. Porém, segundo Borges, o tango talvez nunca saísse daí se não fossem os "garotos ricos em bando" que também frequentavam esses lugares. 

E que, depois, viajavam a Paris, onde então o tango ganhou status de grande arte e voltou a Buenos Aires com outra importância. 

Não fica claro se Borges aprovava ou não essa necessidade de o gênero ter recebido o "selo de aprovação" europeu, mas o escritor não esconde seu fascínio pela vida da periferia da Buenos Aires de então. 

O crítico Gustavo Varela indaga sobre essa obsessão borgeana. "Ele ouvia falar das festas que terminavam em brigas com facas desses lugares, mas era por relatos." De fato, não há evidências de que Borges deixasse a proteção da vizinhança da casa familiar com frequência para ir a esses lugares, mas é fato que esse "imaginário do subúrbio" povoou muito de sua obra. 

Nas conferências, fica claro que o tango ofereceu, para Borges, uma oportunidade de, de certa forma, viver outras vidas. Sobre o gênero, escreve: "Todos nós levamos conosco isso que é tão necessário para seguirmos vivendo: todos levamos uma vida humilde, mas podemos levar outra dentro de nós mesmos, uma vida imaginária". 

Outro mito que vem se desfazendo é o de que Borges não queria sentir-se muito argentino. A ideia de que o escritor preferia ser reconhecido no exterior que sentir-se identificado com sua terra natal tomou força durante a ditadura militar (1976-1983). Por ser anti-peronista, o escritor mostrou simpatia pelo novo regime, e por conta disso foi rechaçado pela intelectualidade progressista. Passadas três décadas de sua morte, porém, esse tipo de rejeição vem se dissolvendo. 

Até porque novos estudos mostram que sua relação com a política foi menos maniqueísta do que se pensava a princípio. Por exemplo, Borges teve simpatia pelos bolcheviques e a Revolução Russa. Depois, com horror ao peronismo, que identificava com o fascismo europeu, filiou-se ao partido radical (UCR), mas tampouco foi um militante ativo. 

Williamson chama a atenção em seu livro, por exemplo, à força que as passagens pela Europa, ainda na infância e na adolescência, tiveram sobre ele. 

RETORNO, NÃO FUGA
 
O fato de ter preferido viver a fase final de sua vida, com câncer, em Genebra não teria sido, portanto, uma fuga, como muitos argentinos, inclusive de seu círculo próximo, pensavam, mas sim um retorno.
Segundo uma carta que foi revelada anos depois de sua morte, Borges se mostrava tão nostálgico da Buenos Aires de sua infância que isso parecia ter determinado sua vontade de morrer longe dali. 

"Genebra corresponde aos anos felizes da minha vida. Minha Buenos Aires é a das guitarras, das milongas, dos pátios das casas baixas. E nada disso existe mais agora. É apenas uma grande cidade como tantas outras." 

Foi por isso que, num 14 de junho como hoje, Borges preferiu morrer longe dos bairros tradicionais de Buenos Aires, os das intrigas, festas e brigas de faca descritas nas letras dos tangos de que gostava. 
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Reportagem SYLVIA COLOMBO EM BUENOS AIRES
Fonte:  http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1781372-conferencias-perdidas-sobre-tango-saem-nos-30-anos-da-morte-de-borges.shtml

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