O escritor Jorge Luis Borges e sua mulher, María Kodama, em 1983
O conteúdo dessas aulas permaneceu desconhecido até que um dos que as
havia assistido, um jovem galego que logo depois partira para a Espanha,
entregou a um escritor amigo que viajava a Buenos Aires, em 2002, um
pacote de cassetes contendo as conferências.
As gravações foram ouvidas por editores, estudiosos, pela viúva do
escritor, María Kodama, e por seu principal biógrafo, o britânico Edwin
Williamson, que confirmaram sua autenticidade.
O inédito "El Tango - Cuatro Conferencias" (editorial Sudamericana), reunindo as quatro palestras consideradas perdidas, é o principal lançamento deste aniversário de 30 anos da morte de Jorge Luis Borges (1899-1986), que se celebra nesta terça (14).
O inédito "El Tango - Cuatro Conferencias" (editorial Sudamericana), reunindo as quatro palestras consideradas perdidas, é o principal lançamento deste aniversário de 30 anos da morte de Jorge Luis Borges (1899-1986), que se celebra nesta terça (14).
Outras homenagens terão lugar, como o concerto-performance do cantor
Pedro Aznar com a atriz Graciela Borges, que interpretarão alguns de
seus poemas e textos na Usina del Arte, e uma exposição no Centro
Cultural Néstor Kirchner, ambos em Buenos Aires, assim como
relançamentos de seus textos mais famosos e novos ensaios, como os do
crítico Carlos Gamerro.
Nada, porém, se equipara a edição de uma obra inédita, que vem sendo bem
recebida pela crítica, por desconstruir alguns mitos tanto sobre Borges
como sobre o tango.
"Se consolidou que era um escritor mais universal que argentino, mas sua
visão sobre o mundo era portenha antes de tudo", diz o escritor e amigo
do autor, Alberto Manguel.
De fato, os textos remontam à história do tango desde seus princípios
como um gênero típico da geografia física e humana da região do Rio da
Prata. Borges explica que se interessou pelo tema nos anos 20 "quando
não havia a quantidade de livros que existem hoje sobre o tango, mas
quando ainda era possível conversar com pioneiros."
De cara, Borges se contrapõe à ideia, que considera romantizada e que
logo se celebrizou, de que o tango era um gênero de pobres que se impôs
sobre os ricos. O caminho, ele mostra nas palestras, foi um pouco mais
tortuoso.
De fato, o escritor coloca o "compadrito" –como se chamavam os membros
da classe média baixa, que viviam nos bairros às margens do rio– como um
protagonista.
Era nos bordéis e casas noturnas frequentados por eles que o gênero
começou a ser divulgado. Porém, segundo Borges, o tango talvez nunca
saísse daí se não fossem os "garotos ricos em bando" que também
frequentavam esses lugares.
E que, depois, viajavam a Paris, onde então o tango ganhou status de grande arte e voltou a Buenos Aires com outra importância.
Não fica claro se Borges aprovava ou não essa necessidade de o gênero
ter recebido o "selo de aprovação" europeu, mas o escritor não esconde
seu fascínio pela vida da periferia da Buenos Aires de então.
O crítico Gustavo Varela indaga sobre essa obsessão borgeana. "Ele ouvia
falar das festas que terminavam em brigas com facas desses lugares, mas
era por relatos." De fato, não há evidências de que Borges deixasse a
proteção da vizinhança da casa familiar com frequência para ir a esses
lugares, mas é fato que esse "imaginário do subúrbio" povoou muito de
sua obra.
Nas conferências, fica claro que o tango ofereceu, para Borges, uma
oportunidade de, de certa forma, viver outras vidas. Sobre o gênero,
escreve: "Todos nós levamos conosco isso que é tão necessário para
seguirmos vivendo: todos levamos uma vida humilde, mas podemos levar
outra dentro de nós mesmos, uma vida imaginária".
Outro mito que vem se desfazendo é o de que Borges não queria sentir-se
muito argentino. A ideia de que o escritor preferia ser reconhecido no
exterior que sentir-se identificado com sua terra natal tomou força
durante a ditadura militar (1976-1983). Por ser anti-peronista, o
escritor mostrou simpatia pelo novo regime, e por conta disso foi
rechaçado pela intelectualidade progressista. Passadas três décadas de
sua morte, porém, esse tipo de rejeição vem se dissolvendo.
Até porque novos estudos mostram que sua relação com a política foi
menos maniqueísta do que se pensava a princípio. Por exemplo, Borges
teve simpatia pelos bolcheviques e a Revolução Russa. Depois, com horror
ao peronismo, que identificava com o fascismo europeu, filiou-se ao
partido radical (UCR), mas tampouco foi um militante ativo.
Williamson chama a atenção em seu livro, por exemplo, à força que as
passagens pela Europa, ainda na infância e na adolescência, tiveram
sobre ele.
RETORNO, NÃO FUGA
O fato de ter preferido viver a fase final de sua vida, com câncer, em
Genebra não teria sido, portanto, uma fuga, como muitos argentinos,
inclusive de seu círculo próximo, pensavam, mas sim um retorno.
Segundo uma carta que foi revelada anos depois de sua morte, Borges se
mostrava tão nostálgico da Buenos Aires de sua infância que isso parecia
ter determinado sua vontade de morrer longe dali.
"Genebra corresponde aos anos felizes da minha vida. Minha Buenos Aires é
a das guitarras, das milongas, dos pátios das casas baixas. E nada
disso existe mais agora. É apenas uma grande cidade como tantas outras."
Foi por isso que, num 14 de junho como hoje, Borges preferiu morrer
longe dos bairros tradicionais de Buenos Aires, os das intrigas, festas e
brigas de faca descritas nas letras dos tangos de que gostava.
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Reportagem SYLVIA COLOMBO EM BUENOS AIRES
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1781372-conferencias-perdidas-sobre-tango-saem-nos-30-anos-da-morte-de-borges.shtml
Reportagem SYLVIA COLOMBO EM BUENOS AIRES
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2016/06/1781372-conferencias-perdidas-sobre-tango-saem-nos-30-anos-da-morte-de-borges.shtml
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