Cientistas da Universidade de Coimbra estudaram o cérebro de adeptos
das claques oficiais da Académica e do Futebol Clube do Porto. Quando
vêem o seu clube, os adeptos activam circuitos cerebrais semelhantes aos
do amor.
Se olharmos para um adepto de futebol que vê o seu clube em campo,
podemos ver comportamentos excessivos, gritos, choro, explosões de
alegria, uma mistura entre amor tribal e fanatismo. Se, por outro lado,
olharmos para os circuitos do cérebro desse mesmo adepto, comprovamos
que não estamos longe da verdade. Um estudo baseado em imagens cerebrais
realizado por uma equipa de cientistas da Universidade de Coimbra
concluiu que alguns dos circuitos cerebrais activados em elementos das
claques de futebol da Académica (os Mancha Negra) e do Futebol Clube do
Porto (os Super Dragões) são semelhantes aos que o “amor romântico”
desperta.
Ao longo de três anos, os investigadores do Instituto de Ciências
Nucleares Aplicadas à Saúde da Universidade de Coimbra (UC) “estudaram o
cérebro de 56 adeptos, na sua maioria das claques oficiais da Académica
e Futebol Clube do Porto, cujo nível de paixão foi avaliado através de scores de avaliação psicológica”, refere um comunicado da UC divulgado esta segunda-feira sobre o estudo publicado na revista Social Cognitive and Affective Neuroscience.
Os participantes na investigação – 54 homens e duas mulheres, com
idades entre 21 e 60 anos – foram “expostos a vídeos emocionalmente
intensos, quer positivos (por exemplo o golo de Kelvin contra o Benfica
no caso dos adeptos do FCP) quer negativos ou neutros”.
“Foi observada a activação de circuitos cerebrais de
recompensa que são semelhantes aos que são activados na experiência do
amor romântico”, afirma Miguel Castelo Branco, coordenador deste estudo
sobre o “amor tribal” no futebol. Na investigação, explica ao PÚBLICO,
foram usadas escalas validadas por psicólogos para estudar o grau do que
se chama “fanatismo”. Mas, sabendo que esta palavra tem uma conotação
negativa, Miguel Castelo Branco prefere chamar-lhes simplesmente
“escalas de paixão pelo futebol”. Basicamente, há zonas do cérebro –
como a amígdala, o núcleo accumbens e outras zonas que libertam
dopamina, uma substância química do cérebro – que têm a ver com os
circuitos da memória emocional e da recompensa. “São zonas que se
activam tanto mais quanto mais fervoroso é o adepto”, diz Miguel Castelo
Branco.
Zonas cerebrais significativamente activas nos adeptos de futebol marcadas a laranja
DR
Algumas destas regiões são as mesmas que o amor romântico activa, mas
não todas. “A amígdala, por exemplo, é uma das regiões que têm um
padrão ligeiramente diferente. Conseguimos ver uma correlação da
actividade da amígdala com a paixão clubística, mas não há achados
semelhantes no amor romântico”, nota o investigador, que adianta ainda
que esta área “se activa muito mais” com o estímulo do futebol. “Isto
pode até, perigosamente, sugerir que estes adeptos sentem mais pelo
clube do que numa situação de amor romântico”, comenta. Já no que o que
se refere às regiões que libertam dopamina (como a área tegmental
ventral, o putâmen e a substância negra), os sinais cerebrais são muito
semelhantes aos que encontramos no “amor romântico".
Os cientistas
perceberam também que os circuitos de memória emocionais são mais
recrutados pelas experiências positivas do que pelas negativas. O que
quer dizer que um golo da nossa equipa desperta mais estas regiões no
cérebro do que um golo do adversário. “O cérebro está feito para dar
mais valor às emoções positivas e esquecer as negativas. Mesmo nestes
adeptos fervorosos. E isso acaba por ser uma boa notícia, porque sugere
que o nosso cérebro está, de alguma forma, protegido”, constata Miguel
Castelo Branco. Há, assim, um lado positivo neste “amor tribal” (já
descrito do ponto de vista antropológico pelo britânico Desmond Morris)
que nos mostra que o cérebro terá mecanismos de apagar as más memórias
que podem conduzir ao “ódio tribal”.“
Guerra dos Sexos
E
será que há diferenças entre o fervor de um elemento da Mancha Negra e
dos Super Dragões? “Neste estudo não encontrámos diferenças. Estamos a
tentar perceber se o estatuto sócio-económico, o grau de expectativa e o
número de anos de sócio são variáveis que têm influência”, adianta ao
PÚBLICO. E, tendo em conta que entre os participantes no estudo há duas
mulheres, foram detectadas diferenças entre géneros? “Não podemos tirar
grandes conclusões sobre o género porque são só duas mulheres. Nesta
fase, procurámos olhar para o que é comum nestes adeptos e observámos
que as mulheres têm um padrão similar ao dos homens.
E, por falar em participantes nesta investigação, note-se que houve
“dois cartões vermelhos” neste trabalho. Duas pessoas que inicialmente
estavam incluídas no grupo de adeptos acabaram por ser excluídas. Um era
um treinador de futebol e outro um jogador e o argumento para a
“expulsão” foi o facto de serem demasiado racionais e terem uma visão
demasiado técnica do jogo.
Miguel Castelo Branco não pertence a
nenhuma claque que futebol, mas gosta deste desporto. “Devo-lhe
confessar que sou adepto de futebol”, diz, admitindo uma “motivação
extracientífica”. E torce por quem? “Pelo Académica e pelo Porto, pelos
dois”, revela, adiantando que chegou a sentir-se tentado a “espreitar”
os circuitos do seu cérebro que, quem sabe, poderiam revelar imagens
interessantes perante um confronto entre as duas equipas. Mas mais do
que qualquer motivação pessoal, os cientistas procuraram perceber melhor
os mecanismos do amor tribal.
Miguel Castelo Branco avisa que a
investigação que olhou para os circuitos cerebrais de elementos de
claques de futebol é só um primeiro passo de um projecto mais abrangente
que tem a ver com o processo de tomada de decisão. “Temos um projecto a
que chamamos de ‘Guerra dos Sexos’ que é mais abrangente e este é só o
primeiro estudo. Queremos estudar o processo de tomada de decisão”, diz o
coordenador do estudo. “As emoções em excesso muitas vezes levam à
perda de racionalidade e isso é algo que nos interessa.” E se há
actividade humana em que as emoções são muito fortes, o futebol é
seguramente uma delas.
Os adeptos foram estudados enquanto viam
jogadas positivas e negativas. Esse foi um simples primeiro passo.
Agora, terão pela frente desafios mais complicados. Vem aí a etapa dos
“dilemas”, anuncia o investigador. É hora de tomar decisões quando forem
confrontados com a questão: “Prefere ir assistir a um jogo de futebol
ou ir ao cinema com a sua mulher?” E não vale dizer que se escolhe os
dois programas em horários diferentes.
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Reportagem por
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