sábado, 12 de dezembro de 2009

Construção de humanidade

Padre Wilson Denadai*

A beleza das catedrais estava ancorada no anonimato de seus construtores, escrevia o cineasta sueco Ingnar Bergman. Os séculos que levava para ser construída testemunhavam a grandeza de uma obra “que existia para a glória de Deus”. Intimamente ligada ao culto, fazia do artista um artesão entre outros. A capacidade criativa era dom e como tal devia ser posta em prática. No caso, ele queria que seu cinema, à semelhança dos grandes monumentos cristãos, fosse sua parte na construção coletiva que é por si só, “o templo duradouro da arte”. Em suas afirmações estava presente a concepção de uma gratuidade radical como componente do gesto criador. Distante de qualquer pragmatismo, de qualquer interesse monetário e mesmo da atribuição de gênio criador a quem quer que fosse autor de qualquer obra prima.

Concepções pouco funcionais em tempo de empreendedorismo e de design. A beleza deve estar subordinada à funcionalidade. Importa menos a expressão de si, como artista, ou a arte, como expressão da criatividade humana na busca de glória de Deus, que uma beleza que obedece ao espírito do tempo. E o nosso tempo é marcado pela predominância da funcionalidade. Aplicada à atividade humana, esta significa a produção de resultados no menor tempo possível.

Nos dois casos há uma visão de homem e de mundo. Opostas. No primeiro, o homem se expressa reproduzindo na sua ação o gesto criador de Deus. Visão do mundo como uma ecumene que expressa a sua glória. No segundo, a concepção do indivíduo, tomado como totalidade e plenitude de humanidade: seja seu próprio empreendimento!... O investimento em si próprio transforma o indivíduo em valor de troca de si mesmo, no mercado de caçadores de talento! O indivíduo, enquanto tal, é sua própria mercadoria... Faz de si mesmo uma mercadoria que se troca na sociedade. Concretiza um ideal de humanidade que Max Weber definiu como nulidade que se acha o máximo.

Hoje, a arte e o artista estão no mercado. Com a emergência da subjetividade, na Idade Moderna, apareceu também a ideia do talento individual. Do gênio criador individual. A comunidade dos filhos de Deus, uma concepção de uma humanidade — o homem no conjunto de suas relações — foi substituída pela concepção que anuncia mais que um modo de conhecer a realidade: uma postura de consciência como instauradora do real. Com todo o avanço que isso representa, há também em germe certo prenúncio de afirmação da onipotência humana. Ela virá mais tarde, seja no valor do trabalho, seja na pretensão científica de dar conta do mistério do mundo.

Mas isso afeta diretamente a tarefa educativa. Transformar educação em problema de gestão administrativa, de administração de técnicas avançadas, de afirmação do professor-gênio são outras formas de esquecer a construção da grande catedral de que fala Bergman. Construir uma nova humanidade, na base do reconhecimento de que estamos no interior de um processo, que por meio dos antepassados nos deu um mundo situado, como ponto de partida para exercer nossa criatividade. Nunca sozinhos, nem anônimos, mas em processo de troca intersubjetiva.

Hoje, buscamos as feiras de artesanato e, por vezes, nos deliciamos com o pão caseiro produzido em série nas fábricas. Retorno àquilo que somos no mais profundo de nós mesmos? Modismo? Buscar aquilo que nós mesmos destruímos ao produzir em série as coisas indispensáveis ao viver? E produzi-las de forma seriada e massiva?

O artesão medieval buscava a beleza e a glória de Deus que nela se expressava. Na obra de suas mãos evidenciava um sentido do tempo: buscava expressar nele a eternidade. O educador se assemelha ao artista. Busca plasmar o tempo valores eternos.

A essa tarefa nos dedicamos ao longo do ano que finda. Agradeço a todos os membros da comunidade universitária os avanços do ano que passou. Fica a todos um abraço carinhoso e votos de um feliz Natal e um Ano Novo carregado de criatividade e alegria.
*Padre Wilson Denadai é reitor da PUC-Campinas.
FONTE: Correio Popular online, 12/12/2009

Um comentário:

  1. Principalmente na função do translúcido, dos vitrais que as construções do estilo gótico, como a postada em foto, permitia. As formas ogivais de duas mãos em oração tem duplo função, a de remeter a idéia religiosa e da translucidade (se é que o termo existe, bom inventei, ué). Pe Wilson ou como posso me dirigir desde que não o ofenda (rsrsrs), já leu O Efeito Espacial? Lá tem meu e-mail na capa detrás. E.t. Estou pondo esse blog entre os meus favoritos.
    Abraço forte.

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