sábado, 12 de dezembro de 2009

A Declaração de Chiang Mai - Mãe água, Irmão Canguru


Publicamos aqui a Declaração de Chiang Mai, aprovada na Consulta Ecumênica sobre "Pobreza, bem-estar e ecologia na Ásia e no Pacífico", realizada na Tailândia, entre os dias 02 e 06 de novembro passado, pelo Conselho Ecumênico das Igrejas (Cec), pela Conferência Cristã da Ásia e pela Conferência das Igrejas do Pacífico.
O texto foi publicado na revista Adista, 08-12-2009. A tradução é de Anete Amorim Pezzini.

Eis o texto.

Declaração de Chiang Mai

 Introdução

Nós, fieis e líderes eclesiásticos da Ásia e da Oceania, acompanhados das nossas irmãs e dos nossos irmãos de outros continente, estamos reunidos em Chiang Mai, na Tailândia, de 2 a 6 de novembro de 2009 para refletir profundamente sobre o a relação fundamental entre o empobrecimento, criação de riqueza e acumulação e crise ecológica a partir da nossa fé cristã, em diálogo com outras religiões, e na perspectiva dos povos indígenas, das mulheres e dos jovens. Encontramo-nos junto com o Festival Budista de Loy Khratong, quando as pessoas oferecem flores, velas e incenso para agradecer à deusa do rio. A celebração tornou-se para nós o símbolo da nossa reunião na comunidade perto do Rio da Vida.

Um mundo e uma região em perigo

O nosso planeta, e em particular os países e as ilhas da Ásia e da Oceania, tem enfrentado catástrofes múltiplas sem precedentes.

As nações asiáticas, que representam mais da metade da população global, foram muitas vezes consideradas uma aplicação bem sucedida do modelo econômico neoliberal, descritas com “tigres da economia” e como “indústria global”. Mas a prosperidade de nossa região é sugada pelos lucros das multinacionais, obtidos extorquindo uma mão de obra de baixo custo, principalmente feminina; pelo pagamento da dívida externa às instituições financeiras internacionais, cumprido graças a cortes maciços nas despesas sociais; pela privatização e pela exploração da terra; pela exportação de mão de obra, madeira e outras matérias-primas para os países ricos. Escutamos, com um peso no coração, histórias de trabalhadores imigrantes birmaneses que fogem da opressão política e econômica apenas para encontrar outras formas de opressão na Tailândia; de dezenas de milhares de agricultores que se suicidam na Índia; de estudantes asiáticos endividados por causa do aumento vertiginoso das taxas; das mulheres da região de Mekong que terminam no comércio da prostituição…

Uma vez que o sistema asiático de criação de riqueza baseia-se na economia global, a nossa região é pesadamente atingida pela atual crise financeira e econômica mundial, provocada pelo aumento do “financiamento” (ou dissociação de financiamento da economia real). Os trabalhadores da área de desenvolvimento de exportação têm sido despedidos em grande número. As remessas de nossos trabalhadores imigrados estão diminuindo. Muito dos nossos governos estão mais endividados e em crise de liquidez para garantir até a mais elementar proteção social.

Com sua busca pelo lucro máximo, o sistema neoliberal de criação e acumulação de riqueza na Ásia não somente produziu pobreza, mas também gerou enormes débitos sociais e ecológicos, para a Mãe Terra, para os empobrecidos, para os povos indígenas e para as mulheres, sobre os quais incide mais pesadamente o impacto das mudanças climáticas drásticas; para os jovens e as gerações futuras, cujo amanhã é colocado em risco pelos modelos de produção e de consumo que não respeitam a capacidade de regeneração do nosso planeta. Ouvimos, com um peso no coração, histórias de pessoas forçadas a emigrar por razões ambientais, por causa do aumento do nível da água que ameaça inundar as ilhas da Oceania e países como Bangladesh; de povos indígenas privados de suas terras ancestrais pelas mineradoras e pela construção de enormes represas, que provocam o etnocídio das comunidades e das culturas indígenas e, portanto, fome e seca nas aldeias em toda a região…

Na Ásia e na Oceania, mas também alhures, a violência foi frequentemente usada pelas potências econômicas e políticas para garantir os “recursos naturais” do planeta. O terrorismo e a ganância imperialista profanam tanto da Mãe Terra quanto o corpo das mulheres. Escutamos, com um peso no coração, histórias de pessoas da Igreja mortas nas Filipinas em sua luta em defesa da ecologia e dos direitos dos agricultores e dos trabalhadores; das comunidades violadas pelas substâncias tóxicas das bases militares; das mulheres vítimas da violência em suas próprias casas…

A espiritualidade da Ásia e da Oceania em resposta ao empobrecimento, à ganância e à destruição ecológica

Cremos que o estreito laço existente entre crise econômica e crise ecológica seja a expressão de uma mais ampla crise ética, moral e espiritual. É de fato com a fé absoluta no “mercado livre”, com o culto da riqueza e dos bens materiais, com a doutrina do comunismo e do crescimento ilimitado que o os seres humanos têm usado seus próprios irmãs e irmãos, e saquearam sua única casa.

Portanto, para superar essa crise não se exige mais que uma renovação espiritual radical. Reafirmamos, a partir da nossa fé cristã, que tal transformação deve ser fundada nos imperativos bíblicos da opção preferencial de Deus pelos marginalizados (justiça) e pela sacralidade da criação (sustentabilidade).

Ao mesmo tempo, temos importante ensinamento da profunda fonte da sabedoria tradicional asiática. “Quando se une a riqueza, divide-se o povo. Quando se divide a riqueza, une-se o povo.”

Dos povos da Oceania, aprendemos o intrínseco vínculo das pessoas com a terra e o oceano e com toda a vida contida neles, como afirmação da presença de Deus na criação inteira. É nesse sentido que os povos da Oceania estão procurando recuperar uma espiritualidade ecológica na qual “viver, mover-se e situar o próprio ser”.

Da espiritualidade dos povos indígenas da Ásia e da Oceania, aprendemos a estender o maior ensinamento bíblico, aquele do amor pelo nosso próximo, à “Mãe Água”, ao “Irmão Canguru” e à “Prima Árvore”.

Do ecofeminismo, aprendemos a falsidade da dicotomia entre mente e corpo e entre ser humano e natureza que se traduzem em relações injustas.

Dos combativos movimentos dos indígenas, das mulheres e dos jovens na Ásia e na Oceania, aprendemos a espiritualidade contida na resistência e no compromisso político. Encontramos a esperança na história de mulheres indígenas que transmitem seus conhecimentos tradicionais e os valores comunitários, oferecendo sua contribuição para uma economia sustentável; e dos jovens que desempenham um papel central na luta contra a pilhagem da terra pela Arcelor-Mittal, uma siderúrgica multinacional no Estado de Jharkhand na Índia.

Dos outros credos e religiões antigas nascidas na Ásia, aprendemos o “caminho do meio” do budismo, a ahimsa (não violência) do hinduísmo em relação à ecologia e a todos os seres humanos; o imperativo do islã em combater a opressão em todas as suas formas.

A fé e a espiritualidade genuínas implicam ação. Afirmamos que as múltiplas crises que hoje nos encontramos enfrentando exigem com urgência respostas radicais e coletivas, não somente na Ásia e na Oceania, mas também nas comunidades de fé em todo o mundo. Unidos no amor de Deus, podemos e devemos começar a construir economia próspera e harmoniosa em que:

•todos participam e têm voz nas decisões que tenham impactado a sua vida;
•sejam satisfeitas as exigências da pessoa;
•a propagação social e o trabalho de assistência, levado avante na maior parte das vezes por mulheres sejam sustentados e valorizados;
•água, ar, terra e fontes de energia necessárias a sustentar a vida sejam protegidas e salvaguardadas.

Em suma, podemos e devemos moldar economias de vida e economias para a vida.

Os nossos compromissos e os nossos apelos

À luz do que foi afirmado, nós, participantes da Orientação Agape (Alternativa Global, Ambiente, Paz, Economia) sobre pobreza, a riqueza e a ecologia na Ásia e no Pacífico, comprometemo-nos:

•a construir e reforçar uma ou mais redes embasadas na fé, que promovam a justiça social, econômica e ecológica em colaboração com as organizações da sociedade civil e os movimentos sociais da região;

•a compartilhar amplamente, a comunicar de modo criativo (por exemplo, com sítios na web e vídeo), a discutir em profundidade e a ensinar de modo coerente aos nossos membros, às congregações, aos estudantes dos seminários e oas diversos parceiros a Declaração de Chiang Mai, junto com a Declaração dos povos indígenas, dos jovens e das mulheres da Ásia e do Pacífico sobre a pobreza, a riqueza e a ecologia;

•a viver em estilos alternativos que promovam comunidades sustentáveis, a partir da prática de consumo biossustentável.

Apelamos, além disso, às nossas Igrejas na Ásia e na Oceania e às organizações globais e regionais a fim de que:

•sublinhem a importância da pesquisa e da defesa das políticas econômicas redistributivas, especialmente em relação à reforma agrária, e de sistemas de consumo e de produções alternativas na Ásia e na Oceania;

•apoiem as iniciativas das Igrejas da Oceania e de outros países asiáticos vítimas da mudança climática em relação ao débito ecológico que lhes é devido;

•acompanhem a Igreja do CMI (Conselho Mundial das Igrejas) e da CIP (Conferência das Igrejas do Pacífico) na Oceania no desenvolvimento em nível local, nacional, sub-regional, regional e internacional para assegurar o respeito e a proteção dos direitos dos imigrantes por causas climáticas; na promoção da pesquisa sobre reinstalação e sobre instrumentos para determinar os custos; na definição de um quadro relativo a uma nova convenção ou protocolo sobre a reinstalação dos imigrantes por causas climáticas […]; na destinação de recursos aos programas do CMI sobre a dívida ecológica e mudanças climáticas, e a água; no suporte às mulheres, povos indígenas e jovens, grande portadores de sabedoria e energia, porque participam plenamente na fase de tomada de decisão dos processos eclesiásticos, especialmente a respeito das questões de justiça ecologia e economia; […]; na distribuição dos financiamentos e recursos adequados para a tabela já existente dos Povos Indígenas no CMI, criando imediatamente um grupo de trabalho para elaborar os termos de referência e os objetivos de um Fórum de Ação Cristã dos povos indígenas; na adesão à cultura e estilos de vida alternativos que rejeitem a cultura consumista, regenerando espaços comuns e públicos de divergência e criação, e empenhando-se na conscientização e na educação, sobretudo entre os jovens; na promoção de um diálogo sobre pobreza, bem-estar e ecologia com comunidades de diversas religiões.

FONTE: IHU/Unisinos onlina, 12/12/2009

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