ANNA VERONICA MAUTNER*
O senso comum diz que a gente tem que estar sozinho, sossegado, sem estímulos externos para melhor focalizar.
Vou tentar mostrar as falácias dessa crença.
Todo mundo acha que sossego melhora a capacidade de concentração e, portanto, facilita a aprendizagem. Não podemos esquecer daqueles que, diante do papel em branco, reagem com angústia e sensação de abandono, o que leva à dispersão do pensamento.
O vazio que se apresenta diante de quem vai estudar ou realizar uma tarefa intelectual pode gerar uma dispersão de atenção, tornando as tarefas impraticáveis ou realizáveis muito lentamente. Essa angústia do começar pode remeter à sensação de abandono. É como estar diante do desconhecido.
A agonia dessa sensação é tanto mais frequente quanto menor a criança, pois ela conhece menos coisas do que os adultos. O rol de coisas incompreensíveis, inesperadas, na vida cotidiana de uma criança é muito maior do que na de um adulto. Essa angústia pode se repetir a cada experiência de "começo" pelo resto da vida.
No passado, as crianças ficavam muito pouco sozinhas diante do papel em branco. Alguns educavam os filhos em internatos, onde nunca se fica sozinho. Quem não era interno era semi-interno. Os externos estudavam em casa, entre o vai e vem das pessoas em atividade comum da vida familiar.
A ideia do isolamento não é antiga. Estudava-se e trabalhava-se com outras pessoas que podiam ou não estar fazendo a mesma coisa. Curiosamente, pode-se dizer que nossos fantasmas internos, angústias, temores e ansiedades podem atrapalhar menos as funções mentais que ruídos de fundo, comuns em qualquer casa.
No silêncio e na solidão, as angústias internas perturbam a aquisição de novas informações e o surgimento de novas relações entre as ideias. Parece absurdo, mas o silêncio pesado pode perturbar o pensar. Nem sempre se dobrar ao senso comum não é sinal de sabedoria.
A angústia do "papel em branco" com o qual começamos esse pensamento pode ser maior quando se está isolado.
Na sala de aula, estamos com outros ouvintes. Podemos nos movimentar, observar gestos -não apenas escutar a voz.
Não pretendo levar os jovens para estudar em praça pública, nem dividir sua atenção com internet e TV, mas chamar atenção para o fato de que ruídos externos podem levar a um esforço de concentração.
Estou dando fé de que estamos diante de alguém que quer aprender. E, eliminando a angústia da solidão, não se deixa perturbar pelos ruídos do cotidiano. Assim estudamos, rezamos, meditamos, conversamos.
A presença do outro ou das coisas cotidianas elimina a angústia do desconhecido e permite que o novo não assuste.
Que cada um escolha, portanto, o modo que mais lhe convém, eliminando a autoridade do suposto senso comum.
*ANNA VERONICA MAUTNER, psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, é autora de "Cotidiano nas Entrelinhas" (ed. Ágora)
FONTE: Folha online, 14/01/2010
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