Para Mozart Neves Ramos, dirigente do Todos pela Educação,
Brasil superou descontinuidade no setor
Em maio deste ano, educadores e autoridades se reunirão em em Brasília para definir o Plano Nacional de Educação, documento que vai renovar as diretrizes da política pública de educação para os próximos dez anos. O químico Mozart Neves Ramos, presidente-executivo do Todos pela Educação, movimento educacional patrocinado, entre outras empresas, por Banco Real, Itaú Unibanco, Gerdau, Suzano e Odebrecht, elegeu a Conferência Nacional de Educação (Conae) como um dos acontecimentos mais relevantes do ano para o setor, porque o resultado do evento deverá "enterrar de vez o mal da descontinuidade" na área, justamente em um período eleitoral.
"É importante considerar os avanços, a sociedade não comporta mais descontinuidade", afirma Mozart, que, entre 1996 e 2003, foi reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e secretário de Educação do Estado nordestino. Além de defender a manutenção dos avanços, como os modelos de financiamento e de avaliação, Mozart espera que o plano dê prioridade a grandes metas, como a universalização do ensino médio e a melhor formação no fundamental. Ele diz ainda que o investimento brasileiro em educação é baixo e que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva perdeu a chance de liderar uma transformação do setor. "Uma lacuna do governo Lula foi ele não ter, como o grande líder que é, conclamado a sociedade para a causa da educação", lamenta. A seguir, a entrevista com o dirigente do Todos pela Educação:
Valor: Como o sr. avalia o que tem sido feito na área educacional?
Mozart Neves Ramos: Primeiro, a introdução da cultura de metas. O discurso e as políticas saíram do foco do professor e entraram no foco do aluno, o que valoriza o aprendizado. O financiamento público melhorou e os investimentos avançaram.
Valor: Por que é importante ter metas na educação?
Mozart: Isso nos permite aferir se a política está na direção certa. Quando o Brasil não tinha cultura de metas era sempre muito difícil entender se uma determinada política dava resultado ou não. O Brasil conseguiu reduzir a mortalidade infantil graças a metas que identificaram as causas do problema. No meio ambiente também há indicadores, mas na educação é recente.
Valor: Dá para dizer que 2010 é um ano decisivo para a educação?
Mozart: Sim, a Conae, em maio, terá que criar um bom ambiente para a construção do novo Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, e isso traduzido em poucas metas. Também precisamos trabalhar com a ideia de continuidade. Um dos males no Brasil é a descontinuidade, a ideia de que muda governo muda tudo. A educação sempre foi trabalhada como plano de governo, mas o certo é um plano de nação, de sociedade.
Valor: O momento é favorável para garantir continuidade?
Mozart: Não tenho dúvida. A sociedade não comporta descontinuidade nas políticas públicas que estão dando certo. Quem quer que seja o próximo presidente, o próximo ministro, não pode dizer que nada aconteceu e vai tudo acontecer agora. É importante considerar os avanços. Dois exemplos são o Saeb e o Fundef, criados no governo FHC, e aperfeiçoados na gestão atual com a Prova Brasil e o Fundeb.
Valor: Quais as grandes metas?
Mozart: Devemos ter um conjunto de 10 a 15 metas, três por cada ciclo de ensino. Por exemplo: já colocamos quase 100% das crianças na escola. A meta agora é perseguir um aprendizado efetivo. No ensino médio temos o desafio da universalização e de corrigir a distorção idade-série. Mais de 80% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados, mas apenas metade, 48%, está na idade correta. A outra metade está no ensino fundamental, e outros 1,8 milhão, fora da escola.
Valor: A sociedade brasileira está mobilizada para mudar isso?
Mozart: Estudos demonstram isso. Alguns pais não tiveram acesso à escola e têm percepção favorável quanto à qualidade da educação hoje. Eles veem seus filhos com livro, fardamento, merenda e se mostram satisfeitos. Claro, não tiveram nada disso. Agora, há uma nova geração de pais que terminou o ensino médio e perdeu chances no mercado de trabalho. Esses reconhecem que o aprendizado foi ruim, desenvolveram a percepção de que o filho tem que aprender, só ter escola não basta. Há dois anos, soube de um fato que não tinha visto nem quando era secretário de Educação em Pernambuco: uma mãe matriculou os dois filhos mais velhos na escola particular. Os dois mais novos precisaram ir para a escola pública, porque o dinheiro não dava. No dia a dia em casa, ela começou a perceber um certo distanciamento entre as crianças, um "gap" de aprendizagem. Ela entrou no Ministério Público para cobrar da prefeitura melhor qualidade de aprendizado dos filhos mais jovens. Se juntarmos esforços de mobilização com movimentos, a mídia cada vez falando mais sobre educação, vamos criar um caldo bom para cobrar qualidade.
Valor: O sr. falou em foco no aluno, mas e o professor?
Mozart: Enquanto o Brasil não resolver o problema da valorização do professor fica complicado avançar. Propomos quatro eixos: 1) salário inicial atraente para atrair os melhores jovens; 2) carreira que faça o trabalhador vislumbrar perspectivas e ter seus esforços premiados; 3) formação inicial e continuada: nos países que priorizaram a educação (Coreia do Sul e Irlanda) os professores são acompanhados pelo governo para que estejam sempre antenados com a escola pública. No Brasil, a formação continuada virou complementar, a universidade se descolou da educação básica e não forma bons professores; 4) condição de trabalho: o profissional nunca vai render bem sem estrutura.
Valor: Os investimentos em educação hoje são suficientes?
Mozart: O investimento público direto por aluno ano, considerando as três esferas de governo, foi de R$ 2.005 no ano passado; em 2006 era R$ 1.700. Houve um salto, mas que decorreu mais do crescimento econômico. Mesmo assim o investimento aqui é muito baixo. Argentina, Chile e México investem duas vezes mais que o Brasil, cerca de US$ 2 mil; países da Europa, seis vezes mais. Defendemos que os aportes em educação básica cheguem a 5% do PIB até 2012 - o patamar hoje é de 3,9% do PIB. Com o fim da DRU, que desvinculava receitas orçamentárias da educação, o país terá algo em torno de R$ 9 bilhões a mais, um impacto que dá para chegar a 4,2%, 4,3% do PIB. Para os 5%, o Brasil precisaria de mais R$ 25 bilhões.
Valor: Financiamento público e salário cresceram, além de outros avanços. É correta a percepção de que a educação melhorou?
Mozart: Sim, mas não na velocidade desejada. Os países começaram a perceber que educação de qualidade é o diferencial para se chegar à inovação. Enquanto saímos de um ponto e avançamos, países que estavam competindo conosco saíram do mesmo ponto e chegaram mais à frente. A diferença relativa aumentou, esse é o drama. Não basta melhorar, tem que melhorar mais rápido.
Valor: O país está perto de alçar a educação a um nível prioritário?
Mozart: Não sou otimista. Lula tem uma tecnologia de comunicação social fabulosa. Ele consegue falar de "A" a "Z" com todo mundo. Infelizmente, ele não fala muito sobre educação. Agora se o Lula falasse de educação um décimo do que fala do PAC, a gente poderia estar em outro patamar de prioridade. Uma lacuna do governo Lula na área social foi ele não ter, como o grande líder que é, conclamado a sociedade para a causa da educação. É a única pessoa que poderia ter feito isso hoje no Brasil, mas não fez. Uma pena.
REPORTAGEM DE Luciano Máximo, de São Paulo
FONTE: Valor Econômico online, 11/01/2010
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