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Karl Knausgard
Norueguês vem à Flip falar sobre a polêmica série autobiográfica 'Minha Luta', que resultou em sua retirada da ficção
Não é assim que começa o primeiro volume da série Minha Luta, do
norueguês Karl Ove Knausgard. Mas foi aí que o autor encontrou a conexão
entre o passado e o presente e conseguiu concluir um projeto frustrado
ano após ano durante uma década - escrever uma ficção sobre o pai. E o
que era um experimento literário resultou numa grande briga familiar.
Porque essa história que ele tanto queria contar, sobre a transformação
de um homem de família num bêbado e sua derrocada, só saiu na forma de
não ficção.
O protagonista é Karl Ove Knausgard e os personagens, familiares,
amigos, a mulher, a ex-mulher, os filhos. Todos ali, expostos com seus
nomes verdadeiros. "Minha família tentou proibir o livro. A questão
ética foi levantada - mas não porque escrevi alguma mentira sobre eles,
mas porque escrevi tão abertamente sobre meu pai", conta o autor, de
Beirute, onde participou esta semana do Hay Festival. Ele é um dos
convidados da Festa Literária Internacional de Paraty, em julho, quando
lança, aqui, A Morte do Pai (Companhia das Letras). Ele, porém, não
considera sua iniciativa antiética. "Não revelo nada sobre ninguém, só
sobre meu pai e minha avó, que já estão mortos", diz. Mesmo assim.
Contar a intimidade de sua família não pegou bem. No entanto, como todo
livro polêmico, a obra virou best-seller na Noruega.
Knausgard não assistiu a essa reação toda. Enquanto escrevia, não leu
as resenhas, não viu televisão. "Estava tentando me proteger. Tenho um
lado autista, que não se preocupa com ninguém, e por isso pude
continuar." Hoje ele não fala mais com a família, exceto com a mãe e o
irmão, que ficaram bravos no início, mas acabaram aceitando.
"Essa é a história mais importante da minha vida e eu tinha que
escrevê-la", conta. Quando começou o livro, aos 40, ele já era pai e
essa figura em que seu próprio pai se transformou pesou sobre ele como
uma ameaça. "Se isso aconteceu com ele, poderia ter acontecido comigo."
Durante toda a narrativa, o que vemos é a tentativa de um encontro
com esse pai ausente mesmo quando presente. Um encontro do autor com ele
mesmo e a descoberta de sua identidade. E isso se dá na infância e
adolescência, que ocupam a primeira parte do livro, no tempo presente,
da escrita da obra, e num passado não muito distante, quando a tão
esperada, porque previsível, notícia da morte do pai chega e ele volta
para casa com o irmão para enterrá-lo.
O cenário que encontram é de guerra. O apartamento da avó, para onde
ele se mudara depois de algumas tentativas de tratamento, está
destruído, com garrafas de bebida barata pelos cantos, pilhas de roupa
suja, urina e fezes no sofá, vômito no tapete. Essa descrição poderia
ser usada para a própria avó de mais de 80 anos, ela também abandonada,
que encontrou o filho morto na poltrona.
"Enquanto escrevia sobre minha infância, fui tomado por uma alegria, a
alegria desse tempo, mas foi emocionalmente difícil escrever sobre ele e
sobre morte", conta. Tudo o que está na obra aconteceu, garante, embora
confesse não se lembrar exatamente dos diálogos - e abusa deles.
Abusa também das descrições, por vezes, desnecessárias. Levou, por
exemplo, seis páginas para dizer como era ruim na guitarra e outras seis
para contar como o primeiro show de sua banda foi um desastre. Escreve,
ainda, coisas do tipo: "O banho não me ajudou em nada, então desliguei o
chuveiro e me enxuguei com uma toalha grande, passei um pouco de
desodorante nas axilas, me vesti e fui à cozinha para ver as horas,
secando o cabelo com uma toalha menor". Há outras passagens como essa
nas 512 páginas deste primeiro volume, que era para ser único.
"Quando terminei, percebi que havia um estilo ali de contar histórias
sobre a vida cotidiana, sobre o que acontece entre os grandes momentos,
e resolvi continuar." Em dois anos escreveu os cinco primeiros títulos.
O derradeiro levou mais um ano - ele traz um ensaio de 400 páginas
sobre Mein Kampf, obra de Hitler que serviu de inspiração para o título
da série - outra polêmica. "É a minha luta, a luta diária de todo mundo.
Mas ao mesmo tempo é uma luta universal, ideológica. Queria um título
que conectasse todos esses demônios", explica. "Foi uma forma de dizer
dane-se eu não me importo, que foi como me senti enquanto escrevia",
completa.
O autor não imaginou que tinha tanto fôlego e que sua vida renderia
tantos volumes. "Fui ingênuo, não percebi o tamanho do que eu estava
fazendo, mas isso foi totalmente necessário para mim." Mas agora disse
chega. Com a série Minha Luta - por enquanto, a Companhia das Letras só
comprou os direitos dos dois primeiros títulos -, ele se aposenta da
ficção.
"Quando tinha 19 anos, frequentei um curso de escrita criativa e uma
das regras era não chegar ao principal conflito de sua vida. Era o que
queria fazer. Queria esvaziar tudo, e a isso dou o nome de suicídio
literário. Não quero escrever outro romance." Se voltar a escrever,
ficará com os ensaios ou talvez se arrisque na ficção científica. "Você
só escreve ficção quando está infeliz, quando há algo quebrado, e espero
que meus filhos não queiram ser escritores porque aí saberei que algo
está errado." As crianças, de 9, 7 e 6 anos, e a mulher também virão à
Flip.
Se valeu a pena? "Sim, mas eu não seria capaz de ir lá de novo. Não, não quero voltar", conclui.
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* Reportagem por Maria Fernanda Rodrigues - O Estado de São Paulo
Fonte: Estadão on line, 11/05/2013
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