segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Felicidade em excesso

Lucy Kellaway*


É óbvio que felicidade em excesso causa sérias deficiências


Conheço um adolescente que me preocupa muito. Ele é bem nascido e sua família tem muito dinheiro. É extrovertido e otimista; as pessoas parecem gostar dele. É relativamente bonito e razoavelmente perspicaz. Sua saúde é boa e ele pode chutar, golpear e pegar bolas de vários tamanhos e formas. Ele não fuma, não usa drogas e não bebe muito.
O problema com esse garoto é que ele nunca se esforçou para nada na vida. Ele passou seus 16 anos de vida se divertindo à beça, pelo caminho do menor esforço, e embora sempre tenha sido alertado que não se consegue o sucesso e a realização sem esforço, ele não dá importância. "Por que alguém vai querer suar sangue para tirar uma nota A, quando por uma pequena fração de esforço se pode conseguir um B, que é a segunda melhor nota?", ele se pergunta.
Esse adolescente sofre de uma síndrome cada vez mais comum entre os garotos nascidos em berço de ouro. Eu a chamo de Síndrome do Excesso de Felicidade (SEF) e seu lema é "NDM", abreviatura de "não dou a mínima".
Até agora essa síndrome vem sendo ignorada pelos especialistas que estudam desempenho. Mas está claro: ser realmente feliz é uma limitação séria. Se a vida é muito agradável do jeito que é, por que alguém vai querer mexer um dedo para mudá-la?
Recentemente, a acadêmica de Harvard Rosabeth Moss Kanter mencionou isso em uma postagem de blog intitulada "Mark Zuckerberg e a Miséria como Motivação". Ela disse que o que motiva os empreendedores são as dolorosas falhas de caráter e as circunstâncias.
Zuckerberg, pelo menos segundo o filme "The Social Network", criou o Facebook porque não tinha amigos. O próprio Zuckerberg diz que isso é um disparate, mas eu aposto que se ele tivesse sido o sujeito mais popular de Harvard, teria dito NDM à ideia de criar um site na internet.
Do mesmo modo, Evan Williams, que acaba de ser descartado como executivo-chefe do Twitter, deve ter sido tímido e lento nas tomadas de decisões, o que o pode tê-lo tirado de um negócio em que a comunicação é fácil e instantânea. Há muitos outros exemplos entre os empreendedores. Alan Sugar certamente não teria abanado fogueiras quando era estudante se tivesse dinheiro em casa. Richard Branson não teria tanto entusiasmo em se autoafirmar se não fosse disléxico e visto como bobo.
Isso não vale apenas para os empreendedores. O mesmo se aplica ao mundo corporativo, ou ao sucesso em tudo na vida. Me lembro de entrevistar Gerry Robinson, empresário que virou guru televisivo, que me disse que jamais teria chegado a algum lugar não fosse pela torturante insatisfação que tem consigo mesmo. O que fez dele incomum entre os executivos-chefes não foi o fato de ele se sentir dessa maneira, e sim o fato de ele ter admitido isso.
Essa teoria- de que somos conduzidos pela nossa infelicidade- se aplica esplendidamente bem no jornalismo. Se penso em colegas que não estão prosperando, frequentemente o problema é uma falta de neuroses, e não de talento. Todos os bons jornalistas precisam se apegar ardentemente à mais desestabilizadora das verdades: para ser bom, você precisa ter um apetite insaciável pela aprovação, que somente vem com o temor secreto de que você não é bom.
Portanto, se é o sofrimento e a angústia que contam, precisamos repensar os tipos de trabalhos que as pessoas fazem, os tipos de pessoas que as empresas devem contratar. Para escolher a carreira certa, devemos ignorar o conselho padrão- faça o que você gosta- e identificar a falha de caráter ou fonte de angústia.
A coisa está mais para faça o que cutuca a ferida. Do mesmo modo, os empregadores deveriam olhar tanto para as fraquezas certas quanto para os pontos fortes certos. Os candidatos, diante de um comitê de seleção, não deveriam mais sentir que precisam ocultar suas inseguranças, e sim exibi-las. E quanto aos pais do adolescente citado no começo deste artigo? Eles sempre podem levar seus negócios à falência e infligir dificuldades reais à família, ou começar a bater e ameaçar o garoto.
Se falharem nisso, podem simplesmente esperar pela próxima geração. As pesquisas sobre a Síndrome do Excesso de Felicidade ainda não estão avançadas, mas imagino que os filhos daqueles que sofrem dela não deverão herdá-la. Ao crescer numa casa sem dinheiro e sucesso, qualquer filho desse adolescente vai descobrir que não importa qual for a tarefa, ele definitivamente terá que se importar.
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* Lucy Kellaway é colunista do "Financial Times". Sua coluna é publicada às segundas-feiras na editoria de Carreira

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