quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O papel da educação

Padre Wilson Denadadai*
Educação, cidadania, profissão: três palavras que se entrelaçam em grau maior ou menor de acordo com a forma que assumem as relações sociais ao longo da história. Foi-se o tempo em que o trabalho definia a identidade pessoal; reforçava os laços sociais via competência e confiança mútua. A habilidade manual e o “olho” aguçado aumentavam a autoestima do profissional. A “educação” para o ofício passava de pai para filho e, quando o trabalho era pouco qualificado, dizia o primeiro, zeloso pela ascensão social, “eu trabalho pesado para que meus filhos tenham uma boa profissão”. Equivalia a dizer: eles estudarão e se tornarão operários qualificados (quem sabe até mesmo profissionais liberais!).
A pertença ao grupo social fundava-se menos em laços de cidadania que de trocas pessoais, laços “afetivos” e um forte controle social. Mais que lei e procedimentos judiciais, valia a palavra dada. Ao mesmo tempo, a política da troca de favores, do clientelismo, do mandonismo local (aberto ou disfarçado) encobria a dominação feita sob a capa de “afetos” e apadrinhamentos.
Nesse quadro, o de uma sociedade fortemente estratificada, de caráter estamental, “os melhores” encontravam-se na universidade, também ela aparecendo como uma espécie de grande família. Um universo simbólico, fortemente marcado pela religião, perpassava o conjunto da vida social: a medicina, por exemplo, era vista como um sacerdócio.
Tempo que parece distante de nós anos-luz. E que desperta saudades em muitos até os dias de hoje... Aquele tempo sim que era bom...
A urbanização da sociedade não impediu, entretanto, que a política do favor, o fisiologismo, a busca do interesse pessoal continuassem presentes nas relações que constituem a vida social como “espaço público" (de todos), como ampliação do campo de liberdade, do reconhecimento por todos da própria identidade fundada na pertença a uma sociedade governada por uma lei que iguala a todos enquanto cidadãos. Aspiração criticada à direita e à esquerda. De um lado, porque combatia privilégios que a lei assegurava; de outro, porque encobria, sob o manto da lei igual para todos, a dominação de uma classe sobre as demais e, dessa forma, tornava mais esmagadora a opressão, uma vez que “consentida”. Nesse quadro, retorna a ideia do cidadão como portador de direitos e deveres, do sujeito que toma em suas mãos o destino pessoal e a capacidade de influenciar os rumos da vida social. E aí vem o papel da educação.
Mas não terá sido ela também reduzida à formação de profissionais para o mercado de trabalho que se estreita cada vez mais? Nele, a qualificação profissional, capaz de conferir identidade e autoestima, foi substituída pela flexibilização, pela capacidade de se adaptar a um mundo produtivo concebido como fluxo de pessoas, mercadorias e dinheiro, “autogerindo-se” nas especulações financeiras da vida. Cabe à universidade católica recuperar o seu lugar de consciência crítica da sociedade. Cabe a ela educar para o debate, criar sensibilidade para os problemas sociais, para solidariedade. Talvez seja uma utopia que impossibilite sua sobrevivência: mas o filósofo alemão Walter Benjamim já não lembrava que o ofício do intelectual era “varrer a história a contrapelo” assumindo a memória dos vencidos. Hoje não seria educar para a crítica num mundo governado pelo pensamento único, fundado no pragmatismo e uniformidade?
*Padre Wilson Denadai é reitor da PUC-Campinas.
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1654911&area=2190&authent=00434CDE6BEAA238D1744C53789AAA 01/10/2009

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