quarta-feira, 2 de junho de 2010

Momento cubano

Newton Carlos*


Com um general octogenário colocado na Vice-Presidência, de nome Antonio Enrique Lusson Batlle, o presidente cubano, Raúl Castro, procura construir espécie de blindagem que ajude a manter de pé o regime comunista. É o que diz a Latin News. Tem igualmente formação militar o novo ministro dos Transportes, César Ignácio Arocha, que dirigia uma companhia de distribuição de alimentos. Oficiais das Forças Armadas cubanas, uma das duas únicas instituições que funcionam em Cuba, a outra é o Partido Comunista, controlam boa parte do aparato econômico. O próprio presidente tem a patente de general.

Militares fazem inclusive cursos de gestão no exterior. As razões das mudanças, segundo versão oficial, foram “deficiências” e “erros” dos destituídos da Vice-Presidência e dos ministérios dos Transportes e do Açúcar. Mas não terá sido corrupção? Há 750 empresas do Estado sob investigações. Talvez trunfo num momento difícil, de insatisfações internas e externas. O novo ministro dos Transportes, companheiro graduado com passagem pelos quartéis, terá de executar um plano de melhoria do caótico sistema de transportes de Cuba. O montante da verba dada a ele, US$ 2 bilhões de imediato, confere ao plano a condição de emergência. As mudanças coincidiram com a revelação de que Cuba terá sua pior safra de açúcar em 105 anos, área até então controlada por um dos destituídos.

“Desde 1905 não se viu colheita tão pobre”, reclamou o Granma, jornal do Partido Comunista. As deficiências resultam do fato, entre outros, de que só 10 centrales (espécies de fábricas) envolvidas com a produção de açúcar, de um total de 44, conseguiram cumprir metas. “Faltou controle e exigências ao Ministério do Açúcar”, é ainda o Granma que reclama. Cuba chegou a faturar por ano US$ 4 bilhões com vendas de açúcar. Baixou a até US$ 600 milhões e o açúcar é um dos principais produtos responsáveis pelo faturamento em moedas fortes. Fortalecendo o establishment militar, são reforçadas as estacas de um regime “em situação muito dificil, sem dúvida a mais difícil no século atual”, segundo o cardeal Jaime Ortega, arcebispo de Havana.

O presidente Raúl e seu irmão Fidel parecem convencidos de que algo é tramado em Washington contra os detentores do poder em Cuba. No 1º de Maio, em grande manifestação com selo oficial, Raúl afirmou que seu país “nunca cedeu e nunca cederá a chantagens e ao terrorismo da mídia”. Em suas “Reflexões”, Fidel fez coro, reiterando que chantagens não conseguirão nada. A entrevista do cardeal Ortega saiu no Nueva Palabra, publicado mensalmente pela Igreja. Ortega disse ainda que é crucial a necessidade de que as reformas em Cuba “sejam feitas com rapidez”. De que é preciso abandonar “o velho e burocrático Estado stalinista”. Tais sentimentos “assumiram a forma de consenso nacional”. Ortega pediu a libertação de todos os prisioneiros políticos e ao jornalista Guillerme Farinas, encarcerado, que suspenda a greve de fome.

Surpreendeu a reação oficial às palavras de Ortega. Em dois dias consecutivos, o Granma publicou fotos do arcebispo com a informação de que ele se reunira com Raúl. O próprio Ortega convocou entrevista coletiva para falar de seu encontro com o presidente de Cuba. Disse que foi aberta “uma etapa inovadora de um diálogo” que, embora ainda incipiente, pode resultar na libertação dos presos políticos. Ortega procurou deixar claras duas coisas. As conversações entre a Igreja e o Estado são “entre cubanos”. Não seriam possíveis com um “governo estrangeiro”. Mas anunciou que Dominique Mamberti, encarregado das relações da Santa Sé com Estados, viajará a Cuba em 15 de junho, convidado pela Igreja e pelo governo cubano para participar das comemorações dos 75 anos das relações entre Cuba e o Vaticano.

Há expectativa pelo que possa representar a viagem de Mamberti. No seu discurso de 1º de Maio, o próprio Raúl não escondeu frustrações com o reduzido avanço de sua limitada agenda de reformas. As auditorias em empresas do Estado seriam um dos itens dessa agenda. Ele atende a anseios populares, segundo especialistas. Mas as dificuldades em avançar nesse terreno talvez expliquem os sucessivos adiamentos do congresso do Partido Comunista de Cuba. Receio, quem sabe, de que adquiram maior visibilidade sérias divergências internas. O Observer, de Londres, publicou reportagem sobre o êxodo de jovens cubanos de boa formação acadêmica, área em que a revolução mais avançou. Boa parte dos formandos, no entanto, tenta buscar fora oportunidades melhores de trabalho. As projeções são de população em queda numérica sobretudo numa área de excelência.
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*Jornalista e analista político.
Fonte: Correio Braziliense online, 02/06/2010

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