segunda-feira, 14 de junho de 2010

A reforma do Código de Processo Penal brasileiro: A favor ou contra?

A FAVOR

“Temos de diversificar penas”
Maria Berenice Dias, Desembargadora aposentada

Zero Hora – A proposta de mudança no código aumenta a tolerância com o réu?
Maria Berenice Dias – Há uma tendência mundial de encontrar formas de compor litígios que não sejam por pena de encarceramento. Está cada vez mais comprovado que não é a melhor forma de ressocialização. Estamos vivendo um momento que valoriza os direitos do réu, procura preservar o seu direito à liberdade. Esvaziam-se os presídios e se encontram formas alternativas de punição.

ZH – Isso não pode ser entendido como simples impunidade?
Maria Berenice – Não é impunidade. É preciso encontrar outras formas para as pessoas pagarem pelo que fizeram. Estamos vendo, a cada visita que se faz aos presídios, que eles não atendem à sua finalidade. Um exemplo positivo é a Lei Maria da Penha, que admite, em vez do encarceramento, a possibilidade de frequentar cursos de reeducação, fazer tratamento terapêutico.

ZH – Então, seguindo esse espírito, a senhora considera a proposta de novo código um avanço significativo?
Maria Berenice – Se ele vier voltado, de fato, a encontrar formas alternativas ao encarceramento, cumprir pena sem ir para a prisão, sim. Hoje, inclusive, há inúmeros mandados de prisão na rua. Se todos fossem cumpridos, não teria lugar. Então, não temos de abrandar penas, mas diversificá-las.

CONTRA

“É um código engana-bobo”
Eugênio Amorim, Promotor

Zero Hora – A proposta de mudança no código aumenta a tolerância com o réu?
Eugênio Amorim – É igual a outras mudanças, é sempre a favor do criminoso. Hoje, os conselhos de sentença são formados por sete pessoas. Querem oito, para que o promotor tenha de convencer cinco, já que o empate será da defesa. Fica bom para quem? A defesa continuará tendo de convencer quatro. Devem achar que há pouca impunidade no país.

ZH – E quanto à criação da figura do juiz exclusivo para instrução do processo?
Amorim – Como fazer em lugares longínquos? Não vai ter aplicabilidade nenhuma. Teria de aumentar o número de juízes, criar mais despesas. E (a medida) pressupõe que o juiz que defere medidas processuais, como uma prisão, é parcial. Ora, o trabalho do juiz é decidir. Isso é ridículo. Esse pessoal que interfere na feitura de leis, por defender as garantias individuais contra a opressão do Estado, utilizam no discurso pessoas pobres, o ladrão de galinha. Mas a intenção de cada mudança dessas é beneficiar o político poderoso, o sonegador. Não estão preocupados com o assassino nosso de cada dia.

ZH – A nova lei não seria capaz de ao menos agilizar o processo penal?
Amorim – Na estrutura, não muda. Muda só a fachada. Tenho muita descrença no Legislativo. Estão enganando a população. Este é um código engana-bobo.

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O QUE É

Código de Processo Penal são as regras que norteiam desde a investigação de um crime até o julgamento do réu e as possibilidades de recurso contra a sentença judicial. Determina, por exemplo, em que situações um réu pode ir para a cadeia antes da condenação definitiva.

Por que a reforma é polêmica
- O número de jurados subirá de sete para oito, mas o empate será favorável ao réu, tornando a condenação mais difícil.
- Limita-se a possibilidade de prisão antes da condenação, em comparação a hoje.
- O uso de algemas é desencorajado, ficando mais restrito.
- A decisão de que dois juízes devem cuidar de etapas diferentes do processo enfrenta dificuldades de viabilização em comarcas pequenas.
- Os juízes não poderiam mais interferir na coleta de provas.

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Reportagem de ITAMAR MELO E MARCELO GONZATTO

Fonte: ZH online, 14/06/2010

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